"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



31/10/2019

Jurisprudência 2019 (109)


Recurso;
prova documental; junção de documentos


1. O sumário de STJ 30/4/2019 (22946/11.0T2SNT-A.L1.S2) é o seguinte:


I. Da leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.

II. No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito.

III. Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador.

IV. No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente
ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"A questão ora em apreço, i.e., a junção dos documentos em sede de alegações de recurso, foi apreciada pelo Douto Tribunal recorrido como questão prévia.

Discorreu sobre esta questão o Tribunal recorrido nos seguintes termos:

Importa considerar que:
 
Ø As alegações de recurso datam de 14.11.2017 [...]

Sobre a junção de documentos em sede de alegações, importa ter em consideração que é jurisprudência constante, a junção de documentos na fase de recurso é admissível a título excepcional (artigos 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º).

Nesse caso, os recorrentes teriam de alegar e provar uma de duas situações:
 
Ø a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso;
 
Ø ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.

A impossibilidade respeita à superveniência do documento (com referência ao momento do julgamento em primeira instância) e pode ser objectivamente superveniente, por ter ocorrido posteriormente ou subjectivamente superveniente, por ter sido conhecido posteriormente ao momento considerado. A justificação acerca do conhecimento terá de radicar em razões atendíveis como o é a circunstância de se ter agido com a diligência adequada à defesa dos interesses.

Quanto ao elemento de novidade introduzido pela decisão (passível de justificar a junção do documento com o recurso pelo impacto na decisão). Excluídos são, pois, os documentos conexos com a matéria decidenda ab initio.

No caso dos autos, importa reter que do acervo documental sobressaem os indicados cheques que os recorrentes aludem ter sido apresentados para cobrança em sede de reclamação de créditos, o que inculcaria uma dupla cobrança dos valores titulados pelos mesmos e com base em dados incompatíveis.

Ora, resulta do exposto que não poderia proceder a requerida junção com base em superveniência dos documentos. Tampouco procede o argumento da novidade esgrimido pelos recorrentes.

Com efeito, os autos em várias fases apontavam já para a reclamação de créditos que só agora no recurso os recorrentes vêm juntar (fls. 99vº e artigo 36º do requerimento inicial).

Portanto, os documentos em causa estão conexos com o cerne do próprio
thema decidendum, nenhuma novidade tendo sido introduzida pela decisão recorrida que justifique a junção de documentos em fase de recurso, à luz dos assinalados preceitos”.

Contra esta decisão alegam, fundamentalmente, os recorrentes que se verificam os pressupostos do artigo 651.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 425.º do CPC, dizendo, mais precisamente:

“FF. Os documentos (…) são, com toda a certeza, supervenientes, pois os Recorrentes só deles tiveram conhecimento após a instauração do Recurso de Revisão, não lhes tendo por isso sido possível a sua junção, agravado ainda pelo facto do processo em Primeira Instância não ter tido qualquer Despacho de Saneamento, ou Audiência de Discussão e Julgamento, o que se previa e espectava nos termos do disposto no artigo 700.2, n.º 2 do C.P.C., tendo os Recorrentes sido surpreendidos com a imediata prolação da Sentença, impedindo-os de juntar quaisquer outros elementos probatórios antes do seu termo;

GG. Na realidade, os Recorrentes tendo acesso ao documento já na pendência do Recurso de Revisão, aguardavam que fosse proferido Despacho Saneador para que ao abrigo no disposto no artigo 423.2, n.s 2 do Código de Processo Civil procederem à junção do documento em causa; [...]."

Aprecie-se os argumentos à luz do regime aplicável.

Determina o artigo 651.º, n.º 1, do CPC que “[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.

Por sua vez, dispõe-se na norma remetida – o artigo 425.º do CPC – que “[d]epois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.

Da leitura articulada destas normas decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.

Como se esclarece no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8.11.2011, Proc. 39/10.8TBMDA.C1 [...], relativamente à primeira hipótese, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou – acrescentar-se-ia – ao seu acesso posterior pelo sujeito. [...]

Ora, o recurso de apelação foi interposto pelos recorrentes em 14.11.2017 (fls. 270). Por seu turno, a relação de créditos reconhecidos e a relação de créditos não reconhecidos (Doc. 5, junto às alegações do recurso de revisão para o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa) tem a data de registo de 5.07.2011 (fls. 99b e s.), logo, a reclamação de créditos é necessariamente anterior. De imediato se exclui a superveniência objectiva dos documentos, exclusão esta que é antecipadamente reconhecida pelos recorrentes.

Alegam os recorrentes, em contrapartida, existir superveniência subjectiva, que se deveria, primeiro, ao facto de só terem tido conhecimento do processo de insolvência após o óbito do réu (26.02.2016) e uma vez interposto o recurso de revisão, e, segundo, ao facto de só terem tido acesso ao documento na pendência deste recurso, não lhes tendo, além disso, sido possível apresentá-lo, então, porque a audiência de discussão e julgamento não se realizou [...] (conclusões R, S, FF, GG, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, FFF, GGG, etc.).

Diga-se, desde já, que as alegações dos recorrentes são contraditórias, não se podendo aceitar que aleguem que a reclamação de créditos só veio ao seu conhecimento após a interposição do recurso de revisão (por exemplo, conclusão FF) quando nas respetivas alegações se referem, abundantemente, a ela e juntam “requerimento” dirigido à administradora da insolvência para a sua obtenção (Doc. 6).

Quanto ao argumento da falta de acesso anterior ao documento, tal como sucede quanto ao desconhecimento anterior, não é qualquer situação deste tipo que surte o efeito previsto na norma do artigo 425.º do CPC.

Conforme adverte Rui Pinto, “[n]o tocante à superveniência subjectiva não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1.º instância, já que isso abria de par em par a porta a todas as incúrias e imprevidências das partas: a parte deve alegar – e provar – a impossibilidade da sua junção naquele momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua. Realmente, a superveniência subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento” [Cfr. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, cit., p. 314].
O desconhecimento ou a falta de acesso anterior ao documento deve, em suma, assentar em razões atendíveis, não podendo ser imputável à falta de diligência dos sujeitos, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador.

Ora, como se viu, os recorrentes juntaram, na data da interposição de recurso de revisão para o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, um “requerimento” dirigido à administradora da insolvência para a obtenção da referida reclamação de créditos (Doc. 6, fls. 93b). Neste “requerimento”, que mais não é do que uma mensagem de correio electrónico, apenas é absolutamente visível, no que toca à data de envio, o respectivo ano (2016). Isto é, porém, quanto basta para se afirmar que o argumento da superveniência subjectiva não colhe.

