"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



06/06/2017

Jurisprudência (635)



Nulidade do negócio jurídico;
bens sujeitos a registo; terceiros de boa fé

1. O sumário de RL 26/1/2017 (1155-15.5T8LSB.L1-8) é o seguinte:
  
- A norma do nº 1 do artigo 291º do Código Civil consagra um desvio do princípio geral sobre nulidade ou anulabilidade expresso no artigo 289º, quando esteja em causa a restituição de bens imóveis ou de móveis sujeitos a registo.
 
- Esta solução original do nosso ordenamento jurídico, no âmbito da oponibilidade da nulidade e anulabilidade, representa um claro compromisso entre os interesses que fundamentam a invalidade dos negócios jurídicos, por um lado, e os interesses legítimos de terceiros e do tráfico jurídico, por outro. 
 
- Foi devido à protecção desses interesses legítimos de terceiros e ao tráfico jurídico que, à declaração de nulidade ou anulabilidade de certo negócio, podem opor-se, sob certas condições, terceiros adquirentes de boa fé.
 
- A aplicação da norma contida no artigo 291º do Código Civil pressupõe a verificação dos seguintes requisitos: (i) declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo; (ii) aquisição onerosa; (iii) por um terceiro de boa fé; (iv) registo da aquisição a favor do terceiro; e (v) anterioridade do registo de aquisição em relação ao registo da acção de nulidade ou de anulação.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Importa apreciar a questão da inoponibilidade da invalidade do negócio jurídico a terceiros, nomeadamente aos apelados, ao abrigo do disposto no artº 291º nº 1 do Código Civil.

Dispõe o nº 1 do artigo 291º do Código Civil que “a declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio”.

Esta norma representa uma importante excepção ao efeito da retroactividade, decorrente da declaração de nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, consagrado no artigo 289º nº 1 do Código Civil. Ou seja, no dizer de Pires de Lima e Antunes Varela [Código Civil Anotado, Vol I, 3º Edição Revista e Actualizada, 1982, pág. 265, em anotação ao artigo 291º], “consagra-se um desvio do princípio geral sobre nulidade ou anulabilidade expresso no artigo 289º, quando esteja em causa a restituição de bens imóveis ou de móveis sujeitos a registo”.

Esta solução original do nosso ordenamento jurídico, no âmbito da oponibilidade da nulidade e anulabilidade, representa um claro compromisso entre os interesses que fundamentam a invalidade dos negócios jurídicos, por um lado, e os interesses legítimos de terceiros e do tráfico jurídico, por outro. Foi devido à protecção desses interesses legítimos de terceiros e ao tráfico jurídico que, à declaração de nulidade ou anulabilidade de certo negócio, podem opor-se, sob certas condições, terceiros adquirentes de boa fé [Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, 2005, por A. Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto págs. 626/7, e Rodrigues Bastos, Das Relações Jurídicas, IV, 1969, págs. 45 a 50].


Preceitua o nº 2 do mesmo artigo 291º que “ os direitos de terceiro, não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio”.

E o nº 3 prescreve que “é considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável”

Anotando este nº 2, ensinam aqueles autores o seguinte: “ Em harmonia com a regra geral está o disposto no nº 2, pois não se reconhecem os direitos de terceiro constituídos sobre as coisas a restituir, mesmo que haja registo de aquisição anterior ao registo da acção de nulidade ou de anulação, se esta for proposta e registada dentro do prazo de três anos. Decorrido este prazo, são protegidas as aquisições a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção”.

A aplicação da norma contida no artigo 291º do Código Civil pressupõe a verificação dos seguintes requisitos:

(i) declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo;

(ii) aquisição onerosa;

(iii) por um terceiro de boa fé;

(iv) registo da aquisição a favor do terceiro e

(v) anterioridade do registo de aquisição em relação ao registo da acção de nulidade ou de anulação.

Ainda que verificados estes requisitos, a protecção do terceiro não funcionará se outra for a causa de invalidade, que não a falta de titularidade do alienante, e se a acção for proposta ou registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio (artº 291º nº 2), sendo o prazo de caducidade que começa a contar a partir da data da celebração do primeiro negócio inválido, que dá origem à cadeia.

Assim, o negócio gerador da nulidade sequencial é o primeiro, ou seja, o da venda do veículo ao réu V..., contando-se o prazo de três anos a que se refere o nº 2 do artigo 291º desde a conclusão de tal negócio, em 25.11.2010.

Efectivamente, porque não foram produzidas pela autora, ora apelante, as declarações correspondentes à transmissão para o réu V... do direito de propriedade do veículo ...-...-..., (Alínea D) da Fundamentação de facto) é nula a inscrição registral da respectiva aquisição por aquele em 25.11.2010, pois se trata de uma venda de bens alheios, a lei comina tal negócio com a nulidade, nos termos do art. 892º do Código Civil.

Assim, o prazo de três anos contados da conclusão do primeiro negócio, nos termos do nº 2 do artigo 291º do Código Civil, há muito que se encontra verificado, pois a acção foi registada em 20.01.2015.

Deste modo, os réus A... e O... encontram-se na posição de terceiros de boa fé, tendo registado a sua aquisição com base num registo anterior a favor do transmitente, pelo que se pode concluir pela constituição legítima do direito de propriedade do réu A... e, posteriormente, da ré O... sobre o veículo.

Assim, consolidou-se na esfera jurídica da ré O... o direito de propriedade do referido veículo, merecendo a improcedência as conclusões das alegações de recurso interposto pela apelante."

[MTS]