"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



28/02/2022

Jurisprudência 2021 (142)


Execução;
obrigação exequenda; exigibilidade


1. O sumário de RC 22/6/2021 (1000/19.2T8CTB-A.C1) é, na parte agora relevante, o seguinte:

i) Se a exequente é sócia da executada, emprestou-lhe dinheiro, com obrigação de restituição, intitulou os 4 contratos de suprimentos, nas suas cláusulas usa-se sempre a expressão “suprimentos” e nos subsequentes aditamentos se refere sempre a expressão “suprimentos”, conjugando o nomen iuris dos contratos com a titularidade subjetiva dos mesmos (sócio e sociedade), está-se perante contratos de suprimentos;

ii) O mesmo é confirmado pelo "carácter de permanência", enquanto elemento específico do contrato de suprimento (art. 243º, nº 1, do CSC), e que é definido por índices, que os nºs 2 e 3 do mesmo preceito enunciam, por um lado, a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano - quer a estipulação seja contemporânea da constituição do crédito, quer seja posterior - e, por outro lado, a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano, contado da constituição do crédito; [...]

ix) Se a executada/embargante foi dissolvida, por deliberação dos sócios e está em marcha um processo de liquidação extrajudicial, dispondo a lei (art. 245º, nº 3, a), do CSC) que os suprimentos só podem ser reembolsados aos seus credores depois de inteiramente satisfeitas as dívidas daquela para com terceiros, norma que é imperativa, então estamos perante uma condição suspensiva legal que faz com que a obrigação não seja exigível, por força do art. 715º, nº 1, do NCPC (conjugado com o art. 270º do CC);

x) Assim sendo, para prosseguir a execução, cabia à recorrente/exequente o ónus da sua demonstração (nos termos do apontado 715º, nº 1, do NCPC) – “Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva …, incumbe ao credor alegar e provar …, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição…”.


2. Na fundamentação do acórdão esvcreveu-se o seguinte:

"4. Finalmente, ainda se deixou dito na decisão recorrida que:

“Ora, face à natureza dos títulos invocados nos autos - contrato de suprimento - e uma vez que no dia 29 de Outubro de 2014 a Embargante foi dissolvida junto dos serviços do Registo Comercial de Lisboa, sob o registo da AP. 257/20141029, nos termos e para os efeitos do Art.º 141, n.º 1, alínea b) do Código das Sociedades Comerciais, encontrando-se, como a sua própria designação indica, em processo de liquidação é evidente que estamos perante matéria relativa ao exercício de direitos sociais.

Sendo certo que ao usar o presente meio processual, de molde a ultrapassar o disposto no artigo 245.º, n.º 3 do C.S.C. e o direito dos restantes credores da embargante, age em abuso do direito, nos termos do disposto no artigo 334.º do CC;”.

A recorrente dissente (cfr. M das suas alegações de recurso).

Cobrar uma um crédito não implica, na normalidade das situações, qualquer abuso de direito. Nem tentando fazê-lo coercivamente, através de uma ação executiva.

Uma vez que a embargante foi dissolvida, por deliberação dos sócios (factos provados 17. e 18.), está em marcha um processo de liquidação extrajudicial. Na sua Assembleia Geral ficou estabelecido que que quando a sociedade for liquidada, o valor de liquidação deverá ser utilizado primeiramente para liquidar as dívidas dos credores, sendo o remanescente utilizado para liquidar os suprimentos dos acionistas (facto 19.), que é o que resulta da lei, no art. 245º, nº 3, a), do CSC: “a) Os suprimentos só podem ser reembolsados aos seus credores depois de inteiramente satisfeitas as dívidas daquela para com terceiros;”.

Ou seja, a recorrente para poder ser reembolsada dos suprimentos carecia de mostrar que antes se mostrem integralmente pagos os créditos que terceiros detêm sobre a recorrida. Esta norma tem aplicação imperativa, ou seja, o reembolso não poderá ocorrer independentemente da vontade das partes.

Pelo que estamos perante uma condição suspensiva legal que faz com que a obrigação não seja exigível, por força do art. 715º, nº 1, do NCPC (ou art. 804º do anterior CPC), conjugado com o art. 270º do CC. Assim sendo, nunca poderia prosseguir a execução até que aquela condição se mostrasse verificada, sob pena de se prejudicar os credores sociais e se violar o disposto no indicado preceito.

Cabia à recorrente o ónus da sua demonstração, como decorre do apontado 715º, nº 1, do NCPC, “Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva …, incumbe ao credor alegar e provar …, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição…”. O que a apelante, porém, não demonstrou.

Deste modo, a decisão recorrida, quanto a esta parte, tem de ser mantida, com a consequente extinção da execução (arts. 732º, nº 4, 731º e 729º, e), do NCPC) e improcedência do recurso."

[MTS]


26/02/2022

Jurisprudência constitucional (206)


Venda executiva; 
caducidade; casa de morada de família



Não julga inconstitucional a norma do artigo 824.º, n.º 2, do Código Civil, interpretado no sentido de que o direito de uso e habitação de imóvel hipotecado, que corresponda a casa de morada de família, cujo registo seja posterior ao registo de hipoteca sobre o mesmo imóvel, caduca com a realização da venda executiva.

 

Jurisprudência europeia (TJ) (255)

Reenvio prejudicial – Estado de direito – Independência do poder judicial – Artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE – Artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – Primado do direito da União – Falta de habilitação de um órgão jurisdicional nacional para examinar a conformidade com o direito da União de uma legislação nacional declarada conforme com a Constituição pelo tribunal constitucional do Estado‑Membro em causa – Procedimentos disciplinares


TJ 22/2/2022 (C‑430/21, RS) decidiu o seguinte:


1) O artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, lido em conjugação com o artigo 2.°, o artigo 4.°, n.os 2 e 3, TUE, com o artigo 267.° TFUE e com o princípio do primado do direito da União, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação ou a uma prática nacional que implica que os órgãos jurisdicionais comuns de um Estado‑Membro não estão habilitados a examinar a compatibilidade com o direito da União de uma legislação nacional que o tribunal constitucional desse Estado‑Membro declarou conforme com uma disposição constitucional nacional que impõe o respeito do princípio do primado do direito da União.

2) O artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE, lido em conjugação com o artigo 2.° e o artigo 4.°, n.os 2 e 3, TUE, com o artigo 267.° TFUE e com o princípio do primado do direito da União, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação ou a uma prática nacional que permite desencadear a responsabilidade disciplinar de um juiz nacional por este ter aplicado o direito da União, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, afastando‑se da jurisprudência do tribunal constitucional do Estado‑Membro em causa, incompatível com o princípio do primado do direito da União.


25/02/2022

Bibliografia (Índices de revistas) (203)


Qf


Qf 3 (2022)


Bibliografia (1009)


-- Andrade Pissarra, N., Do Processo Especial de Tutela da Personalidade (AAFDL: Lisboa 2022)


Jurisprudência 2021 (141)


Cônjuges; dívida comum; 
legitimidade passiva; "solidariedade patrimonial"*


1. O sumário de RC 29/6/2021 (888/20.9T8ACB-D.C1) é o seguinte:

I) Apesar da dissolução do casamento por divórcio o património comum subsiste até à partilha, não passando os bens comuns a pertencer aos cônjuges em compropriedade.

II) Dissolvido o casamento, o direito reconhecido ao titular do património comum a dele retirar a sua meação não é um direito a metade de cada um dos bens que integram o património comum do casal ou, sequer, a dele retirar, sem mais, bens que preencham metade do respectivo valor

III) O direito à meação referido em II) tem de ser concretizado mediante a liquidação e partilha do património comum.

IV) O direito do cônjuge ou ex-cônjuge a separar a sua “meação nos bens comuns”, por via do procedimento previsto no artigo 141.º, n.º 1, alínea b) do CIRE, consiste no direito atribuído ao cônjuge ou ex-cônjuge de fazer separar a sua meação do património comum, com a consequente suspensão da liquidação relativamente aos bens comuns apreendidos, separação essa que será exercitada posteriormente mediante o procedimento de inventário previsto no n.º 1 do artigo 1135.º do CPC.

