"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



31/05/2023

Jurisprudência 2022 (194)


Crédito de tornas;
compensação judicial; requisitos


1. O sumário de RC 11/10/2022 (51/14.8T8MBR-F.C1) é o seguinte:

A mera eventualidade de o devedor/executado vir a ser titular de um crédito sobre o seu credor/exequente não constitui fundamento de oposição à execução.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"B) – A sentença homologatória da partilha, transitada em julgado, associada ao mapa que homologou, consubstanciam o título executivo que possibilita, ao credor de tornas, pedir que, no próprio processo de inventário se proceda à venda dos bens do devedor das mesmas, até onde seja necessário para obter o respectivo pagamento (artº 1378.º n.º 3 do antigo CPC; cfr. artº 1122 do NCPC, aditado por Lei nº 117/2019 de 13-09-2019).

A Mma. Juíz do Tribunal “a quo”, para alicerçar o decidido indeferimento liminar, escreveu, designadamente:

«[…] DD funda a sua oposição no facto de a venda determinada nos autos principais de inventário se tratar de uma execução especial – assente numa decisão judicial de  homologação de partilha de bens proferida nos autos de inventário e consequente requerimento, ao abrigo do disposto no artigo 1378.º, n.º 3  do antigo Código de Processo  Civil – e que aquele se encontra em tempo em virtude dos factos relevantes para a oposição terem ficado assentes com a  decisão proferida no processo n.º 103/18.5T8MBR, que transitou em julgado a   13/10/2021.

Compulsada tal decisão, conforme certidão junta a estes autos e aos autos principais, decorre inequivocamente que os prédios em causa foram adquiridos pelo interessado FF por usucapião, tendo sido excluídos da partilha adicional por não fazerem parte do acervo hereditário dos inventariados AA e mulher BB. Não vislumbra o Tribunal, por conseguinte, e revisitado o artigo 729.º do Código de Processo Civil, qual dos fundamentos aí previstos é que o aqui executado lança mão para fundar a sua oposição – sendo certo, inclusive, que nem a indica.

Acresce que, e como decidido por despacho proferido a 12/11/2021, no âmbito do processo de inventário a que os presentes autos são apensos – não existe qualquer direito de compensação ou qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação.

Com efeito, não existe qualquer contracrédito do executado, como aquele pretende fazer crer, uma vez que, volte-se a frisar, os bens em causa não estão sujeitos à colação uma vez que foram excluídos da partilha adicional por serem pertença exclusiva de FF, que os adquiriu por usucapião. […]».

Ora, na realidade, conforme acima consta, no despacho proferido a 12/11/2021 foi negada a existência de compensação, mas arrimada na circunstância de não haver lugar à  colação por ter sido reconhecido, na acção nº 103/18.5T8MBR, ao interessado FF e aí Autor, o direito de propriedade sobre os prédios em causa, fundado na usucapião, pelo que, não sendo o fundamento dessa propriedade, as doações de tais prédios que lhe foram feitas pelos inventariados, os mesmos, tal como foi decidido nessa acção, deviam ser excluídos do mencionado inventário e não podiam ser objecto de partilha adicional, por não fazerem parte do acervo hereditário dos Inventariados.

Foi nesta linha, também, o entendimento da Mma. Juiz, na decisão ora recorrida.

Ora, a sentença proferida na acção nº 103/18.5T8MBR, ou melhor, o respectivo caso julgado, se bem interpretamos aquela, apenas obsta à partilha dos prédios a que respeita, “rectius”, em incidente de partilha adicional, não obstando a que os mesmos sejam considerados para efeitos de colação, ou, seja, em temos práticos, que o respectivo valor seja considerado para que se componham os quinhões de todos os interessados do inventário em termos de não se tolher o respectivo direito a uma partilha equilibrada, e, portanto, justa.

Mas, dir-se-á, como o direito de propriedade de tais prédios foi reconhecido com base na usucapião, a doação dos mesmos já não pode legitimar a não sujeição à colação.

