"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



09/10/2024

Jurisprudência 2024 (22)

 
Acção proposta contra sucursal;
representação; mandato judicial

 
1. O sumário de RP 11/1/2024 (111/22.1T8ESP.P1) é o seguinte:

I - Enquanto sucursal do Banco 1..., S.A., a Agência sita em Espinho e Ré nos autos, para além de desprovida de personalidade jurídica, actua enquanto estabelecimento que representa organicamente a entidade em que se integra.

II - Enquanto mera intermediária no âmbito dos contratos celebrados entre o cliente e o Banco 1..., S.A. e dos serviços a prestar por este, encontra-se inteiramente subordinada à superintendência da administração central do Banco 1..., S.A..
 
III - O objectivo do legislador, com o regime previsto no artigo 26º, do Código de Processo Civil foi efectivamente facilitar a representação das agências ou sucursais e não impedir que as mesmas sejam representadas pela administração principal.
 
IV - Se o órgão de administração tem poderes de representação da sociedade, por maioria de razão terá de ter poderes para representar um seu estabelecimento comercial que não goza de personalidade jurídica e, como tal, não é titular autónomo de direitos e obrigações.
 
V - Impõe-se, assim, concluir que o órgão de administração principal do Banco 1..., S.A. tem poderes para emissão da procuração forense junta aos autos, encontrando-se a Advogada devidamente mandatada, com base em tal procuração, para representar a Ré - Agência - nos autos.”.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"No caso vertente, o Tribunal a quo considera que o mandato conferido não é regular, interpretação com a qual não concorda a recorrente impondo-se, assim, aferir da sua regularidade.
 
Decorre do disposto no artigo 48.º, do Código de Processo Civil, que:
 
“1 - A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal.
2 - O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado, findo o qual, sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respetivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa.
3 - Sempre que o vício resulte de excesso de mandato, o tribunal participa a ocorrência ao respetivo conselho distrital da Ordem dos Advogados.”.
 
Por sua vez, nos termos do artigo 13.º do Código de Processo Civil, as Agências apenas podem ser demandadas quando a acção procede de facto por elas praticado, ficando, assim, dotadas de personalidade judiciária.
 
Acrescenta o artigo 26º, do Código de Processo Civil, que, nesse caso, as agências são representadas, salvo disposição especial em contrário, pelas pessoas que ajam como directores, gerentes ou administradores.
 
No entanto, a personalidade judiciária dos órgãos locais não faz desaparecer a sociedade.
 
Nos termos da alínea a) do artigo 2.º-A do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, deve entender-se por agência “a sucursal, no país, de uma instituição de crédito ou sociedade financeira com sede em Portugal (…)”.
 
Também o artigo 13º do Código das Sociedade Comerciais prevê que “a sociedade pode criar sucursais, agências, delegações ou outras formas locais de representação, no território nacional ou no estrangeiro.”
 
Ora, por sucursal deve entender-se o estabelecimento comercial secundário, desprovido de personalidade jurídica, no qual se praticam actos comerciais do género daqueles que constituem a actividade principal da sociedade, sob a direcção do órgão de gestão da própria sociedade (cfr Abílio Neto, Código das Sociedades Comerciais, 4ª edição, pág. 116).
 
Já em anotação ao artigo 7º do Código de Processo Civil de 1939 explicava Alberto dos Reis:
 
“As sucursais, agências, filiais ou delegações são meros órgãos através dos quais se exerce a actividade da administração principal; são órgãos de administração local, inteiramente subordinados à superintendência da administração central. Não têm personalidade jurídica. Por se abrir uma sucursal ou agência não se modifica nem se restringe a personalidade jurídica da sociedade; unicamente se facilita a sua acção, criando-se condições favoráveis ao exercício da actividade social numa determinada localidade.
 
Para levar mais longe a facilidade de movimentos, a lei permite que as sucursais, agências, etc., posto que não tenham personalidade jurídica, demandem e sejam demandadas; quer dizer, atribuiu personalidade judiciária às sucursais e outras delegações da administração central, a fim de se realizar mais completamente o objectivo a que obedece a criação de tais órgãos.
 
Mas a sua personalidade judiciária é limitada: só podem demandar e ser demandadas quando a acção proceder de acto ou facto praticado por elas. Mesmo neste caso, a personalidade judiciária dos órgãos locais não faz desaparecer a sociedade. A acção, em vez de ser proposta pela sucursal ou contra a sucursal, pode ser proposta em nome da sociedade, pela administração principal ou contra esta.
 
Não sucede o mesmo quando a acção emerge de acto ou facto praticado pela administração principal; então só esta pode demandar ou ser demandada. (…)” (cf. Código de Processo Civil anotado, 3ª edição, págs. 26/27).
 