V) Não é possível a penhora ou apreensão da meação de cada um dos concretos bens que fazem parte do património comum.

VI) Tratando-se de dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, o credor pode accionar qualquer um deles pela sua totalidade, respondendo pela mesma, em primeiro lugar, os bens comuns do casal e, na falta ou insuficiência destes, solidariamente, os bens próprios de qualquer um deles.

VII) O credor de uma dívida da responsabilidade comum dos ex-cônjuges, com garantia real sobre um bem comum apreendido para a massa insolvente, pode reclamá-la na sua totalidade, ainda que a insolvência respeite unicamente a um deles.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Quanto ao argumento, invocado pela Apelada/ex-cônjuge nas suas alegações de recurso a favor da manutenção da decisão recorrida, de que a credora reclamante só poderia reclamar metade da dívida, razão pela qual também só deveria ter sido apreendido metade do imóvel, não tem qualquer apoio no regime de dívidas dos cônjuges nos regimes de comunhão.

Tratando-se de dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, o credor pode acionar qualquer um deles pela sua totalidade: existindo aqui uma responsabilidade pessoal de cada um dos cônjuges, com dois devedores únicos [Catarina Serra, “Falências Derivadas e Âmbito Subjectivo da Falência”, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, p.171], pela mesma respondem, em primeiro lugar, os bens comuns do casal e na falta destes, solidariamente, os bens próprios de qualquer um deles (artigo 1695º, nº1, CC), falando-se aqui de solidariedade patrimonial [Cristina M. Araújo Dias, “Do Regime da Responsabilidade por Dívidas dos Cônjuges, Problemas, Críticas e Sugestões”, Coimbra Editora, FDUC, Centro de Direito da Família, pp.20-21].

O nº 1 do artigo 46º do CIRE – segundo o qual a massa insolvente abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo[...] –, terá de ser interpretado no sentido de que a esta massa pertencerão aqueles bens que, por determinação substantiva, possam ser chamados a responder pelas suas dívidas (artigo 601º do CC) [Neste sentido, Paula Costa e Silva, “A Liquidação da massa insolvente”, ROA, Ano 65, Vol. III – Dezembro de 2005].

Sendo o insolvente casado num dos regimes de comunhão, ou, sendo divorciado, não tenha havido lugar à partilha, a par dos seus bens próprios existe uma massa de bens comuns afeta ao cumprimento de determinadas obrigações.

E se, no processo foi declarada unicamente a declaração de um dos cônjuges, tratando-se de um processo concursal, a declaração de insolvência chamará ao processo todos os seus credores – não só detentores de garantia real, mas também os credores comuns, e não só por créditos da exclusiva responsabilidade do insolvente, mas igualmente por créditos de responsabilidade comum do casal.

A massa ativa deverá, assim, incluir os bens comuns, uma vez que estes responderão sempre pelos créditos reclamados: na sua totalidade tratando-se de dívidas comuns, ou até ao valor da sua meação, no caso de dívidas da responsabilidade pessoal do insolvente [...].

A insolvência de um dos cônjuges casado num dos regimes de comunhão (ou, sendo divorciado, não tenha sido ainda efetuada a partilha dos bens comuns do casal [Embora a dissolução, a declaração de nulidade ou anulação do casamento ou a separação de pessoas e bens impliquem o fim das relações patrimoniais entre os cônjuges, a comunhão no património comum mantém-se até à partilha – cfr., entre outros, Cristina Manuela Araújo Dias, “Do Regime da Responsabilidade por Dívidas dos Cônjuges, Problemas, Críticas e Sugestões”, FDUC – Centro de Direito da Família, Coimbra Editora, p. 886 e 922-923]) envolverá, assim, a apreensão de todos os bens do insolvente, neles se incluindo não só os bens próprios do cônjuge/insolvente, mas também os próprios bens comuns do casal [No sentido de que o que é objeto de apreensão são os bens comuns do casal e não a meação do insolvente nos bens comuns, cfr., José Lebre de Freitas, “Apreensão, separação, restituição em venda”, pág. 237. Em sentido contrário, Luís Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência”, Almedina, pág. 91 e 92, e Jorge Duarte Pinheiro, “Efeitos Pessoais da Declaração de Insolvência”, Estudos em Memória do Prof. Dr. José Dias Marques, Almedina, pág. 219].

Quanto ao passivo, serão reclamáveis, não só, todos os créditos da responsabilidade do insolvente como, ainda, os créditos garantidos por bens integrantes da massa insolvente, nos termos do artigo 47º do CIRE [Cfr., Maria João Areias, Insolvência de Pessoa Casada num dos Regimes de Comunhão – Sua Articulação com o Regime da Responsabilidade por Dívidas dos cônjuges”, Revista de Direito da Insolvência, Nº1 – 2017, Almedina, pp.113-114].

Ou seja, dúvidas não restarão de que o crédito da Caixa …, sempre seria reclamável na sua totalidade, quer por se tratar de crédito da responsabilidade do insolvente, quer por se tratar de crédito garantido por bem integrante da massa."

*3. [Comentário] Salvo o devido respeito, é surpreendente a afirmação de que "tratando-se de dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges, o credor pode acionar qualquer um deles pela sua totalidade: existindo aqui uma responsabilidade pessoal de cada um dos cônjuges, com dois devedores únicos [...], pela mesma respondem, em primeiro lugar, os bens comuns do casal e na falta destes, solidariamente, os bens próprios de qualquer um deles (artigo 1695º, nº1, CC), falando-se aqui de solidariedade patrimonial".

Sendo a dívida comum e respondendo por ela, em primeira mão, bens comuns (art. 1695.º, n.º 1, CC), não se pode aceitar que a acção possa ser proposta apenas contra um dos cônjuges e que o outro possa vir a ver o seu património comum agredido para pagamento dessa dívida. A justificação é simples: dessa forma não está garantido o contraditório do cônjuge que não é demandado na acção e, que, ainda assim suportaria as consequências da decisão nela proferida. Isto não é, naturalmente, aceitável.

Como bem se diz no acórdão, o art. 1695.º, n.º 1, CC estabelece uma "solidariedade patrimonial". Mas esta solidariedade -- precisamente porque é "patrimonial", ou seja, entre patrimónios -- sucede apenas quanto à responsabilidade subsidiária dos bens próprios de qualquer dos cônjuges e significa, portanto, que, a título subsidiário perante a responsabilidade dos bens comuns, respondem os bens próprios de qualquer dos cônjuges. Em suma: a responsabilidade pelas dívidas comuns não é uma responsabilidade solidária nos termos do art. 512.º, n.º 1, CC. 

Cabe ainda referir que, na óptica do acórdão, o disposto nos art. 741.º e 742.º CPC é uma  verdadeira inutilidade. Se, afinal, a dívida comum não exige a presença de ambos os cônjuges na acção e, por isso, a formação de título executivo contra ambos os cônjuges, então para quê haver alguma preocupação quando, quanto a uma dívida comum, há um título extrajudicial apenas em relação a um deles?

MTS

24/02/2022

Bibliografia (Índices de revistas) (202)


IPRax

-- IPRax 2021-2

-- IPRax 2021-3

-- IPRax 2021-4

-- IPRax 2021-5

-- IPRax 2021-6


Jurisprudência 2021 (140)


Acção de divisão de coisa comum;
reconvenção; admissibilidade


1. O sumário de RL 8/6/2021 (13686/20.0T8LSB.L1-7) é o seguinte:

Em ação especial de divisão de coisa comum, é admissível o pedido reconvencional de pagamento de despesas (por benfeitorias e relativas à aquisição da fração, bem como as com esta relacionadas), tendo em conta os princípios de gestão processual e adequação formal a impor uma aplicação mais flexível do nº 3 do art. 266º do CPC, e o interesse relevante de apreciação conjunta das pretensões para a justa composição do litígio.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A presente ação é de divisão de coisa comum.