Salvo o devido respeito, não concordamos com esse   entendimento.

Escreve, com acerto, Ana Isabel Cardoso Rosado “in” “Dissertação de Mestrado em Direito e Prática Jurídica, Especialidade de Direito Civil”, págs 80 e 84) [https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/40780/1/ulfd140520_tese.pdf.]

«[…] nada na lei leva a que seja excluído do cálculo da legítima o valor   dos bens doados em relação aos quais, em virtude do decurso do tempo, se reconhece um direito de propriedade do donatário, por via da usucapião.   (…)

O donatário, ao receber os bens por via de doação feita pelo de  cujus  adquire a propriedade dos mesmos, assim como a respectiva posse em nome próprio. Porém, como já foi dito, as doações, quer sejam mortis causa quer sejam inter vivos, podem ser afectadas pela acção de redução, o que põe em causa o direito de propriedade do donatário – seja este também herdeiro legitimário ou não. Mas a usucapião, que permite a aquisição do direito de propriedade em virtude do decurso do tempo, cumpridos os prazos legais, é susceptível de ser posta em causa pela acção de redução, prevalecendo sempre o direito à redução por inoficiosidade do herdeiro legitimário, enquanto mecanismo de tutela da sua legítima   subjectiva. (…)

Como refere PAULO SOARES DO NASCIMENTO invocar o instituto da usucapião significaria que o mecanismo da redução das liberalidades inoficiosas perderia todo o sentido de protecção do herdeiro legitimário, na sua vertente de tutela quantitativa da legítima (…)

A invocação da usucapião pode dar-se a todo o tempo contra terceiros, desprovidos de um título de vocação hereditária. Porém, por outro lado, já não poderá a usucapião ser invocada contra o sucessível que concorre à sucessão na qualidade de herdeiro legitimário, por, precisamente, contrariar o princípio da intangibilidade da legítima, princípio basilar do sistema sucessório português.  […]».

Posto isto, atente-se no que se escreveu no Acórdão desta Relação de Coimbra, de 11/05/2004, Agravo nº 3822/03 (Des. Jaime  Fereira) [Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase.]:

«[…] com as doações regularmente efectuadas pela “de cujus” a favor dos seus herdeiros, foi transmitida a propriedade dos bens doados como mero efeito desse contrato de disposição gratuita e desde que o mesmo teve lugar – é o que resulta dos artºs 940º, nº 1; 947º, nº 1; e 954º, al. a), todos do C. Civ.

Tal transmissão, porém, não evita que os donatários-descendentes da doadora (autores há que entendem estar também o cônjuge sobrevivo, que seja também donatário, obrigado a este dever, como salienta Rodrigues Bastos in Notas ao Código Civil, vol. VII, Lisboa 2002, pg. 323; veja-se, também, o Prof. Oliveira Ascensão, in “Direito Civil-Sucessões“, 5ª ed. revista, pg. 531) devam restituir à massa da herança desta, para igualação da partilha, os bens ou valores recebidos em doação, para, assim, poderem entrar na sucessão da ascendente, tanto mais que todos os bens imóveis relacionados foram doados com obrigação de colação para os herdeiros assim beneficiados - é o que resulta dos artºs 2104º, nº 1; 2105º; 2106º e 2113º, todos do C. Civ..

A fundamentação deste instituto do direito sucessório acha-se no significado social que é atribuído às doações em vida feitas a presuntivos herdeiros legitimários do doador, considerando-as como meras antecipações da herança (a ocorrer necessariamente no   futuro).

Tal conferência (ou dever de restituição) faz-se pela imputação do valor da doação... na quota hereditária (sendo esse valor aquele que os bens doados tiverem à data da abertura da sucessão), o que é a regra, ou pela restituição dos próprios bens doados, se para tanto houver acordo de todos os herdeiros – artºs 2108º, nº 1; e 2109º, nº 1, do C. Civ..

