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Instituto Português de Processo Civil
"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))
24/06/2022
Bibliografia (1022)
Jurisprudência 2021 (226)
“1 - Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição.2 - Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade”.
MTS
23/06/2022
Jurisprudência 2021 (225)
“1-Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.2-A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.3-O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.4-Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”.
MTS
22/06/2022
Papers (488)
Jurisprudência 2021 (224)
II. O Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o entendimento de que somente deixa de atuar a dupla conforme, a verificação de uma situação, conquanto a Relação, conclua, sem voto de vencido, pela confirmação da decisão da 1ª Instância, em que o âmago fundamental do respetivo enquadramento jurídico seja diverso daqueloutro assumido neste aresto, quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada.
III. O caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado.
IV. O conhecimento do caso julgado pode ser perspetivado através de duas vertentes distintas, que de todo se podem confundir, mas complementam-se, reportando-se uma à exceção dilatória do caso julgado (cuja verificação pressupõe o confronto de duas demandas judiciais - estando uma delas já transitada em julgado - e uma tríplice identidade entre ambas, traduzida na coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), e uma outra vertente que consubstancia a força e autoridade do caso julgado (decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida sobre o objeto em debate).
V. Enquanto a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a exceção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual.
VI. Assumindo-se que a aferição do requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revela crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das Instâncias, dever-se-á reconhecer a conformidade de decisões quando a solução jurídica encontrada trilha um percurso jurídico (a afirmação da exceção do caso julgado em 1ª Instância e o reconhecimento da autoridade do caso julgado em 2ª Instância) que, conquanto não se possa confundir, complementam-se.
“A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer estar vedado ao legislador suprimir, sem mais, em todo e qualquer caso, a prerrogativa ao recurso, admitindo-se, todavia, que o mesmo estabeleça regras/normas sobre a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.
A este propósito o Tribunal Constitucional sustenta que “Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com A. Ribeiro Mendes (Direito Processual Civil, III - Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 126), que, impondo a Constituição uma hierarquia dos tribunais judiciais (com o Supremo Tribunal de Justiça no topo, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional - artigo 210º), terá de admitir-se que “o legislador ordinário não poderá suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos” (cfr. a este propósito, Acórdãos nº 31/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 9, pág. 463, e nº 340/90, id., vol. 17, pág. 349). Como a Lei Fundamental prevê expressamente os tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões (…)”. (Acórdão n.º 159/2019 de 13 de março de 2019).
Na Doutrina, sustenta Rui Pinto, in, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra, 2015, páginas 174-175, “se o objeto de recurso de apelação é irrestrito, apenas com especificidades quanto à oportunidade da sua dedução (cf. art. 644º), já o objeto do recurso de revista é tipificado pela lei (…). Nesta perspectiva, o direito ao recurso é essencialmente garantido pelo regime do recurso de apelação, ficando reservada para a revista uma função de estabilização e uniformização na aplicação do direito (…).”
Também Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, páginas 335-336, salienta que “com o CPC de 2013 se encontra consolidada a ideia de que o triplo grau de jurisdição em matéria cível não constitui garantia generalizada. Ainda que ao legislador ordinário esteja vedada a possibilidade de eliminar em absoluto a admissibilidade do recurso de revista para o Supremo (…), ou de elevar o valor da alçada da relação a um nível irrazoável e desproporcionado que tornasse o recurso de revista praticamente inatingível na grande maioria dos casos, não existem obstáculos à previsão de determinados condicionalismos a tal recurso. Aliás, (…) o Tribunal Constitucional vem uniformemente entendendo que as normas que, em concreto, restringem o recurso para o Supremo não estão feridas de inconstitucionalidade. O mesmo se poderá dizer das regras que limitam o recurso de decisões intercalares (…).”
Assim, a lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, reconhecendo-se que a admissibilidade dum recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.
No caso que nos ocupa está reconhecida a tempestividade e legitimidade do Recorrente/Reclamante/AA, uma vez que a interposição do recurso obedeceu ao prazo legalmente estabelecido, e a decisão de que recorre lhe foi desfavorável, encontrando-se, pois, a dissensão quanto a ser a decisão proferida recorrível.
Neste particular há que convocar as regras recursivas adjetivas civis, concretamente o art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil, atinente à irrecorribilidade das decisões do Tribunal da Relação em consequência da dupla conforme, nos precisos termos aí concretizados (…não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância …).
Com o deliberado objetivo de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e acentuar as suas funções de orientação e uniformização de jurisprudência, consagra o direito adjetivo civil - art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil - a regra da chamada dupla conforme que torna inadmissível o recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância.