Dispõe o nº 1 do art. 1412º do CC que “nenhum comproprietário é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa”.

Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela, no CC Anotado, Vol. III, 2ª ed. rev. e atual. (reimpressão), pág. 386, “são os reconhecidos inconvenientes da propriedade em comum que, explicando a concessão do direito legal de preferência aos consortes e a posição deste direito entre as várias preferências legais, também justificam o direito de exigir a divisão, atribuído aos consortes”.

A divisão (substancial ou do preço) pode ser feita amigavelmente, com sujeição à forma exigida para a alienação onerosa de coisa – art. 1413º, nºs 1 e 2 do CC -, ou, não se entendendo os comproprietários quanto à divisão, nos termos da lei de processo (art. 1413º, nº 1 do CC), ou seja, seguindo os termos do processo especial de divisão de coisa comum previsto nos arts. 925º e ss. do CPC.

Efetivamente, dispõe o art. 925º do CPC que “todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas”.

Como resulta deste e dos seguintes preceitos legais, o processo especial para divisão de coisa comum comporta duas fases fundamentais, uma de natureza declarativa que visa decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão que foi invocado, outra, de natureza executiva, na qual se vai materializar o direito que foi definido na fase declarativa ou afirmado sem contestação pelo autor (nos casos de divisibilidade em substância da coisa, procede-se à sua divisão mediante a fixação de quinhões e à subsequente adjudicação dos mesmos aos consortes, nos casos de indivisibilidade material da coisa, procede-se à adjudicação desta a um dos consortes e ao preenchimento em dinheiro das quotas dos restantes, ou à venda executiva da coisa com a repartição do produto da venda pelos interessados, na proporção das respetivas quotas).

Citado o requerido, o mesmo pode deduzir contestação, oferecendo logo as provas de que dispuser (art. 926º, nº 1 do CPC).

Ao contestar a ação, o requerido pode suscitar, designadamente, exceções dilatórias, impugnar a compropriedade, negar o direito do A. a qualquer quota parte ou contrariar o volume da quota indicada por este, a indivisibilidade material da coisa, ou questões que tenham a ver com as caraterísticas físico-materiais da coisa [Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa (ora 1º adjunto), em Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 2016, pág. 90].

Quando suscite alguma dessas questões, o tribunal tem de conhecer e decidi-las na fase declarativa da ação de divisão de coisa comum, ou por meio incidental, nos termos do disposto no art. 926º, nº 2 do CPC, que remete para os arts. 294º e 295º do mesmo diploma, revestindo a questão de simplicidade, ou, entendendo que a questão se reveste de complexidade, ordena o prosseguimento dos autos segundo a tramitação prevista para o processo comum, nos termos do nº 3 do art. 926º do CPC.

Nos termos do disposto no nº 1 do art. 549º do CPC, os processos especiais regulam-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns.

Dispõe o art. 266º do CPC que “1 - O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. 2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos: a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor e que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter. 3 - Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 37º, com as necessárias adaptações”.

Por seu turno, estatui o art. 37º do CPC que “2 - Quando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio. 3 - Incumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada”.

Na contestação, o Requerido deduziu pedido reconvencional com vista a obter da Requerente o pagamento, na respetiva proporção, de despesas por si suportadas exclusivamente, e que serão de responsabilidade comum, nomeadamente as tidas com IMI, quotização de condomínio, reembolso dos mútuos bancários, fornecimento de eletricidade, gás, água e telecomunicações, e com benfeitorias realizadas na fração.

Seguindo a ação de divisão de coisa comum um processo especial, e cabendo à ação reconvencional em causa o processo comum, coloca-se a questão da admissibilidade desta [...], à luz dos normativos referidos (principalmente quando inexiste qualquer divergência entre as partes relativamente à existência de compropriedade do imóvel, quanto à natureza indivisível da coisa, e não sendo invocado qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, a determinar o imediato prosseguimento dos autos para a fase executiva do processo), não sendo uniforme a posição da jurisprudência dos tribunais superiores sobre a matéria.

Sendo peticionado na reconvenção o valor (na respetiva proporção) do despendido em benfeitorias por um dos consortes, entendem uns que os princípios de gestão processual e da adequação formal impõem uma aplicação mais flexível do nº 3 do art. 266º do CPC, e sendo relevante o interesse de ver discutidas e decididas todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos, a reconvenção por benfeitorias é admissível, mesmo que a sua admissão seja a única justificação para a abertura da fase declarativa do processo comum – neste sentido, ver os Acs. do STJ de 1.10.2019, P. 385/18.2T8LMG-A.C1.S2 (José Rainho), da RL de 24.9.2015, P. 2510/14.3T8OER-A.L1-2 (Vaz Gomes), da RG de 25.9.2014, P. 260/12.4TBMNC-A.G1 (Carlos Guerra), e da RG de 25.05.2017, P. 1242/09.9TJVNF-B.G1 (Ana Cristina Duarte), todos em www.dgsi.pt, e Luís Filipe Pires de Sousa, na ob. cit., págs. 97/98.
 
Outros entendem que sendo proferida decisão sumária relativa à indivisibilidade do imóvel e determinado o prosseguimento dos autos nos termos do nº 2 do art. 929º do CPC, então não é admissível o pedido reconvencional por benfeitorias, a impor uma fase processual absolutamente distinta e incompatível, não suscetível de adequação – neste sentido ver o Ac. da RL de 25.6.2020, P. 329/18.T8FNC-A.L-8 (Teresa Sandiães), em www.dgsi.pt.

Também quando é peticionado na reconvenção o valor (na respetiva proporção) de despesas suportadas com o imóvel (nomeadamente com encargo bancário para aquisição da coisa comum), entendem uns que a abertura de uma fase declarativa para apuramento do invocado crédito do requerido sempre implicaria a introdução de uma forma processual manifestamente incompatível, se, por não ter sido contestado o pressuposto da divisão da coisa, não houvesse necessidade de qualquer fase declarativa – neste sentido, ver os Acs. da RL de 4.3.2010, P. 1392/08.9TCSNT.L1-6 (Fátima Galante), da RP de 26.1.2021, P. 1509/19.8T8GDM.P1 (Anabela Dias da Silva) e da RC de 3.11.2020, P. 1761/19.9T8PBL.C1 (Freitas Neto), ambos em www.dgsi.pt.

Entendem outros, que não existe qualquer tramitação manifestamente incompatível, porquanto, por um lado, a tramitação comum está prevista neste processo especial, e, por outro, trata-se tão só da introdução da tramitação do processo comum na fase declarativa do processo especial, retomando-se, depois, na fase executiva, a tramitação do processo especial, estando em causa princípios de economia processual, relevando o interesse de ver discutidas e decididas todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos - ver os Acs. do STJ de 26.1.2021, P. 1923/19.9T8GDM-A.P1.S1 (Maria João Vaz Tomé), da RL de 15.3.2018, P. 2886/15.5T8CSC.L1.L1-8 (António Valente), da RE de 17.1.2019, P. 764/18.5T8STB.E1 (Albertina Pedroso), e da RE de 23.4.2020, P. 1449/18.8T8PTM-A.E1 (Cristina Dá Mesquita), todos em www.dgsi.pt.
 
O tribunal recorrido, não afastando a admissibilidade da reconvenção, e parecendo sufragar o entendimento de que não existe tramitação manifestamente incompatível a obstar à admissão da reconvenção, não a admitiu, porém, por entender que “… tratando o pedido reconvencional de despesas inerentes à fração autónoma que alegadamente o requerido terá suportado, mas não relacionadas com a compra da fração, não se considera existir um especial interesse ou uma indispensabilidade, para que se considera necessário ou conveniente apreciar esse pedido nos termos do presente processo de divisão de coisa comum”.

