"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



31/03/2022

Jurisprudência 2021 (166)


Citação edital;
requisitos


1. O sumário de RL 9/9/2021 (8692/19.0T8SNT-A.L1-2) é o seguinte:

I– No âmbito da citação dos réus, o AE, a secretaria, os autores e o tribunal não se podiam bastar com a resposta de vizinhos de que “os réus não são vistos no local desde Agosto de 2017, julgando que os mesmos se encontram no Brasil.”

II– Constando a ré, em 13/11/2017, como membro de órgão estatutário de uma sociedade e com última remuneração em Set2017, esta sociedade devia ter sido contactada no âmbito das averiguações da morada dos réus (artigos 226/1 e 236/1 do CPC).

III– Não se pode proceder à citação edital de réus residentes no estrangeiro (Brasil), sem se tentar apurar a morada deles no estrangeiro, ou através do consulado (do Brasil em Portugal – sendo um deles brasileiro), ou da embaixada (de Portugal no Brasil – sendo um deles português; ou do Brasil em Portugal quanto ao outro), ou de uma carta rogatória emitida no âmbito da convenção para obtenção de provas (artigos 225/1, 236/1 e 239/4, todos do CPC).

IV– Verifica-se a falta de citação dos réus (art. 188/1-c do CPC) se tiverem sido omitidas estas diligências de averiguações.

V–Tendo sido interpostos embargos de executado e depois revisão de sentença, visando o mesmo efeito prático-jurídico (a anulação da sentença exequenda), com base no mesmo fundamento/causa de pedir (falta de citação da acção declarativa sem terem sido observadas as cautelas previstas no art. 236/1 do CPC), entre as mesmas partes, poderá verificar-se a litispendência, mas não neste processo, em que os autores foram notificados primeiro.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Nos factos provados não consta que o AE tenha apurado junto de duas pessoas (uma vizinha e uma pessoa que se presume ter uma empresa no local) que os réus se encontravam no Brasil, embora sem indicação da concreta morada. O AE não disse isso, nem disse também que tinha feito a pergunta necessária sobre a morada concreta (designadamente tendo em vista o disposto no art. 235, particularmente claro em confronto com o art. 236/1, ambos do CPC). Para além disso, o AE ainda devia ter averiguado, junto das pessoas que contactou, ainda tendo em vista o disposto naquele artigo 235, se os réus tinham o costume de se ausentar por um certo período de tempo ou se aquela ausência era uma situação inusual. E não o tendo feito o AE, devia-o ter feito a secretaria, por força do art. 236/1, 1.ª parte, do CPC, ao menos por contacto telefónico com o empresário identificado [a título de curiosidade esclareça-se que na certidão predial junta na execução, por consulta ao registo predial feita pelo AE, a 27/05/2019, consta que a sociedade V registou a aquisição do edifício da Av. C em 2014; a fracção foi vendida pela V à C-SA, com registo da aquisição a 05/05/2017, que a veio a permutar aos réus com registo da permuta a 05/05/2017, o que indicia a forte probabilidade de a V ter informações úteis para o contacto da ré], ou os autores (a título de ónus, porque lhes interessava uma citação com observância de todas as cautelas, de modo a evitar a procedência de uns futuros embargos, com base na falta de citação, tanto mais que requereram a citação edital dos réus, como consta do facto 8).

Por outro lado, não se tratava de enviar carta para citação dos réus no local de trabalho da ré (como pretendem os réus, argumento seguido pela sentença para o rebater), mas sim da necessidade de o AE fazer averiguações, junto de uma sociedade a que a ré até recentemente estava ligada, da morada dos réus (eventualmente no Brasil). Sendo a ré membro de um órgão estatutário de uma sociedade, da qual tinha recebido remunerações ainda em Set2017, um mês e meio antes da primeira averiguação da base de dados, é muito provável que esta sociedade tivesse informações ou contactos que fossem úteis para se averiguar a morada concreta dos réus (mesmo que no Brasil). E não o tendo feito o AE, devia-o ter feito a secretaria (por força dos artigos 226/1 e 236/1 do CPC) ou os autores (a título do ónus já referido).

E para além destes elementos que demonstram a possibilidade de outras averiguações, existem outros referidos nos factos 1 e 9, que claramente podiam ter servido para o efeito.

Para melhor enquadramento disto tudo, veja-se o que é lembrado por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 1.º, 4.ª edição, reimpressão de 2021, Almedina, págs. 487-488 (anotação 6 ao art. 240 do CPC): “Não dá lugar à citação edital a simples ausência temporária do citando, ainda que em lugar desconhecido, por motivo de gozo de férias (ac. do STJ de 15/05/1979, MANUEL dos SANTOS VÍTOR, BMJ, 287, p. 226). Tão-pouco se deve utilizar a citação edital com base na informação, dada pelo agente de execução ou pelo funcionário judicial encarregado da citação, de que não foi possível encontrar o citando na morada indicada nem obter informação sobre o motivo da sua ausência, sem que o tribunal seguidamente haja procedido a uma indagação que lhe permitisse um juízo de certeza sobre a ausência do réu em parte incerta isto mesmo anteriormente ao aditamento introduzido na norma do actual art. 236-1 pelo DL 183/2000, de 10/08 (ac. do STJ de 02/10/2003, SANTOS BERNARDINO, www.dgsi.pt, proc. 03B2478; ver o n.º 1 da anotação ao art. 236).” Isabel Alexandre, em Direito Processual Civil Internacional I, AAFDL, Março de 2021, páginas 327-328, lembra ainda o ac. do TEDH de 27/04/2017, proferido no caso Schmidt contra a Letónia (22493/05 – em especial §§ 93 e 94) em que se julgou violado o direito de acção da requerente, residente na Alemanha, por ter sido citada mediante anúncio num jornal da Letónia no âmbito de um processo de divórcio que corria na Letónia e, na sua ausência, sido dissolvido o seu casamento, havendo indícios no processo de que o autor, ao contrário do que afirmava, sabia ou podia saber onde residia a requerente, concluindo que não é de avançar sem mais para a citação edital, devendo o “tribunal envered[ar] todos os esforços para localizar o réu e enviar-lhe a citação para o local onde se encontra, mesmo que esse local seja no estrangeiro, não assumindo um papel passivo face à informação do autor de que desconhece o paradeiro do réu, […] antes encarando a citação por anúncio como uma solução de último recurso.

Tudo isto seria de ter em conta antes de se ordenar a citação edital dos réus (artigos 225/6, 226/1 e 236/1 do CPC) e o facto de os réus terem, provavelmente, ido para o Brasil, ainda impunha que se fizessem mais diligências de averiguações (art. 239/4 do CPC), pois que sempre se teria que ter tentado a citação por via postal (art. 239/1-2 do CPC - o Brasil não era, à data, abrangido pela Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial e o acordo relativo ao cumprimento de cartas rogatórias entre Brasil e Portugal, firmado por troca de notas, nos dias 23 e 29/08/1895, publicado em https://concordia.itamaraty.gov.br/, no essencial limita-se a dispensar actos de autenticação dos documentos, pelo não impedia que se fizesse a citação por via postal) e mais tarde por carta precatória ou rogatória nos termos do art. 239/3 do CPC (a ré é portuguesa; e pelo menos o réu tem dupla nacionalidade), o que teria de ser antecedido da averiguação da morada dos réus no Brasil.

