"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/05/2024

Jurisprudência 2023 (181)


Prazo peremptório;
contagem; "prazo de condescendência"


1. O sumário de STJ 17/10/2023 (270/10.6TYLSB-J.L1.S1-A) é o seguinte:

O n.º 5 do art. 139.º do CPC concede à parte um acréscimo temporal de tolerância permitindo que a mesma pratique o acto (com pagamento de multa) nos três dias úteis subsequentes ao termo do respectivo prazo, mas não constitui um “acréscimo” do prazo se a parte não praticar o acto.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"I – AA, vem requerer que seja submetida à conferência a decisão singular da relatora, que não admitiu o recurso extraordinário de jurisprudência que interpôs do acórdão proferido nestes autos (de 15-02-2023), alegando contradição do mesmo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2016, proferido no Processo n.º 106/11.0TBCPV.P2- S1.

II – É do seguinte teor a decisão singular:

“1. AA, após o trânsito em julgado do acórdão proferido nestes autos (de 15-02-2023), veio interpor recurso para uniformização de jurisprudência, para o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 688.º e ss do Código de Processo Civil (CPC), alegando contradição daquele acórdão com o acórdão do STJ de 22-09-2016, proferido no Processo n.º 106/11.0TBCPV.P2- S1, imputando ao acórdão recorrido uma inadequada interpretação do artigo 621.º do CPC, ao introduzir uma distinção que a norma não comporta no que toca à verificação da condição, do prazo ou do facto ocorrer antes ou depois do encerramento da audiência em 1ª instância.

E, sem indicar, o sentido em que se deve fixar a jurisprudência, concluiu pedindo que seja “determinada a celebração de escritura pública a favor da Recorrente, a outorgar pelo Sr. Administrador de Insolvência ou ser proferida decisão judicial que determine e possibilite a transmissão da propriedade das fracções autónomas a favor daquela e o respectivo registo na conservatória do registo predial, num caso ou noutro sempre com cancelamento, por via de despacho judicial, de todos os ónus e encargos que, indevidamente, incidem sobre as ditas fracções, designadamente, a apreensão para a massa falida.”.

2. Tendo-se considerado que no caso se verificava a ausência da condição de admissibilidade do mesmo – (in)tempestividade – foram as partes notificadas para se pronunciarem nos termos do artigo 655.º, n.º1, do CPC (despacho de 24-04-202).

3. A Recorrente reafirma a tempestividade do recurso.

4. As Recorridas NOVO BANCO, SA e MASSA INSOLVENTE DE CORREIA E SANTOS defendem a extemporaneidade do recurso.

Apreciando

1. Sob a epígrafe “Prazo para interposição”, o artigo 689.º, n,º1, do CPC, dispõe que o “recurso para uniformização de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido.”
 
Na sequência do que se mostra realçado no despacho que antecede, o referido prazo de 30 dias tem natureza processual e constitui uma condição de admissibilidade do recurso.

 Na contagem do referido prazo há que atender ao disposto nos artigos 138.º, 139.º e 248.º e 249.º, do CPC, estando-se, por isso, na presença de um prazo contínuo (conta-se dia por dia) e se o seu termo ocorrer em dia em que os tribunais se encontrem encerrados “transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte”.

 A notificação por via postal, se for realizada sob registo e por transmissão electrónica tem-se por feita no 3.º dia posterior, respectivamente, ao registo e ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse (se aquele não o for).

 Esgotado o prazo, a parte poderá ainda praticar o acto nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo respectivo (sublinhado nosso), sob pagamento imediato de uma multa progressiva, consoante seja o 1.º, 2.º ou o 3.º dias subsequentes (artigo 139.º, n.º5, do CPC), restando ainda a possibilidade de, posteriormente, o acto poder ser praticado se ocorrer justo impedimento (cfr. artigo 140.º, do CPC).

 2. No caso, verifica-se que a notificação do acórdão recorrido (de 15-02-2023) à Recorrente foi realizada em 16-02-2023 (quinta-feira), presumindo-se a efectivação da mesma a 20-02-2023 (segunda-feira, enquanto 1.º dia útil seguinte ao presumido 3.º dia).