Ora, parte do pedido reconvencional reporta-se, precisamente, a despesas suportadas com o empréstimo bancário para aquisição da fração, ao contrário do que refere o tribunal recorrido (para além das relacionadas com o pagamento do IMI e do condomínio), a fundamentar, precisamente, a conveniência de apreciar esse pedido no processo de divisão de coisa comum.

Em todo o caso, conforme já manifestámos no nosso Ac. de 9.3.2021, proferido no P. nº 283/19.2T8MTA-B.L1, não publicado, sufragamos o entendimento de que, em ação especial de divisão de coisa comum, é admissível o pedido reconvencional de pagamento de despesas [...], tendo em conta os princípios de gestão processual e adequação formal a impor uma aplicação mais flexível do nº 3 do art. 266º do CPC, e o interesse relevante de apreciação conjunta das pretensões para a justa composição do litígio.
 
Razões que saem reforçadas quando está em causa, como no caso, a divisão da coisa comum na sequência de divórcio, a justificar a apreciação conjunta das pretensões que se reportam à coisa comum.

Como se escreve no referido Ac. do STJ de 26.1.2021, “…23. Está em causa o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos. Importa evitar que o Requerido/Recorrente se veja compelido a propor uma outra ação para ver o seu direito reconhecido. A admissão da reconvenção não fere, minime que seja, qualquer princípio estruturante do processo civil. 24. São claramente menores os inconvenientes decorrentes da admissão da reconvenção e da tramitação sob a forma de processo comum do que aqueles que resultariam da sua não admissão. Na verdade, na mesma ação são decididas todas as questões que ao caso importa, procede-se à divisão da coisa comum e compensa-se o invocado crédito por despesas suportadas pelo Requerido para além da quota respetiva, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído à Requerente, sem necessidade de propositura de nova ação”.

Em conclusão, procede a apelação, devendo revogar-se o despacho recorrido, substituindo-o por outro a admitir a reconvenção, com as inerentes consequências processuais."

[MTS]


23/02/2022

Jurisprudência 2021 (139)


Incidente de habilitação;
herdeiros; posição processual*

1. O sumário de RL 21/6/2021 (709/19.5T8LSB-A.L1-6é o seguinte:

I – A obrigação de prestar contas tem carácter patrimonial e por isso é susceptível de transmissão para os herdeiros do cabeça-de-casal.

II – Sendo herdeiros da falecida cabeça-de-casal ré na acção de prestação de contas a própria autora e os dois requeridos no incidente de habilitação de sucessores da ré, não poderia a autora ser habilitada como sucessora por se verificar a figura jurídica da “confusão” e nem podem os requeridos ser habilitados desacompanhados da autora, pois são os três, em conjunto, os sucessores dessa obrigação de prestar contas.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"B)–O Direito

[...] 2.-Se a obrigação de prestar contas pela cabeça-de-casal é intransmissível por sua morte

O art. 2095º do CC (Código Civil) estabelece:

«O cargo de cabeça-de-casal não é transmissível em vida nem em morte».

Mas daí não decorre a impossibilidade legal de transmissão da obrigação da cabeça-de-casal de prestar contas, pelo que não acompanhamos o entendimento plasmado no Ac do STJ de 29/11/2005 (P. 05B3342 - in www.dgsi.pt) citado pelo apelante.

Na verdade, como se expôs no Ac do STJ de 16/06/2011 (P. 371/05.0TVLSB.L1 - in www.dgsi.pt) «uma coisa é a intransmissibilidade do cargo do cabeça-de-casal e outra bem diferente é a própria obrigação de prestar contas por quem administra património alheio», e «Traduzindo-se a obrigação de prestar contas essencialmente no apuramento de receitas obtidas e despesas realizadas por quem administra bens alheios, com vista a apurar-se um saldo final», trata-se de obrigação de carácter patrimonial e por isso, susceptível de transmissão para os herdeiros do cabeça-de-casal (no mesmo sentido, cfr Ac do STJ de 22/03/2018 - P. 861/08.5TBBCL-E.G1.S1, e Ac da RG de 15/10/2013 - P. 3257/09.5TBBRG-A.G1, e Ac da RC de 28/06/2016 - P. 996/05.6TBACB-B.C1, designadamente, todos em www.dgsi.pt). Também neste sentido se pronunciou João António Lopes Cardoso, escrevendo que essa obrigação «é transmissível via hereditária (ibidem, art. 2025º-1), incumbindo, pois, aos herdeiros do cabeça-de-casal que dela se não desobrigou» (in Partilhas Judiciais, Vol. III, pág. 57).

Concluindo, a obrigação de prestação de contas da ré I… tem natureza patrimonial e não se extinguiu por mero efeito da sua morte, pelo que, em abstracto, é susceptível de transmissão para os seus herdeiros.

Resulta dos art. 269º nº 1 al a), 270º nº 1 e 276º nº 1 al. a) do CPC que a instância se suspende com o falecimento de uma das partes e que a suspensão apenas cessa com a notificação da decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida.

E o nº 1 do art. 351º desse Código estatui:

«A habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, para com eles prosseguirem os termos da demanda, pode ser promovida tanto por qualquer das partes que sobreviverem como por qualquer dos sucessores e deve ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não forem requerentes».

Sobre norma idêntica do CPC anterior (nº 1 do art. 371) explicou Lopes Cardoso:

«Vê-se que a legitimidade passiva para o incidente de habilitação coincide com a legitimidade activa, na medida em que tal incidente deve ser dirigido precisamente contra aqueles que também o podiam ter requerido. Mas não o requereram.

Enquanto, porém, a legitimidade activa não depende de todos os que podiam requerer a habilitação, a legitimidade passiva exige um litisconsórcio necessário de todos quantos a podiam requerer e não a requereram. A habilitação não produziria efeito útil se não fossem chamados todos a contestá-la.

Enquanto, porém, a legitimidade activa não depende de todos os que podiam requerer a habilitação, a legitimidade passiva exige um litisconsórcio necessário de todos quantos a podiam requerer e não a requereram. A habilitação não produziria efeito útil se não fossem chamados todos a contestá-la.

O imperativo «deve ser promovida», além de estabelecer esse litisconsórcio necessário, impõe ao requerente o dever de, no requerimento inicial, apontar expressamente todos os interessados que a disposição menciona e solicitar a citação ou notificação deles. O juiz não pode substituir-se ao requerente; não pode mandar notificar ou citar os interessados que o mesmo requerente não indique.

Não se ter promovido a habilitação contra algum dos interessados referidos no nº 1 do artigo 371º implica a ilegitimidade dos outros.

O requerimento inicial da habilitação que não seja dirigida contra todos deve ser indeferido liminarmente (…)

Caso o requerimento incompleto passe, por inadvertência, a fieira do despacho liminar, e a habilitação prossiga apenas contra algum dos interessados que a poderiam contestar, a ilegitimidade destes, por desacompanhados, terá de ser declarada na sentença final, impedindo a procedência do incidente» (in Incidentes da Instância, pág. 302/303).

Mas no caso concreto os herdeiros da falecida cabeça-de-casal são a própria autora da acção de prestação de contas e os requeridos - o seu irmão P.. (por direito de representação da sua mãe pré-falecida, que era filha da cabeça-de-casal e do de cujus V…) e o seu tio VM… (filho da cabeça-de-casal e de V...).

Portanto, tanto a requerente como os requeridos sucederam na obrigação de prestação de contas da ré cabeça-de-casal.

Porém, a requerente é a autora na acção principal, pelo que é evidente estar verificada a figura jurídica da «confusão» prevista no art. 868º do CC, nos termos da qual «Quando na mesma pessoa se reúnam as qualidades de credor e devedor da mesma obrigação, extinguem-se o crédito e a dívida».

Assim, por imperativo legal, não poderia a requerente ser habilitada como sucessora da ré cabeça-de-casal para com ela no lado passivo prosseguir a demanda, mesmo que o tivesse requerido.

