O art. 43.º Reg. 44/2001 (Regulamento Bruxelas I) estabelece o regime do recurso que pode ser interposto da decisão (do tribunal de 1.ª instância) que atribuiu o exequatur a uma decisão estrangeira; por sua vez, o art. 44.º Reg. 44/2001 estabelece que a decisão proferida pelo tribunal de recurso pode ser objecto de recurso para um outro tribunal (em Portugal, para o STJ). Coloca-se o problema de saber se este recurso fica sujeito às regras do direito nacional do Estado da execução, nomedamente, no que diz respeito ao direito português, às limitações decorrentes da relação do valor da causa com a alçada do tribunal e da dupla conforme.
O acórdão do STJ de 14/11/2013 -- acessível no endereço
-- entende que nos processos de concessão de executoriedade, o direito ao recurso não está sujeito às restrições fundadas no valor da causa e da sucumbência, porque o Reg. 44/2001 não prevê tais restrições. A resposta não é assim tão simples.
Importa ter presente um dado de direito comparado. Em algumas ordens jurídicas, a entrada em vigor dos Regulamentos Euripeus é acompanhada de uma lei de introdução do respectivo regulamento. É o que tem sucedido (dentro dos meus conhecimentos) no Reino Unido e na Alemanha.
Em concreto, quanto à Alemanha, a entrada em vigor do Reg. 44/2001 foi acompanhada da elaboração de uma Anerkennungs- und Volstreckungsausführungsgesetz (AVAG) -- acessível no endereço
-- , em cujo § 15 se estabelece expressamente que o recurso (Rechtsbeschwerde) só é admissível nas condições referidas no § 574 da ZPO, ou seja, em concreto, quando o caso se reveste de um significado fundamental ou o recurso é necessário para a evolução e construção do direito ou para a uniformidade da jurisprudência.
Do exposto pode retirar-se que os Regulamentos Europeus não impedem que os Estados-membros definam as condições da admissibilidade de um segundo recurso sobre a decisão relativa ao exequatur de uma decisão estrangeira. Não o poderão fazer de forma discriminatória, mas podem-no fazer, de modo indiscutível, mandando aplicar a esse recurso as suas próprias regras gerais.
O problema que se coloca é o de saber se, não tendo o legislador português, elaborado nenhuma lei de introdução do Reg. 44/2001, isso significa que, na ordem jurídica portuguesa, não existe nenhuma restrição quanto à admissibilidade do recurso ou que valem para esse recurso as restrições gerais.
Embora com dúvidas, tendo para a primeira orientação: o que vale genericamente vale também oara o segundo recurso sobre a decisão do exequatur. Poder-se-ia dizer quue o legislador pode fazer uso da faculdade de adaptar a entrada em vigor dos Regulamentos Europeus à ordem jurídica portuguesa; não o fazendo, aceita a vigência desses Regulamentos tal como resulta dos mesmos. O argumento não me parece tão forte que possa afastar o elemento sistemático da interpretação: parece-me mais grave que se crie uma desarmonia no sistema (com decisões sujeitas à regra da alçada e da sucumbência e à regra da dupla conforne e com decisões de exequatur sem qualquer restrição quanto à admissibilidade do recurso) do que invocar que a omissão do legislador vale como aceitação irrestrita da letra do Reg. 44/2001.
Uma última nota: apesar de o Reg. 1215/2012 (Regulamento Bruxelas I-bis) suprimir a necessidade do exequatur em relação a decisões provenientes de outros Estados-membros, o problema pode continuar a levantar-se quanto à decisão sobre a recusa de concessão do exequatur: nos termos dos art. 49.º e 50.º Reg. 1215/2012, a decisão que recusa o exequatur é passível de recurso e esta nova decisão admite ainda novo recurso; importa saber em que termos.
MTS