"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



31/12/2022

Jurisprudência constitucional (217)


Processo administrativo;
citação


TC 21/12/2022 (857/2022) decidiu

[...] Julgar inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 219.º da Constituição, a norma que resulta da interpretação conjugada dos artigos 11.º, n.º 1, e 25.º, n.º 4, do Código de Processos nos Tribunais Administrativos (aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro), segundo a qual, nos tribunais administrativos, quando seja demandado o Estado ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a representação do Estado pelo Ministério Público é uma possibilidade, sendo a citação dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo; [...].

 

28/12/2022

Informação (292)


Divulgação


Continuam abertas as inscrições para o I Curso de Pós-Graduação Avançada em Processo Civil Executivo que se inicia no próximo dia 3. Para mais informações clicar aqui.


27/12/2022

Bibliografia (1053)


-- Arenas García, R., Arbitraje y jurisdicción en el espacio judicial europeo. A propósito de la Sentencia del Tribunal de Justicia (Gran Sala) de 20 de junio de 2022, "London Steam-Ship Owners' Mutual Insurance Association", RDCE 73 (2022), 1043


26/12/2022

Bibliografia (1052)


-- Costa e Silva, P., Responsabilidade por Conduta Processual - Litigância de Má Fé e Tipos Especiais (Almedina: Coimbra 2022)

-- Molina López, F., Escrito preventivo frente a las medidas cautelares inaudita parte (J. M. Bosch Editor: Barcelona 2022)


19/12/2022

Informação (291)


Interrupção do Blog


O Blog interrompe as publicações regulares até ao próximo dia 3/1.

Aproveita-se para enviar a todos os Leitores os Votos de Boas Festas e de um Feliz 2023.

MTS


Legislação europeia (Projectos e propostas) (43)


-- Proposal of new Insolvency directive harmonising certain aspects of substantive law on insolvency proceedings, COM(2022) 702 final

-- Proposal of the Commission of 7 December 2022 for a Regulation on jurisdiction, applicable law, recognition of decisions and acceptance of authentic instruments in matters of parenthood and on the creation of a European Certificate of Parenthood, COM(2022) 695 final


Bibliografia (Índices de revistas) (213)


RTDPC


-- RTDPC 76 (2022-4)



Jurisprudência 2022 (90)


Despacho saneador:
conhecimento de mérito


1. O sumário de RC 5/4/2022 (449/20.2T8LRA.C1) é o seguinte:

I – Existindo, na doutrina e na jurisprudência, soluções diferentes quanto à questão a decidir, deve ser dada às partes a possibilidade de as discutirem e de reunirem provas com vista ao acolhimento de uma dessas soluções plausíveis de direito.

II – Embora o juiz se considere habilitado a conhecer do mérito da causa segundo a solução que julga adequada, com base apenas no núcleo de factos incontroversos, caso existam factos controvertidos com relevância para a decisão, segundo outras soluções plausíveis de direito, deve aquele abster-se de conhecer, na fase de saneamento, do mérito da causa.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A jurisprudência vem entendendo que será prematuro, o conhecimento do mérito da causa no despacho saneador quando a decisão apenas assenta numa das possíveis soluções da questão de direito. Existindo, na doutrina e na jurisprudência, soluções diferentes, no que respeita à questão em apreço, deve ser dada às partes a possibilidade de as discutirem e bem assim reunir no processo os necessários elementos para que possa ser acolhida uma ou outra das soluções plausíveis de direito - O conhecimento do mérito no despacho saneador pressupõe que não existam factos controvertidos indispensáveis para esse conhecimento, ponderando as diferentes soluções plausíveis de direito; apesar do juiz se considerar habilitado a conhecer do mérito da causa segundo a solução que julga adequada, com base apenas no núcleo de factos incontroversos, caso existam factos controvertido com relevância para a decisão, segundo outras soluções também plausíveis de direito, deve abster-se de conhecer, na fase de saneamento, do mérito da causa.

Como o entendeu, por ex. o Acórdão deste Tribunal de 08.07.2021 - Processo n.º 668/20.1T8GRD.C1/ Relator Fonte Ramos, disponível em www.dgsi.pt - : “O despacho saneador destina-se a: a) Conhecer das excepções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente; b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória (art.º 595º, n.º 1 do CPC). Na hipótese prevista na alínea b), o despacho fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença (n.º 3, 2ª parte).

Contudo, a decisão de mérito, ainda que parcial, só deve ter lugar quando haja uma muito razoável margem de segurança quanto à solução a proferir, pois de outro modo o aparente ganho de economia processual pode resultar, pela via da revogação da decisão em recurso, em perda real na duração do processo”.

Assim sendo, a decisão do processo na fase do saneador-sentença só poderá suceder quando, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, a matéria de facto não deixar dúvidas a ninguém sobre a sua procedência ou improcedência - veja-se a titulo de exemplo, os acórdãos da Relação ..., de 4.2.2019- “Apesar do juiz se considerar intimamente habilitado a solucionar o diferendo, partindo apenas do núcleo de factos incontroversos, pode isso não ser suficiente se, porventura, outras soluções jurídicas carecidas de melhor maturação e de apuramento de factos controvertidos puderem ser legitimamente defendidas, impedindo o conhecimento do mérito em sede de despacho saneador.”

Vejamos então, devassando o articulado pelas partes, se a 1.ª instância poderia, desde já, proferir a sua decisão final.

A Autora intentou contra a Ré a presente acção, alegando em suma, que em 2008 celebrou com a Ré um contrato de fornecimento de argilas, contrato esse que a Ré não cumpriu, uma vez que em Dezembro de 2018, a A. encomendou diversas argilas a fornecer em Janeiro de 2019, mas a Ré ao invés de fornecer as argilas solicitadas, enviou uma carta à A. referindo que o contrato tinha deixado de ser utilizado uma vez que há muito tempo tinham cessado os fornecimentos, pelo que considerava a encomenda sem efeito. Mais alegou que em Setembro de 2019 voltou a fazer nova encomenda e a Ré voltou a responder em moldes semelhantes, pelo que pretende a declaração e resolução do contrato em causa e a condenação da Ré numa indemnização no valor de 250.000€, conforme previsto no contrato de fornecimento.

A Ré por seu turno contestou e alegou, em suma, que desde 2012 que a A. deixou de efetuar qualquer pedido ou encomenda, e que perante o desinteresse desta informou-a que considerava o contrato resolvido, o que foi por ela tacitamente aceite, pelo que não existia fundamento para a condenação da Ré ao pagamento do valor da indemnização que peticiona e que a pretensão da A. nesta parte, se traduzia num manifesto abuso de direito.

A A. respondeu à contestação apresentada pela Ré, resposta essa através da qual respondeu à exceção deduzida, alegando nunca ter deixado de encomendar mercadoria, sem que, no entanto, concretizasse as encomendas.