Por seu lado, os requeridos não podem ser habilitados como sucessores da ré cabeça-de-casal para com eles no lado passivo prosseguir a acção, desacompanhados da outra herdeira, pois são os três em conjunto os sucessores da obrigação de prestar contas da administração dos bens pela falecida I….

Portanto, o incidente de habilitação tem de improceder."

3. [Comentário] Volta-se a tratar, a propósito do acórdão da RL, de um ponto importante: o da posição dos herdeiros como partes habilitadas (cf. Jurisprudência 2021 (131)).

Salvo o devido respeito, a posição desses herdeiros não deve ser vista como a de herdeiros da obrigação que constitui objecto do processo, nomeadamente, da obrigação de prestar contas. Seria estranho que, com base numa posição que não se transmite -- que é a de cabeça-de-casal --, alguém pudesse adquirir, por sucessão, uma obrigação que é própria de uma posição intransmissível. Como é que se pode justificar que quem não é cabeça-de-casal suceda numa obrigação que é inerente a essa qualidade?

No entanto, apesar da não transmissibilidade da obrigação de prestação de contas pelo cabeça-de-casal, é claro que uma acção de prestação pode ser continuada pelos herdeiros daquela parte. Mas isso sucede, não porque os habilitados sejam herdeiros da obrigação dessa prestação, mas antes porque são herdeiros de quem tinha essa obrigação. Isto é: o título de herdeiro atribui a alguém legitimidade para se substituir à parte falecida (título legitimante), sem que esteja em causa a sucessão na obrigação que é apreciada na acção (título sucessório). 

A habilitação destina-se a permitir a substituição de uma parte falecida pelos seus herdeiros, não a transferir, a título sucessório, o objecto do processo para os herdeiros. Há apenas a substituição de uma parte falecida por uma outra parte. Em tudo o mais (nomeadamente, quanto ao objecto), a instância permanece a mesma.

Em conclusão: a razão não está nem com quem entende que, porque a obrigação de prestação de contas é intransmissível, a acção de prestação tem de se extinguir com a morte do cabeça-de-casal, nem com quem defende que, para que a acção de prestação possa continuar contra os herdeiros do cabeça-de-casal, é necessário pressupor que estes são herdeiros da obrigação de prestação.

MTS

22/02/2022

Jurisprudência 2021 (138)


Embargos de executado;
decisão-surpresa; nulidade


1. O sumário de RP 24/5/2021 (1949/19.2T8MAI-A.P1) é o seguinte:

I - A apreciação da falta de título executivo, em sede de embargos, quando a embargante não fez qualquer referência ao facto do título não se mostrar completo, nem suscitou qualquer inexatidão quanto ao seu conteúdo ou valor em divida, surge como uma “decisão surpresa”, quando não precedida do contraditório, sendo parcialmente nula a sentença nos termos do art. 615º/1 d) CPC.

II - A decisão de julgar extinta a execução por falta de documentos que completam o título executivo, deve ser precedida do despacho de aperfeiçoamento, nos termos do art. 726º/4/5 CPC.

III - Importa a anulação do julgamento, por omissão de factos relevantes para a apreciação do mérito relacionado com a constituição do aval, por constituir a garantia que justifica a demanda da executada.

IV - Assumindo-se os fiadores como principais pagadores não podem recusar o cumprimento das obrigações vencidas, mas não perdem o benefício do prazo em relação às prestações vincendas, estando obrigados a cumprir devido ao incumprimento do devedor, mas no prazo convencionado e por isso, não perdem o benefício do prazo.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"A apelante sem por em causa os fundamentos que sustentam a inexistência de título executivo, considera, que em sede de embargos de executado a decisão viola o princípio do contraditório. 

Argumenta a apelante que a exceção não foi suscitada pela embargante e no despacho que define o objeto do litígio não resulta como questão a apreciar e o facto de ser de conhecimento oficioso não dispensa o prévio contraditório, como se prevê no art. 3º/3 CPC.

A questão que se coloca consiste, assim, em saber se estando em causa exceção de conhecimento oficioso e compreendida, ainda, na causa de pedir e no pedido formulado no processo executivo, contra o qual foram deduzidos os presentes embargos de executado, se mesmo assim, devia ser cumprido o contraditório.

Nos termos do art. 3º/3 CPC “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Dispõe, por sua vez, o artigo 4.º do mesmo diploma legal: “[o] tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.

Como observa LEBRE DE FREITAS [JOSÉ LEBRE DE FREITAS Introdução ao Processo Civil- Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, Outubro de 2013, pag. 124] a consagração do princípio da proibição das decisões surpresa, resulta de uma conceção moderna e mais ampla do princípio do contraditório, “[…] com origem na garantia constitucional do Rechtiches Gehör germânico, entendido com uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.

O princípio do contraditório no plano das questões de direito exige que antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie [JOSÉ LEBRE DE FREITAS Introdução ao Processo Civil- Conceito e princípios gerais à luz do novo código, ob. cit., pag. 133].

Conforme resulta do regime legal o juiz deve fazer cumprir o princípio do contraditório em relação às questões de direito, mesmo de conhecimento oficioso, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade.

Pretende-se, por esta via, evitar a formação de “decisões-surpresa”, ou seja, decisões sobre questões de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente sem que tenham sido previamente consideradas pelas partes.

Dispensa-se a audição da parte contrária em casos de manifesta desnecessidade, o que pode ocorrer quando:

- “as partes embora não a tenham invocado expressamente nem referido o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta sem sombra de dúvida, designadamente por ter sido apresentada uma versão fáctica, não contrariada, que manifestamente não consentia outra qualificação;

 - quando a questão seja decidida favoravelmente à parte não ouvida; ou

 - quando seja proferido despacho que convide uma das partes a sanar a irregularidade ou uma insuficiência expositiva” [JOSÉ LEBRE DE FREITAS. ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pag. 10].

Na interpretação do conceito de “decisão-surpresa” o Supremo Tribunal de Justiça tem defendido que “[o] princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, não determina ao tribunal de recurso que, antes de decidir a questão proposta pelo recorrente e/ou recorrido, o alerte para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado, desde que as normas concretamente aplicadas não exorbitem da esfera da alegação jurídica efetuada (Ac. STJ 11 de fevereiro de 2015, Proc. 877/12.7TVLSB.L1-A.S1, www.dgsi.pt).

Por outro lado, considera-se que o cumprimento do contraditório não significa “[…] que o tribunal «discuta com as partes o que quer que seja» e que alivie as mesmas «de usarem a diligência devida para preverem as questões que vêm a ser, ou podem vir a ser, importantes para a decisão»”(Ac. STJ 09 novembro de 2017, Proc. 26399/09.5T2SNT.L1.S1, Ac STJ 17 de junho de 2014, Proc. 233/2000.C2.S1 www.dgsi.pt).

Considera-se, ainda, que: “[h]á decisão surpresa se o Juiz, de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico, envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correta e atinada decisão do litígio. Ou seja, apenas estamos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever” (Ac. STJ 19 de maio de 2016, Proc. 6473/03.2TVPRT.P1.S1, www.dgsi.pt).

LOPES DO REGO defende que “[…] na audição excecional e complementar das partes, fora dos momentos processuais normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas suscetíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não for exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela”[CARLOS FRANCISCO DE OLIVEIRA LOPES DO REGO Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 1999, pag. 25].

O exercício do contraditório dependerá sempre da verificação de uma nova abordagem jurídica da questão, que não fosse perspetivada pelas partes, mesmo usando da diligência devida.

A apreciação da existência de título executivo, que constitui um dos pressupostos específicos da ação executiva, constitui matéria de conhecimento oficioso (art. 726º/2 a) conjugado com o art. 734º CPC). Mas no caso concreto, tal circunstância não dispensava o tribunal do exercício do prévio contraditório, ao abrigo do art.3º/3 CPC.

Conforme se prevê no art. 734º/1CPC “o juíz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam determinar, se apreciadas nos termos do artigo 726º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”.

O nº 2 do mesmo preceito prevê:”[r]ejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte”.

