Recurso de revista;
dupla conforme
I. O sumário de STJ 22/2/2024 (6039/20.2T8GMR.G1.S1) é o seguinte:
[1.] O instituto da inadmissibilidade é aplicável ao recurso de revista quanto a um só dos capítulos do dispositivo do acórdão recorrido, quando não satisfaça os requisitos extraformais do artigo 671.º, 3 CPC.
[1.] O instituto da inadmissibilidade é aplicável ao recurso de revista quanto a um só dos capítulos do dispositivo do acórdão recorrido, quando não satisfaça os requisitos extraformais do artigo 671.º, 3 CPC.
2. Todos os vícios do artigo 615.º CPC são formais: não se pode dizer que o juiz decidiu mal; o que se pode dizer é antes que o juiz infringiu regras que disciplinam o exercício da sua função jurisdicional.
3. Litiga com má fé quem insiste em impugnar no segundo grau factos que tem a obrigação de saber que não correspondem à verdade, mas não quem procura modificar o acórdão sustentando uma posição jurídica divergente, ainda que ousada.
II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"1. Da inadmissibilidade parcial do recurso.
O recurso interposto tem três capítulos (sobre este conceito cfr. Francesco Carnelutti, «Capo di sentenza», Rivista Diritto Processuale, 1933,I e Cândido Rangel Dinamarco, Capítulos de Sentença, 2.ª tiragem, Malheiros Editores, São Paulo, 2004), a saber:
No capítulo A, o recorrente argui a nulidade do acórdão nos termos do art. 615º, 1, alíneas b), c) e d) do CPC (serão deste código os artigos ulteriormente citados sem diferente menção), ou seja, falta de especificação dos fundamentos que justificam a decisão, ambiguidades, obscuridades e até contradições na interpretação das provas e factos e omissão de pronúncia.
No capítulo B, o recorrente insurge-se contra a sua condenação como litigante de má fé.
No capítulo C, o recorrente entende que o Tribunal da Relação violou os princípios da fundamentação da formulação da “livre convicção prudente” e da construção lógica de “presunção judicial” (artigos 607º e 615º e 349º CC).
Se é sempre admissível, em um grau, recurso da decisão que condene por litigante de má fé, independentemente do valor da causa e da sucumbência (recurso especial) ex artigo 542.º, 3, e se consequentemente é também admissível suscitar a questão de nulidade decisória como fundamento deste recurso (cfr. Acórdãos deste STJ de 7.9.2020, Proc. 12651/15.4.T8PRT.P1.S1 e de 16.12.2020, Proc. 12380, a contrario) já não parece que seja de admitir o recurso do acórdão com o fundamento do capítulo C.
Vejamos porquê.
Constitui ius receptum que é inadmissível, em resultado da chamada regra «dupla conforme» que se extrai do artigo 671.º, 3, o recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido, e sem fundamentação essencialmente diferente a decisão proferida no primeiro grau.
Passar por este filtro, pressupõe três requisitos:
a) um, de carácter negativo: a inexistência de voto de vencido.
b) dois, de carácter positivo: fundamentação essencialmente idêntica e conformidade decisória.
b) dois, de carácter positivo: fundamentação essencialmente idêntica e conformidade decisória.
O STJ tem também repetidamente observado que importa distinguir as figuras de «fundamentação diversa» e de «fundamentação essencialmente diferente», sendo esta mais exigente, porquanto para afastar o obstáculo da dupla conforme não basta que a sentença e o acórdão da relação que a confirme por unanimidade apresente fundamentação diferente, exige-se mais, exige-se que a diferença seja essencial.
Dito de outro modo: «o conceito de fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração de fundamentação no iter jurídico que suporta o acórdão da Relação em confronto com a sentença da 1.ª instância, sendo antes indispensável que naquele aresto, ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa» (Ac. 10.6.2016, Proc. 1320/11.4TVLSB.L1.S1).