Sabendo – e não podendo deixar de saber – que aquela reclamação de créditos era um documento nuclear ou decisivo para fundamentar a revisão da sentença deveriam os recorrentes ter diligenciado a sua obtenção de forma mais firme ou insistente e, seguramente, menos displicente do que aquela que tal “requerimento” corporiza. Só assim ele poderia ter sido apreciado e, em conjugação com os restantes documentos juntos, em particular a relação de créditos reconhecidos e a relação de créditos não reconhecidos, porventura comprovar aquilo que os recorrentes alegavam (que os valores cujo pagamento o autor peticionou na acção contra o réu eram os mesmos que os valores reclamados, a título diverso, no processo de insolvência da sociedade). Quer dizer: quando a obtenção do documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus [,,,].

Afastada a hipótese de superveniência, resta ver se se verifica a hipótese de necessidade revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância, como também alegam os recorrentes.

Os casos fundados no argumento da necessidade admissíveis estão relacionados com a novidade ou a imprevisibilidade da decisão, com a eventualidade de a decisão ser “de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo” [Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), p. 242].
Sobre esta hipótese alertam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, comentando a norma do artigo 651.º, n.º 1, do CPC, que “[a] jurisprudência tem entendido que a junção de documentos às alegações de recurso, de um documento potencialmente útil á causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”[ Cfr. Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I - Parte Geral e Processo de declaração – Artigos 1.º a 702.º, Coimbra, Almedina, 2018, p. 786]. E continuam: “[n]o que tange à parte final do n.º 1, tem-se entendido que a junção de documentos às alegações só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam”.

Resulta daqui que não é admissível a junção de documentos quando tal junção se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas. É, justamente, este o caso da reclamação de créditos e da documentação acessória que os recorrentes pretenderam juntar no recurso de apelação.

Como decorre dos autos, grande parte do recurso é alicerçada na alegação de que os valores cujo pagamento o autor peticionou na acção contra o réu são os mesmos que os valores reclamados, a título diverso, no processo de insolvência da sociedade (artigos 33.º, 34-º, 35.º, 36.º, 39.º, 58.º e conclusões AB, AC, AD, AH, AK, etc., das alegações de recurso de revisão para o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e conclusões Y, YY, EEE, AAAAA, JJJJJ, etc., das alegações do recurso de revista). Sabiam, portanto, os recorrentes, desde o início, que a reclamação de créditos era um elemento fundamental para provar um facto central ao seu pedido, susceptível, portanto, de ponderar na decisão, não se compreendendo como podem alegar o contrário.

Por outras palavras e sinteticamente: o documento relaciona-se com factos que já antes da decisão da 1.ª instância os recorrentes tinham consciência de que estavam sujeitos a prova; não podem agora os recorrentes alegar que aquela decisão criou, pela primeira vez, a necessidade da sua junção, meramente porque, entre outros argumentos, a decisão se baseou no facto de aquele meio probatório não ter sido apresentado. Deve, por conseguinte, também rejeitar-se a junção do documento a pretexto da surpresa quanto ao resultado."
[MTS]


30/10/2019

Jurisprudência 2019 (108)


Sentença;
interpretação

1. O sumário de STJ 8/5/2019 (3167/17.5T8LSB-B.L1.S1) é o seguinte:

[...] A interpretação das sentenças não se queda pelo elemento literal, importando atender ao seu elemento sistemático, bem como ao elemento teleológico e funcional.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"O presente recurso foi admitido por ter sido invocada uma pretensa violação de caso julgado (artigo 629.º n.º 2 alínea a do CPC), tendo-lhe sido atribuído efeito meramente devolutivo em conformidade com o disposto artigo 676.º do CPC aplicável subsidiariamente ao processo de trabalho (artigo 1.º n.º 2 e artigo 87.º do CPT), porquanto o Código de Processo do Trabalho apenas fixa o efeito do recurso de apelação e apenas para esse é previsto o efeito suspensivo mediante prestação de caução (artigo 83.º do CPT).

Para decidir se a invocada violação efetivamente ocorreu torna-se necessário interpretar o despacho proferido a 01/03/2018, de modo a determinar o seu sentido, uma vez que só após esta tarefa hermenêutica será possível aquilatar se há genuína contradição entre aquele despacho e o proferido a 20/04/2018.

O despacho proferido a 01/03/2018 tem o seguinte teor:

“Defiro parcialmente o requerimento da Ré apresentado em 15.01.2018, devendo a mesma apresentar a documentação em causa expurgada dos dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar a que se refere na 2.ª parte do art. 6.º do referido requerimento.

Defiro também o requerimento da Ré apresentado em 15.01.2018, na parte respeitante à junção dos documentos da avaliação de desempenho relativa aos 3 trabalhadores que são chefias, uma vez que não constituem base comparável para os efeitos pretendidos pela autora, pelo que não há necessidade da sua junção.”

Importa ter presente que este despacho surgiu em resposta a um requerimento da Ré cujo artigo 6.º tinha a seguinte formulação:

“A informação individualizada referente a prémios de produtividade e aumentos salariais dos trabalhadores acima identificados – contendo a identificação de cada trabalhador –, bem como a informação contida numa tabela com os nomes, funções, anos de experiência na respetiva função, data de admissão, e ainda a informação contida na ficha individual de cada um, consubstancia também, informação que, no seu conjunto, contém dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar, reportados a cada um dos trabalhadores envolvidos, designadamente: nome completo, morada, naturalidade, data de nascimento, número de contribuinte, número de bilhete de identidade/cartão de cidadão, número de beneficiário da segurança social, estado civil, número de dependentes, número de identificação bancária (NIB), taxa de retenção (IRS), valores acumulados, números de dias de ausências, motivo de justificação de faltas, situações de baixa médica e outros eventuais elementos daquela esfera privada.”