De acordo com o disposto no art. 726º/2/a) CPC:[o] juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título”.

A exceção de falta de título executivo não foi apreciada no processo executivo, após entrada do requerimento executivo e em sede de despacho liminar (art. 726º/1CPC).

A embargante não suscitou a exceção na oposição que deduziu à execução.

Em sede de despacho saneador, ainda que tabelar, também não foi abordada tal matéria. Definiu-se o objeto do litígio como sendo a “Responsabilidade contratual da executada perante a exequente” e circunscreveram-se os temas de prova à seguinte questão: ”Comunicações efetuadas entre exequente e executada”. Estavam em causa as comunicações respeitantes ao contrato de cessão de posição contratual e interpelação para o cumprimento.

Não se promoveu a junção de documentos ou qualquer esclarecimento sobre os títulos executivos que constavam do processo de execução. No processo de execução apenas se solicitou junto da exequente a junção dos contratos de cessão de créditos, por se mostrarem ilegíveis os que se encontravam nos autos.

Não foi proferido despacho a convidar as partes a pronunciarem-se sobre a exceção da falta de título executivo.

A apreciação da exceção, apesar de constituir matéria de conhecimento oficioso, tal como se prevê no art. 3º/3 CPC não dispensa o prévio contraditório, por não se mostrar desnecessário.

A apreciação da exceção em sede de embargos constitui uma questão nova, pois a embargante não fez qualquer referência ao facto do título não se mostrar completo, nem suscitou qualquer inexatidão quanto ao seu conteúdo ou valor em divida e a decisão surge como uma “decisão surpresa”, por nada fazer supor que seria apreciada nesta sede, sendo certo que a sua apreciação contendia com a definição do direito, sendo desfavorável para uma das partes, o que necessariamente impunha a sua audição.

A omissão do exercício do contraditório constitui uma nulidade processual.

As nulidades processuais “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais“ [MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 156].

Atento o disposto nos art. 195º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.

Porém, como referia o Professor ALBERTO DOS REIS há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades“, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos [JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 357].

As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art. 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art. 199º CPC.

A omissão do exercício do contraditório não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.

Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art. 195º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art. 199º CPC.

Neste sentido se pronunciaram, entre outros, o Ac. STJ 02 de julho de 2015, Proc. 2641/13.7TTLSB.L1.S1, Ac. STJ 29 de janeiro de 2015, Proc. 531/11.7TVLSB.L1.S1 (todos acessíveis em www.dgsi.pt).

A lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa.

No sentido de interpretar o conceito o Professor ALBERTO DOS REIS tecia as seguintes considerações: “[o]s atos de processo têem uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela“ [JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, ob. cit., pag. 486].

Daqui decorre que uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa, se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e julgamento.

Tal omissão tinha de ser arguida logo que conhecida, e no prazo previsto no art. 149º/1 CPC, ou seja, a partir da data em que as partes foram notificadas da sentença.

O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art. 196º a 199º CPC.

A nulidade processual é distinta da nulidade da sentença, uma vez que a nulidade por falta de pronúncia, a que alude o art. 615º/1 d) CPC está diretamente relacionada com o comando do art. 608º/2 do mesmo Código, reportando-se ao não conhecimento das questões (que não meros argumentos ou razões) relativas à consubstanciação da causa de pedir e do pedido [Neste sentido Ac. STJ 30.09.2010 – Proc. 3860/05.5 TBPTM.E1.S1 – www.dgsi.pt].

Nos termos do art. 615º 1 / d) CPC a sentença é nula, quando “[o]o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento“.

O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina a “ ordem de julgamento “ – art. 608º/2 CPC.

Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito, que o juiz na sentença: deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras“.

Não ignoramos, contudo, que dentro de certa linha de entendimento [ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., pág. 21 a 23] se tem considerado que a “omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa”, configura a nulidade da sentença/despacho, por omissão de pronúncia. Nestas circunstâncias o juiz está a tomar conhecimento de questão não suscitada pelas partes, sem prévio exercício do contraditório.

Esta interpretação revela-se coerente com a atual conceção do princípio do contraditório, entendido como “garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”[12]. O direito de influir no êxito da ação, mais não será do que mais uma emanação do principio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no art. 20º Constituição da República Portuguesa.

No caso presente verificando-se a omissão do prévio exercício do contraditório, perante uma questão de direito, suscitada oficiosamente e que ditou o fim (ainda que parcial) da execução, a sentença é nula, nos termos do art. 615º/1 d) CPC.

A nulidade afeta apenas parte da decisão e incide apenas sobre a verificação da existência de título executivo, quanto ao documento que consubstancia a operação nº …………………….

As circunstâncias que determinam a nulidade da sentença impedem que no caso o tribunal de recurso faça uso da regra da substituição, prevista no art. 665º CPC.

Declarando-se parcialmente nula a sentença devem os autos baixar ao tribunal de 1ª instância, para se cumprir o contraditório em relação à concreta questão da exceção por falta de título executivo, após o que será proferida nova sentença, sem embargo do que a seguir se vai decidir."


3. [Comentário] Acompanha-se -- sem surpresa (clicar aqui) -- a conclusão do acórdão quanto à nulidade da decisão-surpresa.

O problema está no conteúdo da sentença (é por isso mesmo que se trata de uma nulidade de um acto processual), pelo que será sempre impossível subsumir a situação ao disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC, que nada nada refere quanto ao conteúdo dos actos processuais. Não pode deixar se ser assim, se não se quiser misturar indevidamente nulidades de actos processuais com nulidades processuais. O vício é, pois, da própria decisão-surpresa.

Aliás, a solução do problema decorre de uma resposta simples a uma pergunta simples: onde está o vício da decisão-surpresa? A resposta só pode ser: no seu conteúdo. Logo: se o vício é de conteúdo, então só pode ser um dos vícios regulados no art. 615.º, n.º 1. 

MTS

Bibliografia (1008)


-- Kang, Jerry, What Judges Can Do About Implicit Bias, Ct. Rev. 57 (2021), 78


21/02/2022

Bibliografia (1007)

 

-- Marie Herberger, Menschenwürde in der Zwangsvollstreckung / Zur Genese und teleologischen Strukturierung des Vollstreckungsschutzes (Mohr: Tübingen 2022)

 

Jurisprudência 2021 (137)

Injunção europeia;
competência internacional

1. O sumário de RP 27/5/2021 (827/20.7T8PRT.P1) é o seguinte:

I - A competência internacional no procedimento de injunção europeia corresponde ao domicílio do réu ou, no caso da prestação de serviço, ao local onde esta foi realizada.

II - Em caso de dúvida sobre o âmbito dessa prestação deve atender-se à versão da realidade alegada pelo autor, porque estamos perante um pressuposto processual.

III - A admissão do depoimento e declarações de parte só depende da existência de factualidade alegada que seja pertinente para os pressupostos de cada meio de prova.

IV - É indiferente que o ónus de prova dessa realidade caiba à parte contrária, porque o que está em causa é a admissão de um meio de prova que poderá ser útil para a boa decisão da causa sendo o ónus de prova na dimensão objetiva de aplicação posterior.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Está em causa a competência internacional do tribunal para a presente acção, a qual é o primeiro dos pressupostos processuais.

Os pressupostos processuais são tradicionalmente definidos como “os requisitos de que depende dever o juiz proferir decisão sobre o mérito da causa, concedendo ou denegando a providência judiciária requerida pelo demandante”[...].

Podem, definir-se como as condições necessárias à apreciação do fundo da causa, e à regular constituição da instância processual[...].

Por isso, “constituem assim, as condições de que depende o exercício da função jurisdicional, visando a assegurar a justiça da decisão (a sua conformidade com o direito objectivo) e, por outro lado, a evitar decisões inúteis ou desnecessárias”.[...]

No caso dos procedimentos especiais de injunção europeia, existem requisitos delimitadores específicos.