Do art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil condizente ao n.º 3 do art.º 721º do anterior Código do Processo Civil, com a redação do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto, decorre, importar, agora, que a decisão da segunda instância não tenha uma fundamentação essencialmente diferente da decisão de primeira instância para que produza a dupla conforme, ao contrário do que acontecia com a alteração adjetiva civil, imposta pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, em que se abstraía da fundamentação do acórdão da segunda instância para que se verificasse a dupla conforme.
Levada a cabo a exegese do consignado normativo adjetivo civil, o Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o entendimento de que somente deixa de atuar a dupla conforme, a verificação de uma situação, conquanto a Relação, conclua, sem voto de vencido, pela confirmação da decisão da 1ª Instância, em que o âmago fundamental do respetivo enquadramento jurídico seja diverso daqueloutro assumido neste aresto, quando a solução jurídica prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada.
Torna-se necessário, pois, para que a dupla conforme deixe de atuar, a aquiescência, pela Relação, da solução jurídica sufragada em 1ª Instância, suportada num enquadramento jurídico inovatório, que aporte preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros enunciados no aresto apelado, neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015, de 30 de Abril de 2015, de 28 de Maio de 2015, de 26 de Novembro de 2015, de 16 de Junho de 2016, e de 8 de Novembro de 2018, in, http://www.dgsi.pt/stj, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não publicado [Processo n.º 856/12.4TJVNF.G1.S1], desta 7ª Secção Cível, proferido em 4 de Julho de 2019, pelo relator da presente decisão singular.
A este propósito, sustenta António Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 349, “que com o CPC de 2013 foi introduzida uma nuance: deixa de existir dupla conforme, seguindo a revista as regras gerais, quando a Relação, para a confirmação da decisão da 1ª instância, empregue “fundamentação essencialmente diversa”.
A admissibilidade do recurso de revista, no caso do acórdão da Relação ter confirmado, por unanimidade, a decisão da 1ª instância, está, assim, dependente do facto de ser empregue “fundamentação substancialmente diferente”.
Aclarando o sentido e alcance da expressão “fundamentação essencialmente diferente”, elucida Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, Almedina, página 352, que “a aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não uma real diversidade nos aspectos essenciais”.
No caso sub iudice, confrontadas as decisões proferidas em 1ª e 2ª Instâncias, divisamos, com clareza, para além de o acórdão da Relação ter concluído pela confirmação da decisão da 1ª Instância, sem voto de vencido, o enquadramento jurídico sufragado em 1ª Instância tem a aquiescência da Relação, com a particularidade do acórdão proferido pela Relação ter emprestado rigor técnico-jurídico à solução encontrada, enunciando a propósito: “É, no entanto, certo que em bom rigor o que obsta ao prosseguimento da presente acção para julgamento da responsabilidade civil pelos factos alegados nos artigos 6º a 45º da petição inicial não é a excepção do caso julgado, mas sim a chamada autoridade do caso julgado. Com efeito, no processo penal não foi proferida qualquer decisão a julgar o pedido de indemnização civil, foi sim proferida uma decisão a homologar a desistência do pedido e a declarar a extinção do direito de indemnização. Tendo essa decisão transitado em julgado e o direito de indemnização sido extinto, o autor ficou vinculado por aquela decisão, não mais sendo titular do direito de indemnização que pretendia fazer valer também na presente acção”, daí reconhecermos a atuação da dupla conforme.
Na verdade, consabidamente, o caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado - artºs. 619º n.º 1 e 628º, ambos do Código de Processo Civil.
Conforme decorre da lei adjetiva civil, o instituto do caso julgado constitui exceção dilatória - art.º 577º alínea i) do Código de Processo Civil - de conhecimento oficioso - art.º 578º do Código de Processo Civil - que, a verificar-se, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância - art.º 576º do Código de Processo Civil.
Importa sublinhar, no entanto que o conhecimento do caso julgado pode ser perspetivado através de duas vertentes distintas, que de todo se podem confundir, mas complementam-se, reportando-se uma à exceção dilatória do caso julgado (cuja verificação pressupõe o confronto de duas demandas judiciais - estando uma delas já transitada em julgado - e uma tríplice identidade entre ambas, traduzida na coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), e uma outra vertente que consubstancia a força e autoridade do caso julgado (decorrente de uma anterior decisão que haja sido proferida sobre a objeto em debate). [...]
Assumindo-se que a aferição do requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revela crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das Instâncias, afirmamos que, quer numa, quer noutra Instâncias, a solução jurídica encontrada trilha um percurso jurídico (a afirmação da exceção do caso julgado em 1ª Instância e o reconhecimento da autoridade do caso julgado em 2ª Instância) que, conquanto não se possa confundir, complementam-se.
