I - Requisito da admissibilidade do pedido a formular ao abrigo do procedimento cautelar previsto no artigo 409º do CPC é, no que ora releva, a pendência de ação de divórcio sobre a qual o legislador pressupõe a existência de uma situação de conflito e consequente presumido receio de extravio ou ocultação de bens. Bens comuns, ou bens próprios sob a administração do outro cônjuge.II - Consequentemente, a admissibilidade do pedido de arrolamento a formular neste âmbito, não está dependente da posterior instauração de processo de inventário para partilha, o qual pressupõe a existência de bens comuns, in casu inexistentes.
Preceitua este normativo legal, no que ora releva:
“1- Como preliminar ou incidente da ação de separação judicial de pessoas e bens, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer o arrolamento de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro. (...)
3 - Não é aplicável aos arrolamentos previstos nos números anteriores o disposto no n.º 1 do artigo 403.º.”
A exclusão do previsto no nº 1 do artigo 403º - ou seja a exigência da alegação e prova de que existe “justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos” para a procedência do arrolamento especial peticionado - tem subjacente o conhecimento pelo legislador do reflexo dos conflitos conjugais no modo como cada um dos cônjuges se passa a comportar relativamente aos bens comuns, ou aos bens próprios do outro colocados sob a sua administração. Levando à “presunção” [Cfr. António S. Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV volume, “Procedimentos Cautelares Especificados”, ed. Almedina de 2001, p. 269/270, ainda por referência ao anterior CPC, então artigo 427º, com idêntica redação ao atual artigo 409º em análise; bem como José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in CPC Anotado, vol. II, 3ª edição em anotação ao artigo 409º - p. 198/199. Aqui se dando nota de que a “presunção” “juris et jure” do periculum in mora por abranger tanto o plano da prova como o da alegação, “não se trata rigorosamente de presunção”- vide p. 198.] “juris et de jure” do “periculum in mora”, quer no plano da prova quer da própria alegação, evitando adicionais motivos de conflito entre os cônjuges.
Ao requerente do arrolamento especial previsto no artigo 409º do CPC, como dependência ou incidente de ação de divórcio, basta-lhe, por tal, alegar a existência de bens comuns ou de bens próprios sob a administração do outro.
Estando dispensado da alegação e prova do periculum in mora.
É certo, tal qual refere a decisão recorrida, que in casu o divórcio instaurado pelo requerente contra a requerida foi em sede de tentativa de conciliação convertido em divórcio por mútuo consentimento, então ali tendo ficado a constar, quanto às questões a que alude o artigo 994º do CPC e em concreto quanto aos bens, inexistirem bens comuns. Estando a instância suspensa a requerimento das partes com vista a tentarem chegar a acordo “quanto ao destino da casa de morada de família”, sita em Guimarães.
Casa à qual alega o requerente, deixou de ter acesso por a tal impedido pela requerida desde 22/04/24 e onde se encontram os bens que descreveu na p.i. e cujo arrolamento peticionou, uma vez que sendo de sua única e exclusiva propriedade, aos mesmos não tem acesso nem a requerida lhos entrega. Apesar de a tal já ter sido instada.
A alegação enquadra-se precisamente no, pelo legislador, presumido conflito entre os cônjuges na pendência da ação de divórcio que pode conduzir à prática de atos suscetíveis de colocar em crise os direitos do cônjuge interessado – pela ocultação, dissipação ou extravio quer de bens comuns quer bens próprios do outro cônjuge sob a administração do outro:
Realça-se a conjunção “ou” que indica alternativa ou opção ínsita no nº 1 do artigo 409º do CPC:
“1 - Como preliminar ou incidente da ação de separação judicial de pessoas e bens, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer o arrolamento de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro”.
O arrolamento geral – vide artigo 403º - visa assegurar a manutenção de bens tidos por litigiosos, salvaguardar a sua dissipação e extravio, enquanto a definição da sua titularidade está em discussão. É igualmente o meio de obter a descrição desses mesmos bens e respetiva avaliação.
Servindo depois o auto de arrolamento como descrição no inventário – vide artigo 408º nº 2 do CPC, caso ao mesmo haja lugar.
Estando em causa arrolamento como preliminar ou incidente da ação de separação judicial de pessoas e bens, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, então tem aplicação o arrolamento especial previsto no já citado artigo 409º, com as especificidades indicadas no nº 3 deste mesmo artigo e já supra mencionadas.
Arrolamento que depende da invocação da existência de “bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro”.
In casu, o requerente alegou serem os bens cujo arrolamento peticiona da sua exclusiva propriedade, bem como encontrarem-se sob a administração da requerida, contra sua vontade.
O fundamento do decidido indeferimento do requerimento inicial, mesmo antes de ter sido produzida qualquer prova, resultou do entendimento do tribunal a quo de que:
- os bens descritos pelo requerente se não enquadram na “categoria de bens próprios sob a administração do outro cônjuge, pois são insuscetíveis de dar frutos”;
- este procedimento visa acautelar o direito à justa partilha do património comum, in casu inexistente, atenta a declaração dos cônjuges efetuada na ata de tentativa de conciliação ocorrida no processo de divórcio, ainda pendente.
No que concerne ao argumento de que os bens descritos não são suscetíveis de dar frutos como pressuposto de poderem ser alvo de administração pelo outro cônjuge, não encontra o mesmo sustentação jurídica.
