II. Concretizando em lei ordinária, o equilíbrio necessário entre a tutela constitucional do direito à liberdade individual e, por outro, o direito à segurança da vida em sociedade e eficácia da justiça penal, em respeito pelo disposto no artigo 27º, nº1 e nº5 , da Constituição da República Portuguesa e consagração no artigo 5º §5º da CEDH.
III. A exclusão ou compressão do direito à indemnização autorizadas pelo nº2 são as situações tipificados nas alíneas b) e c) do nº1 do artigo 225º, do CPP, rectius, em caso de “ uma acção/omissão do arguido dolosa ou culposa” na aplicação da medida de coação privativa da liberdade.
IV. À margem daquela previsão, seguindo a regra da prevalência da norma especial sobre norma geral, não se mostra conciliável, transpor o critério “ concorrência e medida da culpa do lesado “ a que alude o artigo 570.º do Código Civil, rectius “coresponsabilizar” o lesado, que não interpôs recurso da medida de coacção.
V. No Estado de direito, a faculdade de o arguido reagir contra a decisão que decretou medida restritiva da sua liberdade, através de recurso ordinário ou requerer a providência de habeas corpus, configuram instrumentos de tutela do direito fundamental à liberdade , com vista a assegurar o respeito e limites das restrições legais consentidas.
VI. O regime de OPHVE por definição implica probabilidade de danos em grau inferior à imposição de restrição da liberdade individual, em meio prisional.
VII. O Autor não viu comprometidos os laços familiares e permaneceu no seu centro habitual da sua vida pessoal e profissional, atenuando o espectro dos efeitos lesivos da medida de coação.
A sua pretensão indemnizatória veio a ser acolhida (parcialmente) em recurso, através do acórdão recorrido, que revogou a decisão absolutória do primeiro grau..
O Estado Réu circunscreve a impugnação em sede revista na componente da compensação de Euros 35.000,00, fixada por danos não patrimoniais, que entende ser excessiva. [...]
3. Afirma o recorrente que, na situação em que o arguido optou por se conformar com a medida de coação, tal implicará a avaliação em baixa da quantia indemnizatória, e para o efeito, se necessário, com a ampliação da matéria de facto pelo tribunal a quo.
Sem razão, cremos.
Na actual previsão do artigo 225º do Código Processo Penal, a absolvição do arguido em processo-crime, que esteve sujeito a medida privativa da liberdade, logo viabiliza o exercício do direito a obter do Estado compensação pelos danos sofridos, e ainda que este tenha agido no estrito cumprimento das normas relativas à aplicação de medida de coacção. []
Ali se estabeleceu, após a alteração sufragada pela Lei n.º 48/2007, de 29.8, []
«1 - Quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos quando: a) A privação da liberdade for ilegal, nos termos do n.º 1 do artigo 220.º, ou do n.º 2 do artigo 222.º; b) A privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia; ou c) Se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente. (…)». []
Amplificou-se, pois, o regime especial de responsabilização extracontratual do Estado, por privação ilegal ou injustificada da liberdade, estendendo agora a sua aplicação, à medida coativa de obrigação de permanência na habitação, eliminou o advérbio «manifestamente», da ilegalidade da privação da liberdade, e acrescentou outro fundamento de responsabilidade na alínea c) “ comprovação em julgamento de que o arguido não cometeu o crime ou que agiu justificadamente “.
Trata-se de concretizar na lei ordinária, o equilíbrio entre a tutela constitucional do direito à liberdade individual e, por outro, o direito à segurança da vida em sociedade e eficácia da justiça penal, em respeito pelo disposto no artigo 27º, nº 1 e nº 5, da Constituição da República Portuguesa e consagração no artigo 5º§5º da CEDH.
Prescreve o nº 2 do artigo 225º, do CPP, que -. “ Nos casos das alíneas b) e c) do número anterior o dever de indemnizar cessa se o arguido tiver concorrido, por dolo ou negligência, para a privação da sua liberdade.» []
Prosseguindo a interpretação fiel aos elementos histórico, teleológico, sistemático e literal do normativo em foco, a exclusão ou compressão do direito à indemnização por danos advenientes da aplicação de medida coactiva de privação da liberdade, estão apenas autorizadas nas situações tipificados nas alíneas b) e c) do nº1 do artigo 225º, do CPP, em face de “uma acção/omissão do arguido dolosa ou culposa” e, portanto, corresponsável na aplicação da medida de coação privativa da liberdade, eleita no decurso do processo crime.