A reconhecida autoridade de caso julgado que se revelou crucial para a solução encontrada na 2ª Instância, confirmatória daqueloutra proferida em 1ª Instância, mais não é, como já adiantamos, uma das duas vertentes em que o conhecimento do caso julgado pode ser perspetivado, donde, a reconhecida conformidade de julgados.
"4. Revisitando o caso que temos em apreço, verifica-se que o objeto da decisão da primeira instância e o acórdão da Relação orbitaram em volta dos efeitos da desistência do pedido de indemnização civil deduzido num processo-crime, o qual versava sobre os factos 6.º a 45.º da petição inicial que inaugurou a presente ação.
5. Ora, o despacho saneador veio a absolver o Réu da instância quanto à pretensão indemnizatória do Autor com referência aqueles factos 6.º a 45.º, tendo julgado procedente a exceção dilatória de caso julgado em relação aos mesmos.
6. Interposto o recurso daquela decisão, o Acórdão do Tribunal da Relação do […] veio considerar que “em bom rigor o que obsta ao prosseguimento da presente ação para julgamento da responsabilidade civil pelos factos alegados nos artigos 6º a 45º da petição inicial não é a exceção do caso julgado, mas sim a chamada autoridade do caso julgado.”"
21/06/2022
Jurisprudência uniformizada (56)
-- Ac. STJ 5/2022, de 21/6, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido:
Compete à jurisdição administrativa a apreciação dos litígios emergentes de contrato de mandato forense celebrado entre um advogado e um contraente público.
Jurisprudência 2021 (223)
"Diz-se a recorrente ré nas alegações/conclusões de revista que o autor nas suas alegações de apelação, e só aí, apresentou um pedido distinto daquele que formulou em primeira instância, esforçando-se depois a recorrente por sublinhar que no tribunal a quo “apresentou petição inicial corrigida retirando os incisos alegados nos arts. 19.º e 20.º da sua p.i” e “alterou ampliando o pedido constante da al. b) do petitório constante da petição inicial”, enquanto no Tribunal da Relação teria peticionado, no entender da recorrente, a “admissão de nova petição inicial com alteração da causa de pedir e do pedido”.
É este o ponto que a recorrente elege como essencial da sua fundamentação recursiva, importando deixar desde já respondido que não é exato o que diz e que, uma vez desfeito esse equívoco torna-se clara a resposta à questão objeto do recurso.
Da cronologia exposta, verificamos que o autor apresentou petição inicial contendo na al. b) o pedido de declaração da “nulidade por simulação e a impugnação pauliana e assim a ineficácia dos negócios jurídicos referidos (…)”
Porque nessa mesma petição o autor havia requerido que o tribunal a quo procedesse oficiosamente ao registo da ação, tendo sido indeferido esse requerimento, o demandante solicitou a reforma deste despacho de indeferimento, que teve como resposta um novo despacho do tribunal a quo indeferindo o pedido de reforma e deixando nota nessa decisão de que ainda não tinha sido cumprida a citação dos réus “adiantando” igualmente afigurar-se ser substancialmente incompatível a cumulação, a título principal, do pedido de nulidade por simulação e o de impugnação pauliana o que seria gerador de ineptidão da petição inicial.
É na sequência deste despacho que o autor vem apresentar nova petição inicial ou petição inicial corrigida, (sendo indiferente a designação que se use, como veremos adiante), retirando os arts. 19.º e 20.º desse articulado– e alterando o pedido formulado em b) do qual passou a constar declarar-se a nulidade por simulação, ou, quando não assim, subsidiariamente, a impugnação pauliana e assim a ineficácia, dos negócios jurídicos referidos, juntando formalmente um novo articulado de petição que replica a anterior com exceção da exclusão dos pontos 19 e 20 e da redação do ponto b) do pedido que vem alterada no sentido da subsidiariedade dos pedidos e não da cumulação.
Finalmente, por despacho proferido após ter sido apresentada essa nova petição, o tribunal a quo veio configurar essa apresentação como uma retificação de lapso material e uma ampliação do pedido que se traduziria em incidente, tendo ordenado que depois da citação ainda não realizada dos réus fossem estes, a seguir, notificados para se pronunciarem, tendo este incidente tido conclusão com o despacho de 27-6-2019 que indeferiu a apresentação de petição inicial de 3-12-2018.