Averiguação essa a ser feita junto do consulado do Brasil em Lisboa, quanto ao réu, já que tendo estado a residir em Portugal, se deve ter inscrito no consulado e fornecido elementos de identificação para o efeito, incluindo a respectiva morada no Brasil, quer junto da embaixada do Brasil em Portugal (quanto ao réu) e da embaixada de Portugal no Brasil (quanto à ré), quer através da expedição de uma carta rogatória para obtenção dessa informação, ao abrigo da Convenção sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial. [...]

Assim, as características do Brasil, invocadas pela decisão recorrida, não dificultam mais do que o normal, a averiguação da morada de um cidadão nacional ou estrangeiro desde que se tenha, pelo menos, o número de identificação civil desses cidadãos (como no caso se têm).

Note-se que não se está a dizer que devesse ter sido enviada uma carta rogatória para citação dos réus no Brasil sem se saber a respectiva morada, pois que isso não é possível (tal como hoje resulta expressamente do artigo 1/§2 da Convenção Relativa à Citação e à Notificação no Estrangeiro dos Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial: A Convenção não se aplicará quando a morada do destinatário for desconhecida; Convenção de que o Brasil é parte desde 01/06/2019; o texto da Convenção foi promulgado pelo Decreto 9.734/19, de 20/03/2019; o mesmo se passa, para já, com as cartas rogatórias emitidas para os países membros da União Europeia, no âmbito do Regulamento (CE) 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13/11/2007, pois que o seu artigo 1/§2 também dispõe que “O presente regulamento não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido.”; em comparação, veja-se o caso oposto de obtenção de alimentos, ao abrigo da CONVENÇÃO PARA A COBRANÇA DE ALIMENTOS NO ESTRANGEIRO CONCLUÍDA EM NOVA IORQUE, EM 20/06/1956, onde se prevê (art. 3/4-b) que um pedido possa ser expedido com apenas a indicação - e apenas na medida em que o credor tenha disso conhecimento -, das residências sucessivas do devedor durante os cinco últimos anos (ou seja, sem indicação da residência actual).

Note-se, no entanto, que o ponto de contacto de Portugal na Rede Judiciária Europeia em matéria civil e comercial, no relatório das respectivas actividades já citado acima, lembra que, num caso em que um tribunal na Finlândia queria notificar duas pessoas residentes em PT mas não tem moradas, apenas cópias dos CC, e solicitava ajuda para saber se os tribunais PT averiguam as moradas ou como proceder, o ponto de contacto PT sugeriu que o tribunal FI enviasse o Form I para o tribunal PT com a indicação de que a carta rogatória fosse a despacho para autorizar a pesquisa das moradas nas bases de dados.

Mas já num outro caso, numa revisão de sentença estrangeira, em que a requerida era francesa, e em que o TRG tentou a citação [provavelmente por carta registada com a/r] que foi devolvida com a indicação de morada desconhecida e pretendia saber se há algum procedimento para que o tribunal francês possa efectuar pesquisa de nova morada, o ponto de contacto português informou que já teve outra situação semelhante e que a autoridade central francesa não aceita bem o não envio do formulário do REG 1393/2007 e indicou que o melhor era tentar um huissier de justice, tendo também indicado o site do portal e da rede civil.

E ainda um outro em que um tribunal português pretendia saber a morada e o contacto para onde enviar uma citação para a Bélgica, o ponto de contacto de Portugal informou que deverá escolher um hussier de justice e indicou o site do portal, o que deverá fazer para instruir o pedido e o pagamento que terá de realizar.

O que se afirma é que será possível obter essa morada através de outros meios, entre eles os referidos acima para o Brasil (para os países membros da União Europeia utilizar-se-á, para já, o Regulamento (CE) 1206/2001 do Conselho, de 28/05/2001, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial, e, a partir de 01/07/2022 o pedido de prestação de assistência para descobrir um endereço, previsto no art. 7 do Regulamento (UE) 2020/1784 do Parlamento Europeu e do Conselho de 25/11/2020 relativo à citação ou notificação de actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros (citação ou notificação de actos) que substitui o Regulamento (CE) 1393/2007).

Note-se que este TRL tem consciência de que a Convenção sobre obtenção de provas não respeita, directamente, à obtenção de moradas de réus a demandar; mas, tendo a Convenção também o fim de obter provas para um processo futuro, considera-se que essas provas podem dizer respeito à averiguação da residência da pessoa a demandar; se se pode obter informação sobre a morada de uma testemunha ou de uma parte que se visa inquirir, deve-se poder utilizar também a convenção para obter informação sobre uma morada de uma pessoa contra a qual se pretende iniciar uma acção. Por outro lado, como se viu, o Brasil utiliza esta convenção com este fim. Ora, nem que seja com base no princípio da reciprocidade, o Brasil não poderá deixar de admitir que idêntico expediente seja utilizado para localizar brasileiros a fim de os citar. Por fim, como se vê também das menções referidas, o ponto de contacto português também tem sugerido que os tribunais estrangeiros utilizem a convenção europeia sobre citações para conseguir essa morada em Portugal, não obstante esta convenção não prever essa hipótese, nem manifestamente estar prevista para ela. Mas como o problema existe, admite-se que aquela sugestão é factível. E é por isso, certamente, que o Regulamento de 2020/1784 agora já prevê essa hipótese.

Feitas as necessárias diligências de averiguação (o que não quer dizer que se tenham de fazer sempre todas as diligências referidas atrás) e não se tendo descoberto a morada dos réus (quer em Portugal quer no estrangeiro), é então possível citá-los editalmente (sem colocação de editais se não for conhecida a última residência deles em Portugal: Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, pág. 486). No mesmo sentido, o CPC alemão, prevê, no § 185 que “A citação pode ser efectuada por aviso público (citação edital) quando (1) o local de residência do citando for desconhecido […] (3) não for possível a citação no estrangeiro ou existir toda a probabilidade de esta não ter sucesso […] (citado no ac. do TJ referido a seguir). E o CPC brasileiro (aprovado pela Lei 13.105/2015, de 16/03/2015), prevê que: Art. 256. A citação por edital será feita: […] II - quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando; […] § 1º Considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória. […] § 3º O réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos.

Neste sentido, com vários elementos úteis, vejam-se os acórdãos do TRC de 17/01/2006, proc. 3824/05, do TRP de 29/04/2019, proc. 18180/16.1T8PRT-B.P1, bem como o acórdão da 1.ª secção do TJ de 15/3/2012 (C-292/10), pontos 43 a 59, recordado por Teixeira de Sousa, no blogue do IPPC, a 06/11/2019, sob Jurisprudência 2019 (112); e também o ac. do TEDH, decisão Nunes Dias c. Portugal de 10/04/2003.