Podemos hipotizar [sic] uma miríade de circunstâncias, onde o arguido assume comportamento (com dolo ou negligência) contrário aos fins da investigação criminal e a recolha de provas, que torne inevitável o decretamento de medida de coação privativa da liberdade e, a eventual exclusão e compressão da sua ulterior compensação, em sede civil, pelos danos que reclame do Estado no quadro normativo em análise. []
O recorrente não alegou tal factualidade.
Observamos que, de harmonia com a regra de hermenêutica ínsita no artigo 7º, n.º 3, do Código Civil, i. e, “lei especial prevalece sobre a lei geral, (…) exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador”, estando em causa detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação, sobrepõe-se a aplicação do regime especial de responsabilidade extracontratual do Estado consagrado no artigo 225º do Código de Processo Penal.
Parece, então, não configurável, à margem da previsão e pressupostos legais indicados, “coresponsabilizar” o lesado, que aceitou sem recorrer a medida aplicada, e transpor o critério “ concorrência e medida da culpa do lesado “ a que alude o artigo 570.º do Código Civil e artigo 4.º da Lei nº 67/2007.
No Estado de direito, a faculdade de o arguido reagir contra a decisão que decretou medida restritiva da sua liberdade, através de recurso ordinário ou requerer a providência de habeas corpus, configuram instrumentos de tutela do direito fundamental à liberdade, com vista a assegurar o respeito e limites das restrições legais consentidas.
Deste modo, manifesta-se inconsiável [sic] pretender extrair efeito preclusivo ou restritivo da vantagem legal concedida no artigo 225º, nº1, do CPP, na circunstância do arguido lesado, ter optado por não recorrer da medida de coação sofrida, que não se subsume ao limite negativo previsto no seu nº 2.
4. A argumentação jacente e o quantum indemnizatório atribuído ao Autor pelos danos não patrimoniais.
Na fixação da compensação por estes danos, e a impossibilidade de determinar o seu valor exacto dos danos não patrimoniais, haverá que apelar à equidade, i.e, julgar ex aequo et bono , atento o que prescrevem os artigos 496º, nº1, nº4 e 566º, nº3, do Código Civil ex vi do artigo 4º, al) a.
A equidade assenta numa valoração complexa que referencia valorações éticas, o sentido prático e natureza das coisas.
Sendo corrente afirmar que o juízo de equidade “é a justiça do caso concreto”, é por conseguinte, sobremaneira incindível das circunstâncias factuais apuradas em cada situação concreta sob análise.
Nesta linha de abordagem, conforme emerge da ampla recolha e análise da jurisprudência e doutrina sobre o tópico no Acórdão do Supremo Tribunal em 21.04.2022, prolatado nesta 2ª secção, procurará, pois, neste domínio, indagar , no essencial, -«(…) Como “vem sendo reiteradamente sublinhado pelo STJ, (…) se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade (arts. 566.º, n.º 3, do CC, e 674.º, e 682.º, do CPC)” (..).» [No processo 96/18.9T8PVZ.P1.S1, sendo Relator Fernando Baptista de Oliveira, também membro deste Colectivo, disponível in www.dgsi.pt.]
E, mais adiante, sublinhou- «(…) a intervenção do Supremo consistirá em verificar :”(…) se estavam preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade; se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida; se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados; e se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados.(..)” mormente, na busca de uniformização dos critérios jurisprudenciais, de modo a garantir o respeito pelo princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, nos termos proclamados no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição e conforme o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do CC.(…)». []
5. No referente à compensação por danos não patrimoniais , o douto acórdão recorrido considerou- “(…) Não há qualquer dúvida de que os danos sofridos pelo autor, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, em montante a fixar equitativamente pelo tribunal. Como se colhe do Acórdão do STJ, de 26/6/91, in BMJ 408 – 538, a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, sem ater a personalidades de sensibilidade exacerbada e a apreciar em função da tutela do direito. Por outro lado, como se refere, no Acórdão do STJ, de 07/06/2011, Processo 3042/06.9TBPNF.P1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj, importa verificar se os critérios seguidos na fixação desta indemnização, são passíveis de generalização para casos análogos, muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparadas, nomeadamente, tendo em vista as lesões sofridas, suas consequências e a idade das vítimas.diz-se “ (…) Na categoria dos danos não patrimoniais abarcam-se todas as sequelas que afectam a personalidade do lesado, designadamente, as dores físicas e psíquicas, perdas de capacidade, tanto a nível físico como psíquico, vexames, sentimento de inferioridade por afectação da imagem, a nível estético, a saúde e bem estar, tudo, como acima já referido, a aferir objectivamente.