Decorre do art. 3º do REGULAMENTO (CE) N.º 1896/2006 que “Para efeitos do presente regulamento, um caso transfronteiriço é aquele em que pelo menos uma das partes tem domicílio ou residência habitual num Estado-Membro distinto do Estado-Membro do tribunal demandado”.

Estabelece o art 6 do mesmo diploma que: “para efeitos da aplicação do presente regulamento, a competência judiciária é determinada em conformidade com as regras do direito comunitário aplicáveis na matéria, designadamente o Regulamento (CE) n.º 44/2001”.

Este diploma foi revogado e actualmente substituído pelo Regulamento(UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro [Ac do STJ de 04-03-2010, Revista n.º 2425/07.1TBVCD.P1.S1 - 2.ª Secção, Serra Baptista; Blog do IPPC: Aspectos gerais do Reg. 1215/2012 (Reg. Bruxelas Ia) - Parte I; Blog do IPPC: Aspectos gerais do Reg. 1215/2012 (Reg. Bruxelas Ia) - Parte II].

Nos termos do art. 4º desse diploma “Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro”.

Mas, de acordo com o art 7º do mesmo diploma: “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro:

1) a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: — no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues, — no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados”.

Desta normas resulta que, se existe um critério geral que corresponde ao domicilio das partes, também existe um critério especial que resulta do local onde os serviços foram prestados [Cfr Ac da RG de 10.12.2013, nº 691/11.7TVPRT-A.G1 (Ana Duarte) Luís Pinheiro in “A Competência Internacional dos Tribunais Portugueses”, disponível em http://processocivil.com.sapo.pt/Lima %20Pinheiro.pdf. Note-se alias que esta primazia do local de cumprimento tem vindo a ser reiterada pelo TJUE em várias decisões, nomeadamente o Acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 2013, United Antwerp Maritime Agencies (Unamar), processo C-184/12 Pedido de decisão prejudicial: Hof van Cassatie–Bélgica.].

A norma comunitária optou assim por “um conceito pragmático e autónomo de execução aplicável quando esteja em causa contratos de prestação de serviço, que não se encontra sujeito a interpretações extensivas” [ DÁRIO MOURA VICENTE, “Competência Judiciária e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras no Regulamento (CE) n.º 44/2001”, in Sciencia Ivridica, Maio-Agosto 2002, Tomo L1, n.º 293, p.347-379, maxime p. 3].

Por causa disso, outros elementos como, por exemplo o pagamento do preço são factores de conexão irrelevantes [Ac da RL de 19.4.2016, nº 991/13.1TVPRT.L1-1 (Maria Adelaide Domingos)].

Sendo que, em tese geral, [LUIS LIMA PINHEIRO, “Direito Internacional Privado”, Vol. III, p.105.] “entendeu-se que o foro do lugar de cumprimento da obrigação não só está bem colocado para a condução do processo como também é aquele que, em regra, apresenta a conexão mais estreita com o litígio. Uma vez que oferece ao autor uma alternativa ao foro do domicílio do réu, esse critério de competência contribui para um equilíbrio entre os interesses do autor e os do réu.”

Ora, in casu estamos perante um contrato de prestação de serviços que, na ótica da requerente, implica edição das imagens colhidas a realizar no Porto.

Logo, ao estarmos perante um pressuposto processual o seu preenchimento, em caso de dúvida é efectuado de acordo com a versão alegada pelo autor [...].

Note-se que esta posição foi reiterada pelo nosso STJ considerando que “A competência internacional é um pressuposto processual, isto é, uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa, e afere-se pelo objecto apresentado pelo autor na petição inicial” [Ac do STJ de 5.5.2004, nº JSTJ000 (Araújo Barros)].

A ser assim os serviços, na ótica do autor/requerente foram prestados na cidade do Porto.

Por isso, pode a requerida alegar a sua versão da realidade, mas tendo a mesma utilidade para a demonstração de um pressuposto processual, como referimos, a tese relevante em caso de dúvida é a alegada pelo autor.

Logo é o tribunal nacional o competente."

[MTS]


18/02/2022

Jurisprudência constitucional (205)


Penhora;
limites



Não julga inconstitucional a norma resultante da alínea c) do n.º 1 do artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, em conjugação com o n.º 4 do artigo 738.º do Código do Processo Civil, quando interpretada no sentido de não estabelecer nenhuma diferenciação, fundada na natureza ou no montante dos rendimentos da pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos, e de não estabelecer como limite mínimo de aplicabilidade a preservação de montante equivalente ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS)

 

Jurisprudência 2021 (136)

 
Apoio judiciário; pedido;
interrupção do prazo; efeitos

 
1. O sumário de RP 7/6/2021 (282/20.1T8OAZ-C.P1) é o seguinte:

I – Prevendo-se no nº 5 do art. 24º da Lei 34/2004 o início do prazo interrompido a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono, é de concluir, em conjugação com a previsão do nº4 daquele mesmo artigo, que do regime de interrupção de prazo ali previsto não resulta qualquer condição para tal interrupção se tornar efectiva;

II – Assim, produzindo-se o efeito da interrupção no momento do facto interruptivo e não estando a mesma sujeita à condição de o acto ser praticado através do patrono nomeado, não se vê fundamento legal para impedir a parte da prática do acto através de mandatário por si constituído e aproveitando aquela interrupção.
 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Como se vê do despacho recorrido, decidiu-se ali que a oposição à execução e à penhora deduzida pelo executado C… mostra-se extemporânea, na consideração de que à mesma não pode aproveitar da interrupção do prazo para deduzir oposição prevista no art. 24º nº4 da Lei 34/2004, de 29/7, pois não obstante aquele executado ter deduzido pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e tal ter comunicado aos autos, tal peça processual mostra-se subscrita por mandatário por si constituído na pendência daquele pedido.
 
Analisemos.
 
Aquele executado foi citado para os termos da execução em 11/2/2020 e em 17/2/2020 enviou por correio para aqueles autos requerimento a dar conta de que tinha deduzido pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono e atribuição de agente de execução, tendo nele requerido a suspensão do prazo em curso para dedução de oposição por embargos até ser proferida decisão final sobre tal pedido [alíneas a) e b) supra].
 
Tal pedido de apoio judiciário só veio a ter decisão em 21/9/2020, a qual foi a de o mesmo ter vindo a ser concedido nas modalidades de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono e atribuição de agente de execução [alínea h) supra].
 
Entretanto, a 25/5/2020, tal executado, em conjunto com a executada D…, vieram requerer a junção aos autos de procuração a mandatários forenses por si constituídos e, em 8/6/2020, apresentaram petição inicial subscrita por um dos advogados constituídos na qual deduziram oposição por embargos e oposição à penhora.
 
Na decisão recorrida, considerando-se [...] que por ter constituído mandatário aquele executado não pode aproveitar da interrupção do prazo para deduzir oposição, entendeu-se que o prazo de 20 dias para deduzir oposição (art. 728º nº1 do CPC) contado desde a citação (a 11/2/2020) tinha terminado a 3/3/2020 [...]
 
Cumpre pois apreciar e decidir se ao executado em causa, representado por advogado por si constituído mas que tinha pedido e a quem acabou por ser deferido o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, assiste o direito de beneficiar da interrupção do prazo para deduzir oposição à execução nos termos previstos naquele art. 24º nº4 da Lei 34/2004.
 
Dispõe este nº4 que “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
 
Dispõe por sua vez o nº5 daquele mesmo artigo que “O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.” [anote-se aqui que pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº461/2016, de 14/7/2016, publicado na II série do DR de 13710/2016, se julgou inconstitucional a interpretação normativa extraída daquela alínea a) “com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do nº4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado”].
 
A jurisprudência tem-se dividido sobre a questão enunciada, como bem se dá conta no recente Acórdão desta mesma Relação de 8/10/2020 (proc. nº 1217/19.0T8STS-A.P1; rel. Francisca Mota Vieira).
 