Formulado convite de aperfeiçoamento, nomeadamente especificando se as concretas encomendas a que se pretendeu referir sob o artigo 13º do seu articulado, ou seja, que efetuou à ré no decurso do ano de 2012 e seguintes, que foram ou não satisfeitas, nos moldes em que estavam contratualmente previstas, veio a Autora, alegar/concretizar:

“Durante o ano de 2012, pese embora a Autora mantivesse interesse no fornecimento das espécies e quantidades anuais acordadas no contrato, tendo-as encomendado, a Ré já não possuía nem COP-PI, nem COP, nem caulino MEK para fornecer; e das restantes foram apenas fornecidos:

- 1544,91 TN, de Argilas BM-1; - 54,18 TN, de Argilas M-3;

Durante o ano de 2013, nenhum material foi fornecido por parte da Ré, pese embora a Autora tenha mantido interesse nas argilas contratualizadas e encomendado o fornecimento de Argila M3, na quantidade 12.500 TN, pois era a única argila da Ré que se podia misturar com outras da Autora, de molde a produzir produto aceitável para venda.

Não foi possível aceitar fornecimentos nos anos seguintes das argilas contratadas, face à não conformidade das argilas em questão e à ausência de exploração de novas argilas da mesma espécie por parte da Ré, ainda que durante anos se tivessem efectuado análises aquelas espécies de argilas que a Ré possuía e se recebessem fornecimentos de outras argilas de género diferente para tentar colmatar a ausência do produto acordado”.

Factos estes, importantes para definir o (in)cumprimento contratual e a utilização (ou não) do instituto do abuso de direito, que a Ré impugna, mantendo todo o alegado em sede de contestação. Até porque, como alega a apelante, “a Autora não estava em condições de dizer concretamente que tipo de encomendas efectuou, até porque estas encomendas eram feitas verbalmente e não tinha a Autora forma de concretizar em termos de datas as encomendas que realizou. O que a Autora podia afirmar e concretizar eram os fornecimentos que haviam sido efectuados pois tinha acesso à facturação (documentação com data). Por esse facto referiu em sede de aperfeiçoamento que sempre manteve interesse nos fornecimentos e que não pôde aceitar os fornecimentos prestados pela Ré, face à desconformidade das argilas. No entanto referiu que as relações comerciais se mantiveram, recebendo da Ré argilas de espécie diferente para tentar colmatar a ausência do produto acordado. Mais referiu a Autora que aguardava que a Ré explorasse dos seus terrenos as argilas da mesma espécie (…) Todos estes factos poderiam facilmente ter sido comprovados em sede de audiência de discussão e julgamento com recurso à prova testemunhal, por confronto com a prova documental já junta aos Autos”.

Mais, “O tribunal não pode pronunciar-se no despacho saneador sobre a excepção antes de se pronunciar sobre a pretensão, ou seja, não pode considerar a acção improcedente com base na excepção peremptória antes de reconhecer a existência do direito alegado pelo autor (…) o tribunal não pode justificar o julgamento de procedência da excepção com o argumento de que não interessa analisar a pretensão do autor, porque, ainda que esta viesse a ser reconhecida, a acção sempre haveria de improceder com fundamento na excepção”.

Por isso, com todo o respeito pela julgadora da 1.ª instância, o Juízo Central Cível ajuizou mal ao enveredar pela decisão da questão de abuso de direito na fase de saneamento, visto resultar do confronto da posição das partes que há factos controvertidos relevantes para essa apreciação de mérito, ponderando as diferentes soluções plausíveis de direito.

Suscitada tal questão em recurso, tem de revogar-se o saneador-sentença absolutório, por, à luz do disposto no art.º 595.º, n.º 1, al. ª b), não poder conhecer-se imediatamente do mérito da causa – o estado do processo não permitia, sem necessidade de mais provas, a apreciação total dos pedidos deduzidos."

[MTS]


16/12/2022

Legislação (220)


Valor do indexante dos apoios sociais


-- P 298/2022, de 16/12: Procede à atualização anual do valor do indexante dos apoios sociais (IAS)


Jurisprudência 2022 (89)


Atribuição da casa de morada de família;
irregularidade processual


1. O sumário de RL 24/3/2022 (950/21.0T8SXL-A.L1-2) é o seguinte:

I - Tendo sido apresentado, na pendência da ação de divórcio, requerimento em que é peticionada a fixação de um regime provisório de utilização da casa de morada de família, com referência (incorreta) ao art. 1407.º, n.º 7, do CPC e indicação de que seria para apensar àquela ação, é fora de dúvida que se está perante a dedução do incidente previsto no art. 931.º, n.º 7, do CPC, não se podendo considerar verificado um erro na forma do processo, nem sequer na qualificação do meio processual, mas tão só uma irregularidade, que é retificável mediante a incorporação de todo o processado por apenso nos autos de divórcio.

II - Pese embora tal retificação apenas tenha sido determinada na decisão final do incidente, quando o tribunal se apercebeu dessa irregularidade, a mesma não gera nenhuma nulidade processual, pois é insuscetível de influir no exame ou na decisão da causa (cf. art. 195.º, n.º 1, do CPC), pela simples razão de que o processado que foi seguido em nada diferiu do que haveria de ter sido observado se logo, no despacho liminar, se tivesse, ao abrigo do disposto no art. 6.º do CPC, feito a correção necessária. Como foi observada uma tramitação que seria adequada à prolação de decisão definitiva sobre a atribuição da casa de morada da família, ainda que se verificasse um erro na forma do processo, jamais conduziria à anulação de todo o processado, que poderia ser aproveitado na íntegra sem qualquer diminuição de garantias do Réu.

III - Tendo o Tribunal, aquando da inquirição das testemunhas, decidido, por despacho exarado em ata, que o Requerido se encontrava devidamente citado, despacho de que ele, ora Apelante, teve conhecimento, tanto assim que até o citou na íntegra na sua alegação de recurso, não interpondo recurso do mesmo, o qual transitou em julgado (cf. art. 620.º do CPC), é inadmissível, no recurso que é interposto unicamente da sentença, julgar verificada uma nulidade processual contrariando o que foi antes decidido e passou em julgado em primeiro lugar (cf. art. 625.º do CPC).

IV - Ainda que assim não fosse, seria de convocar o disposto no art. 189.º do CPC, concluindo-se que, mesmo que existisse uma falta de citação do Requerido, sempre estaria sanada a (eventual) nulidade processual daí resultante, considerando que, conforme consta da respetiva ata, esteve presente na tentativa de conciliação sem arguir então qualquer nulidade por falta de citação, tendo sido explicitamente notificado e advertido de que podia deduzir oposição no prazo de 10 dias, apenas não recebendo na altura cópia do requerimento inicial porque se decidiu ausentar antes de a diligência ter sido declarada encerrada.

