Embargos de executado;
caso julgado
Se na sentença proferida nos embargos de executado se decidiu não estar, a aí executada e ora Ré, adstrita à obrigação de pagamento da dívida exequenda, tal decisão impõe-se, mercê da autoridade do caso julgado, na acção declarativa movida pela mesma exequente tendente à condenação daquela no pagamento da mesma obrigação.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Como se viu, no âmbito da execução movida pela ora Autora contra a aqui Ré, foram deduzidos embargos que terminaram com a prolação de sentença que, os julgando procedente e extinta a execução, entendeu que as despesas reclamadas na execução não respeitam a partes comuns do loteamento mas, sim, a despesas relativas a prédios autónomos, como é o caso das piscinas, parque infantil, campo de jogos de mini-golfe e zona circundante e campos de ténis e zona circundante.
Poderá a mesma Autora demandar de novo a Ré pedindo a sua condenação a pagar-lhe a sua comparticipação nessas mesmas despesas (ainda que por período mais alargado)?
A resposta é (aliás, intuitivamente) negativa.
A autoridade de caso julgado daquela primeira decisão impede-o frontalmente.
Na verdade, nos termos do artº 619º, nº 1 do C.P.C. “Transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele dentro dos limites fixados pelos artigos 580º e 581º , sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º.”
Por sua vez, dispõe o artº621º do mesmo diploma que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…).”
Estes preceitos legais referem-se ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada em julgado (artº628º do C.P.C.) que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial.
O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa.
A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (artº 580º, nºs 1 e 2 do C.P.C.).
A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a excepção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica.
Escreve o Prof. Lebre de Freitas (“Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., p. 354), que “pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”.
É apodítico que em qualquer caso se pretende evitar a contradição entre julgados, neste caso a contradição com o conteúdo da decisão anterior.
A jurisprudência do STJ tem entendido que a autoridade de caso julgado, diversamente da excepção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artº 581º do C.P.C. - cfr. entre outros Acórdão do STJ de 12.7.2011 relatado pelo Conselheiro Moreira Camilo.
Como proficientemente nesse aresto se escreveu :
“I - O caso julgado constitui uma excepção dilatória, que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior – arts. 494.º, al. i), e 497.º, n.º 2, do CPC.II - Para além do caso julgado, que constitui um obstáculo a uma nova decisão de mérito, há igualmente que atender à autoridade do caso julgado, a qual tem antes o efeito positivo de impor a decisão.III - A expressão “limites e termos em que julga”, constante do art. 673.º do CPC, significa que a extensão objectiva do caso julgado se afere face às regras substantivas relativas à natureza da situação que ele define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou pedidos formulados na acção.IV - Tem-se entendido que a determinação dos limites do caso julgado e a sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente, quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado.V - Relativamente à questão de saber que parte da sentença adquire, com o trânsito desta, força obrigatória dentro e fora do processo – problema dos limites objectivos do caso julgado –, tem de reconhecer-se que, considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, há que alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.VI - A autoridade do caso julgado caracteriza-se pela insusceptibilidade de impugnação de uma decisão em consequência do carácter definitivo decorrente do respectivo trânsito, designadamente por via de recurso. Se essa autoridade vem a ser posteriormente colocada numa situação de incerteza, pelas mesmas partes, seja em processos diferentes, seja no mesmo processo, então será possível ocorrer ofensa do caso julgado formado na acção anterior.VII - Definido em acção anterior entre as mesmas partes quem fora o responsável pelo acidente de viação, a questão, uma vez decidida, ficou a ter força obrigatória dentro e fora do processo, não podendo contrariar-se a autoridade do caso julgado.”.
Sendo, pois, entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas no dispositivo da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado, releva considerar que, no caso concreto, foi decidido, no âmbito dos embargos, não estar a aí executada e aqui Ré adstrita à obrigação de pagamento da dívida exequenda.
Por força do disposto no nº 6 do art.º 732º do CPC, “para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda”.
Ora, tendo-se discutido nos embargos em apreço a existência da obrigação exequenda e tendo o Tribunal aí decidido ser a mesma inexistente, a autoridade de caso julgado da decisão proferida nesse processo veda, portanto, que nesta acção declarativa se aprecie (de novo) se tal obrigação de pagamento existe ou não."
*3. [Comentário] O acórdão da RE segue a única orientação que faz sentido: a de que a decisão de mérito proferida nos embargos de executado faz caso julgado material.
Dado que este caso julgado incide sobre a "existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda" (art. 732.º, n.º 6, CPC), o embargante tem o ónus de invocar todos os fundamentos que, na sua óptica, podem conduzir à procedência dos embargos. Isto também é justificado pela circunstância de não fazer qualquer sentido que uma execução corra os seus termos porque o executado não deduziu quaisquer embargos ou, tendo-os deduzido, porque os mesmos foram julgados improcedentes e que, depois da execução finda, se invoque que, afinal, havia um fundamento que impedia essa execução.
Como é natural, salvaguarda-se a situação de superveniência do fundamento de oposição à execução.
Dado que este caso julgado incide sobre a "existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda" (art. 732.º, n.º 6, CPC), o embargante tem o ónus de invocar todos os fundamentos que, na sua óptica, podem conduzir à procedência dos embargos. Isto também é justificado pela circunstância de não fazer qualquer sentido que uma execução corra os seus termos porque o executado não deduziu quaisquer embargos ou, tendo-os deduzido, porque os mesmos foram julgados improcedentes e que, depois da execução finda, se invoque que, afinal, havia um fundamento que impedia essa execução.
Como é natural, salvaguarda-se a situação de superveniência do fundamento de oposição à execução.
MTS