Considerando que o prazo para reagir ao referido acórdão era de dez dias (por o mesmo, não ser susceptível de ser impugnável através de recurso ordinário, apenas podendo ser objecto de reclamação para a conferência), uma vez que o termo do mesmo ocorreu a 02-03-2023, há que concluiu que o acórdão recorrido transitou em julgado em 02-03-2023. Consequentemente, o termo do prazo de 30 dias para interpor recurso de uniformização de jurisprudência ocorreu a 11-04-2023.

Tendo a Recorrente interposto recurso de uniformização de jurisprudência em 20-04- 2023, mostra-se o mesmo extemporâneo, pois que o acto foi praticado para além do prazo que a lei estabelece para o efeito.

3. Contrapõe a Recorrente entendendo que o trânsito em julgado do acórdão não ocorreu a 02- 03-2023, mas a 07-03-2023, porquanto, no computo do mesmo, se impunha ter em atenção os 3 dias úteis em que o acto (de reclamação para a conferência) poderia ter sido praticado (ao abrigo do n.º5 do artigo 139.º do CPC). Concluiu, por isso, pela tempestividade do recurso, uma vez que o prazo de 30 dias para recorrer se iniciou em 08-03-2023, expirando a 20-04-2023 (data em que interpôs o recurso), por constituir o 3.º dia útil após o termo (verificado a 17-04-2023), tendo procedido ao pagamento da respectiva multa.

Não podemos concordar.

4. O entendimento que a Recorrente colhe do artigo 139.º n.º 5, do CPC, para o computo do prazo para o trânsito em julgado do acórdão recorrido descura a finalidade que a norma tem subjacente e que, a nosso ver, não oferece dúvidas de interpretação (que se retira do elemento literal de interpretação1) quanto a constituir um acréscimo temporal de tolerância, viabilizando que a parte pratique o acto (com pagamento de multa) nos três dias úteis subsequentes ao termo do mesmo. E, assim, só assume relevância como tal (enquanto direito de praticar o acto) se a parte, efectivamente, o exercer. Caso contrário, ou seja, quando a parte não o exerce, não poderá ser entendido como um “acréscimo” do prazo e mostra-se irrelevante para a contagem do mesmo2 .

Por conseguinte, tal como fizemos realçar no despacho que antecede, uma vez que o acórdão recorrido transitou em julgado em 02-03-2023, quando da interposição do recurso de uniformização de jurisprudência (em 20-04-2023), já havia sido ultrapassado o prazo (peremptório) de 30 dias previsto no n.º1do artigo 689.º do CPC (que ocorreu a 11-04-2023), mostrando-se, por isso, extemporâneo o recurso que a Recorrente veio interpor."

5. Verificando-se, assim, no caso, que o recurso foi interposto muito para além do prazo estabelecido no artigo 689.º, do CPC, não se admite o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência.

Custas pela Recorrente.”.

III - Como salientado no despacho singular, mostra-se extemporâneo o recurso de uniformização de jurisprudência interposto pela Recorrente, por se encontrar ultrapassado o prazo de 30 dias que a lei estabelece no n.º1 do artigo 689.º do Código de Processo Civil.

A dissonância de posição por parte da Recorrente reporta-se ao início do referido prazo de interposição, que a lei fixa a partir do trânsito em julgado do acórdão recorrido. [...]

Como expressámos na decisão singular proferida, o entendimento da Recorrente não pode ser acolhido.

Na verdade, o n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil, visa constituir um acréscimo temporal de tolerância permitindo que a parte pratique o acto (com pagamento de multa) nos três dias úteis subsequentes ao termo do mesmo. Nesse sentido, o prazo de três dias só assume relevância como tal (enquanto direito de praticar o acto) se a parte, efectivamente, o exercer praticando o acto. Nas situações em que a parte não o exerce não podem os três dias ser entendidos como um “acréscimo” de prazo e, como tal, mostra-se irrelevante para a contagem do trânsito em julgado.

Por conseguinte, transitado em julgado o acórdão recorrido a 02-03-2023, não pode deixar de se reafirmar a conclusão a que chegou a decisão singular ao considerar que, em 24-04-2023, quando da interposição do recurso de uniformização de jurisprudência, encontrava-se ultrapassado o prazo (peremptório) de 30 dias previsto no n.º1do artigo 689.º do CPC (que ocorreu a 11-04-2023), mostrando-se, por isso, extemporâneo o recurso que a Recorrente veio interpor."

[MTS]