Tudo isto porque, como dizem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, pág. 487, a citação edital [indesejável último recurso – nota 3 da pág. 77 da acção declarativa, 4.ª edição, Geslegal, 2017] nunca constituiu garantia suficiente da cognoscibilidade, pelo réu, da acção que contra ele é movida, sendo, ao invés, elevado o grau de probabilidade de desconhecimento do processo pelo réu por essa forma citado.

Pelo que a não realização de todas as diligências necessárias e adequadas à averiguação do paradeiro dos réus representa a violação dos seus direitos de defesa, que decorrem do direito a um processo equitativo. Isto é, não é aceitável, no caso, que um tribunal condene uns réus a pagar perto de 90.000€, sem sequer ter feito diligências viáveis de averiguação do seu paradeiro.

Assim, num caso paralelo, por exemplo, o acórdão do TRL de 07/12/2016, proc. 12/16.2YRLSB-2, não reconheceu a sentença brasileira, proferida num processo em que o réu português foi citado editalmente, por se ter entendido que não tinham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes: o réu, tendo sido inicialmente dado como residente na morada da residência da autora, quando de facto ali já não residia, sendo nessa circunstância lavrada certidão negativa referindo que a autora tinha informado que o réu tinha entretanto regressado a Portugal; veio a ser citado editalmente, a requerimento da autora, que necessariamente sabia a morada dos familiares do requerido na cidade onde por último residiu com aquele em Portugal e que por aquele era contactada telefonicamente com frequência, sem que hajam sido efectuadas diligências tendo em vista a localização do paradeiro do requerido, em ordem à sua citação por carta rogatória.

Posto isto, há falta de citação quando se verifica a “grande probabilidade de o réu não saber da propositura da acção, por via da utilização do meio da citação edital, quando não estavam reunidos os respectivos pressupostos, devendo a citação ter sido pessoal ou quase-pessoal (art. 188-1-c do CPC) [Lebre de Freitas, A acção declarativa, pág. 93].”

“Embora materialmente não configure a falta absoluta do acto, o tratamento como falta de citação do emprego da citação edital fora dos casos em que a lei a permite justifica-se pela limitação, ou prática supressão, do direito de defesa que essa modalidade de citação pode implicar, pois a citação edital constitui no nosso direito processual uma presunção juris et de jure de conhecimento da acção pelo réu, não obstante ser precisamente o caso em que o réu menor probabilidade tem de adquirir esse conhecimento […] O emprego indevido da citação edital pode dar-se quando o citando está ausente em parte incerta (art. 236 do CPC) […] a citação edital é erradamente empregue: ‘[…] 2. se o réu é citado por éditos como ausente em parte incerta, sem se terem observado as cautelas previstas [no actual art. 236-1]; 3. se este artigo foi observado e cumprido, mas são inexactas as informações colhidas’ (ALBERTO DOS REIS, Comentário cit., II, ps. 424-426).”

Segundo o artigo 729/-d do CPC, fundando-se a execução em sentença, a oposição […] pode ter algum dos fundamentos seguintes: […] Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;

No art. 696/-e/i do CPC dispõe-se: A decisão transitada em julgado […] pode ser objeto de revisão quando: […] e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: […] Faltou a citação ou que é nula a citação feita.

Assim, concluindo-se que a faltou a citação dos réus, tem-se por verificado o fundamento de oposição à execução previsto no art. 729/-d do CPC, por se verificar uma das situações previstas no art. 696/-e do CPC.

Por fim, note-se que, nos termos do artigo 732/5 do CPC, em caso de procedência dos embargos (que tem como consequência a extinção da execução: art. 732/4 do CPC) fundados em qualquer das situações previstas na alínea (e) do artigo 696, é admitida a renovação da instância deste processo a requerimento do exequente, apresentado no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão dos embargos.

E aqui tem que se ter em conta que, por força do art. 187/-a do CPC “a falta de citação tem como consequência a nulidade de tudo o que se processe depois da petição inicial, que se salva, mas continua a não produzir efeitos em relação ao réu (art. 259/2 do CPC) […]” (autores e obra citados, pág. 383).

*

Por fim, diga-se que o fundamento dos réus, de que a certidão da citação edital é nula, por ser anterior à data da afixação do edital, não se prova, indiciando-se, pelo contrário, que os réus estão a confundir o anúncio da citação edital com a afixação do edital. Mas este é apenas um fundamento errado, que não impede a procedência dos restantes.

*

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revogando-se o saneador-sentença recorrido que se substitui por este acórdão que julga procedente os embargos, com a consequente extinção da execução, por se ter verificado a falta de citação dos réus na acção declarativa de que procede a sentença que está a ser executada."

[MTS]


30/03/2022

Jurisprudência 2021 (165)


Cumulação de pedidos;
pedido de reivindicação; pedido de demarcação*


1. O sumário de RP 13/7/2021 (500/20.6T8ALB.P1é o seguinte:

I - A ineptidão da petição inicial existe quando ocorre uma ausência de alegação de factos essenciais para a causa de pedir que se revelem insuscetíveis de ser concretizados ou complementados por força de um convite ao aperfeiçoamento feito pelo tribunal.

II - Na ação de reivindicação, o autor tem o ónus de alegar os factos constitutivos do direito de propriedade sobre a coisa de que se arroga titular; donde já sabe bem o que é seu e, por isso, impõe-se que defina, delimite, aquilo que lhe pertence para além de descrever a concreta ofensa feita a esse direito por quem foi demandado.

III - Na ação de demarcação, o autor, de forma bem distinta, requer junto do tribunal que este demarque (delimite) o seu prédio no confronto com aquele que lhe é adjacente; nesta ação será o tribunal, não o autor, que virá finalmente a elucidar a área e os limites do prédio que o autor possui. Aqui visa-se pôr fim a um estado de incerteza sobre a localização da linha divisória entre dois (ou mais) prédios, dúvida essa que o autor também partilha.

IV – Este tipo de ações e decorrentes pedidos formulados resultam incompatíveis entre si e, como tal, desembocam na ineptidão da petição inicial que os tenha cumulado por igual.


2. No relatório e na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"I – Relatório

B… e mulher C… e D… propuseram a presente ação declarativa de processo comum contra E…, Lda. com sede em …, Zona Industrial de …, na qual termina peticionando que:

a) se reconheça o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio urbano identificado no artigo 1º desta petição;

b) se ordene a demarcação dos limites entre o prédio dos Autores acima mencionados e o prédio da R;

c) se condene a R. a desocupar a área do prédio pertencente aos A.A. e de que ilicitamente se apropriou, demolindo as construções efetuadas e repondo a área em causa nas condições em que se encontrava antes dos trabalhos de construção civil por si efetuados;

d) se condene a R. a pagar aos Autores, a título de indemnização pelos danos causados na sua propriedade com a destruição de vedações, destruição de culturas e privação do uso parcial da mesma e com a sua consequente desvalorização, a quantia de €15.000,00 (Quinze mil euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal que se vencerem desde a citação e até integral pagamento. [...]

