"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



26/04/2024

CPC online (20)


CPC online


-- Notas

-- Divulga-se a Versão (20) do CPC online;

-- A versão contém a primeira anotação aos art. 410.º a 422.º e actualiza a última versão divulgada.


-- Versão (20) do CPC online

-- MTS, CPC online, NP-Ab-IG; L 41/2013 (vs. 2024.04)

-- MTS, CPC online, Art. 1.º a 129.º (vs. 2024.04)

-- MTS, CPC online, Art. 130.º a 361.º (vs. 2024.04)

-- MTS, CPC online, Art. 362.º a 409.º (vs. 2024.04)

-- MTS, CPC online, Art. 410.º a 422.º (vs. 2024.04)

 

Jurisprudência 2023 (158)


Revisão de sentença estrangeira;
sentença arbitral; caso julgado*


1. O sumário de RP 29/6/2023 (1178/22.8T8OVR-A.P1) é o seguinte:

I - Decorre do art.º 980º, em conjugação com o art.º 983º nº 1, ambos do CPC, e do art.º 56º da LAV, que a revisão de sentenças estrangeiras é de índole formal, por contraposição a um juízo de mérito.

II - Porém, não se pode confundir o mérito da decisão revidenda com as questões suscitadas e apreciadas na decisão revisora, no âmbito das questões que ao Tribunal de revisão é lícito conhecer.

III - Quanto a estas, as questões suscitadas e apreciadas na decisão revisora no âmbito da sua competência (designadamente as elencadas no art.º 980º do CPC e no art.º 56º da LAV), ficam já sujeitas ao caso julgado e à autoridade de caso julgado.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"9.2. Do caso julgado formado pela sentença de revisão-confirmação de sentença estrangeira

Segundo os art.º 619º e 621º do CPC, «Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele (…)» e, «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)».

Quando se trata de apurar da influência de uma decisão anterior num processo que lhe é posterior, trata-se do caso julgado material. Visa-se com ele obstar a que o tribunal possa vir a repetir ou contradizer a decisão anterior, invalidando a certeza e segurança jurídicas subjacentes às decisões dos tribunais.

E, como é sabido, ele pode ser visto ou influenciar a sorte da ação numa dupla dimensão, consoante os seus efeitos se repercutirem na esfera processual/adjetiva, ou na esfera substantiva.

No primeiro caso, estamos perante um efeito impeditivo ou negativo, o tribunal fica impedido de repetir ou contradizer a decisão anterior, e, daí, a sua operância como exceção dilatória (natureza simplesmente adjetiva): art.º 577º al. i) do CPC.

No segundo caso, está em causa o seu efeito positivo, dirigindo-se um comando ao tribunal, vinculando-o ao mesmo resultado (o de não repetir ou contradizer decisão anterior) com a autoridade de caso julgado, (natureza simultaneamente adjetiva e substantiva).

Em resumo, «Seja qual for o seu conteúdo, a sentença produz, no processo em que é proferida, o efeito de caso julgado formal, não podendo mais ser modificada (art. 672). Mas, quando constitui uma decisão de mérito (“decisão sobre a relação material controvertida”), a sentença produz também, fora do processo, o efeito de caso julgado material: a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual (...), distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda acção (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade do caso julgado).». [José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª edição, 2008, Coimbra Editora, pág. 713/714. No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa, "O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material", estudo publicado no Boletim do Ministério da Justiça (BMJ), nº 325, pág. 167.]

Por outro lado, constitui jurisprudência assente que, «Nos limites objectivos do caso julgado material incluem-se todas as questões e excepções suscitadas e solucionadas, ainda que implicitamente, na sentença, que funcionam como pressupostos necessários e fundamentadores da decisão final.» [Acórdão do STJ de 05.05.2005(nº do Documento: SJ200505050006027). No mesmo sentido, e do mesmo STJ, acs. de 09.07.998 (Proc. 620/98), de 24.02.2002 (Proc. 671/02), de 15.01.2004 (Proc. 3992/03), de 25.11.2004 (Proc. 3703/04), e de 25.11.2004 (Proc. 04B3703), todos disponíveis em www.dgsi.ptsítio a ter em conta nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.]

No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa [In “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, LEX, Lisboa, 2.ª Edição, pág. 578-579.], «toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto ou de direito) o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.»

No caso, trata-se da execução de uma sentença arbitral estrangeira.

Nos termos do nº 7 do art.º 42º da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), o caso julgado arbitral é equiparado ao formado por sentença judicial, A sentença arbitral de que não caiba recurso e que já não seja suscetível de alteração no termos do artigo 45.º tem o mesmo carácter obrigatório entre as partes que a sentença de um tribunal estadual transitada em julgado e a mesma força executiva que a sentença de um tribunal estadual.

Esta interpretação já foi sancionada pelo Tribunal Constitucional, «A expressa referência constitucional aos tribunais arbitrais impede que seja questionada a sua legitimidade, pelo menos no que toca aos tribunais arbitrais voluntários (e o artigo 1522º insere-se nas disposições que conformam este tipo de tribunais). Consequentemente, não pode também ser questionada a força de caso julgado atribuída às respectivas decisões.» [Acórdão nº 506/96, de 21/03/1996.]

Sobre a execução das sentenças arbitrais, a LAV contém também regras específicas: art.º 47º e 48º.

O mesmo acontece sobre o procedimento de revisão e reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras, com vista a obter a sua executoriedade em Portugal: art.º 55º a 68º.

A fim de obter a executoriedade, a Exequente/Embargada suscitou o reconhecimento de decisão arbitral, que decorreu neste Tribunal da Relação sob o nº 20/21.1YRPRT. E a decisão nele proferida foi «decretando o reconhecimento, para efeitos de posterior execução, da sentença arbitral proferida a 11.03.2020 pelo Árbitro Único do Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo – Suécia».

É certo que, como decorre do art.º 980º, em conjugação com o art.º 983º nº 1, ambos do CPC, e art.º 56º da LAV, ao Tribunal revisor apenas compete exercer uma sindicância de carácter formal e não proceder a um reexame de mérito da decisão revidenda, seja pela apreciação dos factos sujeitos a julgamento, seja pelas regras de direito material que foram aplicadas aos factos. A revisão de sentenças estrangeiras é, pois, de índole formal, por contraposição a um juízo de mérito.

