"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/05/2025

Jurisprudência 2024 (173)


Prestação de alimentos;
prestações vincendas; valor da sucumbência*


1. O sumário de STJ 1/10/2023 (256/18.2T8LMG.C1.S1) é o seguinte:

I – Havendo o acórdão recorrido julgado improcedente a apelação interposta, mantendo a condenação do requerido a entregar, a título de alimentos devidos à sua filha maior AA, a importância mensal de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros), a qual é devida a partir de Janeiro de 2018, sendo assim o valor anual devido de € 1.500,00 (€ 125,00 x 12) e havendo decorrido até à prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - em 7 de Maio de 2024 - 6 (seis) anos e 5 (meses) meses (de Janeiro de 2018 a Maio de 2024), o valor global a entregar pelo requerido à requerente ascende a € 9.750,00 (nove mil, setecentos e cinquenta euros), o qual não é superior a metade do valor da alçada do tribunal de que recorre (€ 15.000,00), não fazendo sentido conjecturar hipóteses de pagamentos futuros que serão (ou não) suportados pelo ora recorrente.

II – Aliás, para o valor das prestações alimentares vir a fixar-se em montante superior a € 15.000,00 (habilitando a interposição do recurso de revista), seria necessário tomar em conta os pagamentos vincendos que viessem a ocorrer em Fevereiro de 2028 (o que teria a ver com o total de mais de 10 anos de pagamento mensal da verba de € 125,00), sendo que nessa data será altamente previsível que já se tenha completado a formação profissional da alimentanda (na data da petição a A. tinha 19 anos e iniciara a formação em ...; à data da sentença a mesma A, contava vinte cinco anos de idade; em Janeiro de 2028 – daqui a três anos e meio sensivelmente - contará idade superior a 29 anos (mais dez anos após a entrada da acção em juízo).

III – Pelo que, nos termos do artigo 629º, nº 1, do Código de Processo Civil, inexiste a sucumbência necessária por parte do recorrente, não sendo, por isso mesmo, a decisão judicial proferida pelo Tribunal da Relação impugnável perante o Supremo Tribunal de Justiça.

IV – Por outro lado, a admissibilidade da revista excepcional, como recurso de revista que é, exige, em qualquer circunstância, a prévia verificação de todos os pressupostos gerais de recorribilidade, mormente o da impugnabilidade do acórdão recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça (o que não sucede in casu).

V - Não há assim lugar ao conhecimento do objecto do recurso, que se julga findo nos termos gerais do artigo 652º, nº 1, alínea b), e do artigo 679º do Código de Processo Civil.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Dispõe o artigo 629º, nº 1, do Código de Processo Civil:

“O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa”.

Ora, o acórdão recorrido - proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 7 de Maio de 2024 - julgou improcedente a apelação interposta pelo requerido, mantendo o decidido em 1ª instância.

Ou seja, manteve a condenação do requerido a entregar, a título de alimentos devidos à sua filha maior AA, a importância mensal de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros), a qual é devida a partir de Janeiro de 2018.

Ora, sendo o valor anual devido de € 1.500,00 (€ 125,00 x 12) e havendo decorrido até à prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - em 7 de Maio de 2024 - 6 (seis) anos e 5 (meses) meses (de Janeiro de 2018 a Maio de 2024), o valor global a entregar pelo requerido à requerente ascende a € 9.750,00 (nove mil, setecentos e cinquenta euros), o qual não é superior a metade do valor da alçada do tribunal de que recorre (€ 15.000,00).

Logo, inexiste a sucumbência necessária por parte do recorrente, não sendo, por isso mesmo, essa decisão judicial impugnável perante o Supremo Tribunal de Justiça.

(Escreve, a este propósito, Rui Pinto in “O Recurso Civil. Uma Teoria Geral”, AAFDL Editora, 2017, a página 202:

“Complementarmente, o valor do prejuízo e da acção devem ser economicamente relevantes, nos termos do artigo 629º, nº1.

Trata-se de um pressuposto processual compósito: não admitem recurso ordinário as decisões proferidas em causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e que não sejam desfavoráveis ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal. Por isso +e que a alçada é o valor dentro do qual um tribunal decide sem admissibilidade de recurso.

Na falta deste pressuposto o requerimento deve ser proferido pelo juiz a quo, nos termos do artigo 641º, nº 2, alínea a), ou o recurso não conhecido nos termos dos artigos 652º, nº 1, alínea b), e 655º, porque a decisão não admite recurso.

Esta é, ainda, uma expressão da função delimitadora do interesse processual, mas que não é estritamente economicista, já que não somente a lei postula que não é economicamente significativo até € 2.500,00, como aceite até € 15.000,00 (valor que não é uma bagatela) possa não haver novo recurso, porque presume que a primeira decisão de recurso – i.e., das Relações -, é, em regra, justa.