Há, antes de mais, que atender na interpretação do referido despacho à sua letra – a qual constitui sempre o ponto de partida da interpretação [...] – mas também à letra do requerimento a que deu resposta. Sem esquecer, no entanto, que “embora o objeto da interpretação seja a própria decisão judicial, é de referir que nessa tarefa hermenêutica haverá que considerar todas as circunstâncias que possam funcionar como meios auxiliares de interpretação, na medida em que daí se possa retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar”, como destacou o Acórdão deste Tribunal de 14 de fevereiro de 2013, proferido no processo 457/10.1TTSTB.E1.S1 (Pinto Hespanhol), por remissão para VAZ SERRA [RLJ n.º 110, p. 42. No mesmo sentido cfr., igualmente, Acórdão do STJ de 4 de julho de 2013 proferido no processo n.º 536/11.8TTPRT-A.P1.S1 (Pinto Hespanhol)].
Ora, o primeiro aspeto a sublinhar é que naquele requerimento, mais precisamente no referido artigo 6.º a Ré, depois de afirmar que há “informação que, no seu conjunto, contém dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar” dos trabalhadores envolvidos, exemplifica (“designadamente”) essa mesma informação.

E nessa exemplificação não refere o nome – como afirma nas suas Conclusões 23 e 24 – mas “o nome completo”. Assim, mesmo que o despacho pudesse ser interpretado no sentido de ordenar a expurgação do nome dos trabalhadores, o que estaria em causa seria o nome completo, sendo certo que a identificação para este efeito de um trabalhador é frequentemente possível sem a indicação do seu nome completo, tanto mais que muitos cidadãos portugueses têm mais do que um nome próprio e mais do que um apelido de família. Em suma, o despacho não teria ordenado que os trabalhadores não fossem identificados, mas sim que não fosse facultado o seu nome completo.

Mas a interpretação, partindo embora da letra, não se queda, amiúde, pelo elemento literal. Importa atender ao elemento sistemático, bem como ao elemento teleológico e funcional. O despacho em causa deferiu parcialmente o requerimento da Ré e na tese sustentada por esta não se vê em que é que o deferimento seria parcial, redundando antes em um deferimento total.

Com efeito, o despacho ao mandar expurgar a informação “dos dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar a que se refere na 2.ª parte do art. 6.º do referido requerimento” fê-lo relativamente àqueles que não são necessários para a aferição da eventual violação do princípio da igualdade de tratamento. Tal princípio supõe inelutavelmente uma comparação. E tal comparação tem que ser feita atendendo às funções concretamente desempenhadas pelos trabalhadores, devendo ser também em concreto que se aprecia as eventuais justificações aduzidas por um empregador para pagar diferentemente a trabalhadores com a mesma quantidade e qualidade de trabalho. Como muito bem se destaca no Acórdão recorrido “a identificação dos trabalhadores a que respeitam os documentos afigura-se essencial para os fins pretendidos com a junção de tais documentos”.

Esta interpretação do despacho como mandando expugar o que não é necessário para a decisão dos autos é, aliás, corroborada pela 2.ª parte do referido despacho em que se defere o requerimento relativamente a “documentos da avaliação de desempenho relativa aos 3 trabalhadores que são chefias, uma vez que não constituem base comparável para os efeitos pretendidos pela autora, pelo que não há necessidade da sua junção”.

É este o elemento teleológico e funcional que permite interpretar corretamente o despacho, sendo certo que uma parte da doutrina invoca também que ao interpretar uma decisão judicial se pode partir do princípio de que a mesma visou um resultado razoável e não impossível ou que conduziria ao esvaziamento de um direito [...].

O despacho proferido a 20/04/2018 em nada contrariou o despacho proferido a 01/03/2018, sendo antes a concretização ou explicitação do mesmo, pelo que não existiu violação do caso julgado."

[MTS]

29/10/2019

Bibliografia (854)



-- Penta, A., LE PROVE NEL PROCESSO CIVILE / TIPOLOGIE E CASISTICA (Giuffrè: Milano 2019)

-- Picardi; N., MANUALE DEL PROCESSO CIVILE, 4.ª ed, (Giuffrè: Milano 2019)


-- Sassani, B. N., LINEAMENTI DEL PROCESSO CIVILE ITALIANO, 7.ª ed. (Giuffrè: Milano 2019)



Jurisprudência 2019 (107)

 
Prescrição presuntiva;
ilisão
 

I. O sumário de RL 30/4/2019 (99096/17.6YIPRT.C1) é o seguinte:

1. Os créditos respeitantes a cursos profissionais de Cabeleireiro, prestados por uma empresa que tem por objeto a formação profissional, e aprovados pelo I.E.F.P., recaem no âmbito da al. a) do artigo 317º CC.

2. A assinatura de um documento de reconhecimento de dívida, pelo preço total de tais cursos, a suportar em prestações mensais, em simultâneo com a assinatura do contrato, não equivale a ato incompatível com a presunção prescritiva de pagamento.

3. Tal presunção de pagamento é ilidível mediante prova em contrário, incumbindo ao credor a prova do não pagamento, prova que apenas pode ser efetuada mediante confissão do devedor.

II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"[...] ao contrário do sustentado apelante, a procedência de tal exceção presuntiva não acarretará, sem mais, a extinção dos créditos da autora.

A prescrição comum, essa sim, embora não extinguindo o direito prescrito [...], confere ao seu beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito – artigo 304º do CC.

Na prescrição comum, o beneficiário só precisa de invocar e demonstrar a inércia do titular do direito no seu exercício durante o tempo fixado na lei, conferindo-lhe o poder de recusar o cumprimento [...].

A sua força reside no facto de não poder ser afastada com a prova de que a dívida não está satisfeita – operada a prescrição ordinária, pode o devedor invocá-la e ela é eficaz, mesmo que confesse não ter pago [...].

Nas prescrições presuntivas, integrando meras presunções de cumprimento – artigo 312º do CC –, o decurso do prazo apenas faz presumir que o cumprimento se verificou, tendo por finalidade libertar o devedor da prova do pagamento.

“As prescrições presuntivas são presunções de pagamento, fundando-se em que as obrigações a que se referem costumam ser pagas em prazo bastante curto e não é costume exigir quitação do seu pagamento. Decorrido o prazo legal, a lei presume, pois, que a dívida está paga, dispensando, assim, o devedor da prova do pagamento, prova que lhe poderia ser difícil ou, até, impossível, por falta de quitação [Cfr., Adriano Vaz Serra, “Prescrições Presuntivas (…)”, RLJ Ano 98, pág. 241 e 242, RLJ Ano 109, pág. 246, e “Prescrição Extintiva e Caducidade”, BMJ nº 106, Maio 1961, pág. 45]”.

A presunção de cumprimento que funda a prescrição presuntiva é uma presunção iuris tantum, podendo ser ilidida mediante prova em contrário, tal como sucede na generalidade das presunções (artigo 350º, nº2 do CC).