Porém, não se pode confundir o mérito da decisão revidenda com as questões suscitadas e apreciadas na decisão revisora, no âmbito das questões que ao Tribunal de revisão é lícito conhecer, designadamente as elencadas no art.º 980º do CPC e no art.º 56º da LAV. [Como refere António Sampaio Caramelo, citando Louis Christophe Delanoy, in “O Reconhecimento e Execução de Sentenças Estrangeiras”, 2016, pág. 128-129: «Ao contrário, em sede de controlo da sentença, o juiz não se pronuncia sobre o litígio primário que foi objecto da sentença arbitral, mas apenas averigua a existência nesta de certas condições de regularidade que permitem a sua equiparação à sentença de um tribunal estadual; é exclusivamente sobre este litígio secundário que versa a apreciação do juiz de controlo.»]

Estas, as questões suscitadas e apreciadas na decisão revisora, naturalmente que já ficam sujeitas ao caso julgado e à autoridade de caso julgado.

Ora, como decorre da análise do processo nº 20/21.1YRPRT, transitado em julgado, o acórdão aí proferido não integrou uma decisão de preceito, no sentido de se ter bastado com a apreciação dos items referidos no art.º 980º do CPC de forma acrítica ou meramente formal.

É que, aí citada a ora Executada/Embargante, teve ela uma posição ativa e substancial nesse processo. Assim, para além da suspensão dos autos, ela deduziu oposição, na qual suscitou as seguintes questões: (i) a sentença arbitral não reúne as condições legais para ser reconhecida, em particular em face do preceituado no artigo 980º, do CPC; (ii) não resultar dos autos a menção ao trânsito em julgado da decisão revivenda; (iii) a sentença estrangeira provém de tribunal cuja competência foi provocada em fraude à lei; (iv) a falta de jurisdição do tribunal arbitral, por falta de um prévio e válido compromisso arbitral entre as partes; (v) não ter sido regularmente citada no processo arbitral, colocando em crise os seus direitos essenciais de defesa, designadamente do contraditório e da igualdade das partes; (vi) o pagamento da quantia peticionada.

Nesse processo foi ainda produzida prova complementar e produzidas alegações.

E no acórdão conheceu-se e decidiu-se as seguintes questões:

i. a sentença arbitral proferida transitou em julgado.

ii. sobre a competência do tribunal arbitral sueco ter sido provocada em “fraude à lei” ─ «não existe qualquer violação do âmbito da competência internacional exclusiva dos tribunais portugueses, concorrendo a competência destes últimos com a competência internacional de qualquer outro Estado e face ao caracter plurilocalizado do litígio».

iii. Sobre a falta de jurisdição do tribunal arbitral sueco por mor da inexistência de um prévio e válido compromisso arbitral (forma escrita e assinatura por ambas as partes) ─ «ao contrário do sustentado pela Ré, nas sobreditas circunstâncias, nenhum óbice existe quanto à questão da forma escrita da convenção de arbitragem (cláusula compromissória) e, ainda, quanto à sua subscrição/aceitação, ainda que o documento que incorpora os termos e condições e a dita convenção não se mostre assinado por qualquer uma das partes. Improcede, pois, também este outro fundamento de oposição ao reconhecimento invocado pela Ré.»

iv. Sobre a falta e regularidade da citação, direitos essenciais de defesa, o princípio do contraditório e da igualdade das partes ─ «Ora, perante esta resenha da evolução do processo arbitral – que não foi minimamente posto em causa por alguma prova produzida ou oferecida pela Ré -, não se alcançam os fundamentos para a afirmação da Ré quanto à alegada violação do princípio do contraditório e da igualdade de armas processuais. De facto, em termos singelos e face às evidências antes expostas, dir-se-á que ao cumprimento do contraditório e da igualdade de armas basta-se a lei pela circunstância de ser concedida às partes, em termos efectivos, a possibilidade de exercerem os seus direitos ou faculdades processuais em pé de igualdade uma com a outra; se a própria parte, apesar de informada dos trâmites processuais e da possibilidade de exercer as faculdades que lhe são proporcionadas pela lei processual, como sucedeu com a aqui Ré, as não pretende usar, naturalmente, que inexiste qualquer violação daqueles princípios fundamentais, mas antes uma opção deliberada da parte, que, em tais circunstâncias, só lhe pode ser imputada. De facto, o que ressuma da intervenção da Ré no processo arbitral (e que a mesma acaba por reproduzir também neste processo) é a sua petição de princípio quanto à invalidade ou inexistência de uma convenção de arbitragem escrita e vinculativa, petição esta que, como já vimos, se mostra infundada.»

v. Também se decidiu sobre o respeito pelos princípios fundamentais da ordem pública internacional, que se consideraram verificados.

Visto isto, temos de concluir que as questões em causa no processo de revisão e reconhecimento de sentença arbitral estrangeira ficaram cobertas pela autoridade de caso julgado. Daí que não possam voltar a ser apreciadas em sede de embargos de executado.

Nessa medida, estando o Tribunal sujeito a essa autoridade de caso julgado, não pode dizer-se que se incorreu em violação do dever de gestão processual ou do princípio da cooperação. Ao contrário, eles são a sua concretização e impunham-se-lhe."

[MTS]


24/04/2024

Jurisprudência 2023 (157)


Cumulação de pedidos;
requisitos*


1. O sumário de RL 27/9/2023 (2294/21.9T8AMD.L1-4) é o seguinte:

À luz da reforma do Código de Processo Civil operada pela Lei 41/2013, de 26 de Junho e de acordo com o disposto no art.º 590.º n.ºs 2 e 3, desse diploma legal, é de seguir o entendimento que preconiza dever o juiz convidar o autor a aperfeiçoar a petição inicial em que se tenham deduzido pedidos incompatíveis, mediante a escolha daquele que pretende seja apreciado na acção ou a ordenação de ambos em relação de subsidiariedade.


2. No relatório e na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"1.–Relatório

1.1.–AAA instaurou a presente acção declarativa de condenação contra Mútua dos Pescadores, Mútua de Seguros, CRL, pedindo que seja anulada a declaração aposta no recibo de indemnização e condenação a Ré pagar-lhe duas indemnizações, uma de valor nunca inferior a 7.500€ por conta da IPP de pelo menos 10% e outra por danos morais pela quantia de 5.000€, acrescidas de juros de mora desde a data da alta clínica, isto é, 17.05.2021, até integral pagamento.