Em suma: do ponto de vista do Estado o recorrente obteve a melhor tutela possível com os meios que o Estado colocou à sua disposição. Por isso, não tem “precisão” de nova decisão judicial”.

Dir-se-á, ainda, a propósito do alegado pelo recorrente aquando da sua notificação nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil:

1º - O valor correspondente à sucumbência ascende efectivamente ao montante de € 9.750,00 (nove mil, setecentos e cinquenta euros) sendo o único que poderá ser considerado para estes efeitos, não fazendo sentido conjecturar hipóteses de pagamentos futuros que serão (ou não) suportados pelo ora recorrente.

2º - Recorda-se ainda, a este propósito, que o valor objectivo que resulta do critério que se extrai do artigo 298º, nº 3, do Código do Processo Civil (o quíntuplo da anuidade) conduziria ao montante de € 7.5000, bem inferior àquele que, para estes efeitos, foi considerado (por correspondente à efectiva condenação do Réu que resulta do acórdão recorrido).

3º - Para o valor das prestações alimentares vir a fixar-se em montante superior a € 15.000,00 (habilitando a interposição do recurso de revista), seria necessário tomar em conta os pagamentos vincendos que viessem a ocorrer em Fevereiro de 2028 (o que teria a ver com o total de mais de 10 anos de pagamento mensal da verba de € 125,00), sendo que nessa data será altamente previsível que já se tenha completado a formação profissional da alimentanda (na data da petição a A. tinha 19 anos e iniciara a formação em...; à data da sentença a mesma A, contava vinte cinco anos de idade; em Janeiro de 2028 – daqui a três anos e meio sensivelmente - contará idade superior a 29 anos (mais dez anos após a entrada da acção em juízo).

Note-se outrossim que a admissibilidade da revista excepcional, como recurso de revista que é, exige, em qualquer circunstância, a prévia verificação de todos os pressupostos gerais de recorribilidade, mormente o da impugnabilidade do acórdão recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça. [...]

Não há assim lugar ao conhecimento do objecto do recurso (por ausência da sucumbência necessária do recorrente), o qual, nessa medida, se julga findo, nos termos gerais do artigo 652º, nº 1, alínea b), e do artigo 679º do Código de Processo Civil”.

Apresentou a recorrente reclamação (que apelidou erradamente de reclamação apresentada ao abrigo do artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil) para a Conferência [...]

9º Considera, no entanto, Vª Exª, Ilustre Conselheiro, que o valor da sucumbência será de apenas 9750 euros, que corresponde ao valor a que o recorrente “está condenado” a entregar à requerente, correspondendo à quantia de 125 euros desde maio de 2018 até maio de 2024.

10º Entende o recorrente que fixar assim o valor da sucumbência é errado.

11º No caso concreto, o valor da sucumbência não pode corresponder às prestações vencidas até à data da prolação da decisão recorrida, porquanto, a decisão recorrida é muito mais extensível do que isso, pois que a assim considerar-se ter-se-ia necessariamente de considerar que a requerente nada mais podia exigir do recorrente a nível de prestação de alimentos, a não ser esse valor (Se assim o fosse, nada mais diríamos, o recorrente pagava e nada mais tinha de pagar, porque a nada mais estava condenado, mas, infelizmente, parece-nos que o não é).

12º Veja-se que a decisão recorrida, para além de condenar o recorrente em prestações vencidas, condena-o no pagamento de uma pensão mensal de alimentos vincenda. [...]
 
Apreciando do mérito da reclamação apresentada nos termos do artigo 653º, nº 3, do Código de Processo Civil:

Não assiste razão ao reclamante, pelos motivos desenvolvidos na decisão singular.

De resto, na reclamação apresentada (erradamente qualificada como tendo sido ao abrigo do disposto no artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil, quando o reclamante quereria certamente referir-se ao artigo 652º, nº 3, do mesmo diploma legal – operando-se portanto a competente convolação ao abrigo do artigo 193º, nº 3, do Código de Processo Civil -) o reclamante limita-se a repetir, sem qualquer verdadeira novidade, o argumentário já antes exposto, aquando da sua notificação nos termos e para os efeitos do artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Nada há, portanto, a acrescentar ao que antes foi dito pelo relator do processo.

Concorda-se, assim e inteiramente, com o despacho reclamado, para cujos fundamentos se remete."

*3. [Comentário] O principal argumento que pode justificar o decidido no acórdão é, efectivamente, aquele que resulta do disposto no art. 298.º, n.º 3, CPC: o valor da sucumbência não pode ser superior ao quíntuplo da anuidade da prestação de alimentos a que a parte demandada foi condenada no tribunal a quo. Independentemente do que se possa pensar do regime legal, não é coerente que a sucumbência da parte vencida possa ser aferida por um diferente critério.

MTS