"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



09/06/2017

Jurisprudência (638)


Processo de insolvência; extinção da instância;
massa insolvente


1. O sumário de RP 20/2/2016 (5071/16.5T8VNG.P1) é o seguinte:

I - A declaração de extinção da instância – al. e) do artigo 277.º, do Código de Processo Civil – em acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, com base no trânsito em julgado de sentença que declarou a insolvência do devedor – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2014 –, pressupõe a pendência do processo de insolvência, o que já não ocorre se a acção foi proposta após trânsito em julgado da decisão que encerrou o processo de insolvência – artigo 233.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
 
II – Se numa acção declarativa instaurada contra o insolvente é pedida a entrega de um imóvel que não foi apreendido para a massa insolvente, com fundamento no facto de ser um bem propriedade de terceiro, a existência do processo de insolvência não constitui obstáculo à instauração ou prosseguimento dessa acção.
 
2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:
 
"Vejamos agora se o facto da recorrida ter sido declarada insolvente obsta à instauração e ao prosseguimento do presente procedimento cautelar.

A resposta é negativa pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, cumpre verificar qual é o fundamento ou razão de ser da declaração de extinção da instância em acções declarativas instauradas contra o insolvente destinadas a obter o reconhecimento do crédito.

Como resulta da fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2014, para uniformização de jurisprudência, «Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência;

- A partir daí, os direitos/créditos que a A. pretendeu exercitar com a instauração da acção declarativa só podem ser exercidos durante a pendência do processo de insolvência e em conformidade com os preceitos do CIRE – cujos momentos mais marcantes da respectiva disciplina deixámos dilucidados –, seja por via da reclamação deduzida no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência (…e, no caso, a A. não deixou de o fazer), seja pela sua inclusão na listagem/relação subsequentemente apresentada pelo administrador da insolvência, não subsistindo qualquer utilidade, efeito ou alcance (dos concretamente peticionados naquela acção), que justifiquem, enquanto fundado suporte do interesse processual, a prossecução da lide, assim tornada supervenientemente inútil».

Esta doutrina resulta do disposto no n.º 1, do artigo 1.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março), onde se determina que «O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores».

Como o processo de insolvência é uma execução universal, todos os créditos sobre o falido são invocados e discutidos neste processo perante o insolvente e todos os restantes credores, não o podendo ser em outro processo. De igual modo, todos os bens do insolvente são apreendidos para o processo de insolvência, com vista a dar pagamento aos credores através deles.

Daí que quaisquer pretensões patrimoniais sobre o insolvente não sejam possíveis fora do processo de insolvência.

Tratou-se de uma opção do legislador, que certamente considerou ser a mais adequada aos fins do processo de insolvência.

Para conseguir este objectivo, o legislador não pode permitir que durante a pendência do processo de insolvência um credor faça valer os seus direitos fora deste processo.
Porém, este regime pressupõe a pendência do processo de insolvência; se já não existir processo de insolvência, claro está que este escopo (execução universal) também não existe.

Em segundo lugar cumpre ter em consideração que quando o presente procedimento foi instaurado (15 de Junho de 2016) já o processo de insolvência n.º 5069/12.2TBVNG tinha terminado, por despacho de encerramento transitado em julgado em 12 de Outubro de 2012.

Ora, nos termos da al. b) do n.º 1, do artigo 233.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, encerrado o processo de insolvência, «Cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo seguinte» e, nos termos da alínea c) seguinte, «Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência».

Por conseguinte, estando encerrado o processo de insolvência, não existe qualquer obstáculo processual à instauração de uma providência cautelar contra o respectivo insolvente.

Em terceiro lugar, verifica-se que o bem cuja entrega é pedida não foi apreendido para a massa insolvente da recorrida, por não ser um bem pertencente à insolvente.

Nestas condições, não tendo sido apreendido o bem para a massa, a existência de um processo de insolvência não produz quaisquer efeitos sobre a relação jurídica invocada envolvendo a recorrente e a recorrida, pois nem o bem pode ser liquidado para pagar aos credores da insolvente (na hipótese, que já não se verifica, do processo de insolência estar pendente), nem a recorrente está a fazer valer um direito de crédito sobre o património da massa insolvente.

A existência do processo de insolvência não constitui nestes caso obstáculo à instauração ou prosseguimento da acção, neste caso da presente providência cautelar."
 
[MTS]