III – Fundamentação de Direito

O tribunal apelado entendeu acionar, após cumprir o contraditório, a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial com a consequente absolvição da instância da demandada.

Fê-lo assente em duas causas que, no seu entendimento, implicam tal consequência insuscetível de refazimento.

Deste modo, entende que os AA. em momento algum identificam ou descrevem as concretas áreas que estariam a ser ilicitamente ocupadas pela R, “limitando-se a dizer, sem mais, que a Ré ocupou áreas do terreno dos AA.”. Além disso, entendem ainda verificado um outro vício insanável: o da cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, um pedido de demarcação concomitante com um pedido de reivindicação.

Já vimos como o apelante, por sua vez, defende que, caso o tribunal recorrido tivesse entendido existir uma carência de identificação da área em litígio, deveria, nos termos do art. 6º, nº 2 do Código de Processo Civil, ter providenciado oficiosamente pelo suprimento dessa falta, convidando os autores nesse sentido; quanto ao segundo item, argumenta que os pedidos formulados não são incompatíveis entre si, não são contraditórios e não correspondem a formas processuais distintas.

No que concerne à questão de dever, ou não, convidar-se o autor a corrigir a petição formulada, importa, a nosso ver, proceder a uma clarificação conceptual. É que a ineptidão da petição inicial determina, de acordo com o art. 186º, nº1, do Código do Processo Civil (CPC), a nulidade de todo o processo, vício esse de conhecimento oficioso (art. 196º), até à prolação do despacho saneador (art. 200º, nº 2, do CPC), o qual constituiu uma excepção dilatória (artigo 577. alínea b) do CPC); daqui decorre que a ineptidão é insuprível e não pode ser ultrapassada, em termos gerais, por força de um despacho de correção a ser proferido pelo tribunal.

Apenas a petição deficiente pode (deve) ser objeto de correção.

Ponto será apurar, desde logo, se a petição enferma de mera deficiência ou é simplesmente inepta. [...]

Perante a alegação que entendemos como suficiente, plasmada no petitório e devidamente complementada com as plantas e fotografias juntas, considerando estar em causa uma ocupação que terá implicado a destruição de redes e esteios presentes no local, delimitando-o objetivamente, e finalmente tendo em conta a posição assumida pela ré a qual, claramente, afirma ter o prédio dos requerentes uma área total não superior a 570 m2 contra os pretendidos 1281 m2 reivindicados, concluímos, neste segmento, estar perante uma petição possivelmente deficiente mas não passível de ser qualificada como inepta.

Todavia, importa ainda analisar um segundo fundamento invocado na douta sentença que remete para uma cumulação incompatível de pedidos: um pedido de demarcação e um pedido de reivindicação.

Ora, neste segmento, partilhamos da apreciação do tribunal da primeira instância: a nosso ver, resultam manifestamente incompatíveis os pedidos formulados nas alíneas a) e b).

Na verdade, na ação de reivindicação o autor tem o ónus de alegar os factos constitutivos do direito de propriedade sobre a coisa, no caso, imóvel, de que se arroga titular; por isso, sabe o que é seu e deve, naturalmente, definir, delimitar aquilo que lhe pertence para além de descrever a concreta ofensa a esse direito.

Na demarcação, o autor, de forma diversa, requer junto do tribunal que seja demarcado (delimitado) o seu prédio no confronto com aqueles que lhe é adjacente; nesta ação será o tribunal, não o autor, que virá a definir a área e os limites do prédio que possui.

A norma do art.º 1353º do Código Civil consagra o direito potestativo do dono de um prédio obter o concurso dos donos dos prédios vizinhos para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles. Como resulta do artº 1354º, nº 2, do Código Civil, o direito a demarcar prédios não depende da invocação de uma linha de demarcação decorrente dos títulos na medida em que estes podem não lograr determinar os limites do prédio ou a área pertencente a cada proprietário. Na verdade, desde que se verifique a confinância de prédios pertencentes a proprietários diferentes e inexista linha divisória entre eles, ocorre imediatamente o direito de demarcação, podendo a divisão da área conflituante ser resolvida pelos títulos de cada um ou, sucessivamente, pela posse ou por outros meios de prova; no limite, não podendo ser resolvida por nenhum desses meios, será equitativamente dividida pelos proprietários confinantes.

Deste modo, conclui-se que “das duas, uma: ou o reivindicante está certo de que o terreno que reivindica é, todo ele, parte integrante do seu prédio, ou afirma que são incertos ou desconhecidos os seus limites e então já não é a acção de reivindicação que deve propor.” (citamos Acórdão desta Relação de 25 de Janeiro de 2021, processo nº 4029/18.4T8STS.P1, também acessível em dgsi.pt).

Neste segundo caso, em que existe uma dúvida sobre a configuração do prédio, é que se perfila a ação de demarcação.

Ora, no caso em apreço, os autores, como se lê no relatório acima, peticionam, ao mesmo tempo e de modo inconciliável, que se reconheça o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio urbano identificado no artigo 1º desta petição mas também que se ordene a demarcação dos limites entre o prédio dos Autores acima mencionado e o prédio da Ré.

Porém, não basta afirmarmos esta incompatibilidade.

Torna-se necessário apurar do contexto em que a mesma foi articulada pela parte no âmbito do princípio de gestão processual hoje imposto ao tribunal, designadamente quando a lei estabelece o dever de o juiz providenciar “oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo” (artigo 6º, nº 2).

Vejamos se tal resulta possível, como pretende o recorrente, a partir do modo como surge configurada esta ação.

Alegam os autores que, por si e pelos seus antecessores, estão, há muitos anos, ininterruptamente, na posse, em toda a sua extensão e área, enquanto comproprietários de um prédio composto de casa da habitação de dois andares, quatro dependências e logradouro sito na Rua …, no …, freguesia de …, inscrita na matriz predial urbana desta freguesia sob o artigo 338, conforme descrição da Conservatória do Registo Predial de … sob o n  6376/20040830.

Essa posse reuniria as características de uma posse usucapível, pelo que teriam adquirido, conforme invocam, o direito de propriedade sobre esse prédio.

Após alegam que em meados de Março de 2019, a R. iniciou, no seu prédio, trabalhos de construção civil neles se incluindo trabalhos de terraplanagem para a implantação de edifícios destinados a armazéns, parqueamento de viaturas e muro de vedação. Só que, alegadamente, ao faze-lo, invadiu a propriedade dos autores, identificada no art. 1º da petição inicial, ocupando ilegalmente parte do seu logradouro, com a colocação de materiais de construção e o denominado estaleiro da obra, destruindo a vedação em rede existente e arrancando os esteios de cimento que delimitavam ambas as propriedades.