Alegou, para tanto, que em 29.07.2020, o A. celebrou com a Junta de Freguesia de Encosta do Sol um contrato emprego-inserção; a Junta de Freguesia de Encosta do Sol transferiu a sua responsabilidade decorrente de acidentes pessoais para a R., a qual é titulada pela apólice n.º 14.00108599; a 14.08.2020 sofreu um acidente de trabalho, do qual recebeu alta a 31.08.2020; a 09.12.2020 foi novamente vítima de acidente de trabalho, do qual recebeu alta a 17.05.2021; dias depois, foi contactado por um funcionário da R., informando-o que iriam proceder ao pagamento da quantia de 3.750€, desde já, por força das sequelas sofridas pelo A. no pé e joelho direitos; nesse seguimento, a R. remeteu ao A. o recibo nº 21.05.75721, precisamente atestando o pagamento do valor indicado; após aquela data, ficou a aguardar que fosse dado seguimento ao problema da sua mão esquerda, ainda em resultado do segundo acidente de trabalho; porém, obteve da R. que o sinistro já tinha sido encerrado e que já tinha recebido a totalidade da sua indemnização; tem agora noção do que consta do recibo pelo mesmo assinado, mas a verdade é que apôs a sua assinatura no mesmo em manifesto erro, porque estava totalmente convicto que se tratava apenas da indemnização devida por força da incapacidade permanente que ficou afectado, em resultado dos acidentes ocorridos, exclusivamente quanto ao pé e joelho direitos; se tivesse a percepção, no momento em que recebeu aquele valor e assinou o respectivo recibo, estava a ser alegadamente ressarcido de todos os danos e que a incapacidade fixada, de 5%, se referia à totalidade das sequelas, nunca teria aceite o referido montante, nem teria assinado o referido recibo; assim, nos termos do disposto no artigo 247.º do Código Civil, a declaração do A., aposta no recibo de que se encontra totalmente ressarcido dos danos decorrentes do acidente em causa nos presentes autos com o recebimento da quantia de 3.750€ e que exonera a R. de qualquer responsabilidade decorrente dos acidentes que o A. sofreu é anulável, o que desde já se invoca e requer. [...]

A 02.06.2022, o Juízo Local Cível da Amadora declarou-se incompetente para conhecer do pleito (fls. 53 a 54).

Após trânsito desse despacho, foi ordenada a remessa ao Juízo do Trabalho de Sintra (fls. 56).

Por despacho de fls. 66 a 68 verso, consignou-se o seguinte:

“Nestes termos, entendeu-se que a acção não pode prosseguir pois:

– Aceitando-se a competência deste Tribunal para conhecer da reparação dos danos resultantes de acidente ocorrido no desempenho das funções ao abrigo de um contrato emprego-inserção, não é possível aproveitar os articulados para esse fim;

– Não se julga competente este Tribunal, em razão da matéria, para conhecer em acção comum do pedido de anulação declaratória e de condenação por danos morais, por não emergentes de relação de trabalho subordinado.

É que, feito este excurso, o peticionado corresponde a uma cumulação ilegal de pedidos (artigo 555.º do Código de Processo Civil), porquanto:

Aos pedidos feitos correspondem formas de processo incompatíveis;

A cumulação ofende regras de competência em razão da matéria;

Sem que haja possibilidade de fazer prosseguir a acção mesmo enquanto acção especial, dando-se cumprimento ao disposto no artigo 38.º do Código de Processo Civil, pois, como se viu, não é possível aproveitar os articulados para esse fim.

Estamos, por isso, perante uma excepção dilatória que determina a absolvição da instância da R. (artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea f), e 578.º do Código de Processo Civil).

Decisão: pelo exposto, absolvo a R. da instância”.

1.2.–Inconformado com esta decisão dela recorre o Autor [...].

1.5.–Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.

Cumpre apreciar e decidir

2.–Objecto do recurso

[...] a questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se ocorre nulidade em virtude de não ter sido proferido despacho nos termos do art.º 590.º n.ºs 2, 3 e 4 do CPC. [....]

4.–Fundamentação de Direito

Da existência de nulidade por não ter sido proferido despacho nos termos do art.º 590.º n.ºs 2, 3 e 4 do CPC

Dispõe o art.º 590.º do CPC,~

“(…) 2-Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a)Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
b)Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c)Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3-O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4- Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
5- Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
6- As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.ºs  4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu.
7- Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados”.

Segundo o art.º 6.º n.º 2 do CPC:

“O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.”

Por seu turno, o art.º 186.º do mesmo diploma reza o seguinte:

1- É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
2- Diz-se inepta a petição: (…)
c)Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.(…)”

Como é sabido, o pedido corresponde ao meio de tutela jurisdicional pretendido pelo Autor - o efeito jurídico que o Autor quer obter com a ação (Antunes Varela e Outros, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2.ª Edição, pág. 243). Traduz a solicitação de concreta providência para tutela do interesse afirmado pelo autor, devendo, como tal, ser claro, compreensível, inteligível e idóneo (Castro Mendes, “Direito Processual Civil”, Volume II, FDL, pág. 357). 

Acresce que o autor pode deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação (art.º 555.º n.º 1, do CPC).

Nos termos do citado art.º 590.º, para além das situações previstas na sua alínea a), compete igualmente ao juiz endereçar convite às partes para estas aperfeiçoarem os seus articulados, suprirem irregularidades e insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (n.º 2, alínea b) e n.º 4), o que significaria, à partida, que a ineptidão da petição inicial (por cumulação ilegal de pedidos) não daria lugar ao despacho de aperfeiçoamento.

Sucede que,

Para se aferir da incompatibilidade substancial de pedidos interessa apenas a contradição lógica, a incompatibilidade material de pedidos que conduzam à ambiguidade da pretensão e do efeito pretendido. [...]

No presente caso, relembra-se, o Autor invocou ter celebrado com a Junta de Freguesia de Encosta do Sol um contrato emprego-inserção, tendo esta transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalho. No âmbito desse contrato sofreu dois acidentes de trabalho (em 14.08.2020 e 09.12.2020).  Tendo sido contactado por funcionário da Ré no sentido de que iria aquela proceder ao pagamento da quantia de 3.750€, referente à indemnização pelas sequelas sofridas pelo Autor relativas a um dos acidentes, o Autor acabou por assinar recibo, atestando o pagamento desse valor.  E ficou a aguardar que fosse dado seguimento ao problema (da sua mão esquerda) decorrente do segundo acidente de trabalho, vindo a ser informado, posteriormente, que o sinistro estava encerrado e paga a totalidade da indemnização. Mais refere que assinou o recibo em erro, visto estar convicto de que se tratava apenas de indemnização por um dos acidentes que sofreu. Se tivesse tido a percepção, quando recebeu aquele valor e assinou o recibo, de que não estava a ser ressarcido por todos os danos e que a incapacidade fixada se referia à totalidade das sequelas, nunca teria aceite o referido montante, nem assinado tal recibo, sendo anulável tal declaração. Aduziu também que face às lesões e sequelas de que padece, fruto dos sinistros ocorridos, deve ser-lhe atribuída uma desvalorização/incapacidade permanente, nunca inferior a 10%, segundo a TNI, a que corresponde uma indemnização de valor nunca inferior a € 7.500,00, a que acresce a indemnização pelos danos morais e dores constantes que o Autor sofre e continuará a sofrer, que deve ser arbitrada em € 5.000,00 (cinco mil euros).  