Uma primeira evidência feita constar na decisão recorrida, mas que as conclusões de recurso pretendem desconsiderar é a de a nova petição inicial (apresentada em 3-12-2018) contendo a alteração do pedido cumulativo de nulidade por simulação e de impugnação pauliana para pedido subsidiário de nulidade por simulação ou de impugnação pauliana e assim a ineficácia dos negócios jurídicos referidos, ter sido apresentada num momento em que os réus ainda não tinham sido citados. E uma segunda evidência processual é a de, à data da apresentação desta nova petição não ter o tribunal a quo proferido qualquer decisão no sentido de haver julgado inepta a petição inicial (o que só vem a ocorrer em 20-12-2019).
Em verdade, o único significado útil que pode extrair-se do despacho de 26-11-2018 é o do indeferimento do pedido de reforma da decisão que anteriormente havia indeferido o registo oficioso da ação, e nada mais. São destituídos de valor jurídico de decisão os considerandos ou advertências que aí se tenham deixado vertidos no sentido de existir uma situação que seria enquadrável como incompatibilidade dos pedidos deduzidos e geradora de ineptidão, podendo dizer-se que nessa decisão o julgador, não decidindo, deixou o prognóstico do que iria decidir mais tarde. Só que esta quase prognose de decisão futura não declara, não decide, qualquer ineptidão ou irregularidade dessa peça processual valendo apenas como observação excrescente e prenunciadora do que os termos da ação, no estado em que estava nesse momento, faziam prever um desfecho de nulidade de todo o processo por ineptidão.
Advertido por essa observação feita constar nesse despacho (ou por discernimento jurídico autónomo dela), o autor, antes de estarem os réus citados, veio, entretanto, a proceder à alteração do pedido conformando-o de regularidade subsidiária e não cumulativa, subtraindo dos factos os antes inscritos nos arts. 19 e 20 e expurgando a petição inicial dos vícios que, tendo sido sinalizados, se diziam ir determinar, a seu tempo, a nulidade de todo o processo.
Posto isto e resolvido o equívoco de se querer configurar que o autor só nas conclusões de recurso corrigiu a petição inicial apresentada, alterando o pedido e extraindo dois artigos do articulado, este esclarecimento resolve, em simultâneo, a alusão que a recorrente faz a que existiria excesso de pronúncia por a Relação ter conhecido de matéria que lhe estava vedada. Afirma ela que, não obstante em 3.12.2018 o autor ter apresentado um novo articulado inicial, não se pode aceitar este como uma nova petição, mas apenas de uma retificação de erros materiais e uma ampliação/alteração do pedido como o entendeu o tribunal em primeira instância. Isto é, por razões puramente semânticas (o que chamar à realidade), defende a recorrente que o Tribunal da Relação ao aludir à apresentação como nova petição, pronunciando-se sobre ela, estava a exceder a sua medida de pronúncia porque, afinal, só podia tratar da alteração do pedido ou da retificação do articulado inicial consistente na extração de dois dos seus artigos, ou seja, do mesmo, porém, com outro nome. Ora, dito outra vez, a questão que se coloca que se coloca é a de saber se a alteração da petição inicial que a autora realizou em 3-12-2018, apresentando um novo articulado integral (no qual inclui o pedido final de registo oficioso da ação pelo tribunal e que já tinha sido indeferido) é admissível ou não e isso era o objeto da apelação não se tendo excedido, minimamente, o Tribunal da Relação nesse conhecimento. E quanto a essa questão, adiantando a nossa posição, a resposta é afirmativa e confirma a decisão recorrida.
A primeira e única indicação normativa de que nos podemos socorrer é a contida no art. 260º onde se dispõe que “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.” Sabendo-se que este consagra o princípio da estabilidade da instância dele decorre que é a citação do réu, e só a citação do réu, que torna estáveis os elementos essenciais da causa, elementos que são os sujeitos, a causa de pedir e o pedido - art. 564 al. b) do CPC. Assim, no que se refere à petição inicial, esse princípio da estabilidade da instância enunciado permite que antes de efetuada a citação, ato definidor da imutabilidade dos elementos essenciais da causa, é admissível a apresentação de nova petição, demandar outros réus, modificar o pedido ou alterar a causa de pedir – vd. A. Varela/J. M. Bezerra/ Sampaio e Nora – Manual de Processo Civil, 2ª edição págs. 278.
Como expressamente refere Alberto dos Reis “a instância fica iniciada com o ato da propositura da ação; mas só se fixa com o ato da citação do réu. Enquanto este não for citado, a situação é de instabilidade” - Comentário, 3º, pág. 66 -. E também, em igual direção aponta Lebre de Freitas para quem “(…) A instância é inicialmente conformada pelo autor na petição inicial, nos seus elementos subjectivos (“quanto às pessoas”) e objectivos (pedido fundado numa causa de pedir). Até ao momento da citação, o autor pode ainda alterar a conformação por si efectuada, mediante modificação dos sujeitos ou do objecto da acção, sem prejuízo da não retroactividade dos efeitos da proposição que se reportem apenas à nova petição que apresente. A citação do réu fixa os elementos definidores da instância, que seguidamente só é alterável na medida em que a lei o permita.” - Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2014, pág. 505.