Contudo, no que toca à presunção prescritiva, o seu afastamento só pode resultar de confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão – artigo 313º nº1 CC.

Visando as prescrições presuntivas conferir proteção ao devedor que paga uma dívida e dela não exige ou não guarda quitação, não poderia admitir-se que o credor contrariasse a presunção de pagamento com quaisquer meios de prova. Exige-se, por isso, que os meios de prova do não pagamento provenham do devedor [...].

A confissão pode ser judicial ou extrajudicial. A confissão extrajudicial só pode ser feita por escrito (art. 313º, nº2). A confissão judicial é feita em juízo e pode ser espontânea ou provocada. É espontânea quando produzida por iniciativa do confitente. É provocada quando feita por iniciativa do juiz ou a requerimento do credor em depoimento de parte.

Ou seja, ao contrário das prescrições extintivas, as prescrições presuntivas apenas dispensam o beneficiário do ónus de provar o pagamento, fazendo deslocar o ónus da prova do não pagamento para o credor, pelo que, existindo a presunção de pagamento a favor do devedor, competirá ao credor ilidir essa presunção, demonstrando que não pagou, provando a confissão expressa ou tácita do devedor [...].

Como se refere no Acórdão do STJ de 22-01-2009 [...], o decurso do prazo de prescrição presuntiva não confere ao devedor a faculdade de se opor à cobrança do crédito, não lhe dando o direito de não pagar como sucede com a prescrição extintiva, apenas o dispensando da prova do respetivo pagamento.

O legislador presume o cumprimento, libertando o devedor do ónus da prova, mas sem excluir, de todo, a prova do não cumprimento, ou seja a ilisão da presunção.

Assim sendo, a verificação do decurso do prazo de presunção, implicaria que, beneficiando a Ré da presunção de que pagou, presunção ilidível mediante prova em contrário, seria à autora que incumbira a prova de que o pagamento nunca fora efetuado, prova essa que só poderia ser efetuada mediante confissão das rés, por escrito ou no âmbito do depoimento de parte.

No caso em apreço, confrontada com a invocação por parte das rés da prescrição em causa, para a qual foi até expressamente chamado a pronunciar-se, a autora limitou-se a apresentar em audiência uma testemunha e a juntar um documento contabilístico da sua autoria, e, foi com base no depoimento desta testemunha e no documento (elaborado pela autora) apresentado como sendo a conta corrente dos pagamento efetuados pela Ré, que a sentença recorrida veio a dar como provado sob o ponto 9. “Da quantia global acima indicada, a Ré apenas liquidou a quantia de 4.480,88 €, sobre o capital em dívida, indicado supra ponto 2”.

Tal depoimento e documento não tinham qualquer idoneidade para ilidir a presunção de pagamento do artigo 317º, pelo que, não sendo admissíveis tais meios de prova, e não tendo sido requerido o depoimento de parte de qualquer uma das rés, não se pode dar como “provado” que as rés não tenham procedido ao pagamento da quantia reclamada pela autora.

Em consequência, determina-se a eliminação do ponto 9. dos factos dados como provados, considerando-se “não provado”, que a Ré não tenha procedido ao pagamento da quantia de 5.010,88 €.

Reconhecida a aplicação ao caso em apreço da presunção de pagamento prevista na al. c) do artigo 317º, CC, a não prova de que o pagamento não se encontra efetuado, acarretará a improcedência da ação."
 
[MTS]
 

28/10/2019

Jurisprudência constitucional (159)



Procedimento de injunção;
domicílio convencionado; notificação


TC 16/10/2019 (547/2019) decidiu:

[...] não julgar inconstitucional a norma contida nos n.os 1 e 3 do artigo 12.º-A do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro (na redação resultante do artigo 8.º do Decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro), interpretados, no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a €15.000,00, no sentido em que, nos casos em que exista domicílio contratualmente convencionado para efeitos de notificações, a citação do Requerido se efetua apenas e de imediato através de carta enviada por via postal simples com prova de depósito, sem qualquer prévia tentativa de notificação por contacto pessoal, e que assim se presume a notificação do Requerido na data do depósito e dessa data se conta o prazo para deduzir oposição; [...]




Jurisprudência 2019 (106)

Procedimento de injunção:
competência material*

 
1. O sumário de RL 16/5/2019 (122713/18.4YIPRT.L1-8) é o seguinte:

O tribunal de propriedade intelectual é o competente, não apenas para julgar causas cuja causa de pedir imediata seja o direito de propriedade intelectual, mas também aquelas em que tal direito seja o seu objecto mediato - nas quais se devem incluir as destinadas ao reconhecimento de créditos emergentes de contratos relativos a direitos de propriedade intelectual.


2. No relatório e na fundamentação do acórdão (que tem um voto de vencida) afirma-se o seguinte:

"1. A... propôs, contra B [R..., Lda ], requerimento de injunção, distribuído ao 1º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual, reclamando o pagamento da quantia de € 5.151,92, acrescida de juros, referente à emissão de licenças para execução pública de fonogramas.

Proferida decisão, declarando o Tribunal incompetente, em razão da matéria, e absolvendo a R. da instância, daquela veio a A. interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:

- A decisão recorrida teve (na ótica da apelante) por base uma errada interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis em face dos factos alegados.

- Dispõe o art. 111º. 1 a) da LOSJ que “1 - Compete ao tribunal da propriedade intelectual conhecer das questões relativas a: a) Ações em que a causa de pedir verse sobre direito de autor e direitos conexos”.

- A lei portuguesa define como causa de pedir o facto jurídico concreto que constitui o efeito pretendido pelo autor, pelo que, constituindo aquela o suporte lógico da pretensão deduzida, entre o pedido formulado e os factos concretos invocados deve existir uma relação, um nexo de correspondência lógica e normativa.

- Para delimitar a competência material do Tribunal da Propriedade Intelectual, o legislador nacional “foi claro ao definir que a competência material deste tribunal se aferirá pela causa de pedir”.

- O valor constante da fatura peticionada nos autos corresponde à remuneração equitativa devida à ora apelante em virtude da atividade de execução ou comunicação pública de fonogramas por parte do R., no estabelecimento pelo mesmo explorado.

- Resultante da celebração de um contrato de licenciamento (autorização concedida pela apelante ao R. para a utilização de um direito conexo) o qual constitui o substrato da emissão daquela.

