"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



22/06/2017

Jurisprudência (647)


Venda executiva; venda por negociação particular;
direito de remição


I. O sumário de RC 21/2/2017 (400/09.0TBCBR-E.C1) é o seguinte:

1. A venda por negociação particular de imóveis efectuada pelo encarregado da venda só produz os efeitos próprios da compra e venda, como o de transmissão da propriedade e a obrigação de entregar a coisa, quando é formalizada por escritura pública.

2. No caso de venda por negociação particular de imóveis, o direito de remissão (sic) pode ser exercido até à assinatura do título de venda que, neste caso, corresponde à escritura pública.

II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte: 

"Dispõe o art. 842º, do CPC que: “Ao cônjuge que não esteja separado de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”. Acrescentando o art. 843, nº 1, al. b) que o direito pode ser exercido “ nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta”, nesta previsão se incluindo, portanto, a modalidade de venda por negociação particular.

O art. 843 reproduz o anterior art. 913, na redacção do DL nº 226/2008 de 20.11.

Ora, sobre a venda por negociação particular, no domínio da lei anterior, escreve Amâncio Ferreira, em Curso de Processo de Execução, 11ª edição, a pág. 386: “ Quanto à forma que há-de revestir a transacção, aplicam-se as regras gerais da venda. Assim pode ser celebrada por qualquer das formas admitidas para a declaração negocial (art. 217 e 219 do CC), exceptuados a venda de imóveis (art. 85 do CC e art. 22, al. a) do DL nº 116/2008 de 4 e Julho) e o trespasse do estabelecimento comercial ou industrial (art. 1112, nº 3 do CC), que só são válidos se forem celebrados, respectivamente, por escritura pública ou documento particular autenticado e por documento escrito”.

Em anotação ao anterior art. 913, escreve, também, Lebre de Freitas: “na venda extrajudicial, generalizou-se a regra anteriormente consagrada para a venda por negociação particular: havendo título de venda o direito de remição havia de ser exercido até à sua assinatura (o que sempre acontece na venda por negociação particular: ver o nº 6 da anotação ao art. 905…”); não havendo, releva o momento da entrega do bem (…)”.

Em anotação (nota nº 6) ao art. 905, a que corresponde o actual 833, pode ler-se: “ A venda está sujeita ao regime geral da compra e venda de direito civil, incluindo as disposições atinentes à forma do contrato (art. 875 e 115-3 RAU, por exemplo) sem prejuízo de resultar dos nº 4 (“ instrumento da venda”) e 5 (“ menção no acto da venda) que quando a lei civil não exija forma escrita, esta deve ser observada elaborando-se documento particular”.

Já no domínio do CPC, em Acção Executiva, à luz do CPC de 2013, 6ª edição, o mesmo autor escreve, a pág. 386: “ (…) Mas, circunscrito ao processo executivo, o exercício do direito de remição só pode ter lugar num prazo apertado, que varia consoante a modalidade da venda e a formalização (ou não) desta por escrito: até à emissão do título de transmissão ou ao termo do prazo para a preferência, no caso do art. 825, n.º 3, quando a venda se faz por propostas em carta fechada (art. 843-1-a); até à assinatura do título de venda, se o houver, ou à entrega do bem, na falta de forma escrita, nas outras modalidades de venda (art. 843-1 – b) ”.

E em nota de rodapé, volta a afirmar: “ A venda está sujeita a regime geral da compra e venda de direito civil, incluindo as disposições atinentes à forma do contrato (art. 875 e 1112-3 CC, por exemplo) sem prejuízo de resultar do art. 833, nº 4 (“ instrumento da venda”) e 5 (“ menção no acto da venda) que quando a lei civil não exija forma escrita, esta deve ser observada elaborando-se documento particular”. (todos os sublinhados das citações até agora feitas são nossos).

Do exposto decorre, pois, que, havendo título de venda, como no caso da venda por negociação particular, apenas releva como termo do prazo para o exercício do direito de remição, a assinatura do título de venda, que, no caso da venda por negociação particular de bens imóveis, corresponde à escritura pública (art. 875 do CC); e que o acto de entrega apenas vale como termo do prazo para o exercício do direito de remição quando a venda, pela sua modalidade, não imponha um título que a documente, o que sucede na venda em bolsas e, consoante o regulamento, na venda em estabelecimento de leilões e em depósito público (v. Ac. R.P. de 17.3.2006 e Ac. R.G. de 6.10.2004, ambos em www.dgsi.pt).

Ora, revertendo ao caso sub judice, verifica-se que, à data do exercício da remição, ainda não tinha sido realizada a venda dos bens imóveis por escritura pública (art. 785 do CC). A venda efectuada pelo encarregado da venda ainda não era apta, pois, a produzir os efeitos próprios da compra e venda, como o de transmissão da propriedade e a obrigação de entregar a coisa (art. 879, al. a) e b) do CC). Só podia produzir esses efeitos quando fosse formalizada por escritura pública, o que não tinha ainda ocorrido.

Não tem, assim, qualquer relevo o título que a AE entregou ao encarregado da venda para efeitos de outorga da escritura, pois o título que documenta a venda não é esse mas a escritura pública.

Se o encarregado da venda não se apressou a realizar a escritura, por culpa própria ou do AE, essa é circunstância que não interfere com a validade da remição, a qual pode ser sempre exercida até à assinatura da escritura pública. Apenas pode ser, quando muito, causa de responsabilidade disciplinar ou civil."
 
[MTS]