Comentando o artigo 7.º, na redacção do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25.9, que corresponde, sem alterações, à redacção do artigo 14.º, do Código de Processo Civil vigente, escreveu Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, pág. 116:
 
“Se a acção nascer de facto praticado pela sucursal nada impede, entretanto, que a sociedade ou pessoa colectiva tome a iniciativa de ser ela, através da sua administração principal, a propor a acção, visto ser a sociedade ou pessoa colectiva o verdadeiro sujeito da relação jurídica. Porém, se a acção for proposta contra a sucursal, por nascer de facto por ela praticado, já a sociedade ou pessoa colectiva não poderá arguir, na defesa, a falta de personalidade judiciária da demandada, conquanto também nada impeça que esta se substitua daí em diante. Ter a sucursal ou a agência personalidade judiciária, significa apenas, por conseguinte, ter ela poder de representar em juízo a sociedade ou pessoa colectiva, por força da lei, enquanto a sociedade ou pessoa colectiva se lhe não substituir na acção”.
 
Ou seja, as sucursais, agências, filiais ou delegações (das sociedades ou pessoas colectivas) “como meros órgãos de administração local que são, dentro da estrutura da sociedade ou pessoa colectiva, não gozam de personalidade jurídica, porque não constituem sujeitos autónomos de direitos e obrigações.” - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2010, proferido no processo 487/08.3TBVFX.L1-1.
 
Assim, enquanto sucursal do Banco 1..., S.A., a Agência sita em Espinho e Ré nos autos, para além de desprovida de personalidade jurídica, actua enquanto estabelecimento que representa organicamente a entidade em que se integra.
 
De resto, enquanto mera intermediária no âmbito dos contratos celebrados entre o cliente e o Banco 1..., S.A. e dos serviços a prestar por este, encontra-se inteiramente subordinada à superintendência da administração central do Banco 1..., S.A..
 
Além disso, o único vínculo laboral que têm os colaboradores da Ré é com o Banco 1..., S.A..
 
Conforme se defende no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.11.2020, proferido no âmbito do processo n.º 1856/19.9T8AGD-A.P1, disponível em www.dgsi.pt. “A sucursal traduz-se num estabelecimento comercial dependente de outro, não goza de personalidade jurídica e, como tal, não é titular autónoma de direitos e obrigações, mas apenas órgão de administração local dentro da organização da sociedade.”.
 
O que significa que terá de ser, nomeadamente, o Banco 1..., S.A. a responder eventualmente pelas custas devidas no processo ou a satisfazer o pedido no caso de uma eventual condenação.
 
Ou seja, verdadeiramente afectado nos autos será, a final, o Banco 1..., S.A., encontrando-se a agência inteiramente subordinada à superintendência da administração central.
 
Ou seja, a abertura da agência identificada nos autos não modifica, nem restringe a personalidade jurídica da sociedade - unicamente se facilita a sua acção, criando-se condições favoráveis ao exercício da actividade social numa determinada localidade.
 
De resto, afigura-se que o objectivo do legislador, com o regime previsto no artigo 26º, do Código de Processo Civil foi efectivamente facilitar a representação das agências ou sucursais e não impedir que as mesmas sejam representadas pela administração principal.
 
Conforme decorre do mencionado preceito, as sucursais, agências, filiais ou delegações são representadas pelas pessoas que ajam como directores, gerentes ou administradores.
 
Por sua vez, os administradores da Sociedade Banco 1..., S.A. exercem os seus poderes e prerrogativas de administração sobre todos os estabelecimentos e sucursais ou agências do Banco 1..., S.A., incluindo sobre a Agência Ré/Apelante.
 
Afigura-se-nos, por isso, se o órgão de administração tem poderes de representação da sociedade, por maioria de razão terá de ter poderes para representar um seu estabelecimento comercial que não goza de personalidade jurídica e, como tal, não é titular autónomo de direitos e obrigações.
 
Impõe-se, assim, concluir que o órgão de administração principal do Banco 1..., S.A. tem poderes para emissão da procuração forense junta aos autos, encontrando-se a Advogada devidamente mandatada, com base em tal procuração, para representar a Ré - Agência - nos autos.
 
A esta luz, sempre será de concluir que a procuração emitida pela casa mãe confere poderes suficientes para representação de uma Agência que seja Ré em processo judicial, sem que seja necessário a emissão de procuração pela própria Agência.
 
Ou seja, considera-se que o órgão de administração principal do Banco 1..., S.A. tem poderes para emissão da procuração forense junta aos autos, conferindo a procuração emitida pela casa mãe poderes suficientes para a sua representação, encontrando-se, por isso, a Advogada devidamente mandatada, devendo ser extraídas as devidas consequências quanto aos ulteriores termos dos autos.
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[MTS]