Nessa sequência, pediu que a acção seja “julgada procedente, e, em consequência, anulada a declaração aposto no referido recibo e a R. condenada a pagar ao A. uma indemnização global nunca inferior a € 12.500,00, acrescida de juros de mora, desde a data da alta clínica, 17.05.2021, até integral e efectivo pagamento”.

Como resulta da decisão recorrida, o Mmo. Juiz considerou-se competente para conhecer de processo que vise a reparação dos danos resultantes de acidente de trabalho e também o pedido de anulação da declaração que o Autor emitiuAcabou, porém, por considerar não ser possível aproveitar os articulados aqui produzidos, considerando existir cumulação ilegal de pedidos (art.º 555.º do Código de Processo Civil), os quais correspondem a pedidos referentes a formas de processo incompatíveis, o que ofende as regras de competência em razão da matéria - concluindo, assim, pela verificação de uma excepção dilatória, tendo, como tal, absolvido a Ré da instância. [...]

Assim sendo, configurando-se uma cumulação ilegal de pedidos, à luz do supra exposto entendimento, deveria o Mmo. Juiz, ao invés de ter absolvido o Réu da instância, ter formulado convite ao Autor para este vir indicar qual o pedido que pretende ver apreciado neste processo, sob a cominação de não o fazendo ser o Réu absolvido da instância quanto a todos eles (art.º 38.º, n.º 1, 555.º n.º 1, do CPC “ex vi” do art.º 1.º n.º a alínea a), do CPT).

Essa ausência de convite traduz a prática de uma nulidade, nos termos do art.º 195.º do CPC, visto se traduzir na omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, com influência na decisão da causa. E porque está a mesma coberta por decisão é a mesma impugnável por via de recurso."


*3. [Comentário] a) Não se discute o raciocínio que esteve subjacente à fundamentação do acórdão, mas, salvo o devido respeito, não se percebe o que é que ele tem a ver com o caso sub iudice.

Pelo que se compreende do relatado no acórdão, o que sucedeu foi o seguinte:

-- O Autor instaurou uma acção na qual formulou dois pedidos: um pedido de anulação da declaração aposta num recibo; um pedido de condenação da Ré pagar-lhe duas indemnizações, uma para reparação dos danos sofridos em dois acidentes de trabalho e uma para reparação de danos morais;

-- O tribunal no qual a acção foi proposta declarou-se materialmente incompetente para apreciar a acção; a pedido do Autor, os articulados foram remetidos para um Juízo do Trabalho;

-- Este Juízo proferiu um despacho do seguinte teor:

"– Aceitando-se a competência deste Tribunal para conhecer da reparação dos danos resultantes de acidente ocorrido no desempenho das funções ao abrigo de um contrato emprego-inserção, não é possível aproveitar os articulados para esse fim;
 
– Não se julga competente este Tribunal, em razão da matéria, para conhecer em acção comum do pedido de anulação declaratória e de condenação por danos morais, por não emergentes de relação de trabalho subordinado."

A articulação entre estas duas partes do despacho não é evidente. Seja como for, no mesmo despacho afirma-se ainda o seguinte:

"É que, feito este excurso, o peticionado corresponde a uma cumulação ilegal de pedidos (artigo 555.º do Código de Processo Civil), porquanto:
 
– Aos pedidos feitos correspondem formas de processo incompatíveis;
 
– A cumulação ofende regras de competência em razão da matéria;
 
Sem que haja possibilidade de fazer prosseguir a acção mesmo enquanto acção especial, dando-se cumprimento ao disposto no artigo 38.º do Código de Processo Civil, pois, como se viu, não é possível aproveitar os articulados para esse fim.

Estamos, por isso, perante uma excepção dilatória que determina a absolvição da instância da R. (artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea f), e 578.º do Código de Processo Civil)."

Disto resulta:

-- Uma certeza: a excepção dilatória que o Juízo do Trabalho invoca é a falta de conexão entre os pedidos cumulados (art. 577.º, al. f), CPC);

-- Uma dúvida: não é clara a razão pela qual o Juízo do Trabalho entende que "não é possível aproveitar os articulados" para conhecimento das indemnizações correspondentes aos acidentes de trabalho; será que (o que é improvável) o alegado não é suficiente para esse "aproveitamento"?

b) É claro que a invocação do disposto no art. 577.º, al. f), CPC no despacho do Juízo do Trabalho só pode ser um equívoco. Se, para a 1.ª instância, os problemas se referiam à diversidade das formas do processo e à competência em razão da matéria (nomeadamente para conhecer do pedido prejudicial relativo à anulação da declaração do Autor), era nessa base que se deveria ter decidido. 

No entanto, também é evidente que, em parte alguma do seu despacho, o Juízo do Trabalho invoca a incompatibilidade substancial entre os pedidos cumulados a que se reporta o art. 186.º, n.º 2, al. c), CPC. É por isso que permanecem enigmáticas as razões pelas quais a RL sentiu necessidade de enquadrar o objecto do recurso na "incompatibilidade substancial de pedidos", tanto mais que não se descobre nenhuma incompatibilidade entre o pedido (prejudicial) de anulação da declaração negocial, o pedido de indemnização dos danos decorrentes dos dois acidentes de trabalho e o pedido de indemnização dos danos morais. A haver problemas, eles respeitam à compatibilidade processual (não substancial) entre os pedidos.

c) Se bem se percebe toda a situação, também não é fácil imaginar como é que a 1.ª instância pode dar cumprimento ao decidido pela RL. Para a 1.ª instância, o problema era de compatibilidade dos pedidos quanto à competência material e à forma do processo; para a RL, o problema é de incompatibilidade substancial entre os pedidos e de escolha de um dos vários pedidos formulados pelo autor. Efectivamente, um diálogo difícil entre as instâncias.
 
MTS


Apoio à investigação (27)


Códigos italianos

No site da Biblioteca Centrale Giuridica do Ministero della Giustizia é possível encontrar alguns úteis elementos bibliográficos sobre a elaboração de vários códigos italianos.