Destacou a factualidade provada - “ Cotejando os factos apurados, no que a tal concerne, designadamente os que constam dos factos 7, 10 a 16 inclusive de onde resulta que o A. esteve privado da sua liberdade 276 dias, que em termos psicológicos e de auto-estima, a situação se revelou penosa, que sempre foi considerado pessoa séria, íntegra e honrada, na localidade onde reside e na região envolvente, nomeadamente nos concelhos de ..., ... e ..., tendo chegado a integrar a Junta de Freguesia de ..., que foi para si penosa e motivo de grande preocupação a forma como a situação afectou a sua actividade profissional, o que o levou a sofrer de um estado de grande ansiedade, perda de sono e depressão, que foi mais intensa durante o período de privação da liberdade, mas que deixou sequelas psicológicas que ainda hoje se fazem sentir, de tal modo que teve que procurar apoio clinico, numa primeira fase, junto do seu médico de família, Dr. EE, do Centro de Saúde ..., e ainda, por indicação do referido médico, junto dos Serviços de Psiquiatria da U.L.S. da ..., onde vem sendo seguido e tratado pelo Dr. FF. “
Vindo a concluir - “Tendo em linha de conta os critérios legais aplicáveis e atentas as circunstâncias acima relatadas e que o direito à liberdade de movimentos é de primordial importância para o bem estar de qualquer pessoa (tanto que tem foros de protecção constitucional e qualquer cidadão só dela pode ser privado nos termos previstos no artigo 27.º, n.º 2 da CRP), bem como que não se trata de critérios rígidos nem de quantias pré-determinadas nem fixas, e até por comparação com outros casos e indemnizações atribuídas, designadamente, nos Acórdãos do STJ, de 11/10/11, Processo n.º 1269/03.6TBPMS.L1.S1 e no Processo n.º 336/14.tTBALM.L1.S2, disponíveis no respectivo sítio do Itij, julgamos ser equitativo e justo, atribuir ao autor, a este título, a quantia de 35.000,00€.
6. Em enunciado global, os danos não patrimoniais abrangem todas as sequelas que afectam a personalidade do lesado, designadamente, as dores físicas e psíquicas, perdas de capacidade, tanto a nível físico como psíquico, vexames, sentimento de inferioridade por afectação da imagem, a nível estético, a saúde e bem estar, com o limite objectivo consagrado no artigo 496, nº1, do CC- são atendíveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Finalmente, na busca da uniformização de parâmetros de avaliação neste domínio, visto o disposto no artigo 8º, nº 3, do Código Civil e, em prossecução do princípio da igualdade garantido pelo artigo 13º, nº1, da CRP.
No acórdão recorrido atendeu-se à compensação atribuída por danos morais no quadro da previsão legal do artigo 225º, nº1 do CPP , alcançada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2011 (1268/03.6TBPMS.L1.S1). [---]
Naquele outro Aresto, cabia ao Estado compensar o lesado pelos danos morais sofridos em consequência de “prisão preventiva ilegal”, durante 4 meses e 3 dias, em estabelecimento prisional, conforme se lê no texto « (…)a valoração da prova indiciária (a ter sido realmente efectuada) que incidiu sobre o primeiro e essencial pressuposto de que dependia o decretamento da prisão preventiva, traduziu-se numa valoração manifestamente errada e inadmissível, visto que a factualidade recolhida no inquérito, não suportava, com toda a evidência, tal valoração. Estamos, então, no domínio do erro grosseiro, ou pelo menos, perante acto temerário que o decisor podia e devia ter evitado. (…)» E, com a seguinte factualidade «(…Na verdade, como ficou provado, o A. sempre teve a convicção de que se encontrava preso, apesar de inocente, e, durante todo o tempo em que essa situação se manteve, passou inúmeras noites sem dormir, chorou, gritou de raiva e sofreu depressão durante a maior parte do tempo. Deixou, muitas vezes, de ter controlo sobre a sua pessoa, tendo sido sujeito a diversos exames e consultas do foro psiquiátrico. Foi transportado em carrinhas celulares que, muitas vezes, não eram lavadas e se encontravam impregnadas de fezes humanas e restos de vómitos, de modo que, nos tempos de espera no interior da carrinha, o ar se tornava irrespirável, provocando mesmo a perda de consciência (…)». [---]
Daí que , s.m.o, a situação convocada no acórdão recorrido evidencia contornos distanciados da avaliação exigida na casuística presente.