V - A invocada “omissão da análise crítica dos meios probatórios produzidos” não constitui a causa de nulidade da sentença prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, mas, quando muito, poderia levar a que fosse determinado ao tribunal de 1.ª instância que fundamentasse devidamente a decisão sobre alguns factos essenciais para o julgamento da causa, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados (cf. art. 662.º, n.º 2, al. d), do CPC), o que, no caso, não se justifica, face à motivação sucinta constante da decisão recorrida e ao mais que foi explanado no despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 617.º, n.º 1, do CPC.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"1.ª questão – Do erro na forma do processo

Da decisão recorrida consta um saneador tabelar, no qual se refere, além do mais que

Inexistem quaisquer outras nulidades, exceções dilatórias ou questões prévias que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa”. Ademais, na parte final da decisão recorrida consta o seguinte: “Verifico agora que o presente processo não se trata de ação não provisória para atribuição da casa de morada de família, mas de incidente provisório de atribuição da casa de morada de família. Aquele corre por apenso ao divórcio, nos termos do art. 990. n. 4 do CPC e este corre nos próprios autos nos termos do art. 931, n. 7 do CPC.

Assim sendo, após trânsito, incorpore os presentes autos no divórcio.

O Apelante defende que deve ser declarada a nulidade da sentença [!] por erro na forma do processo, argumentando, em síntese, que: o incidente de atribuição da casa de morada de família previsto no art. 990.º do CPC constitui procedimento distinto daquele que visa regular a utilização da casa de morada de família durante a pendência do processo de divórcio, nos termos previstos no art. 931.º, n.º 2, do CPC; verifica-se um erro na forma do processo, que consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cf. arts. 193.º e 196.º do CPC), por não ser possível o aproveitamento de qualquer dos atos praticados, impondo-se declará-los anulados e indeferir liminarmente a petição inicial.

Vejamos.

Sobre o erro na forma do processo ou no meio processual preceitua o art. 193.º do CPC que:

“1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
2 - Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
3 - O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.”

A nulidade de todo o processo nas situações previstas no citado n.º 2 constitui, como é sabido, uma exceção dilatória de conhecimento oficioso – cf. artigos 193.º, 278.º, n.º 1, al. b), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b), e 578.º do CPC.

Preceitua o art. 931.º, n.º 7, do CPC (que corresponde ao art. 1407.º, n.º 7, do anterior CPC), que “(E)m qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, pode fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos e quanto à utilização da casa de morada da família; para tanto, o juiz pode, previamente, ordenar a realização das diligências que considerar necessárias.”

Trata-se de meio processual de natureza incidental, ao qual se aplicam as regras dos artigos 292.º a 295.º do CPC, destinando-se à obtenção de decisão meramente provisória, para vigorar na pendência do processo de separação judicial ou divórcio que corre termos.

A respeito desta matéria, merece destaque o artigo de Nuno Salter Cid, “Sobre a atribuição judicial provisória do direito de utilizar a casa de morada da família”, publicado na Revista JULGAR n.º 40, Janeiro/Abril 2020, Almedina, págs. 49-72, em que, além do mais, afirma que se está perante incidente a suscitar no âmbito de processo de jurisdição contenciosa e que “(D)e processual o preceito não contém – mas seria útil que contivesse – a indicação da natureza do incidente e/ou da tramitação a que deve submeter-se. E não há consenso quanto à matéria. O legislador terá porventura considerado bastantes os aludidos tons de jurisdição voluntária, que indirectamente remeteriam o intérprete para as regras gerais hoje estabelecidas nos arts. 986.º a 988.º CPC e nos arts. 292.º a 295.º CPC (cf. art. 986.º, nº 1).” (cf. pág. 56).

Não se confunde este incidente com o processo de jurisdição voluntária de atribuição da casa de morada da família regulado no art. 990.º, mas ao qual se aplicam igualmente, por força do disposto no art. 986.º, n.º 1, as disposições dos artigos 292.º a 295.º do CPC.

Ora, no caso em apreço, apesar dos lapsos da Requerente aquando da apresentação do requerimento inicial, ao aludir a preceito do anterior Código de Processo Civil e, sobretudo, ao requerer a apensação nos autos principais de divórcio, não há dúvida alguma que a sua pretensão se reconduz ao incidente previsto no art. 931.º, n.º 7, do CPC.

O requerimento inicial não estava afetado de erro na forma do processo, nem sequer na qualificação do meio processual, que se mostrava correto, verificando-se apenas uma irregularidade que consistiu em ter sido indicado que o incidente devia ser tramitado por apenso, quando, em bom rigor, tal requerimento deveria ter sido incorporado no processo de divórcio, sendo aí processado autonomamente.

Essa irregularidade não gera nenhuma nulidade processual, pois é insuscetível de influir no exame ou na decisão da causa (cf. art. 195.º, n.º 1, do CPC), pela simples razão de que o processado que foi seguido não diferiu do que haveria de ter sido observado se logo, no despacho liminar, se tivesse, ao abrigo do disposto no art. 6.º do CPC, feito a correção necessária, considerando a aplicabilidade das regras dos artigos 292.º a 295.º do CPC.

Aliás, como bem se explica no despacho da 1.ª instância proferido ao abrigo do disposto no art. 617.º do CPC, a posição do Réu até ficou mais acautelada, já que foi observada uma tramitação que seria adequada à prolação de decisão definitiva sobre a atribuição da casa de morada da família. Por isso, ainda que se verificasse um erro na forma do processo (o que não é o caso), jamais conduziria à anulação de todo o processado, que poderia ser aproveitado na íntegra sem qualquer diminuição de garantias do Réu (muito pelo contrário).

Nenhuma censura nos merece, pois, neste conspecto, a decisão recorrida, por não ter julgado verificada uma tal exceção dilatória, nos termos conjugados dos artigos 193.º e 577.º, al. b), do CPC, mas tão só determinado a incorporação do processado nos autos principais de divórcio."

[MTS]


Bibliografia (1051)


-- Matteo Bonelli / Mariolina Eliantonio / Giulia Gentile (Eds.), Article 47 of the EU Charter and Effective Judicial Protection I / The Court of Justice's Perspective (Bloomsbury Publishing: London 2022)

15/12/2022

Jurisprudência 2022 (88)


Prestação de contas; habilitação;
inutilidade superveniente da lide*


1. O sumário de RL 5/4/2022 (1198/05.7TJLSB-J.L1-7) é o seguinte:

– No âmbito de processo de prestação de contas que corre termos por apenso a um processo de inventário por óbito, intentado por interessados na partilha da herança contra a cabeça-de-casal, a ocorrência do falecimento da requerida e subsequente habilitação de três das então requerentes como sucessoras da falecida não gera a impossibilidade superveniente da lide (art. 277º, al. e) do CPC) se para além das habilitadas há mais um requerente que não é sucessor da primitiva requerida e o decesso desta ocorreu depois de a mesma ter apresentado contas, que foram impugnadas por dois dos primitivos requerentes.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Os presentes autos tramitam uma ação de prestação de contas na qual foi peticionado que a falecida C prestasse contas do seu exercício das funções de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do seu falecido marido, tendo o âmbito temporal das contas a prestar sido fixado entre os anos de 2005 a 2014.