- Assim, a determinação e subsequente cobrança de tal remuneração insere-se no âmbito de matérias tão especificas e reguladas quer no CDADC, quer na Lei 26/2015, de 14/4 (a qual estabelece, inclusive, um procedimento próprio para a sua fixação), que faz com que sejam, precisamente, um elemento essencial e integrante da causa de pedir.

- Ora, sendo esta a base/substrato fático do presente litígio, daí se retira que, não obstante o objeto imediato da presente ação versar sobre uma obrigação pecuniária emergente do aludido contrato, dúvidas não restam que como objeto mediato da lide temos um direito conexo, para apreciação do qual o Tribunal da Propriedade Intelectual já é competente para conhecer.

- Por conseguinte, ao Tribunal de Propriedade Intelectual, por força daquele normativo determinativo da sua competência, deverão ser atribuídas não só todas as causas cujo fundamento imediato seja um direito de autor ou um direito conexo, mas também as causas em que o direito de propriedade intelectual seja o objecto mediato (núcleo essencial da questão de facto) da relação jurídica controvertida, tal como sucede nos presentes autos.

- Só assim é possível entender a intenção do legislador em criar um Tribunal de competência especializada com âmbito nacional para decidir, de forma exclusiva, tais questões - como aliás resulta do preâmbulo do diploma legal que procedeu à sua instituição.

- Aliás, no caso da execução das decisões proferidas pelo Tribunal da Propriedade Intelectual (independentemente do teor das mesmas) o legislador, de forma expressa, consagrou a competência daquele para as apreciar, e nas quais de forma imediata também poderá em causa “meras obrigações pecuniárias”.

- Assim, mutatis mutantis, forçosamente se terá de considerar que no espírito do legislador, como defende entre nós a doutrina, estava a competência daquele tribunal especializado para conhecer das questões relativas às ações especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias - como a ora em causa.

- Considerando tudo o exposto, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente o disposto nos arts. 552º.1 d) do C.P.Civil, 184º do CDADC e 111º.1 a) da LOSJ.

- Nestes termos, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por acórdão, em que, acolhendo-se as razões invocadas pela apelante, ordene o prosseguimento da presente acção no Tribunal de Propriedade Intelectual.

Cumpre decidir.

2. Nos termos dos arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente. 

A questão a decidir centra-se, pois, na apreciação da competência material do tribunal recorrido, para conhecimento do pedido.

Em conformidade com o disposto no art. 111º, nº1 a), da LOSJ (Lei 62/2013, de 26/8), compete ao tribunal de propriedade intelectual conhecer das questões relativas a ações em que a causa de pedir verse sobre o direito do autor e direitos conexos.

Face à genérica formulação do preceito, deve entender-se que esse tribunal será o competente, não apenas para julgar causas cuja causa de pedir imediata seja o direito de propriedade intelectual, mas também aquelas em que tal direito seja o seu objecto mediato - nas quais se devem incluir as destinadas ao reconhecimento de créditos emergentes de contratos relativos a direitos de propriedade intelectual. 

Com a presente acção, visa a A., ora apelante, obter o pagamento de licenças para execução pública de fonogramas - ou seja, atento o disposto nos arts. 176º e segs. do Cód. Dir. Autor, o exercício de direitos conexos com direitos de autor.

Ao invés do decidido, se haverá, consequentemente, de concluir pela competência do Tribunal de Propriedade Intelectual para conhecer da causa."

*3. [Comentário] A relevância da competência material para o procedimento de injunção é muito relativa, dado o Balcão Nacional de Injunções tem competência exclusiva em todo o território nacional para a tramitação desses procedimentos (art. 3.º P 220-A/2008, de 4/3). Essa competência só se pode tornar verdadeiramente relevante se houver oposição do requerido e se houver que proceder à distribuição do processo (art. 16.º RPOP).

MTS
 

26/10/2019

Bibliografia (853)


-- Bennett, A./Granata, S., When Private International Law Meets Intellectual Property Law / A Guide for Judges (WIPO/HCCH 2019)

-- Buchegger/Markowetz, Grundriss des Zivilprozessrechts / Streitiges Erkenntnisverfahren, 2.ª ed. (Verlag Österreich: Wien 2019)


 

25/10/2019

Termo do prazo de formulação do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça (2)



[Para aceder ao texto clicar em Salvador da Costa]





Jurisprudência 2019 (105)


Causas de pedir; contradição;
ineptidão da petição inicial*

 
1. O sumário de RL 16/5/2019 (2109/18.5T8LSB.L1-6) é o seguinte:

A cumulação de causas de pedir substancialmente incompatíveis - existência de contrato de trabalho e inexistência de contrato de trabalho - e a contradição entre, pelo menos, um dos pedidos que pressupõe a aplicação da legislação laboral e a alegação da inexistência de contrato de trabalho, importa a ineptidão da petição inicial e consequente nulidade de todo o processo e de conhecimento oficioso, nos termos dos art. 182º nº 2 al. b) e c) e nº 4 e 577º al b) e 578º, insusceptível de sanação, importando a absolvição a instância da ré.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Diz o apelante que confessa ter apresentado uma petição inicial confusa por dificuldade de elaboração pela sua mandatária forense, mas que essa confusão apenas resulta em deficiente concretização factual.

Tem razão o apelante. A petição inicial é confusa. Dela resulta que o apelante nem sabe o que quer. Tanto é invocada a legislação laboral para sustentar a cessação do contrato de trabalho com justa causa e o pedido de condenação da apelada no pagamento de quantias calculadas de acordo com o Código do Trabalho, designadamente, «compensação pela cessação do contrato de trabalho por iniciativa do autor com justa causa nunca inferior a 3 meses de retribuição base», como simultaneamente é alegada a inexistência de subordinação jurídica e por isso a inexistência de contrato de trabalho. 

Portanto, não se trata de deficiente alegação da matéria de facto por parte da mandatária forense devido à sua confessada confusão, o que a suceder deveria levar à prolação de despacho de aperfeiçoamento ao abrigo do disposto no art. 590º nº 4 do Código de Processo Civil.

O que existe é cumulação de causas de pedir substancialmente incompatíveis - existência de contrato de trabalho e inexistência de contrato de trabalho - e contradição entre, pelo menos, o pedido formulado em II e a alegação da inexistência de contrato de trabalho, o que importa a ineptidão da petição inicial e consequente nulidade de todo o processo e de conhecimento oficioso, nos termos dos art. 182º nº 2 al. b) e c) e nº 4 e 577º al b) e 578º, insusceptível de sanação, importando a absolvição da instância da ré."