Atenta a definição de frutos constante do artigo 212º do CC, tanto são frutos os que provêm diretamente da coisa – frutos naturais (aqueles que podem ser separados da coisa principal, sem afetação da sua substância); como o são aqueles que a coisa produz em consequência de uma relação jurídica, “rendas ou interesses” – frutos civis.
Em abstrato, são os bens em causa suscetíveis de gerar frutos civis – basta pensar no seu aluguer (vide artigos 1022º e 1023º do CC), o qual constitui por definição um ato de administração ordinária, exceto quando for celebrado por prazo superior a 6 anos (vide artigo 1024º do CC).
Acresce que o conceito de administração, in casu dos bens próprios pelo outro cônjuge, tampouco está dependente desta capacidade de gerar frutos, civis ou naturais.
A administração de um bem inclui tanto os atos tendentes à sua frutificação normal, como à sua conservação. Incluindo esta a manutenção dos bens de acordo com critérios de razoabilidade, reparações de rotina e atos necessários a evitar que os bens se percam ou deteriorem [---].
Neste pressuposto procede a crítica apontada à decisão recorrida quando afirma não serem os bens em questão suscetíveis de ser enquadrados na “categoria de bens próprios sob administração do outro cônjuge, pois são insuscetíveis de dar frutos”.
Afastado este argumento, analisemos o segundo argumento apresentado pelo recorrente como fundamento da crítica apontada à decisão recorrida. Defendendo que a sua pretensão formulada neste requerimento não está dependente da instauração de inventário e da partilha de bens subsequente ao divórcio.
O que, na verdade, foi o argumento decisivo afirmado pelo tribunal a quo, como resulta do trecho que infra deixamos reproduzido:
«Enquanto preliminar ou incidente de ação de divórcio, a providência de arrolamento, nos termos do artigo 409.°, visa acautelar o direito à justa partilha do património comum. (...)
Importa salientar que o arrolamento pode ter como objeto, para além dos bens próprios do requerente que se encontrem na posse do outro cônjuge, os bens do casal a serem partilhados e “tem como finalidade garantir que tais bens existam no momento em que se efetue a partilha” .
Vale isto por dizer que, tendo em conta as suas finalidades especificas, não pode ser pedido o arrolamento de bens próprios do requerido, nem tão-pouco de bens de que o requerente e requerido sejam comproprietários, já que esses bens não podem ser objeto de partilha no âmbito de um processo de inventário subsequente à dissolução do casamento.
Ora, sendo os bens cujo arrolamento se requer, bens particulares, não podem ser objeto de arrolamento previsto com preliminar da ação de divórcio ou como incidente da mesma, uma vez que não podem ser objeto de partilha subsequente a divórcio, partilha essa que face ao declarado pelos cônjuges na tentativa de conciliação não haverá lugar após o decretamento do divórcio.»
O arrolamento previsto no artigo 403º do CPC é dependência da ação à qual interessa a especificação de bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas (nº 1 do artigo 403º) e depende da verificação e demonstração pelo requerente do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos (nº 2 do artigo 403º).
Invocando o requerente ser proprietário de determinados bens que se encontram na posse ou detenção de terceiro e sobre os quais alegue recear o seu extravio, dissipação ou ocultação até que na ação a intentar seja definida a titularidade desses mesmos bens, é-lhe facultado o recurso ao procedimento cautelar de arrolamento previsto neste artigo.
Visa este procedimento, a que alude o artigo 403º do CPC, acautelar a manutenção dos bens litigiosos até que seja definida a titularidade dos mesmos, no âmbito da ação de que é dependência.
Seguindo a tramitação regulada nos subsequentes artigos 405º a 408º.
Dos quais se destaca o artigo 405º, o qual sobre a epígrafe “Processo para o decretamento da providência” disciplina:
“1 - O requerente faz prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação; se o direito relativo aos bens depender de ação proposta ou a propor, tem o requerente de convencer o tribunal da provável procedência do pedido correspondente.
2 - Produzidas as provas que forem julgadas necessárias, o juiz ordena as providências se adquirir a convicção de que, sem o arrolamento, o interesse do requerente corre risco sério.”
A norma específica aplicável ao caso sub judice (artigo 409º) regula situações especiais em que o legislador presumiu “juris et de jure”, pelo conflito que usualmente lhes está subjacente, o periculum in mora quer no plano da prova quer no plano da alegação [---].
E assim, quando em causa esteja ação de separação judicial de pessoas e bens, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, como preliminar ou incidente das mesmas, pode qualquer dos cônjuges requerer o arrolamento de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro (nº 1 do artigo 409º), sem que tenha de provar, sequer alegar, o receio mencionado no nº 1 do artigo 403º, atenta a já mencionada presunção legal.
Os bens alvo do pedido de arrolamento previsto no artigo 409º do CPC, são tanto os bens comuns, como os bens próprios do requerente que estejam sob a administração do outro.
Requisito da admissibilidade do pedido a formular ao abrigo do procedimento cautelar previsto no artigo 409º do CPC é, no que ora releva, a pendência de ação de divórcio sobre a qual o legislador pressupõe a existência de uma situação de conflito e consequente presumido receio de extravio ou ocultação de bens. Bens comuns, ou bens próprios sob a administração do outro cônjuge.
Consequentemente, a admissibilidade do pedido de arrolamento a formular neste âmbito, não está dependente da posterior instauração de processo de inventário para partilha, o qual pressupõe a existência de bens comuns, in casu inexistentes.
Tais requisitos estão suficientemente alegados no requerimento inicial e como tal deveria a pretensão ter sido apreciada, com a produção da prova oferecida."
[MTS]