A doutrina e a jurisprudência têm assinalado, de modo uniforme e pacífico, que na ação de prestação de contas em que a obrigação de prestar contas decorre do exercício das funções de cabeça-de-casal (art. 2079º a 2093º do Código Civil), são partes legítimas todos os interessados na partilha da herança. [...]

Como já fizemos referência, logo no início da tramitação da presente causa foi determinada a intervenção principal das filhas do de cuius, Sras. Graça ..... e Teresa .....[---].

Em consequência de tal decisão, as mesmas passaram a assumir a posição processual de co-requerentes, a par dos iniciais requerentes, A e Ana Rita .....(arts. 316º e 319º, e 320º do CPC).

Posteriormente, em consequência do falecimento da requerida, no âmbito do processo de inventário foram habilitadas, como suas herdeiras, as interessadas Ana Rita ....., Graça ..... e Teresa ..... (que à data já tinham nestes autos a qualidade de requerentes).

Assim, à data da prolação da decisão apelada eram partes principais nos presentes autos as seguintes pessoas:

a)–Requerentes:
i.- A
ii.- Ana Rita .....
iii.- Graça .....
iv.- Teresa .....

b)– Requeridas:
i.-Ana Rita .....
ii.-Graça .....
iii.-Teresa .....

Como referiu o Tribunal a quo na decisão recorrida, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que, muito embora as funções de cabeça-de-casal não se transmitam por via sucessória, as obrigações emergentes do exercício de tais funções podem ser objeto de sucessão mortis causa.

Ora, uma das obrigações que pode transmitir-se nos termos supra expostos é a obrigação de distribuir rendimentos da herança por todos os herdeiros e pelo cônjuge meeiro, nos termos previstos no art. 2092º do CC.

No caso vertente, a falecida cabeça de casal chegou a prestar contas, tal como requerido pelos iniciais requerentes, embora estes não tenham aceite tais contas, razão pela qual o processo prosseguiu para instrução e julgamento, tendo sido levada a cabo uma perícia.

Assim, à data do falecimento da inicial requerida, e com vista à conclusão do presente processo, faltava realizar a audiência final, à qual se seguiria a natural prolação da sentença, apreciando as contas prestadas, e decidindo.

Na sequência das alterações subjetivas da instância acima referidas, as interessadas Graça ....., Teresa ....., e Ana Rita ..... passaram a ter, simultaneamente, as posições de requerentes e requeridas, ou seja, de credoras de 50% dos eventuais saldos positivos emergentes da administração dos bens da herança do falecido José, a repartir na proporção dos respetivos quinhões, e devedoras da obrigação de pagar tais saldos.

Neste contexto, entendeu o Tribunal a quo que tais créditos e obrigações se extinguiram por confusão, nos termos previstos no art. 868º do CPC.

E como apontou o Tribunal a quo, a jurisprudência tem entendido que a confluência das posições de sucessor do autor da herança e do cabeça-de-casal falecido na pendência de ação de prestação de contas pode levar à extinção das posições de credor e devedor inerentes às apontadas qualidades, conduzindo à extinção da instância por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide – cfr. acs. RG (António Beça Pereira), p. 524/11.4TBAMR-C.G1; STJ 29-11-2005 (Custódio Montes), p. 05B3342; STJ 16-06-2011 (Tavares da Silva), p. 3717/05.0TVLSB.L1; e STJ 22-03-2018 (Roque Nogueira), p. 861/08.5TBBCL-E.G1.S1; .

Não obstante também tem sido afirmado que só ocorre inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, nos termos acima gizados, quando a extinção, por confusão, dos direitos e obrigações das partes atinja todos os litigantes – vd. ac. STJ 17-11-2021 (Nuno Pinto de Oliveira), p. 391/17.4T8GMR.G1.S1.

Subscrevemos convictamente este último entendimento.

Aliás, cremos que o último aresto citado não se distancia dos fundamentos dos demais, dado que em todos estes se apreciaram situações em que a confusão operava relativamente a todas as partes da causa.

Deve, pois, entender-se que a extinção das referidas posições jurídicas, por confusão, só poderá suceder quando atinja todos os requerentes no processo de prestação de contas, sob pena de um tal entendimento conduzir a uma injustificada supressão do direito previsto no art. 2092º do CC relativamente ao interessado que não é sucessor do cabeça-de-casal.

No caso vertente o requerente e interessado A não é herdeiro do de cuiús, mas é herdeiro de uma filha do falecido José ....., que concorria à herança deste, por ter falecido em data posterior.

Nessa medida, mesmo não sendo herdeiro do de cuius, o interessado A tem direito a exigir a distribuição dos rendimentos da herança do falecido José ....., na proporção do seu quinhão na herança da também falecida Isabel ....., não podendo ser privado do exercício de tal direito.

Acresce que o direito à distribuição de rendimentos da herança e o dever de os entregar na medida do quinhão de cada herdeiro têm âmbitos e medidas diversas. Com efeito, o cabeça-de-casal tem o dever de distribuir tais rendimentos, nos termos e com os limites previstos na lei, mas não tem o dever de suportar tal despesa, que é obviamente suportada pela herança, na medida dos rendimentos produzidos.

Daí que em nosso entender, a confluência do direito a rendimentos, decorrente da qualidade de herdeiro, e do dever de os pagar, emergente da qualidade de cabeça-de-casal não conduzam à extinção recíproca de tais posições.

Aliás, basta pensar que o cabeça-de-casal também pode ser herdeiro (art. 2080º do CC), não se descortinando razões para crer que por efeito do exercício de tal cargo deixe de ter direito a receber rendimentos da herança, tal como os demais herdeiros.

A afirmação de que a confluência das duas posições extingue os direitos e obrigações em confronto nas ações de prestação e contas intentadas contra o cabeça-de-casal não tem por objeto o direito a receber rendimentos da herança, mas apenas a faculdade de exigir judicialmente tal distribuição [---].

Simplesmente, tal não sucede com o interessado A.

Por isso, relativamente a este, não pode a lide cessar.

Finalmente, diremos que o facto de não ter sido confessada a existência de qualquer saldo é para nós absolutamente irrelevante. Relevante é a circunstância de a falecida cabeça-de-casal ter chegado a prestar contas, e estas terem sido impugnadas pelos primitivos requerentes, competindo, por isso, ao Tribunal apreciar tais contas e decidir (art. 945º, nºs 4 e 5 do CPC).

Não podendo a lide extinguir-se relativamente ao interessado Francisco ....., não poderá produzir-se tal efeito relativamente às demais interessadas, visto que, como já mencionámos, se verifica uma situação de litisconsórcio necessário ativo.

Daí que concluamos que no caso vertente inexiste fundamento bastante para decretar a extinção da instância."


*3. [Comentário] A RL decidiu bem.