Por isso, os autores pedem que se reconheça o direito de propriedade sobre o prédio urbano identificado no artigo 1º desta petição e, como decorrência desse direito, pedem, na alínea c), que se condene a ré a desocupar a área do prédio pertencente aos A.A. e de que ilicitamente se apropriou, demolindo as construções efetuadas e repondo a área em causa nas condições em que se encontrava antes dos trabalhos de construção civil por si efetuados.

Daqui decorre que, para os autores, o prédio com logradouro incluído é propriedade sua, concluindo-se não existir incerteza ou indefinição quanto aos limites dos dois prédios. Aliás, isso mesmo é reafirmado nas doutas alegações de recurso do cessionário onde se pode ler expressamente que “no entender do Apelante, ele não tem dúvidas sobre quais são os limites da sua propriedade” [...].

Como procuramos explicar acima também a ré compreendeu bem o que está em causa e também ela está segura sobre quais as áreas de cada um dos prédios em litígio. Por isso, articula que são os autores que pretendem usurpar um terreno que é parte integrante do seu prédio. Deste modo, alega mesmo existir um conluio entre os autores e outro proprietário confinante para se apoderarem em conjunto de mais de 2.000 m2 de terreno pertencente à ré.

Dir-se-á, portanto, que para todos os litigantes o que está em apreço é uma disputa sobre uma faixa de terreno, localizada, que ambos invocam como sua; não se discutem os limites prediais mas sim a titularidade do direito de propriedade sobre uma definida faixa de terreno.
Todavia no que constitui, a nosso ver, uma contradição com o que foi peticionado, os mesmos autores acabam por acolher a tese de ser controvertida a linha de demarcação entre os dois prédios.

Neste sentido, escrevem no petitório ser “necessário definir claramente uma linha de demarcação entre os prédios dos A.A. e da R., que são confinantes” e, mesmo já em sede de alegações recursivas, reitera o apelante pretender que “fique claramente definido o limite da sua propriedade”.

Dir-se-á que, à luz do que representa o pedido de demarcação e com as implicações decorrentes, o recorrente admite que, diferentemente do que começou por afirmar, pode não ser proprietário daquela parcela de terreno na sua totalidade; só assim se poderá entender o pedido de que sejam fixadas as estremas dos prédios pelo próprio tribunal.

O recorrente, alertado pela decisão absolutória da 1ª instância, alega que, “de acordo com o princípio da economia de processos e de litígios, podia formular nesta ação os pedidos que peticionou” sendo que “se se entendesse que o terreno (logradouro) em causa não era dos A.A., teríamos a situação absurda destes terem que propor uma ação de reivindicação para posteriormente proporem nova ação de demarcação se tivessem ganho de causa na primeira”.

Só que, no caso concreto, a procedência de reconhecimento do direito de propriedade com a consequente restituição da parcela de terreno reivindicada excluiria a necessidade de demarcação a qual, repita-se, se tornaria incompatível por existir uma certeza apurada quanto à delimitação dos dois prédios confinantes, pressuposto para intentar uma qualquer ação de demarcação.

Aliás, a mesma conclusão ocorreria caso se viesse a determinar que a parcela disputada é parte integrante do prédio do réu e não do prédio da autora nomeadamente porque a área do prédio dos autores tinha 570 m2, ou outra área que se viesse a determinar, em lugar dos 1.281 m2 reivindicados (vide nomeadamente a planta topográfica junta pelos autores acima recenseada).

Assim se evidencia a incompatibilidade substancial, não só dos pedidos formulados, mas também das causas de pedir em que se sustentam; estamos perante dois pedidos que, inelutavelmente, implicam efeitos jurídicos que mutuamente se repelem.

Não cabe ao tribunal substituir-se à parte e escolher apenas um deles, em detrimento do outro; igualmente, não se vislumbra como um convite para aperfeiçoamento poderá obstruir a tal inconciliabilidade presente na petição formulada.

E com este desfecho julgamos, em síntese final, dever partilhar a decisão do tribunal “a quo”, quanto a este segundo fundamento, julgando procedente a exceção de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial."


*3. [Comentário] Com o devido respeito, não se acompanha a orientação da RP quanto à ineptidão da petição inicial.

Coloca-se uma pergunta muito simples: o que deve fazer alguém que se considera proprietário de um terreno, mas que tem dúvidas quanto à sua demarcação perante o terreno vizinho de que é titular o demandado? 

Segundo a orientação da RP, o que o reivindicante deve fazer é ignorar quaisquer dúvidas sobre as estremas dos prédios e reivindicar o prédio com a dimensão que julga ser a verdadeira. "Depois logo se verá".

Segundo uma outra orientação, o reivindicante deve reivindicar o prédio contra o vizinho e, porque tem dúvidas quanto às estremas dos respectivos prédios, não deixar de, de acordo com uma litigância aberta e clara, as referir e, em consequência, cumular o pedido de demarcação. Porque esta solução é muito mais transparente, não pode deixar de ser esta a solução preferível.

Resta acrescentar que não há nenhuma incompatibilidade substantiva entre o pedido de reivindicação e o pedido de demarcação: a reivindicação define a titularidade de prédio; a demarcação define, quando tal seja necessário, a extensão do prédio. Assim, é perfeitamente admissível reivindicar o que resultar da demarcação.

MTS

29/03/2022

Papers (480)


-- Dodge, William S. / Gardner, Maggie / Whytock, Christopher A., The Many State Doctrines of Forum Non Conveniens (SSRN 02.2022)

-- Maultzsch, Felix / Klingbeil, Stefan, Contractualisation of Civil Litigation: German Report (SSRN 02.2022)

Jurisprudência europeia (TJ) (257)


Reenvio prejudicial – Regulamento (UE) 2015/848 – Processos de insolvência – Artigo 3.°, n.° 1 – Competência internacional – Transferência do centro de interesses principais do devedor para outro Estado‑Membro após a apresentação do pedido de abertura de um processo de insolvência principal


TJ 24/2/2022 (C‑723/20, Galapagos BidCo/DE et al.) decidiu o seguinte:

O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (UE) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional de um Estado‑Membro ao qual foi submetido um pedido de abertura de um processo principal de insolvência mantém a competência exclusiva para abrir esse processo quando o centro dos interesses principais do devedor é transferido para outro Estado‑Membro após a apresentação desse pedido, mas antes de o referido órgão jurisdicional se ter pronunciado sobre o mesmo. Consequentemente, e desde que este regulamento continue a ser aplicável ao referido pedido, o órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro posteriormente chamado a pronunciar‑se sobre um pedido apresentado para os mesmos fins não pode, em princípio, declarar‑se competente para abrir um processo principal de insolvência enquanto o primeiro órgão jurisdicional não tiver decidido e declinado a sua competência.


Jurisprudência 2021 (164)

 
Obrigação de indemnização;
poderes do tribunal*

 
1. O sumário de RP 14/7/2021 (93/16.9T8AMT.P2) é o seguinte:

I - O tribunal pode dar como provados factos não essenciais não alegados se os mesmos se enquadrarem naqueles referidos no artigo 5.º, n.º 2, do C. P. C., entre os quais os instrumentais, complementares e concretizadores.