Alguns arestos defendem que a aludida interrupção do prazo só se torna efectiva como interrupção do prazo, no caso de ao requerente ser nomeado patrono, com a apresentação do respectivo articulado por este último [é o caso, por exemplo: do acórdão da Relação de Lisboa de 17/12/2008 (proc. nº9829/2008-6; rel. Granja da Fonseca), referido na decisão recorrida como sendo de 17/2; do acórdão desta Relação do Porto de 13/9/2011 (proc. nº5665/09.5TBVNG.P1; rel. António Martins); dos acórdãos da Relação de Coimbra de 1/10/2013 (proc. 4550/11.5T2AGD.C1; rel. Teles Pereira) e 25/6/2019 (proc. nº156/18.6T8NZR-A.C1; rel. Jaime Carlos Ferreira), ambos também referidos na decisão recorrida – todos disponíveis em www.dgsi.pt].
 
Outros arestos defendem não existir fundamento legal para que aquela interrupção não aproveite ao requerente de nomeação de patrono que entretanto tenha constituído mandatário, quando a peça processual seja apresentada por este, considerando para tal que do regime de interrupção de prazo decorrente daquele preceito não resulta qualquer condição para a mesma se tornar efectiva [é o caso, por exemplo: dos acórdãos desta Relação do Porto de 15/11/2011 (proc. nº222/10.6TBVRL.P1; rel. João Proença), de 30/1/2014 (proc. 5346/12.2TBMTS.P1; rel. Judite Pires), de 14/12/2017 (proc. nº4502/16.9T8LOU-A.P1; rel. Judite Pires) e de 8/10/2020 acima já referido; do acórdão da Relação de Guimarães de 22/9/2016 (proc. nº1428/12.9TBBCL-D.G1; rel. António Sobrinho); e do acórdão da Relação de Évora de 5/12/2019 (proc. nº399/19.5T8SLV-A.E1; rel. Joaquim Matos) – todos também disponíveis em www.dgsi.pt].
 
Perfilhamos claramente esta segunda orientação.
 
Efectivamente, como se diz no acórdão desta Relação de 15/11/2011 supra mencionado, e aqui acompanhamos, “(…) o texto do mencionado n.º 4 do artº 24º da Lei 34/2004 consagra a interrupção, tout court, do prazo em curso, e não uma interrupção sob condição resolutiva de o acto ser praticado através do patrono nomeado. O efeito da interrupção produz-se no momento do facto interruptivo, independentemente de ocorrências posteriores. A tese da interrupção sob condição resolutiva ofende a confiança dos sujeitos processuais, introduzindo uma preclusão processual que o legislador não consagrou de modo especificado na lei e, como não, não poderiam contar com ela.”.
 
Na mesma exacta linha de raciocínio, diz-se no acórdão desta mesma Relação de 30/1/2014, que também já supra se mencionou:
 
Não admitir a prática de acto processual através de mandatário judicial quando o prazo para o efeito foi declarado interrompido, sem qualquer condição, não tendo sido proferida entretanto decisão de sentido contrário, nem existindo norma que impeça a prática do acto naquelas circunstâncias, traduzir-se-ia [...] numa ofensa à confiança dos sujeitos processuais.
 
Por isso, afigura-se-nos que o texto legal aponta que a intenção legislativa foi manter, sem restrições, o benefício decorrente da interrupção do prazo para a prática de acto processual em curso, enquanto perdurar essa interrupção.
 
Isto é, na falta de norma expressa a afastar a possibilidade desse benefício abranger quem venha a praticar o acto através de advogado constituído, deve admitir-se que a parte possa praticar o acto nessas circunstâncias”.
 
Diz-se ainda no acórdão desta Relação de 14/12/2017 (cuja relatora é a mesma do de 30/1/2014), sempre na referida linha de raciocínio:
 
Admitindo o n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004 o início do prazo interrompido a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono, não se vê fundamento para impedir a parte da prática do acto no decurso da interrupção do respectivo prazo só pelo facto de o fazer por meio de mandatário judicial.
 
Se indeferido o pedido de nomeação de patrono a parte beneficia de novo prazo para a prática do acto, que, em caso de patrocínio obrigatório, terá de fazer através de advogado que constitua, qual a razão para lhe ser vedado esse direito antes de verificado esse pressuposto, tanto mais que lhe assiste o direito de, a qualquer momento, escolher advogado para o representar?
 
E não se diga, como sustenta o acórdão da Relação de Lisboa de 17.12.2008 [referido supra e perfilhado na decisão recorrida] que “…admitir essa interrupção seria pugnar ostensivamente pela violação do princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente, bem como na lei processual civil, porquanto seria admitir que qualquer cidadão que, no decurso de uma acção requeresse apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e, a posteriori, constituísse mandatário nos autos, teria um prazo acrescido de exercício do seu direito em relação aos demais cidadãos que, desde o início da acção, constituíssem mandatário”, pois a violação do princípio da igualdade só ocorre quando se comparam realidades iguais, e não, como no caso, se confrontam realidades distintas.
 
Considerar que “…não pode o demandado usar o direito de requerer apoio judiciário apenas como forma de conseguir mais tempo para contestar” [esta referência de texto, conforme nota final aposta na peça, é feita para o acórdão desta Relação de 13/9/2011, também já por nós referenciado antes e no qual se perfilha a primeira orientação que referimos] para, com esse argumento lhe negar o direito de poder contestar através de mandatário constituído aproveitando a interrupção do prazo concedida pelo facto de haver requerido nomeação de patrono, é esquecer que esse objectivo fraudulento sempre poderia ser alcançado do mesmo modo, e a coberto da lei, na hipótese da parte, sem para tal ter fundamento, requerer apoio judiciário naquela modalidade para, através da interrupção do prazo para contestar decorrente de tal pedido, obter uma dilatação do mesmo, face à prerrogativa que a alínea b) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004 lhe garante” [...].
 
Como se afirma a propósito desta última situação no acórdão da Relação do Porto de 15.11.2011, já mencionado, “Nesta hipótese (…), não obstante a superior reprovabilidade de tal conduta, está fora do alcance a imposição de qualquer preclusão processual, que o legislador manifestamente não estabeleceu”.
 
Aderimos claramente a todos estes argumentos, que, por comodidade e com a devia vénia seguimos e transcrevemos, pois dificilmente diríamos algo mais que o que neles se diz e argumenta no sentido da orientação que perfilhamos.
 
Não se ignora que, ainda assim, pode acontecer que o requerente do apoio judiciário possa agir com intenção diferente da finalidade para a qual a lei lhe concedeu o benefício da interrupção do prazo, como bem se alerta no acórdão desta Relação de 8/10/2020 que acima se aludiu – todavia, como nesta peça também se refere, “nesses casos, enquanto não estiver expressamente prevista na lei a imposição de qualquer preclusão processual, como sucede actualmente, não pode o julgador retirar consequências não previstas expressamente na lei, sob pena de serem proferidas decisões não previsíveis”.
 
De resto, no caso vertente, não vemos qualquer indício de tal intenção “fraudulenta”: na verdade, o executado deduziu oposição a 8/6/2020, quando ainda estava pendente de decisão o seu pedido de apoio judiciário, e este só veio a ser decidido, e deferido, em 21/9/2020 [alínea h) supra], sendo que se quisesse prolongar o seu prazo para deduzir oposição bastaria esperar até esta data e assim usufruir de mais uns meses e dias para tal, pois só com ela, quer lhe fosse concedida ou não a nomeação de patrono, terminava a interrupção e começava novo prazo (nº 5 do art. 24º da Lei 34/2004).
 
Deste modo, tendo em conta que o prazo de 20 dias para dedução de oposição por parte do executado C… se interrompeu em 17/2/2020 (6 dias depois de ter sido citado) e que o mesmo continuava interrompido quando foi por si deduzida, em 8/6/2020 e subscrita pelo mandatário por si entretanto constituído, a oposição à execução, é de concluir, na sequência da orientação que se veio de analisar e perfilhar, que tal oposição é tempestiva."

[MTS]