Cabe, ainda assim, deixar uma observação. Como se referiu em Jurisprudência 2021 (139), não é correcto, salvo melhor opinião, entender que a obrigação de prestação de contas se transmite mortis causa:

"Seria estranho que, com base numa posição que não se transmite -- que é a de cabeça-de-casal --, alguém pudesse adquirir, por sucessão, uma obrigação que é própria de uma posição intransmissível. Como é que se pode justificar que quem não é cabeça-de-casal suceda numa obrigação que é inerente a essa qualidade?
 
No entanto, apesar da não transmissibilidade da obrigação de prestação de contas pelo cabeça-de-casal, é claro que uma acção de prestação pode ser continuada pelos herdeiros daquela parte. Mas isso sucede, não porque os habilitados sejam herdeiros da obrigação dessa prestação, mas antes porque são herdeiros de quem tinha essa obrigação. Isto é: o título de herdeiro atribui a alguém legitimidade para se substituir à parte falecida (título legitimante), sem que esteja em causa a sucessão na obrigação que é apreciada na acção (título sucessório)".

MTS


14/12/2022

Jurisprudência 2022 (87)

 
Providência cautelar; 
excepção peremptória; medida da prova


1. O sumário de RP 24/3/2022 (3346/06.0TBVNG-D.P1) é o seguinte:

I - No regime do Código de Processo Civil de 1961, são pressupostos da ação destinada a obter a emenda da partilha na falta de acordo, que o interessado tenha tomado conhecimento da situação justificativa da emenda apenas depois da sentença homologatória da partilha e que a instauração do procedimento ocorra dentro de um ano, a contar desse conhecimento.

II - Se, no procedimento cautelar preliminar (de arresto), é invocada pelo Requerido, na oposição que deduziu, após a decisão, a caducidade do direito de ação para emenda da partilha, de que aquele é dependência, e a prova sumária realizada aponta, com segurança, para a verificação dessa exceção perentória, a providência cautelar ordenada perde a sua justificação e deve ser levantada.


2. No relatório e na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:


"I. [1] AA, divorciada, residente na Rua ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia, instaurou providência cautelar de arresto, como preliminar da ação principal para emenda da partilha a propor contra BB, divorciado e seu ex-cônjuge, residente na Rua ..., ..., em ..., Gondomar [...].

Produzida e analisada a prova indicada, foi proferida a seguinte decisão cautelar, ipsis verbis:

«Nesta conformidade, julga-se a presente providência parcialmente procedente, e, consequentemente, determina-se o arresto, até ao valor de 164.603,31€, [de] todos os saldos e/ou valores de qualquer conta de depósito, à ordem ou a prazo, poupança, fundos de investimento mobiliário, ações ou quaisquer outros títulos valores depositados, que o requerido BB possua em qualquer instituição bancária [...].»

Realizada a providência e notificado o Requerido, este deduziu oposição com os fundamentos que expôs no seu requerimento de 29.11.2021, onde invocou, além do mais, as exceções do caso julgado e da caducidade de propor ação de emenda à partilha. [...]

III. [...] Depois do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, a opção da Requerente não foi a emenda da partilha, mas a instauração de uma ação comum que correu termos sob o nº 1519/19.5T8VNG, onde, mais uma vez, abordou as questões da utilização de bens próprios na aquisição e um bem comum e da sonegação, pelo Requerido, de dinheiro das contas do casal, com o seguinte pedido:

«a) Reconhecer que o produto da venda da moradia sita na Rua ..., ..., em ..., Vila Nova de Gaia, no montante de €169 000,00, é bem próprio da autora e como tal activo/crédito a seu favor, por o pagamento do valor do lote de terreno onde se encontra implantada e a construção da mesma ter sido efectuado no estado de solteira da autora, por meios exclusivamente próprios, tais como remunerações, donativos dos pais, familiares e herdados por óbito da sua mãe;

b) Reconhecer que a quantia de 25.000,00€ resultante do resgate de certificados de aforro que foram adjudicados à autora por herança por óbito de sua mãe, aplicada na construção da identificada moradia da Rua ... em ..., Vila Nova de Gaia, é bem próprio da autora;

c) Reconhecer que o valor que se encontrava depositado nas contas bancárias identificadas no art. 23º da P.I., entretanto levantado pelo réu, no valor de 128.259,57 é bem comum do casal, e, como tal, reconhecer que metade desse valor (64.129,78€) constitui activo/crédito da autora;

d) Compensar os créditos da autora cujo reconhecimento se requer com o crédito do réu resultante de tornas por adjudicação em sede de inventário do bem imóvel, identificado no art. 37º da P.I., no montante de 89.905,25€.

e) Pagar à autora, após prolação de decisão transitada em julgado, o valor liquido que venha a resultar da diferença entre o montante dos créditos cujo reconhecimento se peticiona e o da compensação do crédito, a que se alude no pedido antecedente.»

Nessa ação, foi, pela 1ª instância, julgada procedente a exceção do caso julgado, invocada pelo Requerido, sendo que a sentença foi confirmada nesta Relação do Porto por acórdão de 9.2.2021.

Decorre de tudo quanto ficou exposto, e desde logo das próprias alegações da recorrente, que já em 2016, na pendência do inventário, esta tinha conhecimento da situação de erro que agora invoca; ou seja, já naquela altura suscitou no processo a existência de erro relativo à falta de relacionação do seu crédito sobre os bens comuns relativo à afetação de bens próprios na aquisição da habitação que constituiu a casa de morada da família, e a sonegação de valores integrantes do património conjugal por parte do Requerido.

Essas questões foram decididas no inventário, por despacho que formou caso julgado, exceção esta mais do que uma vez invocada e confirmada quer na 1ª instância, quer pela Relação nos acórdãos confirmativos que proferiu em sede de recurso.

Por conseguinte, a recorrente estava perfeitamente ciente, na pendência do processo de inventário, da situação que agora invoca a título de erro. E se assim aconteceu, só no inventário poderia ter solucionado a questão; nunca depois dele pela via de emenda da partilha, já que são pressupostos desta ação que o interessado tenha tomado conhecimento da situação justificativa da emenda apenas depois da sentença homologatória da partilha, e a instauração do procedimento dentro de um ano, a contar desse conhecimento.

De entre as afirmações algo contraditórias efetuadas pela apelante nas suas alegações de recurso, a que não corresponde à realidade é a de que tenha tomado conhecimento do erro de facto na descrição dos bens apenas com o trânsito em julgado da sentença proferida na ação comum nº 1519/19.5T8VNG, em 7 de junho de 2021, onde a exceção do caso julgado foi mais uma vez a causa do não conhecimento do mérito das questões ali suscitadas na petição inicial, onde novamente se revelaram conhecidas da recorrente (ali autora).