II - Um facto não alegado (acordo para cedência de parcela de imóvel dado pelo marido) numa ação de reivindicação de propriedade não se enquadra em nenhuma daquelas categorias quando que está em causa o consentimento alegadamente prestado por outras pessoas que não o indicado marido.

III - Uma expropriação de facto de uma parcela de terreno por parte de um município, sem cumprimento de qualquer regra legal e sem consentimento dos titulares, não deve beneficiar do princípio da intangibilidade da obra pública.

IV - A diminuta importância da área da parcela ocupada, o seu pequeno valor e o facto de as obras que foram realizadas pelo município permitirem uma melhor e mais segura circulação automóvel e de peões, impede o direito à restituição in natura da parcela por haver abuso de direito.

V - Nessa situação, tendo o Réu município alegado a impossibilidade de restituição natural e oferecendo um valor em reconvenção para sua aquisição, pode interpretar-se juridicamente esse pedido também como querendo proceder à restituição em espécie.

VI - Fornecendo os autos informação suficiente para tal restituição em espécie (valor da parcela atendendo à sua área e preço por m2), pode condenar-se o Réu município a restituir em espécie, pagando esse valor.
 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Assentes os factos que sustentam o litígio, pensamos que se pode concluir que o Réu município invadiu o terreno pertencente à herança aberta por óbito de D… e a E… (pais da Autora) com o intuito de realizar obras de beneficiação de uma estrada (factos provados 12 e 13).

Para o poder fazer, ou celebrava algum tipo de negócio que sustentasse essa ocupação (compra e venda, doação, …) que lhe permitisse adquirir a propriedade do terreno (ou parte dele) ou então teria de recorrer à requisição ou expropriação da parcela que julgasse necessária (artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

Não se prova qualquer tipo de negócio celebrado entre o indicado Réu e os co-titulares do direito de propriedade, nem com os primitivos donos do imóvel (pais da Autora); e também não há prova de nenhum ato expropriativo, por mais ténue que pudesse ter sido.

Daí que ocorreu uma invasão da propriedade privada sem estar coberta por qualquer manto de licitude. No fundo, o Réu município praticou atos sobre uma propriedade privada para lograr atingir os seus intentos, sem deter qualquer título que o legitimasse a tal, a saber, aquisição da propriedade da parcela em causa, senão a título negocial, pelo menos com a necessária prévia declaração de utilidade pública que permitisse a expropriação (artigo 13.º, do Código das Expropriações). [...]

Não se questiona no recurso que a parcela onde foram realizadas as obras fazia parte de imóvel pertencente aos herdeiros daquelas duas pessoas acima referidas, o que foi declarado na sentença.[...]

O que se coloca em causa é a restituição in natura dessa parcela, ou melhor, a decisão de que não é possível essa restituição, restando a possibilidade de uma restituição sucedânea. [...]

Neste caso, impedir a restituição in natura, mesmo ocorrendo violação grave dos interesses dos particulares, por existir uma obra que serve os interesses públicos, seria, além de uma violação da Constituição da República Portuguesa como acima referido, premiar um ato ilícito da mesma administração e criar a ideia de que, sempre que atuasse, nada mais restaria ao particular do que se ver desapossado materialmente do que lhe pertencia. [...]

Mesmo a questão suscitada pelo Réu Município, em sede de reconvenção, de pagar o valor que a parcela teria antes da realização das obras não pode ser judicialmente determinado tal como pedido e nesta vertente. Na verdade, o que está em causa, numa primeira abordagem, é o recurso à acessão industrial imobiliária, prevista no artigo 1340.º, n.º 1, do C. C. (se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, …, e o valor que as obras, …tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, ….).

Aqui exige-se a boa-fé do autor da obra a qual consiste ou no desconhecimento, por parte do autor da obra, de que o terreno era alheio ou a atuação com base na autorização do dono do terreno – nºs. 1 e 4, do mesmo artigo -.

Ora, claramente que o Réu Município sabia que o terreno era alheio e não houve consentimento nem dos donos nem dos seus herdeiros (aqui conforme artigo 2091.º, n.º 1, do C. C.) pelo que não se preenche o requisito da boa-fé, sendo impedido o recurso à indicada acessão. [...]

As obras que foram realizadas permitem uma melhor circulação quer dos peões (foram criados passeios para poderem caminharem ao longo da estrada) quer dos automóveis pois também se visou alargar a curva, assim se obtendo uma maior segurança coletiva para pessoas e bens.

Com a reposição do terreno como se encontrava antes da realização das obras, os peões ficariam impedidos de prosseguirem no passeio, tendo que utilizar a faixa de rodagem para o efeito (facto provado 38).

O benefício para a colectividade, com as obras realizadas, na nossa visão, supera em muito o prejuízo causado ao particular com a não restituição in natura da parcela de terreno.

Pensamos que o comum dos cidadãos não entenderia que para ressarcir o prejuízo sofrido com a atuação da edilidade municipal, consubstanciado em menos de 2% do total do imóvel e sem uso provado dessa parte, se destruísse uma obra que tem utilidade pública notória, assim se prejudicando a colectividade, sem se perceber o efetivo ganho dos donos da parcela.

Note-se que a parcela, tendo por base o preço por m2 que se provou (5 EUR – facto 37), terá o valor de 688,50 EUR, enquanto que, para se destruir o caminho e muro que o ladeia, se teriam de despender 6 350 EUR, ou seja, o valor da parcela revela ser cerca de 10,8% do valor das obras a efetuar, o que, para nós, reforça a ideia de que não se deve permitir que, para tão dispares valores, se permita a efetivação daquele que tem escassa importância.

O direito dos herdeiros ficará igualmente ressarcido se a restituição for por sucedâneo, evitando prejuízos monetários e mantendo a segurança de todos os que passam naquele local.

Daí que entendamos que, atenta a escassa importância do que é pedido em comparação com as consequências que resultariam da restituição natural, é abusivo o exercício desse direito de restituição in natura por exceder os limites da boa-fé e o fim económico desse direito.

Assim, temos que a parcela em questão não foi adquirida de qualquer modo pelo Réu município, pelo que a sua propriedade se mantém na herança aberta por óbito das duas pessoas acima referidas.

E a sua restituição pela ocupação ilegal por parte do mesmo Réu tem de ser efetuada em espécie, ou seja, pelo respetivo valor.

A Autora não formulou este pedido, nem a título subsidiário pelo que se poderia pensar que não se podia condenar o mesmo Réu a pagar qualquer valor – artigo 609.º, n.º 1, do C. P. C. -.

Vejamos.

Em primeiro lugar, o Réu alegou que não era possível restituir a parcela por existirem diversos óbices, incluindo abuso de direito (artigos 22.º e seguintes da contestação) e alegou inclusivamente a excessiva onerosidade da restituição natural (artigo 52.º a 55.º e 58.º, da mesma peça processual).