23/04/2024

Jurisprudência uniformizada (67)


Massa insolvente; providência conservatória;
venda executiva

-- Ac. STJ 4/2024, de 23/4, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido:

O produto da venda dos bens penhorados em processo de execução, no qual tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, com trânsito em julgado, só é de considerar pago ou repartido entre os credores, para os efeitos do artigo 149.º, n.º 2, do CIRE, com a respectiva entrega. - O titular de um crédito reconhecido e graduado por sentença transitada em julgado num processo de execução, apensado ao processo de insolvência do devedor/executado, não está dispensado de reclamar o seu crédito, no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.


Bibliografia (1121)


-- Barbieri, Federica, La direzione del giudice e l’economia processuale (E.S.I.: Napoli 2024)


Jurisprudência constitucional (226)


Direito ao recurso


1. TC 10/4/2024 (292/2024) decidiu o seguinte:

a) não conhecer do objeto do recurso relativamente à norma contida no artigo 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil;

b) não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 62.º, n.º 1, da Lei Organização, Competência e Funcionamento dos Julgados de Paz (Lei n.º 78/2001, de 13 de julho), na redação introduzida pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso para os tribunais da Relação das decisões dos tribunais de comarca que apreciem as impugnações de decisões dos julgados de paz; [...]

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"2. O recorrente indica, como objeto do recurso, (i) a norma contida no artigo 62.º, n.º 1, da LJP, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso para os tribunais da Relação das decisões dos tribunais de comarca que apreciem as impugnações de decisões dos julgados de paz e (ii) a norma contida no artigo 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), na interpretação segundo a qual “[…] o recurso ordinário só é admissível, quando a causa tenha valor superior à alçada do Tribunal de que se recorre”.

Como resulta do despacho do relator referido em 1.2.3., supra, prefigura-se a questão prévia da admissibilidade do recurso relativamente à segunda questão.

2.1. O artigo 62.º da LJP tem a seguinte redação:

Artigo 62.º
Recursos

1 – As decisões proferidas nos processos cujo valor exceda metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas por meio de recurso a interpor para a secção competente do tribunal de comarca em que esteja sediado o julgado de paz.

2 – O recurso tem efeito meramente devolutivo.


Por sua vez, o artigo 63.º da LJP prevê o seguinte:

Artigo 63.º
Direito subsidiário

É subsidiariamente aplicável, no que não seja incompatível com a presente lei e no respeito pelos princípios gerais do processo nos julgados de paz, o disposto no Código de Processo Civil, com exceção das normas respeitantes ao compromisso arbitral, bem como à reconvenção, à réplica e aos articulados supervenientes.

Por fim, o artigo 629.º, n.º 1, do CPC estabelece:

Artigo 629.º
Decisões que admitem recurso

1 – O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa. [...[

Como se afigura evidente, os critérios dos artigos 62.º da LJP e do artigo 629.º, n.º 1, do CPC são alternativos entre si, ou seja, para decidir acerca da recorribilidade de uma decisão do tribunal de comarca, o Tribunal da Relação aplicará o artigo 62.º da LJP (concluindo que nunca há lugar a recurso) ou o artigo 629.º do CPC (concluindo que há lugar a recurso ou não, conforme se verifiquem ou não os requisitos da alçada e da sucumbência).

Foi precisamente essa a conclusão do acórdão recorrido, que, ao aderir aos fundamentos da decisão singular do Senhor Juiz Desembargador relator conclui, sem qualquer ambiguidade, que “[…] mesmo que se admitisse – arguendo – que o recorrente pretende controverter a constitucionalidade da norma do art. 629.º do CPC, com o sentido de o valor da ação ser o único critério relevante para a recorribilidade de uma dada decisão, sempre seria de continuar a concluir pela inadmissibilidade do recurso, dado que tal norma é meramente hipotética ou virtual, não consubstanciando de modo algum a ratio decidendi na decisão recorrida […]”. É certo que, no segmento final do acórdão recorrido, se pode ler que “[…] a admissibilidade de recurso está condicionada, através de limites objetivos fixados na lei, derivados, nomeadamente, da natureza dos interesses envolvidos, da menor relevância das causas ou da repercussão económica para a parte vencida (cfr. art. 629.º/1 do CPC) […]”, mas trata-se, aqui, já de um obiter dictum, em que o tribunal recorrido afirma, em termos gerais, que a lei pode estabelecer a irrecorribilidade em função de certos critérios, dando como exemplo o artigo 629.º, n.º 1, do CPC, sem que este tenha constituído critério normativo da decisão concreta, como – insiste-se – foi expressamente afastado. Como se faz notar no despacho do relator transcrito em 1.2.3., supra, “[o] que se poderá dizer é que, eventualmente, caso o recurso venha a ser procedente relativamente à norma do artigo 62.º, n.º 1, da [LJP], o tribunal recorrido, quando proferir nova decisão nos termos do artigo 80.º, n.º 2, da LTC, poderá vir a aplicar o disposto no artigo 629.º, n.º 1, do CPC. Porém, não o fez na decisão recorrida”. Efetivamente, só se, por via de uma eventual procedência do presente recurso de constitucionalidade, o tribunal recorrido se visse vinculado a proferir nova decisão sem aplicar o disposto no artigo 62.º, n.º 1, da LJP é que poderia, então, equacionar a aplicabilidade do disposto no artigo 629.º, n.º 1, do CPC, por remissão do artigo 63.º da LJP.

Tanto basta para concluir que, relativamente à segunda questão de inconstitucionalidade referida em 2., supra, se mostra inútil o conhecimento do objeto do recurso, uma vez que uma decisão de procedência não teria como consequência a modificação da decisão recorrida, visto que esta não aplicou a norma enunciada pelo recorrente.

Consequentemente, não se tomará conhecimento do objeto do recurso relativamente a essa questão."

[MTS]


Jurisprudência 2023 (156)


Acção judicial;
ofensa do direito ao bom nome

1. O sumário de RP 29/6/2023 (21209/20.5T8PRT.P1) é o seguinte:

I - A ofensa do direito à honra e ao crédito pode ser praticada nos articulados de uma acção judicial e não é o simples facto de isso constituir o exercício do direito de acesso à justiça que exclui, sem mais, a ilicitude da ofensa.