Poderia mesmo discutir-se se a omissão de bens, de créditos ou de dívidas na sua relação/descrição pode ser fundamentar um pedido de emenda da partilha. Os exemplos normalmente apontados pela doutrina respeitam a uma identificação incorreta de bens, e não à sua omissão. Lopes Cardoso [Partilhas Judiciais, Volume II, Almedina, 1990, pág.s 548 e 553.] explica assim: “Como erro de facto na descrição considera-se toda a descrição que não corresponda à verdade, designadamente a descrição dum prédio urbano por rústico, um móvel por um imóvel ou, dentro de cada uma destas categorias, quando tenha sido descrito como de três andares um prédio de um andar único ou uma quinta por um terreno centeeiro, ou vícios ocultos da coisa ou falta de conteúdo ou extensão”. E, depois de citar Delfim Maia como defensor de que o erro de partilha por omissão de bens pode constituir fundamento da emenda da partilha no âmbito da aplicação da lei civil e do Código de 1876, acrescenta a sua divergência no sentido de que na legislação atual (Código de Processo Civil então em vigor e a que estamos a aplicar em sede de processo de inventário) não é defensável tal entendimento, mesmo que haja aquiescência de todos os interessados: a emenda à partilha não tem lugar nos casos de omissão ou indevida inclusão de bens.

A ação de emenda à partilha (na falta de acordo dos interessados) não se destina a uma reapreciação crítica de atos processuais praticados no decurso do inventário, mas a averiguar se a partilha, em si mesma, padece ou não de alguma das deficiências ou irregularidades enquadráveis nos art.ºs 1386º e 1387º do Código de Processo Civil de 1961.

Não há, no entanto, necessidade de desenvolver esta argumentação, face à comprovada verificação dos pressupostos da caducidade [---] do direito de ação de que é preliminar o presente procedimento cautelar de arresto.

E se, à luz dos elementos fornecidos neste procedimento, a ação principal a que a Requerente se propõe --- emenda da partilha --- não pode ter lugar, por caducidade do direito da Requerente, também esta providência de arresto, com ela conexa, perde a sua justificação, já que é dependência da instauração daquela ação e da sua previsível viabilidade, como se deduz dos art.ºs 373º, nº 1, al.s a) e c), 374º, nº 1 e 376º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Nesta decorrência, sem necessidade de mais delongas, há que confirmar a decisão recorrida, que julgou verificada a exceção perentória da caducidade invocada pelo Requerido na sua oposição e, em consequência, ordenou o levantamento do arresto anteriormente decretado."


3. [Comentário] A RP decidiu bem.

O principal interesse do acórdão reside na circunstância de utilizar, de forma totalmente correcta, a "prova sumária" referida nos art. 365.º, n.º 1, e 368.º, n.º 1, CPC à prova de uma excepção perempória invocada no procedimento de arresto.

MTS
 

13/12/2022

Jurisprudência europeia (TJ) (275)


Reenvio prejudicial – Cooperação administrativa no domínio da fiscalidade – Troca automática de informações obrigatória em relação aos mecanismos transfronteiriços a comunicar – Diretiva 2011/16/UE, conforme alterada pela Diretiva (UE) 2018/822 – Artigo 8.°‑AB, n.° 5 – Validade – Sigilo profissional do advogado – Dispensa da obrigação de comunicação concedida ao advogado intermediário sujeito ao sigilo profissional – Obrigação de este advogado intermediário notificar qualquer outro intermediário que não seja seu cliente das suas obrigações de comunicação – Artigos 7.° e 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia


1. TJ 8/12/2022 (C‑694/20, Orde van Vlaamse Balies et al./Vlaamse Regering) decidiu o seguinte:

O artigo 8.°‑AB, n.° 5, da Diretiva 2011/16/UE do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade e que revoga a Diretiva 77/799/CEE, conforme alterada pela Diretiva (UE) 2018/822 do Conselho, de 25 de maio de 2018, é inválido à luz do artigo 7.° da Carta, na medida em que a sua aplicação pelos Estados‑Membros tem por efeito impor ao advogado que atua como intermediário, na aceção do artigo 3.°, ponto 21, desta diretiva, quando este é dispensado da obrigação de comunicação, prevista no n.° 1 do artigo 8.°‑AB da referida diretiva, devido ao sigilo profissional a que está sujeito, de notificar sem demora qualquer outro intermediário que não seja seu cliente das suas obrigações de comunicação nos termos do n.° 6 do referido artigo 8.°‑AB.

2. Sobre a matéria do acórdão, cf. CI 198/22.


Jurisprudência 2022 (86)


Apoio judiciário;
custas de parte

1. O sumário de TCA (Sul) 23/4/2022 (3549/15.7 BESNT) é o seguinte;

Se a parte vencedora litigar com o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nada pode exigir da parte vencida a título de custas de parte, na medida em que valor nenhum despendeu no processo que se enquadre no estatuído no nº 3 deste artigo [rectius, do art. 26.º RCP].

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Se a parte vencedora gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, “as custas de parte pagas pelo vencido revertem a favor do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P.” – cf. n.º 7 do art.º 26.º do RCP, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março.

Como é afirmado por Salvador da Costa, a reconstituição do pensamento legislativo que presidiu ao disposto neste normativo não se revela fácil (cf. Salvador da Costa, em «Alteração do Registo das Custas pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março», disponível em https://drive.google.com/file/d/1rBagyGN1ZLMvaWaUUA7tFzSGc4CR99BK/view).

De todo o modo, na fixação do seu sentido e alcance, partiremos do pressuposto de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do art.º 9.º do Código Civil).

Assim sendo, verificamos, desde logo, que o legislador pretendeu criar uma norma de efeito equivalente àquela que se encontrava prevista no n.º 6 do referido art.º 26.º do RCP, de acordo com a qual se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, «o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P.».

Atualmente, e face às normas acima identificadas, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. é responsável pelo reembolso da taxa de justiça paga pela parte vencedora, quando for parte vencida na ação o Ministério Público ou o beneficiário do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo; e, por outro lado, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. é beneficiário das custas de parte pagas (leia-se, taxa de justiça) pela parte vencida, quando o beneficiário do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, for parte vencedora na ação.

E dizemos apenas taxa de justiça paga, porque, quanto aos demais elementos que integram as custas de parte (isto é, os encargos e os honorários), os mesmos já são levados a regra de custas, por força do disposto nas subalíneas i) e ii) da alínea a) do art.º 16.º e alínea c) do n.º 3 do art.º 30.º do RCP, do art.º 36.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e do n.º 1 do art.º 8.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro. Pelo que o sentido daquela expressão «custas de parte pagas» só terá alguma utilidade se for entendida como dizendo respeito a «taxa de justiça paga».

Quando o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. é responsável pelo reembolso da taxa de justiça, sabemos que o reembolso da taxa de justiça não depende da apresentação da nota discriminativa de custas de parte, mas tão-só de requerimento dirigido ao juiz, apresentado pela parte vencedora no processo (cf. Salvador da Costa, em «As Custas Processuais, Análise e Comentário», 7.ª edição, Almedina, p. 236).

Resta saber qual o procedimento que deve ser adotado quando o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. é beneficiário das custas de parte pagas (leia-se, taxa de justiça paga) pela parte vencida, nos termos do n.º 7 do art.º 26.º do RCP.

