"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



02/10/2025

Jurisprudência 2025 (4)


Revelia operante;
efeito semi-pleno


1. O sumário de RP 13/1/2025 (1535/03.9TCLRS-E.P1) é o seguinte:

I - A consagração de um efeito cominatório semipleno na revelia operante não dispensa o juiz de elencar os factos alegados pelo autor que considera confessados (cf. artigo 607.º, nº 3 do CPCivil). II - Se o juiz não discriminou os factos provados por força da confissão tendo-se limitado a consignar: “consideram-se confessados os factos alegados pelo embargante”, a sentença é totalmente omissa quanto à fundamentação de facto e, consequentemente, é nula porque não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão [cf. artigo 615.º, nº 1 al. b) do CPCivil].

III - O uso da factie sepcies do citado nº 3 do artigo 567.º do CPCivil (fundamentação sumária) não pode ser automática, a causa há de revestir-se de manifesta simplicidade.

IV - Não cumpre a fundamentação, ainda que sumária, uma sentença (proferida nos termos do art.º 567.º, nº 3) que se limite a considerar confessados/provados os factos alegados pelo autor/requerente e que, de seguida, sem mais, passe à parte decisória.

V - A revelia operante, não afasta o réu da lide, o qual, nos termos do n.º 2, do artigo 567.º do CPCivil, pode apresentar alegações escritas.

VI - Se o tribunal recorrido omitiu, por completo, a observância da primeira parte do nº 2 do artigo já citado 567.º, não tendo facultado às partes o exame do processo pelo prazo de 10 dias para alegaram por escrito cometeu nulidade suscetível de influir objetivamente no exame e decisão da causa (art.º 195.º, n.º 1 do CPCivil).


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Como se evidencia da decisão recorrida a mesma foi prolatada ao abrigo do disposto no artigo 567.º, nº 2 do CPCivil por se ter considerado que as embargadas estavam numa situação de revelia operante.

Nos termos desta disposição adjetiva, não tendo o réu contestado–e tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado–consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.

Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado (cf. nº 3 do mesmo inciso).

Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa [In Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, pág. 654.], “Nos termos gerais, e sem prejuízo das exceções referidas no art.º 568.º, não tendo o réu contestado e considerando-se confessados os factos alegados pelo autor, restará apenas decidir a causa “conforme for de direito” (n.º 2, in fine). Com efeito, confessados que passam a ter-se os factos articulados na petição (não assim quanto aos que designadamente exijam prova documental), deixa de haver controvérsia nessa sede, limitando-se a questão à valoração jurídica desses mesmos factos. É de notar que o estado de revelia operante em que se encontra o réu, embora seja suscetível de potenciar tal desfecho, não conduz, sem mais, à procedência da ação[...].

Efetivamente, o processo declarativo é um processo cominatório semipleno, dado que a revelia operante nunca implica, por si mesma, a condenação do réu.

Com efeito, como salientam os referidos autores [Ob. cit., pág. 655.] apesar de os factos alegados pelo autor se considerarem confessados, sempre caberá ao juiz proceder ao respetivo enquadramento jurídico (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil), em termos de julgar a ação materialmente procedente, abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância (com fundamento em questões processuais–artigo 608.º, n.º 1 do CPCivil), julgar a ação apenas parcialmente procedente, ou mesmo julgar a ação improcedente, sempre em função do resultado da aplicação das normas de direito material.

Acresce que, a revelia operante não afasta o Réu da lide, que nos termos do n.º 2, do artigo 567.º do CPCivil, pode apresentar alegações escritas, que se destinam a permitir que, face à circunstância de se registar assente a matéria de facto invocada pelo Autor, possa apresentar a sua argumentação de direito perante a referida factualidade, seja para concluir que os factos alegados e confessados não suficientes para suportar o efeito jurídico pretendido, ou apenas o suportam parcialmente.

Isto dito, importa, todavia, ter bem presente que a assumida tendência do legislador para a celeridade da solução, nas situações, como a dos autos, não pode confundir-se com aligeiramento ou maior facilitação relativamente ao cumprimento mínimo das devidas regras técnico-jurídicas.

Na verdade, a imediata cominação, para a revelia do Réu, traduz-se apenas e imediatamente ao nível da matéria de facto: consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
Mas quais são esses factos?

Independentemente de nem toda a matéria de facto alegada na p.i. assumir, de forma categórica e incondicional, essa natureza–o que impõe naturalmente uma prévia seleção, com vista à subsequente implementação do raciocínio subsuntivo e solução jurídica, no mínimo em termos do clássico silogismo judiciário–não pode ignorar-se a disciplina decorrente do art.º 607.º, nº 3 do CPCivil, que manda discriminar os factos que o juiz considera provados.

Ora, só depois de elencados os factos que se consideram assentes, dentre os articulados e ante a confissão ficta do réu, é que pode julgar-se a causa conforme for de direito e, como é evidente, este julgamento impõe a respetiva fundamentação de facto.

