"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



22/05/2025

Jurisprudência 2024 (172)


Pedido ilegal;
omissão de pronúncia; baixa do processo*


1. O sumário de STJ 1/10/2024 (1859/20.0T8STR-J.E1.S1) é o seguinte:

I. Se, no âmbito da tramitação da apelação, a Relação oferece às partes o contraditório previsto no art. 665º, 3, do CPC, para audição sobre o “objecto da apelação”, fica a resposta do recorrente apelante limitada à produção de alegações complementares sobre a questão recursiva, sem legitimidade para extravasar ou ampliar o âmbito do recurso definido nas alegações originais.

II. Se, na resposta do apelante, foi reiterado o objecto recursivo, repetidas as alegações anteriores e subsidiariamente acrescido que, no objecto recursivo delimitado – a competência absoluta em razão da hierarquia do tribunal de 1.ª instância para apreciar do recurso de revisão, tendo em conta o art. 697º, 1, do CPC –, a não ser concedido provimento à apelação, o tribunal determinado como competente em alternativa ao escolhido pelo recorrente fosse objecto da remessa do processo, se aplicável determinado regime jurídico, temos uma questão sequencial e esgotante da questão de competência submetida originariamente à sindicação da Relação; neste sentido, uma questão de direito conexa com a questão recursiva (arts. 105º, 3, 278º, 2, e 576º, 2, CPC), legitimamente levantada para efeitos do dever de apreciação do art. 608º, 2, do CPC (aplicável por força do art. 663º, 2, do CPC).

III. A omissão de pronúncia no acórdão da Relação sobre tal questão conexa e integrante do objecto do recurso (art. 635º, 2 a 4, CPC) é sancionada com a nulidade da decisão prevista no art. 615º, 1, d), 1.ª parte, do CPC (aplicável por força do art. 666º, 1, do CPC), e motiva a devolução dos autos à Relação, nos termos do art. 684º, 2, do CPC, para suprimento do vício e prolação de nova decisão reformada.


2. Na fundamentação do acórdão (que tem uma declaração de voto) escreveu-se o seguinte:

"O acórdão recorrido, uma vez dada a pronúncia das partes pela Senhora Juíza Relatora no âmbito de aplicação desse art. 665º, 1 e 3 do CPC, após declaração da nulidade nos termos do art. 195º do CPC – bem ou mal aplicados tais normativos, não interessa aqui agora discutir –, não se pronunciou igualmente sobre o pedido do Recorrente sobre a remessa do processo ao tribunal que se considerasse competente pela Relação, se decidisse confirmar a decisão de 1.ª instância, como confirmou.

Tal pronúncia justificou-se pela circunstância de, reconhecida a nulidade processual decorrente da violação do art. 3º, 3, do CPC pela decisão de 1.ª instância, a Senhora Juíza Relatora ter considerado, preliminarmente, dar o contraditório às partes sobre o objecto da apelação, isto é, sobre a esfera de cognição da Relação. Depois, uma vez reiterado o objecto da apelação e feito um pedido subsidiário de remessa do processo para o tribunal que se considerasse competente em caso de perda de causa, julgamos que a Relação, a confirmar a decisão, como confirmou, teria que se pronunciar sobre a bondade do pedido inscrito na apelação pelo recorrente nessa resposta, ou seja, sobre a consequência processual de determinação de um tribunal competente distinto do considerado como tal pelo recorrente aquando da interposição do recurso de revisão. [...]

Quando o Recorrente Apelante responde ao aludido despacho para contraditório, o certo é que não foi ampliado o objecto do recurso – tal seria ilícito processualmente (art. 635º, 2 a 4, CPC) e deveria ser rejeitado na esfera de conhecimento do tribunal de recurso.

Ao invés.

Foi reiterado o objecto recursivo, repetidas as alegações anteriores e subsidiariamente acrescido – é o que agora importa salientar – que, no objecto recursivo delimitado – a competência absoluta em razão da hierarquia do tribunal de 1.ª instância para apreciar do recurso de revisão –, a não ser concedido provimento à apelação, o tribunal determinado como competente em alternativa ao escolhido pelo recorrente fosse objecto da remessa do processo, se aplicável determinado regime jurídico. Logo, materialmente, não temos aqui uma questão que tenha sido ilegitimamente adicionada e cujo conhecimento possa ser precludida; antes uma questão que resulta como – na perspectiva do alegado pelo Recorrente – sequencial e esgotante da questão de competência submetida à sindicação da Relação. [...]

Assim, julgamos que a Relação se deveria ter pronunciado sobre tal pedido, a título subsidiário formulado, uma vez que tal surgiu como complemento de regime do dispositivo decisório em sede de recurso e, ademais e acima de tudo, como questão de direito conexa com a questão recursiva, relativa à aplicação ou não do art. 105º, 3, às situações previstas nos arts. 278º, 2, e 576º, 2, do CPC – assim incorrendo o acórdão recorrido em “omissão de pronúncia”, que urge reparar na instância própria.

Logo, é de deferir esta nulidade relativa a questão não apreciada, por aplicação do art. 615º, 1, d), 1.ª parte, ex vi art. 666º, 1, do CPC, merendo provimento as Conclusões 75) a 81).


*3. [Comentário] Não se descortina a razão pela qual, a propósito da "competência absoluta em razão da hierarquia do tribunal de 1.ª instância para apreciar do recurso de revisão", o recorrente pode solicitar a aplicação do disposto nos art. 105.º, n.º 3, 278.º, n.º 2, e 576.º, n.º 2, CPC, que, como se sabe, estabelecem, em caso de procedência da excepção de incompetência relativa (e não de incompetência absoluta), a remessa do processo para o tribunal competente. 

Neste sentido, o pedido subsidiário feito (ou acrescentado) pelo recorrente é manifestamente ilegal e não tem qualquer hipótese de procedência. É verdade que o STJ não tem poderes de substituição ao tribunal recorrido quando se trata de uma omissão de pronúncia cometida por este último (art. 684.º, n.º 1 e 2, CPC), mas, ressalvada a devida consideração, não deixa se ser estranho que o STJ entenda que, perante um pedido manifestamente ilegal, que não exige nenhuma ponderação ou concretização e que jamais terá qualquer hipótese de procedência, se justifica a baixa do processo à Relação. Em última análise, poderia ter-se recorrido à "cláusula de salvaguarda" que se pode retirar do disposto no art. 130.º CPC.

MTS