*3. [Comentário] É possível alegar, como causas de pedir alternativas, o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços. Pelos vistos, não foi isso que sucedeu no caso concreto. A RL decidiu bem.

MTS


24/10/2019

O conceito restrito de terceiros para efeitos de registo: um'A História Sem Fim?


1. a) Os problemas suscitados pelo conceito restrito de terceiros para efeitos de registo ameaçam tornar-se, lembrando o conhecido livro de M. Ende, um'A História Interminável. O pior é que -- pode ainda acrescentar-se -- não se pode assegurar nenhum happy end nest'A História Sem Fim (para recordar agora o nome do filme).
 
A RP foi recentemente chamada a pronunciar-se sobre o seguinte caso (RP 26/9/2019 (Jurisprudência 2019 (104)):

-- Em 2/10/2012 foi instaurada uma execução;

-- Em 24/8/2017 foi registada uma penhora sobre o usufruto de um imóvel;

-- Sucede que os executados tinham renunciado ao usufruto em 15/06/2015, embora esta renúncia só tenha sido registada (ou, pelo menos, conhecida) em 14/11/2017, portanto depois do registo da penhora.

A questão que a RP tinha de decidir era a de saber se a penhora do usufruto (com registo anterior) prevalece sobre a renúncia ao usufruto (realizada antes da penhora, mas com registo posterior).

b) Para fundamentação da sua decisão, a RP transcreve STJ 18/12/2003, onde se decidiu que o "titular de um direito real de garantia registado sobre imóvel anteriormente vendido ao recorrido, mas sem o subsequente registo, não é terceiro para efeitos de registo, uma vez que o seu direito e o do adquirente do imóvel não provêm de um autor comum". Esta orientação, apesar de ter pouco a ver com o caso concreto, passou a constar do sumário do acórdão (ponto IV.). Supõe-se que, no contexto o caso em análise, o "direito real de garantia" a que se refere o sumário do acórdão é a penhora (o que não é verdade, mas, neste momento, isso é irrelevante).

Esta orientação do STJ resulta do disposto no art. 5.º, n.º 4, CRegP, que consagra o chamado conceito restrito de terceiros para efeitos de registo. Estranhamente, deste preceito resulta que o registo (anterior) só prevalece sobre qualquer outro registo (posterior) se ambos os interessados tiverem adquirido o mesmo bem de um autor comum. É por isso se fala comummente de um conceito restrito de terceiros: o registo não é oponível a todo e qualquer terceiro, mas apenas a quem tenha adquirido o mesmo bem do mesmo alienante. Disto decorre que, entre as duas aquisições, prevalece aquela que seja registada primeiro, ainda que, em termos temporais, possa ser a segunda aquisição do bem

Desta orientação decorre, para o caso em análise, que, como o exequente e os executados não são terceiros para efeitos de registo, o registo da penhora do usufruto não é oponível aos executados que tinham renunciado a esse usufruto antes do registo da penhora, embora o registo da renúncia só tenha sido realizado depois do registo da penhora. Não se vê que outra coisa possa decorrer da afirmação da RP sumariada no ponto IV. 

Aliás, no acórdão do STJ transcrito pela RP afirma-se expressamente que o conceito de terceiros que se encontra consagrado no art. 5.º, n.º 4, CRegP exclui "os casos em que o direito em conflito com o direito em conflito deriva de uma diligência judicial, seja ela arresto, penhora ou hipoteca judicial". Noutros termos: o credor exequente e penhorante e os executados não são, entre si, terceiros para efeitos de registo, pelo que a oponibilidade que resulta do disposto no art. 5.º, n.º 4, CRegP não lhes é aplicável.

Disto não pode deixar de decorrer que, se a penhora do usufruto não é oponível aos executados, então estes podem opor ao exequente a renúncia ao usufruto realizada antes da penhora, ainda que essa renúncia só tenha sido registada depois do registo da penhora. 

O problema é que, depois de afirmar que o exequente e os executados não são, entre si, terceiros para efeitos de registo (do que não pode deixar de decorrer que o registo da penhora do usufruto não é oponível aos executados), a RP afirma o seguinte:

"[...] atentos os factos provados e a tese jurisprudencial antes exposta, impõe-se considerar que o identificado acto voluntário dos aqui executados/oponentes de renúncia gratuita ao usufruto de que eram titulares sobre imóvel e que não foi registado antes da penhora que aqui se discute, deveria ser sempre considerado ineficaz, não podendo ser por estes invocado contra o aqui exequente.

Ou seja, tal renúncia ao usufruto não pode ser oponível à penhora previamente registada a favor do exequente, D… S.A. (cf. os artigos 2º, n.º 1, alíneas a) e x), 5º, n.ºs 1 e 4, e 6º, todos do Código do Registo Predial e artigos 819º, 822º, n.º 1, e 824º, n.ºs 2 e 3, todos do Código Civil)."

Sinceramente, salvaguardando todo o devido respeito, não se percebe. Depois de se afirmar que o exequente e o executado não são terceiros entre si para efeitos de registo -- e que, portanto, o registo da penhora do usufruto não é oponível aos executados --, como se pode concluir que, afinal, a "renúncia ao usufruto não pode ser oponível à penhora previamente registada a favor do exequente"? Então, o registo da penhora do usufruto não é oponível aos executados que renunciaram a esse usufruto (o que significa que a renúncia prevalece sobre a penhora), mas esta renúncia não é oponível ao exequente (o que significa que a penhora prevalece sobre a renúncia)? 


Como é evidente, desconhece-se o raciocínio que esteve subjacente à decisão da RP. A verdade é que, para chegar a uma diferente conclusão, bastaria ter atentado no seguinte:

-- O conceito restritivo de terceiros para efeitos de registo destina-se a obviar a que o primeiro adquirente que não registou a sua aquisição possa opor a sua aquisição ao segundo adquirente que registou a sua aquisição;

-- Logo, quando os interessados não possam ser considerados terceiros para efeitos de registo, nada pode impedir que uma situação não registada (in casu, a renúncia ao usufruto) possa ser oposta a uma situação registada (in casu, a penhora do usufruto).

2. a) Dir-se-á que a RP decidiu o que era razoável: se, no momento da penhora do usufruto, não havia nenhum registo incompatível com essa penhora, era perfeitamente razoável que a penhora fosse legal. O problema está em que o art. 5.º, n.º 4, CRegP obsta a esta solução razoável: como o exequente e os executados não são adquirentes de um autor comum, o exequente e os executados não são, entre si, terceiros para efeitos de registo e, por isso, o registo da penhora não é oponível ao executado. As alegações dos recorrentes dizem, com bastante clareza, isto mesmo.

