"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



14/06/2017

Jurisprudência (641)


Recurso para uniformização de jurisprudência;
admissibilidade



1. O sumário de STJ 2/2/2017 (4902/14.9T2SNT.L1.S1-A) é o seguinte:
 
I. Como em todos os recursos, o objecto do recurso para uniformização de jurisprudência é delimitado pelas conclusões do recorrente, completadas, se necessário, pelo texto das alegações de recurso.

II. O objecto do juízo de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência não coincide com o objecto do juízo de admissibilidade da revista excepcional: neste confrontou-se o acórdão da Relação com o acórdão fundamento; naquele tem de se confrontar o acórdão do STJ (acórdão recorrido) com o acórdão fundamento do STJ.

III. De qualquer forma, ainda que a decisão do STJ fosse idêntica à da Relação – o que não é o caso dos autos –, o juízo de admissibilidade da revista excepcional não condiciona o juízo do relator e da conferência quanto à admissibilidade ou não do recurso para uniformização de jurisprudência.

IV. Não ocorre contradição de julgados, por faltar a identidade do núcleo essencial da matéria litigiosa, condição necessária para que se verifique a identidade da questão fundamental de direito, quando: no acórdão recorrido se decidiu que a ré estava obrigada a prestar contas porque foi feita prova de que a autorização para movimentar as contas foi concedida “no interesse da autora”; enquanto no acórdão fundamento, em que se concluiu inexistir obrigação de o réu prestar contas, não foi feita prova de que a autorização para movimentar as contas do falecido pai das partes tivesse sido concedida no interesse do mesmo.
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte;
 
"7. Deste modo, concentremos a nossa atenção no argumento subordinado ao ponto I da reclamação e que, em síntese, é o seguinte: tendo a revista sido admitida como revista excepcional, com fundamento em contradição de julgados entre o acórdão da Relação dos autos e o acórdão fundamento (acórdão do STJ de 1 de Julho de 2003), a confirmação pelo STJ da decisão da Relação implica, necessariamente, que exista oposição de julgados entre o acórdão dos autos (acórdão recorrido) e o dito acórdão fundamento, pelo que o recurso para uniformização de jurisprudência deve ser admitido.

Esta construção revela um raciocínio aparentemente lógico, mas que, em rigor, se funda nos seguintes equívocos interpretativos:

(i) Equívoco de considerar que a decisão do STJ, que confirme a decisão da Relação, tem necessariamente a mesma fundamentação que esta última;

(ii) Equívoco de considerar que a decisão de admissão da revista excepcional, com fundamento em contradição de julgados entre o acórdão da Relação dos autos e o acórdão fundamento (para os efeitos do art. 672º, nº 1, alínea c), do CPC), condiciona a decisão do relator e da conferência de admissão ou não do recurso para uniformização de jurisprudência (para os efeitos do art. 692º, nº 1, do CPC).

Como se sabe, duas decisões no mesmo sentido, proferidas no mesmo processo, podem ter fundamentação total ou parcialmente distinta. O que significa que o objecto do juízo de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência não coincide com o objecto do juízo de admissibilidade da revista excepcional: neste confrontou-se o acórdão da Relação com o acórdão fundamento; naquele tem de se confrontar o acórdão do STJ (acórdão recorrido) com o acórdão fundamento do STJ.

Além disso, mesmo que a decisão do STJ fosse em tudo idêntica à da Relação – o que não é o caso dos autos –, o juízo de admissibilidade da revista excepcional não condiciona o juízo do relator e da conferência quanto à admissibilidade ou não do recurso para uniformização de jurisprudência. Com efeito, o regime do art. 689º, nºs 1 e 2, do CPC, que atribui ao relator e à conferência a competência para apreciar da existência ou não da contradição de julgados, vale para todos os recursos para uniformização de jurisprudência, sem exclusão daqueles que digam respeito a acórdãos recorridos que – numa revista excepcional admitida com base na alínea c), do art. 672º, do CPC, como a dos autos – confirmem o acórdão da Relação tanto quanto à decisão como quanto à fundamentação. O juízo de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência exige a análise aprofundada da alegada contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, incluindo a detalhada ponderação da factualidade subjacente a cada um das decisões.

A ratio de tal exigência é evidente: a contradição de julgados constitui o objecto do recurso para uniformização de jurisprudência. Sem tal contradição efectiva o Pleno das Secções Cíveis não pode ser chamado a decidir."

[MTS]