A resposta encontra-se na alínea f) do n.º 3 do art.º 30.º do RCP, de acordo com a qual a conta é processada pela secretaria, através dos meios informáticos previstos e regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, nela devendo ser, nomeadamente, indicados os montantes a pagar ou, quando seja caso disso, a devolver à parte responsável.

E este procedimento é coerente com o sistema de custas processuais.

Isto porque estamos perante um crédito que é devido pela parte vencida ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P., cujo montante é equivalente ao valor da taxa de justiça paga pela parte vencida. E, atenta a particularidade das circunstâncias, a existência de tal crédito não depende do envio de nota discriminativa e justificativa de custas de parte nem, tão-pouco, de um pagamento da taxa de justiça pela parte vencedora. Tal direito de crédito do IGFEJ nasce da verificação dos elementos da previsão n.º 7 do art.º 26.º do RCP: o primeiro, a existência de uma parte vencedora que é beneficiária de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e, o segundo, o pagamento de custas de parte (leia-se, taxa de justiça) pagas pela parte vencida.

Além de que há uma obrigação que a lei faz impender sobre a secretaria, que é a de processar a conta nela indicando, nomeadamente, os montantes a pagar ou, quando seja caso disso, a devolver à parte responsável [alínea f) do n.º 3 do art.º 30.º do RCP]. E um dos montantes a pagar é aquele que resulta do n.º 7 do art.º 26.º do RCP, de acordo com o qual a parte vencida ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. deve um montante equivalente às «taxas de justiça pagas».

Por último, este entendimento não contende com o n.º 1 do art.º 30.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, que estabelece que «[a]s custas de parte não se incluem na conta de custas», uma vez que não estamos perante meras custas de parte, mas antes perante um crédito devido ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. nascido ao abrigo do n.º 7 do art.º 26.º do RCP.

Este procedimento permite ainda ultrapassar a dificuldade relativa à não intervenção do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. em cada um dos processos em que teria direito ao crédito equivalente à «taxa de justiça paga» pela parte vencida e em que não é notificado da sentença proferida por forma a solicitar, processo a processo, os créditos que lhe são devidos, sendo que a diferença entre os beneficiários deste crédito justifica a diferença de tratamento na forma da respetiva liquidação.

Face ao acima exposto, a conta reclamada não merece censura e deve manter-se nos seus precisos termos, pelo que, sem necessidade de outros considerandos, indefere-se a reclamação da conta de custas apresentada pelo Digno Magistrado do Ministério Público."

[MTS]


12/12/2022

Jurisprudência 2022 (85)


Recurso de revista;
matéria de facto


1. O sumário de STJ 5/4/2022 (1916/18.3T8STS.P1.S1) é o seguinte:

I - As questões relacionadas com o incorrecto uso dos poderes de facto conferidos por lei ao tribunal da Relação, com violação do disposto no art. 662.º do CPC, não se encontram abrangidas pelos efeitos da dupla conforme, impeditiva da interposição da revista normal nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC.

II - Se for omitida ou incorrectamente exercida tal actividade processual de sindicância da matéria de facto impugnada - que constitui pronúncia originária que compete unicamente à 2.ª instância - esse incumprimento dos deveres impostos no art. 662.º do CPC comporta naturalmente a interposição de revista normal para o STJ.

III - É o que sucede, por exemplo, quando o tribunal da Relação rejeita indevidamente a impugnação de facto com fundamento em incumprimento das exigências consignadas no art. 640.º, n.os 1 e 2, do CPC que afinal não se verifica; quando não se debruça, com a suficiência, a autonomia e a completude exigíveis, sobre a análise de toda a matéria concretamente impugnada, refugiando-se em considerações de natureza geral ou tabelar que não se traduzem em qualquer efectivo reexame dos factos que o recorrente alegou encontrarem-se incorrectados decididos; quando descura a exposição da fundamentação que permite objectivamente compreender o percurso intelectual subjacente à reanálise da prova.

IV - Na situação sub judice, aquilo de que o recorrente discorda, a pretexto da avocação do art. 662.º do CPC dos princípios gerais de negação do direito a um processo justo e equitativo, é do próprio conteúdo e sentido da reapreciação dos factos que foram adoptados pelo acórdão recorrido, entendendo que os elementos à disposição do tribunal (mormente a prova documental e testemunhal que foi produzida) imporiam, a seu ver, decisão diversa daquela que foi proferida, o que equivale a discutir e consequentemente discordar do mérito do juízo de facto autónomo de que o tribunal da Relação do Porto se socorreu.

V - Quanto a esta matéria - discussão da matéria de facto -, carece o STJ da necessária competência, conforme resulta expressamente do disposto no art. 662.º, n.º 4, do CPC, bem como do preceituado nos arts. 674.º, n.º 3, e 683.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, não sendo a revista normal admissível, o que significa que se constituiu in casu dupla conforme nos termos do art. 671.º, n.º 3, do CPC, impeditiva da interposição de revista normal prevista no art. 671.º, n.º 1, do CPC.

VI - Resta, portanto, a remessa dos autos à Formação para a verificação dos pressupostos da revista excepcional, nos termos do art. 672.º, n.º 3, do CPC, de que a recorrente, a título subsidiário, fez uso.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Não subsiste qualquer dúvida de que as questões relacionadas com o incorrecto uso dos poderes de facto conferidos por lei ao Tribunal da Relação, com violação do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil, não se encontram abrangidas pelos efeitos da dupla conforme, impeditiva da interposição da revista normal nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil.

Ou seja, constitui dever específico do Tribunal da Relação exercer efectivamente os seus poderes de reavaliação do juízo de facto emitido em 1ª instância, na sequência da impugnação apresentada pela apelante.

Se for omitida ou incorrectamente exercida tal actividade processual respeitante à sindicância da matéria de facto impugnada – que constitui pronúncia originária que compete unicamente à 2ª instância - esse incumprimento dos deveres impostos no artigo 662º do Código de Processo Civil comporta naturalmente a interposição de revista normal para o Supremo Tribunal de Justiça.

É o que sucede, por exemplo, quando o Tribunal da Relação rejeita indevidamente a impugnação de facto com fundamento em incumprimento das exigências consignadas no artigo 640º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil que afinal não se verifica; quando não se debruça, com a suficiência, a autonomia e a completude exigíveis, sobre a análise de toda a matéria concretamente impugnada, refugiando-se em considerações de natureza geral ou tabelar que não se traduzem em qualquer efectivo reexame dos factos que o recorrente referiu encontrarem-se incorrectados decididos; quando descura a exposição da fundamentação que permite objectivamente compreender o percurso intelectual subjacente à reanálise da prova.

Conforme escreve sobre esta matéria Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2020, 6ª edição, a páginas 415 a 416:

“Uma situação, a carecer de intervenção do elemento racional para determinação da resposta mais correcta, respeita aos casos em que é invocada no recurso de revista a violação de normas de direito adjectivo relacionadas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto.