O que nós, em sede desta decisão entendemos, é que há abuso de direito na atuação da Autora, também atendendo à desproporção de valores existente entre valor da parcela e obras a realizar (e não por o custo das obras ser demasiado oneroso para o Réu); mas o certo é que se concluiu pela impossibilidade de restituição in natura e o Réu pede que se atenda a essa impossibilidade, propondo-se pagar um valor equivalente a tal restituição.

E, em segundo lugar, para nós, estão preenchidas as condições necessárias para se poder, nestes autos, decidir da restituição em espécie nos termos do artigo 566.º, n.º 1, do C. C. pois:

por prova da alegação do Réu, concluiu-se que não era possível a restituição natural;

há pedido formulado pelo Réu no sentido de pagar o valor sucedâneo, assim se podendo converter a obrigação de restituição natural.

É certo que pode não ter sido esta a concreta finalidade jurídica pretendida pelo Réu/reconvinte, que visaria a aquisição da propriedade com o pagamento de uma quantia; mas também é certo que o pedido contém a manifestação de se querer pagar um valor atribuído à parcela pelo que, juridicamente, esse intento também pode ser analisado sob um prisma ligeiramente diferente – em vez de adquirir a propriedade, o pagamento encerra a possibilidade de restituição do imóvel in natura que também é o que o Réu pretende, como já mencionamos -, procedendo em parte esse pedido.

Daí que a condenação do Réu a pagar um valor pela restituição da parcela não viola o princípio do pedido, não sendo uma decisão oficiosa do tribunal; a Autora pediu a restituição e a parte contrária demonstrou que não era possível e pede que se atribua um valor equivalente a essa restituição só que, em vez de o adquirir, «só» consegue pagar o respetivo valor sem o adquirir.[...]

Se os autos fornecerem os elementos necessários para, face ao alegado, se decidir pela restituição em espécie, pode o tribunal apreciar essa questão. E, na nossa opinião, face ao que foi carreado para o processo, pode decidir-se por essa restituição em espécie.

A Autora alegou o tipo de intervenção que tinha sido efetuada na parcela de terreno no sentido do que tinha sido ocupado e destruído e logrou-se provar qual a área que foi ocupada, sendo que não se provou que determinado tipo de bens tinham sido destruídos (vides e esteios).

Sabemos o valor por m2 do terreno (5 EUR) e a Autora, que já pedia a restituição natural, aceita a restituição em espécie por esse valor tal como pede no recurso (e certo é que o 1.º réu deduziu o correspondente pedido reconvencional sob a alínea c) da sua reconvenção, pedido esse que deve ser julgado procedente, e ser o réu condenado no pagamento da correspondente indemnização – alegação na parte final do recurso e conclusão yy ) -.

Mas mesmo que não soubéssemos que a Autora/recorrente aceita expressamente o pagamento em sucedâneo, este podia ser decidido, como já mencionamos.

Face aos elementos factuais de que se dispõe nos autos, pode restituir-se em espécie a parcela à herança condenando o Réu município a pagar-lhe a quantia de 688,50 EUR (não se pode condenar no pagamento de juros por não serem pedidos mas essa situação não invalida que os mesmos sejam devidos após a prolação da sentença, conforme resulta do artigo 703.º, n.º 2, do C. P. C. e do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 9/15, de 14/05/2015, D. R. n.º 121/2015, I, de 24/06/2015 [...]).

Conclui-se assim que a decisão recorrida deve ser alterada nos seguintes termos:

1). Mantém-se a declaração da propriedade do prédio rústico na herança aberta por óbito de D… e E…;

2). Condena-se o Réu Município a restituir à Autora e intervenientes a parcela de terreno supra identificada, em espécie, com o pagamento de 688,50 EUR.

3). Absolve-se a Autora e intervenientes da parte restante do pedido reconvencional.


3. [Comentário] a) A Autora pediu que:

se declare que o prédio descrito no artigo 3.º integra a herança aberta por óbito de D… e E…;

se declare que a faixa de terreno descrita no artigo 27.º faz parte integrante do prédio referido na alínea precedente;

as Rés sejam condenadas a reconhecer o referido nas alíneas precedentes e a restituir à herança a referida faixa de terreno;

as Rés sejam ainda condenadas a repor tal faixa no estado anterior à ocupação, a saber, à colocação de vides novas e à recolocação dos esteios referidos no seu local primitivo, à remoção da berma e à reposição natural do terreno sobre o qual assenta, à demolição do muro e à reconstrução de rampa;

se condenem as Rés a absterem-se de ocupar ou fazer uso por qualquer forma da indicada faixa de terreno.


O Réu, em reconvenção, pediu que

se declare que é dono da faixa de terreno em causa e que a Autora e herança o reconheçam;
 
se for necessário pagar pela aquisição de propriedade, deve o preço ser fixado em 550,80 EUR.

A RP condenou o Réu no seguinte:

1). Mantém-se a declaração da propriedade do prédio rústico na herança aberta por óbito de D… e E…; 
 
2). Condena-se o Réu Município a restituir à Autora e intervenientes a parcela de terreno supra identificada, em espécie, com o pagamento de 688,50 EUR.
 
2.1). Absolve-se a Ré freguesia de … dos pedidos. [...] 
 
3. Absolve-se a Autora e intervenientes da parte restante do pedido reconvencional.

 b)  O iter decisório da RP não parece muito claro. A RP argumentou o seguinte:
 
"[...] a condenação do Réu a pagar um valor pela restituição da parcela não viola o princípio do pedido, não sendo uma decisão oficiosa do tribunal; a Autora pediu a restituição e a parte contrária demonstrou que não era possível e pede que se atribua um valor equivalente a essa restituição só que, em vez de o adquirir, «só» consegue pagar o respetivo valor sem o adquirir. 
 
Se os autos fornecerem os elementos necessários para, face ao alegado, se decidir pela restituição em espécie, pode o tribunal apreciar essa questão. E, na nossa opinião, face ao que foi carreado para o processo, pode decidir-se por essa restituição em espécie."
 
Se a RP entende que, "atenta a escassa importância do que é pedido em comparação com as consequências que resultariam da restituição natural, é abusivo o exercício desse direito de restituição in natura por exceder os limites da boa-fé e o fim económico desse direito", então teria sido muito mais simples considerar que o pedido de restituição natural formulado pela Autora não podia ser considerado procedente atendendo ao disposto no art. 566.º, n.º 1, CC.

Só que, salvo melhor opinião, isto situa-se no plano estrito da responsabilidade civil e nada tem a ver com a restituição, "em espécie", da parcela de terreno. No fundo, seria tudo simples: a Autora permaneceria (como permaneceu) proprietária da parcela do terreno, o Réu seria condenado a pagar uma indemnização à Autora (e não a restituir, "em espécie", a parcela de terreno) e o pedido reconvencional seria totalmente (e não apenas em parte) considerado improcedente.