II - Todavia, o contexto da acção pode permitir concluir que determinadas afirmações não podem ser qualificadas como ofensivas e ilícitas.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"O autor pretende através da presente acção obter da ré e da interveniente principal uma indemnização pelos danos que diz ter sofrido em consequência das ofensas ao seu direito ao crédito e ao bom nome perpetradas por aqueles nos articuladas de duas acções judiciais.

A regra básica de distribuição dos riscos e que constitui um dos princípios básicos da responsabilidade traduz-se na máxima casum sensit dominus. A imputação delitual dos danos a outrem pressupõe a lesão de direitos subjectivos, de posições jurídicas que mereçam ser protegidas de qualquer agressão.

Só porque ocorreu um dano e ele resultou de uma actuação voluntária do agente não se pode concluir de forma automática pela responsabilidade do agente pelo ressarcimento dos danos. Fora dos casos excepcionais em que o próprio legislador responsabiliza o agente por factos lícitos, para haver responsabilidade é necessário, desde logo, haver um acto ilícito.

A ilicitude pode resultar da violação de direitos subjectivos ou normas legais de protecção ou da violação de deveres de prestação de origem contratual.

Nos termos do artigo 483.º do Código Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Ao definir o âmbito da responsabilidade civil, este preceito distingue duas modalidades básicas de ilicitude: a violação de um direito de outrem e a violação de qualquer disposição legal destinada à protecção de interesses alheios.

No primeiro caso, a ilicitude advém da ofensa perpetrada a um determinado bem jurídico que a lei protege mediante a qualificação desse interesse como um verdadeiro direito da pessoa. No outro, a ilicitude provém de uma actuação desconforme com a regra de conduta que a lei impõe como forma de tutela de interesses de outrem. Ao lado dessas duas modalidades básicas de ilicitude para efeitos de responsabilidade civil, encontram-se várias outras previsões específicas de actos ilícitos.

Uma delas é o artigo 484.º do Código Civil, segundo o qual quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados. Aqui a ilicitude traduz-se na ofensa ao crédito ou ao bom-nome de uma pessoa singular ou colectiva, através da divulgação de factos susceptíveis de os prejudicar.

Este preceito é a concretização dos meios de tutela dos direitos de personalidade, consagrados no n.º 2 artigo 70.º. Segundo este preceito, a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, sendo que a pessoa ameaçada ou ofendida, independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.

Tal preceito visa cumprir o estabelecido no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, o qual reconhece a todos, entre outros direitos pessoais, o direito ao bom nome e à reputação, como expressão directa do princípio da dignidade humana. Este direito fundamental tem por objecto o tipo de representação que os outros têm sobre uma pessoa, abrangendo todos os aspectos relativos a uma projecção social positiva e à consideração daí resultante no seio da sociedade. [...]

A ofensa ao crédito da pessoa ocorre quando se atinge, diminui ou coloca em causa a confiança dos outros na capacidade ou na vontade de uma pessoa para satisfazer as suas obrigações, a crença dos outros em que a pessoa não faltará aos seus compromissos, a imagem pública quanto à sua capacidade ou vontade de honrar e satisfazer os seus compromissos de natureza económica, a projecção social das aptidões e capacidades económicas dos autores (apud Capelo de Sousa, in O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, 1995, pág. 304 e Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, página 549). [...]

Não há, contudo, violação do direito ao crédito de alguém sem a publicitação do acto que pode afectar esse direito, sem se tornar pública a imputação a alguém de uma actuação que possa atingir, diminuir ou colocar em causa a confiança dos outros na capacidade ou na vontade da pessoa para satisfazer as suas obrigações.

Para haver ilicitude, consubstanciada numa violação injusta do direito ao crédito, é necessário que o agente tenha tornado pública a imputação da actuação que pode importar a lesão do direito, tenha transmitido essa imputação a terceiros levando-os a crer na imputação e a formarem uma convicção sobre a veracidade da imputação e a actuarem em conformidade com isso.

Já o bom nome de uma pessoa é ofendido quando se prejudica, diminui ou coloca em crise o conceito favorável que a pessoa tem na comunidade, o reconhecimento público da imagem positiva que ela logrou obter ou construir na comunidade com que se relaciona e onde é conhecida, o seu prestígio ou reputação. [...]

No caso dá-se a circunstância de as afirmações alegadamente ofensivas do direito ao crédito e ao bom nome terem sido feitas nos articulados de acções instauradas pelo aqui autor contra a aqui ré e a interveniente principal. Sabendo-se que a ilicitude é excluída quando há consentimento do lesado ou a actuação do agente corresponde ao exercício de um direito legítimo ou ao cumprimento de um dever, coloca-se a questão de saber como se relacionam o direito de acesso à justiça e à defesa e o direito ao bom nome e ao crédito.

O direito de acesso à justiça, tal como o direito à honra e à consideração pessoal, é um direito constitucionalmente garantido, dotado da tutela que é própria dos direitos fundamentais. Essa circunstância impõe algum cuidado na responsabilização da parte que toma a iniciativa do processo pelas consequências da sua instauração ou daquela que confrontada com um processo se vê obrigada a apresentar a sua defesa. Designadamente, não pode nunca permitir que da simples perda da demanda se conclua pela ilegitimidade da iniciativa processual ou que do simples decaimento da defesa se conclua pela ilicitude dos factos alegados como meio de defesa, e se retire o dever de indemnizar a parte contrária dos prejuízos sofridos em consequência da demanda.

Sucede, porém, que esse direito não é, como não são outros de maior relevo, irrestrito ou insusceptível de adequação prática e, portanto, não pode servir nunca para legitimar toda e qualquer postura processual. Seria inconcebível que o processo, enquanto conjunto de regras instrumentais destinadas a permitir a aplicação do direito substantivo ao caso concreto e a realização da Justiça, pudesse afinal permitir a violação impune de direitos materialmente consagrados. Se o processo serve, por exemplo, para que uma pessoa ofendida nos seus direitos de personalidade possa obter o ressarcimento dos danos que essa violação lhe causou, evidentemente que não pode servir para acobertar nova violação desses direitos no decurso do processo e através do processo e isentar de responsabilidade o autor do novo acto ilícito.

direito de acção, nomeadamente na acepção de direito de defesa é um direito instrumental, no sentido de que não consubstancia em si mesmo um direito subjectivo material, mas é somente o mecanismo através do qual se obtém a tutela dos direitos substantivos. Esse direito não compreende nem exige no e para o seu exercício qualquer carta branca para se poder dizer ou fazer tudo no processo, designadamente violar legítimos direitos de outrem.