Pode acontecer que a Relação rejeite pura e simplesmente a impugnação da decisão da matéria de facto por motivos ligados à falta de identificação dos pontos de facto impugnados, a omissão de indicação dos meios de prova, ou à falta de enunciação da resposta alternativa. Por exemplo, a Relação não admitiu o recurso de apelação na parte em que foi impugnada a decisão da matéria de facto, com o fundamento no incumprimento de alguns dos ónus previstos no artigo 640º; ou, noutro plano que demanda a aplicação do artigo 662º, recusou a apreciação dos meios de prova, a pretexto de alegadas dificuldades ou impedimentos decorrentes dos princípios da imediação ou da livre apreciação de prova.

Numa determinada perspectiva mais formal, em tais circunstâncias ocorreria uma dupla conformidade: literal e finalisticamente a Relação teria confirmado nesses casos a decisão recorrida sem voto de vencido e sem fundamentação substancialmente diversa. Todavia, tal conclusão não parece a mais ajustada, já que, relativamente à questão adjectiva relacionado com o ónus de alegação ou com o dever de reapreciação dos meios de prova, a interposição do recurso de revista constitui a única possibilidade de fazer reverter a situação a favor do recorrente nos casos em que o acórdão da Relação esteja eivada de erro de aplicação da lei processual a respeito da decisão da matéria de facto.

Nessas situações, e noutras similares, em que seja apontada à Relação erro de aplicação ou de interpretação da lei processual, ainda que seja confirmada a sentença recorrida no segmento referente à apreciação do mérito da apelação, não se verifica, relativamente àqueles aspectos, uma efectiva efectiva situação de dupla conforme, já que as questões emergiram ex novo do acórdão da Relação proferido no âmbito do recurso de apelação, sem que tenham sido objecto de apreciação na 1ª instância”. [...]

Vejamos:

Num primeiro momento a recorrente invocou a violação do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil no contexto global da impugnação da sua condenação como litigante de má fé e da absolvição do Réu a esse mesmo título, citando os pontos 16 e 18 dos factos dados como provados.

Encimou, de resto e sintomaticamente, tal alegação nos seguintes termos: “Vejamos, resumindo apenas a dois flagrantes factos que por sua vez têm impacto também na prova de que o réu, aqui recorrido, litigou em manifesta e ostensiva má-fé”.

E como se evidenciou no despacho singular proferido pelo relator dos autos, encontrando-se assegurado o duplo grau de jurisdição, o artigo 542º, nº 3, do Código de Processo Civil, não admite recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

Seguidamente, no que concerne ao elenco dos factos dados como provados, circunscritos pontualmente àqueles que foram discriminados pela recorrente na revista (apenas o 16º e 18º, não havendo o 17º sido objecto da impugnação de facto), a sua invocação não tem rigorosamente a ver, em termos substantivos, com o incorrecto exercício dos poderes de facto pelo Tribunal da Relação ..., nos termos do artigo 662º do Código de Processo Civil, ou seja e em concreto, com a rejeição da impugnação, ou com a indevida omissão de reavaliação da juízo de facto emitido em 1ª instância, ou ainda com a ausência da sua explicação fundamentada, em sede de motivação do decidido.

Concretamente, aquilo de que a recorrente discorda, a pretexto da avocação do artigo 662º do Código de Processo Civil e dos princípios gerais de negação do direito a um processo justo e equitativo, é do próprio conteúdo e sentido da reapreciação de factos que foram adoptados pelo acórdão recorrido, entendendo que os elementos à disposição do Tribunal (mormente a prova documental e testemunhal que foi produzida e é por si referenciada) imporiam, a seu ver, decisão diversa daquela que foi proferida.

Ou seja, sustenta que os depoimentos produzidos pelas testemunhas inquiridas (que aliás transcreve no seu recurso de revista) e a análise dos documentos que tiveram lugar - ou que poderiam ter tido lugar e não tiveram -, determinariam por si só uma resposta diversa e antagónica em relação ao veredicto “provado” que ambos os pontos de facto, a seu ver indevidamente, receberam.

O que equivale a discutir e consequentemente discordar do mérito do juízo de facto autónomo de que o Tribunal da Relação ... se socorreu.

Acrescenta ainda a recorrente que a fundamentação utilizada no acórdão recorrido não lhe permite compreender a improcedência da sua impugnação quanto a esta matéria, que aliás constitui apenas um breve segmento do conjunto total, muitíssimo mais amplo, dos pontos de facto impugnados (16º, 18º, 21º, 30º, 41º, 42º, 43º, 44º, 53º, 55º, 56º, 71º, 72º, 77º, 78º, 82º, 85º, 87º, 94º, 98º), e que foram, em termos formais, individualmente apreciados pelo Tribunal da Relação com esparsa referência à análise dos meios de prova (descrição dos depoimentos produzidos e referência ao valor da prova documental junta).

Pelo que esta apontada insuficiência enquadra-se, mais uma vez, no âmbito da legítima discordância relativamente ao que foi decidido sobre os pontos 16º e 18º dos factos provados, e nada mais do que isso.

Em suma, o que verdadeiramente constitui objecto da presente revista normal não consiste, em substância e efectivamente, no incorrecto exercício dos poderes de facto por parte do Tribunal da Relação, tal como se encontra previsto no artigo 662º do Código de Processo Civil, mas na frontal divergência, que profusamente manifestou, contra a concreta decisão tomada nessa sede e que incluiu, com a completude necessária e suficiente, o conhecimento da sua impugnação de facto quanto a dois pontos especificamente localizados (o 16º e o 18º), acompanhada da respectiva fundamentação, objectivamente compreensível.

Ora, quanto a esta matéria – discussão da matéria de facto provada e não provada -, carece o Supremo Tribunal de Justiça da necessária competência, conforme resulta expressamente do disposto no artigo 662º, nº 4, do Código de Processo Civil, bem como do preceituado nos artigos 674º, nº 3 e 683º, nº 2, do mesmo diploma legal, não sendo a revista normal admissível.

Pelo que não assiste razão à recorrente/reclamante.

O que significa que se constituiu in casu dupla conforme nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil, impeditiva da interposição de revista normal prevista no artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil.

A única via para a possibilidade do conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça da presente revista consiste na figura da revista excepcional, genericamente prevista no artigo 672º do Código de Processo Civil, de que a recorrente, igualmente e a título subsidiário, se socorreu.

Em suma, competirá à Formação ajuizar da admissibilidade da revista excepcional em conformidade com o disposto no artigo 672º, nº 3, do Código de Processo Civil.

Serão os autos, por isso mesmo, enviados à Formação, não havendo cabimento para a admissibilidade da revista normal.

Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em considerar inadmissível a interposição de revista normal e ordenar a remessa dos autos à Formação, nos termos do artigo 672º, nº 3, do Código de Processo Civil, com vista à apreciação dos pressupostos da revista excepcional."

[MTS]