Esta exposição torna decisivo o argumento segundo o qual a decisão recorrida entendeu que deveria ser negado provimento ao recurso e que a eventual existência de causa de ineptidão da petição inicial pode ser corrigida pelo autor antes da citação dos réus sem qualquer obstáculo, o que determina a irremediável improcedência da revista.
Sabendo-se que o conhecimento completo do objeto do recurso, sem padecimento de omissão, se basta com a apreciação das concretas questões ou pretensões que devesse apreciar e que as questões a resolver significam as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal não se confundindo com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia, no caso em decisão a única questão a decidir é a que já se deixou supra decidia e que se resume em saber se é admissível ou não a apresentação da nova petição inicial por parte do autor em 3-12-2018.
Embora supérfluo, de acordo com o afirmado anteriormente, sempre referiremos que os argumentos suscitados pela recorrente a propósito de ser ou não admissível a alteração/ampliação do pedido ou a retificação de lapsos materiais dos articulados, não obstante o seu esforço logicidade são irrelevantes, porquanto, tal indagação apenas poderia colocar-se se a presentação da nova petição inicial com as alterações referidas tivesse ocorrido depois da citação dos réus , isto é depois de estabilizada a instância, e tal não ocorreu.
A decisão recorrida, num exercício de generosidade argumentativa e ex abundanti, depois de decidida a questão objeto do recurso tenha exorbitou e questionou, já em academismo de hipótese a situação que ocorreria no caso de a citação dos réus já ter sido realizada, defendendo que nessa circunstância se deveria admitir a petição alterada ao abrigo do dever de gestão processual do juiz contido no art. 6 nº 2 por referência ao art. 554 nº 2 ambos do CPC. Todavia, mantemos que esse excurso suplementar é de todo acessório uma vez que a verificada ausência de citação dos réus torna desnecessário todo e qualquer argumento auxiliar para aceitar a alteração introduzida na petição inicial pelo autor. Em verdade, o estabelecimento do dever de gestão processual se cria um paradigma de aproveitamento material do processo no sentido de o juiz o conduzir à sua finalidade de justa composição do litígio, apartando o formalismo cominatório que veja em todas as falhas processuais das partes motivos para impossibilitar o avanço do processo, esse dever de gestão processual não impediria, no entanto, o juiz de aguardar o momento oportuno para julgar inepta a petição inicial. O art. 6 nº 1 do CPC, ao referir expressamente que o dever de gestão não exime as partes ao impulso processual que lhes esteja especialmente imposto, autoriza o julgador a entender que, quanto esteja em causa uma correção que pode significar obviar à ineptidão, não lhe cabe acionar mecanismos de remediação. Mas essa não é, como observado na decisão recorrida, a única interpretação que pode fazer-se desse princípio uma vez que desse preceito se extrai igualmente a possibilidade inversa, isto é, a de o tribunal diligenciar no sentido da correção dessa natureza.
O que é inquestionável e não matéria de amplitude interpretativa, que nem sequer a decisão em primeira instância afronta, evitando apenas aludir a esse normativo, é que, no caso, a solução para admitir a alteração, correção, retificação ou apresentação de nova petição, como quer que se queira chamar, está em momento anterior, naquele em que, não tendo sido ainda realizada a citação dos réus, o autor alterou a petição inicial ao abrigo do art. 260 do CPC. Não tem igualmente valor acrescido a sub hipótese académica, que a decisão recorrida se consente, no sentido de indagar se a alteração produzida pelo autor consubstanciou ou não uma alteração da causa de pedir ou se o nº 6 do art. 265º do CPC, permitindo a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir comtemplaria a situação em apreciação. Uma vez mais, não é necessário argumentar nas periferias do objeto do recurso quando no momento em que o autor realizou a alteração da petição inicial tal lhe era inteiramente permitida e sem restrição. Em resumo, a alteração realizada em 3-12-2018 pelo autor à petição inicialmente apresentada, seja como alteração ou retificação de erros materiais seja com que designação se queira chamar-lhe, era legalmente admissível e por isso não há distinção de regime consoante a tipificação que se quisesse atribuir a essa modificação."
[MTS]
20/06/2022
Jurisprudência 2021 (222)
[MTS]