A Constituição de República Portuguesa consagra no seu artigo 20.º o direito de acesso aos tribunais, dizendo que a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente. O mesmo consagra o legislador ordinário no artigo 2.º do Código de Processo Civil. Em ambos os casos a consagração é irrestrita, isto é, não exceptua as violações de direitos perpetradas no âmbito de um processo judicial, o que significa, precisamente com base nesses preceitos, que também a pessoa que viu os seus direitos violados no âmbito de um processo goza da faculdade de lançar mão dos mecanismos judiciais que tenham por objecto reconhecer os seus direitos em juízo, prevenir ou reparar a violação deles, realizá-los coercivamente.

Se mais não fosse alcançar-se-ia a mesma solução com recurso ao princípio da boa fé e ao instituto do abuso de direito, presente em todo o sistema jurídico e, como tal, também, no sistema de regras que é o caminho para a realização dos direitos materiais, isto é, o processo. O processo visa antes de mais a protecção, a defesa, a realização, o ressarcimento da violação dos direitos legítimos, dos direitos merecedores - quanto ao conteúdo ou ao modo de exercício - dessa tutela e, por isso, tem de ser ele mesmo inócuo, no sentido de que tal como deve ser garantia da efectiva tutela a que tende, não pode ser ele mesmo fonte de violação desses direitos. O contrário seria uma afronta flagrante do princípio da boa fé que nada justifica e, sobretudo, uma violação das próprias regras de direito material enformadas por aquele.

Assim, em regra, uma actuação processual que importe a violação de direitos materiais legítimos não pode deixar de constituir um acto recusado pela ordem jurídica, um acto ilícito quae tal. Por isso, desde que essa actuação corresponda a um acto culposo, não pode deixar de implicar responsabilidade civil pelos danos que forem consequência dessa actuação.

Havendo conflito, real ou aparente, entre direitos ou interesses igualmente protegidos pela constituição, a divulgação de factos desonrosos deve revelar-se adequada e necessária à salvaguarda do direito ao abrigo do qual a divulgação é feita, sob pena de a divulgação ser ilícita.

Lida e relida a matéria de facto não encontramos na mesma absolutamente nada que possa constituir uma ofensa ao crédito ou ao bom nome do autor.

Não há, desde logo, na matéria de facto nenhum facto que seja susceptível de diminuir ou colocar em causa a confiança dos outros na capacidade ou na vontade do autor para satisfazer as suas obrigações, a crença dos outros em que ele não faltará aos seus compromissos.

O facto de ter sido afirmado que numa determinada altura e num determinado contexto ele não teria meios de subsistência próprios e beneficiava da ajuda económica da ré é absolutamente anódino a esse respeito porque não é por uma pessoa num certo momento passar por uma situação dessas, a ser verdadeira, que o seu crédito é posto em causa.

Acresce que a situação é descrita como facto passado e não é objecto de divulgação pública porque as afirmações estão circunscritas ao contexto de uma acção judicial que sendo embora pública não é frequentada por um conjunto de pessoas suficiente para que a voz do processo se transforme numa voz pública ou conhecida do público.

Também o facto de se afirmar que o autor não desenvolvia actividade profissional no âmbito de uma empresa e que retirava benefícios desta sem contrapartida de trabalho ou actividade de relevo não é de modo algum algo que diminua ou coloque em crise o conceito favorável que o autor pudesse ter na comunidade, o reconhecimento público da imagem positiva que ele tenha logrado obter ou construir na comunidade com que se relaciona e onde é conhecido, o seu prestígio ou reputação.

Desde logo porque essa reputação é alcançada através da intervenção que ele alcança no espaço público e esta nada tem a ver com a circunstância de ele o fazer enquanto sócio, trabalhador ou colaborador de uma sociedade ou a qualquer outro título e por isso as afirmações feitas nos articulados das acções não têm qualquer capacidade de fazer reverter essa reputação.

Depois porque o contexto da acção não é um contexto de espaço público capaz de levar as afirmações nela feitas para o domínio público de modo a que as mesmas sejam susceptíveis de influenciar a opinião dos outros.

Acresce que as acções são notoriamente o espaço de discussão da relação pessoal entre o autor AA e a ré BB, aspecto que é notório para qualquer pessoa que com elas contacte, a qual apreende e compreende de imediato os excessos das afirmações ali feitas e que as mesmas não são para levar à letra por estarem influenciadas e perturbadas pelos sentimentos pessoais e o modo como cada um deles reagiu à ruptura da relação pessoal.

Em conclusão, a nosso ver, os factos provados relativos ao comportamento da ré são insuficientes para lhe imputar a prática de um facto ilícito, devendo, ao invés, concluir-se que nas concretas circunstâncias do caso se deve considerar excluída a ilicitude do comportamento da ré."

[MTS]

22/04/2024

Jurisprudência 2023 (155)


Recurso de revisão;
documento novo


1. O sumário de STJ 11/7/2023 (20348/15.9T8LSB-D.P1.S1) é o seguinte:

I – No recurso de revisão interposto com fundamento na alínea c) do artigo 696.º do CPC, a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça considera que a apresentação de documento só será admissível, quando: (i) o documento, por si só, e sem apelo a demais elementos probatórios, seja capaz de destruir o juízo probatório realizado em sede da decisão revidenda e imponha uma decisão mais favorável ao recorrente (requisito da suficiência); (ii) e quando o recorrente não tenha podido fazer uso do documento por desconhecimento da sua existência ou pela sua inexistência (requisito da novidade); iii) o documento deve visar a demonstração ou a impugnação de factos alegados pelas partes ou adquiridos para o processo que tenham sido essenciais para a decisão de mérito colocada em crise, não podendo em caso algum visar a prova de factos novos (requisito da pré-alegação).

II - Um documento relativo a um processo administrativo de apoio judiciário, que podia ter sido junto ao processo principal, para demonstrar que à data da proposição desta ação ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição do direito, não reúne os requisitos da novidade, da suficiência e da pré-alegação para servir de base a um recurso extraordinário de revisão, ao abrigo da al. c) do artigo 696.º do CPC.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"8. Antes de mais, impõe-se caraterizar brevemente os autos principais.

Estes dizem respeito a uma ação de responsabilidade civil proposta pelo agora autor contra os sócios da sociedade B..., Lda., pedindo uma indemnização pelos danos causados pela decisão de destituição do cargo de gerente, que lhe foi comunicada em 13-05-2003.

Por sentença proferida em 08-03-2017, foi a ação considerada improcedente, com fundamento na prescrição do direito invocado pelo Recorrente, ou seja, três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos – nº 1 do artigo 498º do Código Civil.

Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 28.11.2017, foi a sentença confirmada.

9. Nas conclusões do recurso de revista no processo de revisão, o autor-recorrente invoca, para além do documento do processo administrativo de apoio judiciário, que, na sua ótica, permite interromper o prazo de prescrição, quer se considere ter este prazo a duração de três anos, quer se considere ter a duração de 20 anos, que não prescinde de entender que o prazo de prescrição dos autos é de 20 anos, por estarmos perante um caso de responsabilidade contratual. Ora, desde já se tem de constatar que este Supremo Tribunal não tem de se pronunciar sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil invocada nos autos, nem sobre a duração do prazo de prescrição. No processo de revisão não pode ser re-discutida a questão de direito debatida nos autos principais, mas apenas verificar se está ou não preenchido algum dos fundamentos taxativos admitidos pela lei para justificar a admissibilidade excecional do recurso de revisão (artigo 696.º do CPC), que não se pode transformar num recurso ordinário.

10. Assim, o objeto do recurso de revisão interposto pelo autor AA traduz-se em saber se o documento por si apresentado reúne os requisitos exigidos pelo artigo 696.º, al. c), do CPC.

O Tribunal da Relação, por acórdão datado de 22-11-2022, decidiu indeferir liminarmente este recurso de revisão, por considerar, em suma, que, por referência ao documento junto pelo recorrente, não se mostram verificados os requisitos da novidade e da suficiência.

Quid iuris?

Este documento integra várias comunicações que o CDLOA fez, ao longo do tempo, ao recorrente, bem como cartas e requerimentos feitos pelo autor ao Conselho de Deontologia, pelo que apesar de se poder considerar que, na íntegra, ele não era do conhecimento do recorrente, resulta da análise do processo que o recorrente era conhecedor das comunicações que sucessivamente lhe iam sendo feitas, bem como das missivas e requerimentos que remetia ao referido processo. Ademais, sempre esteve na sua disponibilidade conhecê-lo na íntegra, pois o processo de nomeação da Ordem dos Advogados existe desde 2010.

De salientar, ainda, que o apenso B dos autos principais respeita a recurso de revisão precedente do presente, no qual o documento apresentado corresponde a parte do documento que agora apresenta na totalidade (cfr. apenso B do processo físico).

Ademais, considerando o teor da decisão do acórdão cuja revisão se pretende, a ratio decidendi desse acórdão prende-se com a prescrição do direito invocado pelo Recorrente, o qual, nos termos do artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil, é de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos. E considerou esse acórdão que o recorrente terá tido conhecimento do direito pelo menos em maio de 2003, pelo que, tendo instaurado a ação em 17-07-2015, já o seu direito se mostrava prescrito.

Este acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação nos autos principais, para aferir da prescrição do direito do autor, considerou o pedido de apoio judiciário efetuado pelo autor/recorrente em 12-04-2011, por ter sido esse o único pedido apresentado e alegado pelo autor, ora recorrente.

O autor não invocou naqueles autos, e podia tê-lo feito, nem o pedido de apoio judiciário que agora invoca, nem a ação n.º 1728/06.7..., que terá transitado em julgado em abril de 2014, para deles extrair os efeitos processuais que pretendia (cfr. processo principal do presente apenso).

Logo à data da proposição da ação principal, em 2015, se o autor pretendia beneficiar do disposto no artigo 33.º, n,º 4, da Lei do Apoio Judiciário (LAJ), segundo o qual a ação se considera proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono, com referência ao pedido de apoio judiciário datado de 2010, que agora junta, devia tal facto ter sido desde logo alegado, por se tratar de um facto pessoal de que o autor tinha conhecimento.

O documento que sustenta este pedido, e que agora foi junto, e bem assim a cópia do pedido de apoio judiciário que lhe deu origem, servem como meio de prova documental de facto que, necessariamente, devia ter sido alegado naquela ocasião, aquando da propositura da ação onde foi proferida a decisão cuja revisão o autor pretende.

O autor devia, igualmente, ter alegado e provado a existência da ação n.º 1728/06.7..., o que também não fez, embora nessa data também tivesse conhecimento desses factos e o seu acesso fosse público.

Para além da ausência de novidade, suficiência e de pré-alegação, também em termos de direito material, considerando o regime da prescrição aplicado nos autos, a pretensão do autor, ainda que fosse atendível e se provassem os factos novos que o autor alega, também não seriam causais para permitir a procedência do pedido do autor, continuando a verificar-se a prescrição do direito que o autor invoca. Ou seja, o direito do autor sempre estaria prescrito, quer se tivesse por referência o pedido de apoio judiciário de 2010, quer o de 2011, em face da data em que o autor teve conhecimento do direito, maio de 2003.

Quanto ao trânsito em julgado da ação n.º 1728/06.7..., que também agora o autor usa como argumento para sustentar a interrupção do prazo de prescrição, este facto não foi invocado na ação cuja revisão se pretende.

O autor, ora recorrente, não poderia, pois, beneficiar do prazo legal de dois meses previsto no artigo 327.º, n.º 3, do Código Civil, pois para além de ter conhecimento do seu direito desde 2003, bem como das pessoas que alegadamente praticaram os atos cuja responsabilidade o autor reclama, a verdade é que autor não alegou nos autos principais os factos atinentes ao proc. n.º 1728/06.7... e que já eram do seu conhecimento. E, para que o autor pudesse beneficiar da sucessão de factos que agora alega, devia tê-los invocado na ação principal, pois deles tinha prévio conhecimento.

11. Assim, deve entender-se que, de acordo com a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, o documento agora apresentado não reúne os requisitos para que seja admitido um recurso de revisão extraordinário interposto com fundamento na alínea c) do artigo 696.º do CPC, por três motivos:

1) o documento apresentado não é suscetível de destruir o juízo probatório realizado em sede da decisão revidenda, nem impõe uma decisão mais favorável ao recorrente quanto ao decurso do prazo de prescrição (requisito da suficiência);

2) o documento apresentado não é novo, no sentido exigido pela lei, pois que já podia o recorrente ter feito uso dele no processo principal na medida em que conhecia (ou podia facilmente conhecer) a sua existência (requisito da novidade);

3) o documento apresentado visa obter a prova de factos novos, não discutidos nem alegados no processo principal, e que não se revestem de essencialidade para a decisão de mérito colocada em crise (requisito da pré-alegação).

12. Concluímos, pois, que a pretensão do recorrente deverá improceder em face da ausência de novidade, suficiência e pré-alegação do documento apresentado."

[MTS]