É claro que tudo isto soa muito estranho. Um regime legal que permite concluir qualquer coisa como "o registo da penhora não é oponível ao executado que não tenha nenhum registo anterior" deveria, de imediato, fazer soar todos os "alertas vermelhos". E isto ainda não é tudo: é que do mesmo regime também resulta que o registo da penhora não é oponível a terceiros (isto é, a quem não seja parte na execução) e que, por isso, terceiros podem embargar de terceiro com base num direito adquirido antes da penhora, mas registado depois dela. 

Neste caso, há ainda a particularidade de o direito do terceiro que justifica os embargos ser um direito que, nos termos do art. 824.º, n.º 2, CC, se extingue com a venda executiva, porque é um direito sem registo anterior à penhora (ou ao arresto ou a uma garantia real). Quer dizer: o direito do terceiro não registado extingue-se com a venda executiva (isto é, é um dos direitos que o art. 824.º, n.º 2, CC impõe que não possa ser oposto à execução), mas esse mesmo direito constitui um possível fundamento de oposição à penhora realizada na execução. Não é lapso, é mesmo assim: uma inoponibilidade, por um lado, torna-se oponibilidade, por outro...

A pergunta impõe-se: qual é a coerência lógica de tudo isto? A resposta só pode ser: nenhuma! Perante isto, não pode efectivamente admirar que até os tribunais tenham dificuldade em se orientarem num regime que é intrinsecamente incoerente com outros regimes legais. O legislador obriga a trabalhar com um puzzle que é impossível completar, porque é impossível encaixar todas as peças. 

b) Note-se que, se vigorasse na ordem jurídica portuguesa, a regra de que o registo anterior prevalece sobre o registo posterior, a situação de dupla aquisição de um mesmo bem de um autor comum que é resolvida pelo art. 5.º, n.º 4, CRegP teria exactamente a mesma solução: das duas aquisições prevaleceria aquela que, independentemente de ser a primeira ou a segunda, fosse registada em primeiro lugar. Portanto, não é correcto o argumento de que é indispensável que esteja estabelecido um conceito restrito de terceiros para efeitos de registo para proteger o adquirente que tenha registado a sua aquisição em primeiro lugar.

O equívoco reside, pois, em ter erigido como única regra o que é apenas um dos casos possíveis, permitindo então a conclusão, através de um justificado raciocínio a contrario sensu, de que, fora da dupla aquisição do mesmo bem de um autor comum, o registo não é oponível a ninguém. O art. 5.º, n.º 4, CRegP constitui exemplo de uma regra parcial que fica aquém do que deveria ser regulado: o preceito regula uma espécie, quando deveria ter regulado todo um género. 

Ou, para ser mais, explícito: o que se deveria ter consagrado era, não um conceito restrito de terceiros para efeitos de registo, mas antes um "conceito normal". É realmente isto que está em causa, e não, como por vezes se refere, um "conceito alargado" de terceiros para efeitos de registo (expressão que logo apela a algo que parece exorbitante).

Enfim, cabe perguntar, para quando a revogação do art. 5.º, n.º 4, CRegP, permitindo que a oponibilidade das situações registadas decorra realmente da prioridade do registo (naturalmente, com a garantia da ilisão da presunção resultante do registo), e não da circunstância de ambos os interessados terem adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si?

MTS


Jurisprudência 2019 (104)


Usufruto; penhora;
terceiros para efeito de registo*


1. O sumário de RP 26/9/2019 (6062/12.0YYPRT-A.P1) é o seguinte:


I - O direito de usufruto é passível de ser penhorado e judicialmente vendido no âmbito de execução movida contra o usufrutuário.

II - O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário, não tendo por isso natureza constitutiva.

III - Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.

IV - O titular de um direito real de garantia registado sobre imóvel anteriormente vendido ao recorrido, mas sem o subsequente registo, não é terceiro para efeitos de registo, uma vez que o seu direito e o do adquirente do imóvel não provêm de um autor comum.

V - No caso dos autos, o identificado acto voluntário dos executados de renúncia gratuita ao usufruto de que eram titulares sobre imóvel e que não foi registado antes da penhora, deve ser considerado ineficaz relativamente a esta, não podendo por isso ser por aqueles invocado contra o exequente.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Cumpre [...] apreciar e decidir a questão que tem a ver com a procedência da presente oposição à penhora.

Como ficou já visto nas suas alegações de recurso os opoente ora apelantes sustentam a tese da inadmissibilidade da penhora sobre o direito de usufruto, expondo os seus argumentos (de facto e de direito) nas conclusões 15ª a 33ª das suas alegações, cujo conteúdo aqui voltamos a transcrever para uma melhor entendimento das razões invocadas:

“[...] 21. Apesar da renúncia do usufruto apenas se ter efectivado em 2017, a verdade é que o aludido direito já não produzia os seus efeitos desde Junho de 2015, ou seja, dois anos antes do respectivo registo.

22. Tendo por referência a regra base de que o efeito do registo é de mera publicidade, dúvidas não restam que, na realidade, o direito de usufruto sobre o prédio a que vem sendo feita alusão já estava extinto desde Junho de 2015 e não apenas em 2017.

23. Foi em Junho de 2015 que o direito de usufruto se extinguiu, por renúncia, data a partir da qual iniciou a produção de efeitos, mas só em 2017 é que foi dada a publicidade à referida extinção.

24. É o facto subjacente que confere direitos, e não o registo.

25. Os aqui apelantes lograram ilidir a presunção mencionada no artigo 7.º, pois, demonstraram que, o direito de usufruto estava extinto desde a data de Junho de 2015, por renúncia, tal como comprova a escritura de renúncia junta aos presentes autos.

26. O artigo 5.º, n.º 1 do Código do Registo Predial estabelece que, os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo, contudo, dispõe o n.º 4 do mesmo preceito legal que, terceiros para efeitos de registo são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si, pelo que, a protecção disponibilizada pelo referido preceito legal, é vedada ou limitada aos terceiros.

27. É considerado como terceiro para efeitos de registo, os adquirentes de boa-fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa.

28. O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão n.º 3/99 de 18 de maio de 1999 (uniformizador de jurisprudência), retomou a posição de Manuel de Andrade in Teoria Geral da Relação Jurídica, consagrando um conceito restrito de terceiro, segundo o qual a inoponibilidade de direitos a um terceiro, para efeitos de registo, pressupunha que ambos os direitos tivessem advindo de um mesmo transmitente comum.