Acrescem, além disso, as razões determinantes de que só dessa forma é possível sindicar tal decisão, em sede de recurso, ainda que a matéria de facto não tenha sido impugnada, além de que, não deve negligenciar-se que o réu revel, como bem lembra Abílio Neto [In C.P.T. Anotado, 5ª Edição, 2002, pág. 152.], continua a ser afinal o destinatário da decisão e deve saber quais os factos tidos por relevantes e que estiveram na base da sua condenação.

Como se evidencia da decisão recorrida, na sua parte propriamente dispositiva a M.ª juiz limitou-se a usar a facilidade consentida pelo n.º 3 do citado artigo 567.º do CPCivil.

E assim, depois de ter consignado a verificação da regularidade da notificação e a falta de contestação das embargadas, considerou confessados os factos articulados na petição inicial dos embargados deduzidos pelo embargante/executado e, sem mais, julgou os mesmos procedentes com a consequente extinção da execução.

Assim sendo, facilmente se conclui que o tribunal recorrido não discriminou os factos provados por força da confissão e impunha-se, que o fizesse, uma vez que, como já referimos, não existe qualquer fundamento legal que dispense o cumprimento do disposto no artigo 607.º, n.º 3, do CPCivil.

Destarte e sem margem para qualquer tergiversação que a decisão padece de nulidade por falta absoluta de fundamentação de facto estando, pois, preenchida a factie sepcies da al. b) do nº 1 do artigo 615.º do CPCivil. [E no caso tal fundamentação inexiste mesmo que se adira ao entendimento plasmado no Ac. do STJ de 19/10/2021 Processo nº 2189/20.3T8FNC-A.L1-A.S1 de que “A sentença a proferir nos termos do art.º 567.º, n.º 3, do CPC - em que o réu, regularmente citado na sua pessoa, não contestou - não tem que cumprir rigorosamente os n.º 3 e 4 do art.º 607.º do CPC e que segmentar/autonomizar a fundamentação de facto e a fundamentação de direito, podendo proceder às duas fundamentações em simultâneo, aludindo aos concretos factos (globalmente considerados como confessados, nos termos do art.º 567.º, n.º 1, do CPC) a propósito do seu enquadramento jurídico”, pois que, no caso concreto, a falta de fundamentação factual é absoluta.]

Trata-se de norma que se relaciona com o dever de fundamentar as decisões consagrado designadamente no art.º 205.º, n.º 1, da CRP, nos termos do qual “(A)s decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. E também no art.º 154.º do CPCivil, que preceitua:

“1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
*
Da mesma forma e salvo o devido respeito, também a sentença é nula por falta absoluta de fundamentação de direito.

Como já noutro passo se referiu o tribunal a quo aderindo aos fundamentos de facto constantes da petição inicial julgou, sem mais, aos embargos procedentes.

Ora, o uso da factie sepcies do citado nº 3 do artigo 567.º do CPCivil não pode ser automática.

A causa há de revestir-se de manifesta simplicidade.

É que o disposto no citado nº 3 do art.º 567.º não dispensa a fundamentação da sentença, ele apenas possibilita, perante a referida simplicidade da causa, uma “fundamentação sumária”.
Dito doutro modo, não cumprirá a fundamentação, ainda que sumária, uma sentença (proferida nos termos do art.º 567.º, nº 3) que se limite a considerar confessados/provados os factos alegados pelo autor/requerente e que de seguida, sem mais passe à parte decisória.
E, no caso, esse pressuposto (manifesta simplicidade) não só não se invocou nem caracterizou, como, na nossa perspetiva, não se verifica.

Com efeito, bastará atentar, que embargante/executado deduziu oposição por embargos e oposição à penhora e, no que concerne à oposição por embargos, além de proceder à defesa por impugnação, procedeu à defesa por exceção, invocando a falta de título executivo, a falta de mandato forense, a ilegitimidade da exequente CC, a inexistência da obrigação e a prescrição, o que está, aliás, patente na extensão da peça respetiva peça composta de 150 artigos.
*
Para além disso, como decorre dos autos o tribunal recorrido omitiu, por completo, a observância da primeira parte do nº 2 do artigo já citado 567.º, não tendo facultado às partes o exame do processo pelo prazo de 10 dias para alegaram por escrito.

Como já supra se referiu a revelia operante não afasta o Réu da lide, que pode apresentar alegações escritas, que se destinam a permitir que, face à circunstância de se registar assente a matéria de facto invocada pelo Autor, possa apresentar a sua argumentação de direito perante a referida factualidade.

Omissão de ato que a lei prescreve que, sem margem para qualquer dúvida, configura uma nulidade, suscetível de influir objetivamente no exame e decisão da causa (art.º 195.º, n.º 1 do CPCivil).

Com efeito, a ablação desse direito da apelante, implica que esta não tenha tido a oportunidade de exibir a sua posição sobre a factualidade dada como provada, e que se destinaria a permitir uma decisão final (sentença) enformada com todas as posições jurídicas que as partes lhe transmitiriam.

Aceitar-se que essa fase processual não influiria no exame e decisão da causa seria reconhecer que a lei teria criado uma fase processual sem qualquer utilidade, o que ela própria não permite (art.º 130.º do CPCivil)."

[MTS]