"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



12/06/2017

Jurisprudência (639)


Investigação da paternidade; caducidade;
presunções judiciais; poderes do STJ


1. O sumário de STJ 9/2/2017 (200/11.8TBFVN.C2.S1) (na parte que interessa) é o seguinte:

I – A problemática da caducidade das acções de investigação de paternidade, no que concerne, especialmente, à constitucionalidade ou inconstitucionalidade da fixação de prazos para a sua propositura, tem sido largamente debatida na doutrina e na jurisprudência e está, ainda hoje, longe de ser pacífica. [...]

V – Não obstante o n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil (aplicável às acções de investigação da paternidade ex vido disposto no artigo 1873.º do mesmo Código) manter que esta acção só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos 10 anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, o n.º 3 estabelece que a acção ainda pode ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos factos aí enunciados

VI - O prazo de três anos referido no n.º 3 conta-se para além do prazo fixado no n.º 1, do artigo 1817.º do Código Civil, não caducando o direito de proposição da acção antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação, a acção é ainda exercitável dentro do prazo fixado no n.º 3; e inversamente, a ultrapassagem deste prazo não obsta à instauração da acção, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação.

VII - Onde anteriormente se previam, de forma fechada e taxativa, duas causas de concessão de prazos que, excepcionalmente, poderiam legitimar o exercício da acção para lá dos dois anos posteriores à maioridade ou emancipação, passou a acolher-se, através de autênticas cláusulas gerais, como
dies a quo, a data em que se verifique “o conhecimento de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação”.

VIII - O conhecimento superveniente de que cuida o n.º 3, alínea c) será aquele que se verifique depois de integralmente decorrido o prazo objectivo de dez anos previsto no n.º 1 do artigo 1817º do Código Civil.

IX - O seu preenchimento não se basta com todo e qualquer facto ou circunstância, antes exigindo que o tal conhecimento superveniente se reporte a factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação ou, dito de outro modo, a factos que justifiquem que tenha sido apenas nesse momento (e não antes – ou seja, dentro do prazo geral de dez anos após a maioridade ou a emancipação) que o investigante tenha lançado mão da acção com vista a exercer o seu direito de ver estabelecido o vínculo da filiação.

X - Em sede de recurso de revista, a sindicância sobre a decisão de facto das instâncias em matéria de presunções judiciais é muito circunscrita, admitindo-se, ainda que com alguma controvérsia, que o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá sindicar o uso de tais presunções se este uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados.

XI – Na decisão de direito, o STJ deve levar em conta também a factualidade que as instâncias deram por apurada, ainda que não a tenham inserido na respectiva enunciação, ou seja, no lugar próprio.

XII – Tendo a autora comprovado que só em Março de 2010 teve conhecimento da sua paternidade e justificando esse tardio acesso a informação relevante, não ocorre caducidade da acção de investigação proposta em Maio de 2011.

XIII - Não age com abuso de direito, a investigante que apenas soube em Março de 2010 da sua paternidade, justificando esse tardio acesso à sua ascendência na ausência em parte incerta do investigado e na comprovada sonegação de informação relevante por parte da mãe e de familiares.


2. [Comentário] O acórdão segue, quanto às condições nas quais o STJ pode recorrer a presunções judiciai, a orientação maioritária, citando, aliás, em apoio da sua posição "o acórdão do STJ, de 25/11/2014, proferido no processo n.º 6629/04.0TBBRG.G1.S1, e o acórdão 24/11/2016, proferido no processo n.º 96/14.8TBSPS.C1.S1 [...]"

Já, por várias vezes, houve a oportunidade de mostrar discordância perante esta orientação do STJ. A este propósito tem interesse conhecer a posição da doutrina alemã sobre o problema, construída, aliás, com apoio na jurisprudência do BGH: "O tribunal de revista pode controlar a existência e o conteúdo de uma máxima de experiência geral, dado que uma tal máxima constitui uma regra que serve como padrão de apreciação de factos; portanto, [a máxima] situa-se a montante da apreciação, segundo um critério epistemológico, de uma afirmação de facto. O mesmo vale para as regras técnicas e para os conhecimentos das ciências naturais [...]" (Wiecrorek/Schütze/Prütting (2013), § 559 22).

MTS