MTS

28/03/2022

Da não incompatibilidade entre os pedidos de reivindicação e de demarcação


[Para aceder ao texto clicar em Urbano A. Lopes Dias]


Jurisprudência 2021 (163)


Procedimento de injunção;
causa de pedir


I. O sumário de RE 14/7/2021 (23680/19.9YIPRT.E1) é o seguinte:

1 – Resulta do artigo 10.º, n.º 2, alínea d), do regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, que, não obstante os objectivos de simplificação e celeridade visados por esse regime jurídico, não se dispensou a indicação, ainda que de forma sucinta, da causa de pedir no requerimento de injunção.

2 – Não há falta de indicação da causa de pedir no requerimento de injunção quando, neste, se alega, como fonte do direito de crédito invocado, a celebração de um contrato de fornecimento de bens ou serviços, a data dessa celebração, a identidade dos outorgantes, o preço convencionado e o não pagamento deste último.

3 – Não faria sentido que, após a convolação do procedimento de injunção numa acção declarativa com processo especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, o tribunal proferisse despacho de aperfeiçoamento do requerimento de injunção, convidando a autora a “densificar a causa de pedir”, se esta última não tivesse sido indicada no mesmo requerimento.


II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"O artigo 10.º, n.º 2, alínea d), do regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09, estabelece que, no requerimento de injunção, o requerente deve “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”. Não obstante os objectivos de simplificação e celeridade visados por aquele regime jurídico, não se dispensou a indicação, ainda que de forma sucinta, da causa de pedir no requerimento de injunção, aliás em termos semelhantes aos estabelecidos no artigo 1.º, n.º 1, do mesmo regime jurídico, segundo o qual, na petição inicial da acção declarativa com processo especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, o autor “exporá sucintamente a sua pretensão e os respectivos fundamentos”.

Por via da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, a falta de indicação da causa de pedir na petição inicial da acção declarativa com processo especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 ou no requerimento de injunção que origine procedimento que, nos termos dos artigos 16.º, n.º 1, e 17.º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, se convole numa acção daquela natureza por efeito da dedução de oposição, determina a ineptidão da petição inicial ou do requerimento de injunção, geradora da nulidade de todo o processo, a qual, por seu turno, constitui uma excepção dilatória, que determina a absolvição do réu da instância [artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea b), do Código de Processo Civil].

Na sentença recorrida, entendeu-se que o requerimento de injunção é inepto, por falta de indicação da causa de pedir, e, com base nesse entendimento, julgou-se verificada a excepção dilatória da nulidade de todo o processo, absolvendo-se os réus da instância.

A recorrente insurge-se contra esta decisão, considerando que a causa de pedir foi indicada no requerimento de injunção, o qual, consequentemente, não é inepto.

No requerimento de injunção, a recorrente indicou, como fonte do direito de crédito invocado, um contrato de fornecimento de bens ou serviços alegadamente celebrado, no dia 03.05.2013, entre ela própria, no exercício da sua actividade, e (…), a quem os recorridos sucederam mortis causa. Ainda de acordo com o requerimento de injunção, o preço dos bens e serviços prestados consta de duas facturas emitidas pela recorrente e cujo pagamento (…) não efectuou, pelo que se encontram em dívida os montantes discriminados no mesmo requerimento.

Isto basta para inviabilizar a conclusão de que o requerimento de injunção é inepto por falta de indicação da causa de pedir. Tenha-se em mente a distinção entre petição inepta e petição meramente deficiente. “Claro que a deficiência pode implicar ineptidão: é o caso de a petição ser omissa quanto ao pedido ou à causa de pedir; mas aparte esta espécie, daí para cima são figuras diferentes a ineptidão e a insuficiência da petição. Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a acção naufraga.” [José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2.º, p. 372].

Ainda que sucintamente, a recorrente expôs os factos que fundamentam a sua pretensão. Esta última funda-se na celebração de um contrato em data e entre pessoas identificadas, no fornecimento de bens pela recorrente em cumprimento desse contrato conforme facturas que também se identificam e na falta de pagamento do preço, que se especifica, pela contraparte. Ainda que exposta de forma sucinta e a carecer de concretização no que concerne aos bens fornecidos, foi indicada a causa de pedir.

Tal concretização dos factos integrantes da causa de pedir que dela careciam foi feita pela recorrente logo na peça processual mediante a qual respondeu às excepções arguidas pelos réus, como resulta dos pontos 4 e 5 supra. Nesse momento processual, a recorrente juntou aos autos, entre outros documentos, as facturas em questão, que discriminam os bens por si fornecidos.

Não obstante, o tribunal a quo ordenou a notificação da recorrente para densificar a causa de pedir, indicando a data de celebração do contrato, as concretas prestações acordadas, o local, os prazos e a verificação do incumprimento.

Ora, a prolação deste despacho pressupõe que o requerimento de injunção não é inepto por falta de indicação da causa de pedir. Se a causa de pedir não tivesse sido, de todo, indicada, seria logicamente impossível a sua densificação. Só é susceptível de densificação aquilo que existe. Se se estivesse perante uma pura e simples falta de indicação da causa de pedir, o tribunal a quo não poderia convidar a recorrente a aperfeiçoar o requerimento de injunção, pois este seria inaproveitável. O disposto no artigo 17.º, n.º 3, do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, segundo o qual, recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais, tem de ser interpretado em conformidade com o disposto no artigo 590.º, nºs 2, al. b), 4, 5 e 6 do Código de Processo Civil. Perante uma petição inicial inepta por falta de indicação da causa de pedir, é inadmissível a prolação de despacho de aperfeiçoamento. A finalidade deste é o mero suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada e não de um vício tão grave como o da ineptidão da petição inicial.

Portanto, a sentença recorrida acaba por ser contraditória com o despacho mediante o qual o tribunal a quo ordenou a notificação da recorrente para densificar a causa de pedir. Ao proferir este último, o tribunal a quo já reconhecera que, ainda que com insuficiências ou imprecisões, o requerimento de injunção não era inepto por falta de indicação da causa de pedir.

Na sequência da sua notificação para proceder à densificação da causa de pedir, a recorrente pronunciou-se nos termos descritos no ponto 7 supra, alegando, nomeadamente, o seguinte: na sequência da aprovação de orçamento apresentado, foi vendida e aceite, pela falecida (…), a mercadoria discriminada nas facturas nºs (…), no valor de € 6.749,73 e (…), no valor de € 471,35, por si emitidas em 11.04.2013 e 10.04.2013; estas facturas foram enviadas à referida (…); os bens facturados foram por si entregues à adquirente nas datas supra mencionadas; as facturas tinham vencimento nessas mesmas datas, ou seja, estavam a pagamento imediato; o pagamento era exigido na íntegra e nas datas de vencimento constantes nas facturas, pelo que é essa a data do incumprimento; o pagamento devia ser realizado na morada constante das facturas emitidas, ou seja, na morada da sede da recorrente.

Após tudo isto, é impossível concluir, como se concluiu na sentença recorrida, que falte a indicação da causa de pedir. Ao contrário, é patente o fundamento da pretensão da recorrente.

Consequentemente, impõe-se revogar a sentença recorrida e ordenar o prosseguimento dos autos."

[MTS]