Ou ainda: «essa essencialidade pressupõe novidade argumentativa e consideração do enquadramento factual e/ou jurídico diferente e decisivo, que se afaste distintivamente da fundamentação da decisão apelada, não se verificando tal requisito quando o tribunal da Relação, dentro do enfoque jurídico da decisão recorrida aduz argumentos relacinados com a questão decidida que apenas lhe emprestam maior solidez» (Ac. 1.3.2016, Proc. 1813/12.6.TBPVF.P1.S1).
No caso sujeito, o Acórdão da Relação de Guimarães não tem qualquer voto de vencido.
Por outro lado, a parte decisória não podia ser mais clara: é mantida a sentença proferida [...].
Dito de outro modo: «o conceito de fundamentação essencialmente diferente não se basta com qualquer modificação ou alteração de fundamentação no iter jurídico que suporta o acórdão da Relação em confronto com a sentença da 1.ª instância, sendo antes indispensável que naquele aresto, ocorra uma diversidade estrutural e diametralmente diferente no plano da subsunção do enquadramento normativo da mesma matéria litigiosa» (Ac. 10.6.2016, Proc. 1320/11.4TVLSB.L1.S1).
Ou ainda: «essa essencialidade pressupõe novidade argumentativa e consideração do enquadramento factual e/ou jurídico diferente e decisivo, que se afaste distintivamente da fundamentação da decisão apelada, não se verificando tal requisito quando o tribunal da Relação, dentro do enfoque jurídico da decisão recorrida aduz argumentos relacinados com a questão decidida que apenas lhe emprestam maior solidez» (Ac. 1.3.2016, Proc. 1813/12.6.TBPVF.P1.S1).
No caso sujeito, o Acórdão da Relação de Guimarães não tem qualquer voto de vencido.
Por outro lado, a parte decisória não podia ser mais clara: é mantida a sentença proferida [...].
E que dizer em relação à conformidade da fundamentação?
Dizer que a mesma também se verifica. Em relação à matéria de facto, o segundo grau procedeu à sua reapreciação, conforme requerido, concretamente quanto aos factos provados n.ºs. 20, 21 e 22.
Afirmou «que a factualidade constante dos nºs 20 a 22 estava, e está, no domínio da livre apreciação da prova e que era, e é, lícito o uso de presunções judiciais no que à mesma respeita»; e que «portanto, o tribunal a quo não violou qualquer norma processual ou substantiva no que a esta matéria concerne», adoptou/secundou o raciocínio utilizado pelo primeiro grau na avaliação das provas, que qualificou de assertivo, lógico e de total congruência, e concluiu «que se encontra acertadamente valorada a matéria factual a que se alude nas doutas alegações, que se mantém sem qualquer alteração».
Igual conclusão quanto à matéria de direito. O segundo grau, diante da matéria de facto inalterada, asseverou: «Quanto à solução jurídica, para que a lide tivesse, agora, decisão dissonante, impor-se-ia a alteração do quadro factual da primeira instância que não ocorreu, pelo que é mantida a sentença proferida».
O recorrente parece encontrar a desconformidade, no trecho da sentença que alude a um putativo erro de julgamento.
Porém, tal não se verifica. Em sede de apreciação das nulidades da sentença o segundo grau debruçou-se sobre eventual contradição entre os factos 20, 21 e 22, por um lado, e os 3, 7, 8 e 11, por outro, e disse: «A invocada contradição na resposta a esta matéria de facto mereceu despacho de pronúncia da Srª Juiz a quo, que o fez com completa assertividade.
E, se como ela, também nós colhemos das doutas alegações que a contradição resulta do facto de o prédio se encontrar já onerado com hipoteca judicial e por isso a originar desinteresse em gizar qualquer plano destinado a onerar o património, o que, então, daí se retiraria seria um erro de julgamento e não uma contradição derivada de incoerência lógica de actuação dos RR, o chamado error in iudicando, decorrente, no caso, de uma distorção da realidade factual (error facti)».
Não está aqui reconhecido qualquer erro no julgamento do tribunal recorrido. O que se faz é distinguir erro de actividade e erro de juízo, e advertir que o alegado vício, a existir, nunca seria um vício da primeira espécie.
Não se admite, pelo exposto, o recurso, nesta parte, ou seja , quanto ao capítulo C das conclusões das alegações."
[MTS]