29. O exequente não é um terceiro para efeitos de registo, porquanto, não adquiriu nenhum direito do mesmo transmitente comum, pois, quem conferiu o direito dos ora apelantes foi a sociedade comercial agora proprietária do prédio aqui em apreço e, por sua vez, quem conferiu o direito do exequente foram os próprios apelantes, devido aquele direito de usufruto estar registado em nome deles.

30. No conceito restrito de terceiros, apenas se inclui os actos negociais, e nunca os actos de penhora ou venda executiva.

31. Nunca poderá o ora exequente ser considerado como terceiro para efeitos de registo, pelo que, a celebração da escritura de renúncia do usufruto produziu os seus efeitos logo em 2015 e, por isso, é manifestamente falso que a renúncia gratuita ao usufruto é ineficaz e não podia ser oponível à penhora registada a favor do exequente, pois, como já demonstrado, a realidade substantiva é a que prevalece perante a realidade registral, conjugado com o facto de o exequente não ser considerado terceiro para efeitos de registo e, como tal, nos termos do disposto no artigo 4.º e 5.º do Código de Registo Predial, os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados.

32. À data do registo da penhora, havia fundamentos da sua impenhorabilidade, pois, como já demonstrado, o direito já estava extinto.

33. Contrariamente ao referido pelo Senhor Doutor Juiz, a renúncia ao usufruto é oponível à penhora registada anteriormente a favor do exequente, pelo que, deverá este Tribunal revogar a sentença aqui sob censura e, consequentemente, proferir uma decisão que considere que a renúncia ao usufruto é oponível à penhora registada.”.

Cabe pois saber se têm ou não razão nesta sua alegação.

Para responder a tal questão chamaremos desde já à colação o acórdão do STJ de 18.12.2003, processo 03B2518, relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino e dado a conhecer em www.dgsi.pt.

Assim:

“Em matéria de registo, vigora o princípio prior tempore potior jure (princípio da prioridade), com assento no art.6º/1: "o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pelo número de ordem das apresentações correspondentes".

Os factos sujeitos a registo podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros, mesmo que não registados (art.4º/1). Já no que tange à oponibilidade do registo predial a terceiros prescreve o art.5º/1 que "os factos sujeitos a registo só produzem efeitos em relação a terceiros depois da data do respectivo registo". Significa isto que, inter partes, os factos sujeitos a registo são plenamente eficazes, mesmo que não registados; para com terceiros interessados, a sua eficácia depende do registo.

Importa, todavia, ter presente que o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (art.1º), não tendo natureza constitutiva: entre nós, os actos existem fora do registo, sendo o efeito deste simplesmente declarativo, não conferindo, a não ser excepcionalmente, quaisquer direitos.

O conceito de terceiros deve reflectir, por isso, essa função declarativa do registo e ser entendido à luz das finalidades publicitárias deste.

Após longa e diversificada controvérsia doutrinal e jurisprudencial, o conceito de terceiros ganhou roupagem legal com o já acima aludido Dec-lei 533/99, de 11 de Dezembro, que aditou ao art.5º do Código o n.º 4, do teor seguinte:

Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.

Esta formulação legal é tributária de uma das posições doutrinais que, acerca do conceito, se vinham digladiando desde há muito. O próprio legislador não deixou de o assinalar [...] no preâmbulo daquele diploma [...].

Do indicado normativo decorre que o ora recorrente, titular de um direito real de garantia registado sobre imóvel anteriormente vendido ao recorrido, mas sem o subsequente registo, não é terceiro para efeitos de registo, uma vez que o seu direito e o do adquirente do imóvel não provêm de um autor comum.

O mesmo entendimento fora adoptado pelo acórdão deste Supremo Tribunal n.º 3/99, de 18.05.99, (uniformizador de jurisprudência) que, revendo a doutrina fixada pelo seu homólogo 15/97, de 20.05.97, retomou, na matéria, a posição de Manuel de Andrade (O citado acórdão 3/99 fixou a regra seguinte: Terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5º do Código do Registo Predial, são os adquirentes, de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa), consagrando a orientação segundo a qual a inoponibilidade de direitos a um terceiro, para efeitos de registo, pressupunha que ambos os direitos tivessem advindo de um mesmo transmitente comum, excluindo "os casos em que o direito em conflito com o direito em conflito deriva de uma diligência judicial, seja ela arresto, penhora ou hipoteca judicial" (Cf. Ac. de 07.07.99, deste Supremo Tribunal, na Col. Jur. (Acs. do STJ) VII, 2, 164.)”.

Regressando ao caso concreto não se pode questionar que o direito de usufruto é passível de ser penhorado e judicialmente vendido no âmbito da execução movida contra o usufrutuário (cf. a jurisprudência e a doutrina citadas na decisão recorrida e que aqui nos dispensamos de voltar a reproduzir). [...]

A ser assim valem pois os argumentos vertidos na decisão recorrida e que podem ser resumidos da seguinte forma:

Resulta dos elementos constantes dos autos de execução que na altura em que foi realizada a penhora que agora se questiona e perante o que constava do registo predial, o direito de usufruto dos executados sobre o imóvel em apreço podia ser penhorado nos termos e que teve lugar, inexistindo então e agora qualquer impedimento à sua penhorabilidade (cf., entre outros, os artigos 735º, 736º, 751º e 783º, todos do CPC e o artigo 1439º e seguintes do Cód. Civil).

Por outro lado, atentos os factos provados e a tese jurisprudencial antes exposta, impõe-se considerar que o identificado acto voluntário dos aqui executados/oponentes de renúncia gratuita ao usufruto de que eram titulares sobre imóvel e que não foi registado antes da penhora que aqui se discute, deveria ser sempre considerado ineficaz, não podendo ser por estes invocado contra o aqui exequente.

Ou seja, tal renúncia ao usufruto não pode ser oponível à penhora previamente registada a favor do exequente, D… S.A. (cf. os artigos 2º, n.º 1, alíneas a) e x), 5º, n.ºs 1 e 4, e 6º, todos do Código do Registo Predial e artigos 819º, 822º, n.º 1, e 824º, n.ºs 2 e 3, todos do Código Civil).

Tem pois razão o Tribunal “a quo” quando com estes fundamentos considerou não verificados no caso, os pressupostos previstos no art.º784º, nº1 do CPC e assim sendo julgou improcedente a presente oposição à penhora.