Objeta o recorrente, que a compensação arbitrada no montante Euros 35.000,00 é excessiva, atendendo, v.g., [a] que na situação concreta, o Autor esteve preso no regime OPHVE, junto da família e da sua exploração agro pecuária.
Propendemos para considerar que tal não será despiciendo na valoração dos danos morais no caso espécie.
O regime de OPHVE atenuou objetivamente no caso o espectro negativo dos efeitos lesivos causados, perante as circunstâncias pessoais, familiares e a actividade profissional do Autor , na componente não patrimonial. [...]
Outrossim, identificamos aproximação mais consentânea com a situação avaliada neste Supremo Tribunal e Secção no aresto de 2.02.2023. []
Ali se considerou - « A privação da liberdade durou 325 durante os quais esteve afastado do convívio em situação de liberdade com a sua filha mais velha e neta, com quem tem um relacionamento próximo, o tempo todo, mas também no Natal e na Páscoa. Não se provou que tenha no meio prisional sofrido particulares agruras, desentendimentos ou perigo provocado por outros reclusos sem que essa ausência de demonstração dos factos a este propósito alegados sejam indício seguro de que a sua vida ali decorreu com a normalidade, dentro do contexto anormal de privação de liberdade. Sendo a liberdade um valor humano absoluto, a compensação a atribuir à privação da liberdade que veio a demonstrar-se indevida há-de permitir ao lesado obter bens, serviços ou tranquilidade quanto ao seu futuro que possam atenuar as consequências do dano sofrido. Se compararmos os valores que têm vindo a ser fixados pela Jurisprudência pela privação do direito à vida a pessoas de faixa etária similares às do recorrente que oscilam entre 90 000,00€ e 120 000,00€ de que são exemplo as decisões proferidas nos processos 3710/18.2T8FAR.E1 e 33/12.4GTSTB.E1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt, respectivamente, poderemos divisar uma ordem de grandeza do que seria a privação de quase um ano de vida em liberdade, sendo certo que a privação da liberdade e a possibilidade que teve de retomar, no fim dela, a sua vida, mesmo que com incómodos e inconvenientes que perdurarão no tempo, não aconselham uma equiparação directa, permitindo, embora concluir que o valor fixado pelo tribunal recorrido se afigura insuficiente para a reparação do dano sofrido pelo autor. Ponderados os elementos antes indicados consideramos ajustado o valor de 15 000,00€ que supera em 50% o definido pelo tribunal recorrido. (….)».
Apesar do perfil referente à dinâmica da vida pessoal e social dos lesados não se equivalerem, a envolvente circunstancial presente no caso ora ajuizado apresenta grau inferior de danos, como se expôs.
O regime de OPHVE por definição implica danos prováveis em grau inferior à imposição de restrição da liberdade individual, em meio prisional, transponível para o caso em juízo, pois que, o Autor não viu comprometidos os laços familiares e permaneceu no seu centro habitual da sua vida pessoal e profissional.
Para concluir que, ponderada a casuística factual, orientados pela equidade, e o referencial dos valores padrão atribuídos neste tribunal em situações equiparadas, é ajustado o montante actualizado de € 20 000,00, em ordem a ressarcir o Autor dos danos de natureza não patrimonial, por ter estado privado da liberdade durante 276 dias, sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância eletrónica, no ano de 2019, vindo a ser absolvido pelos crimes imputados."
[MTS]