Assim, na primeira dessas situações (e apenas essa situação se nos coloca), o beneficiário-donatário conserva no seu património os bens doados, sendo apenas o seu valor imputado na sua quota hereditária, com o valor reportado à data da abertura da herança (data da morte do de cujus) […]».

Dito isto, ou seja, afirmada a possibilidade de sujeição à colação dos bens doados, e adquirido que está que o ora Apelante, para o efeito, requereu a emenda da partilha, o ficar como credor de tornas do interessado FF é ainda uma mera eventualidade, não se podendo afirmar que o ora Apelante tenha sobre este, que o nega, um crédito exigível judicialmente.

Ora, a compensação, embora possa respeitar a um crédito não reconhecido judicialmente, reconhecimento esse que é apenas condição de eficácia daquela, necessita, para poder ser invocada que respeite a um crédito exigível judicialmente (artº 847, nº 1, a), do Código   Civil).
Do exposto resulta que, por não ser titular de um crédito exigível judicialmente, não é possível ao Apelante invocar a compensação, para neutralizar o crédito de tornas que o interessado FF tem sobre ele e que está assente em título que se mantém   incólume.

Por isso é manifesta a improcedência da oposição do ora Apelante, quer à execução, quer à venda.

Por outro lado, não podendo a execução ser suspensa por causa prejudicial, ainda que entendida assim a emenda da partilha (artº 272.º, n.º 1, do NCPC    e Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 1960 - actualmente com força de uniformização de jurisprudência), não ocorre outro motivo justificado de suspensão, que, na prática, não equivalha à prejudicialidade e, que, portanto, possa ser invocado nos termos da 2ª   parte do nº1 desse art. 272.º. [Cfr. Acórdão desta Relação de Coimbra, de 05/19/2020, Apelação nº 1075/09.2TBCTB-E.C1 (Relatora: Des. Ana Vieira) [...].

Assim, embora com diferente fundamentação, confirma-se o indeferimento liminar decidido pelo Tribunal “a quo”, improcedendo a  Apelação."

[MTS]


30/05/2023

Bibliografia (1073)


-- Matthias Weller / João Ribeiro-Bidaoui / Moritz Brinkmann / Nina Dethloff (Eds.), The HCCH 2019 Judgments Convention / Cornerstones, Prospects, Outlook (Hart Publishing: London 2023)


Limites processuais derivados do princípio do dispositivo na fase de recurso



[Para aceder ao texto clicar em Urbano A. Lopes Dias]

Jurisprudência 2022 (193)


Procedimento cautelar;
recurso de revista; direito ao recurso


1. O sumário de STJ 11/10/2022 (1747/20.0T8AMT-R.P1.S1) é o seguinte:

I - Os acórdãos proferidos pela Relação em autos de procedimento cautelar, só podem ser objeto de recurso de revista “normal” nos casos excecionais previstos no art.º 629, n.º 2, do CPC, não sendo admissível, quanto aos mesmos, recurso de revista, a título excecional.

II - Os pareceres jurídicos relevam ao nível do estudo e do enquadramento das questões de natureza jurídica suscitadas pelas partes, dando o seu contributo para o esclarecimento do julgador, mas não suprem a falta de alegação.

III - Quanto ao recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, inexiste previsão expressa no art.º 20, da CRP, não emergindo como uma imposição constitucional dirigida ao legislador, que, neste âmbito, dispõe de uma ampla margem de liberdade, não impondo que se considerem recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça todas as decisões, designadamente as proferidas em sede cautelar, onde a regra vigente é precisamente a contrária.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"5. 1. No despacho preliminar convidando as partes a pronunciarem-se nos termos do aludido art.º 655, n.º 1, do CPC, consignou-se

Previamente à apreciação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista excecional objeto de conhecimento pela Formação prevista no art.º 672, n.º 3, cabe à relatora a quem o processo foi distribuído apreciar se estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade do recurso, pois a admissibilidade da revista excecional para além da verificação das condições que lhe são próprias, constantes do n.º1, do art.º 672,  tem de obedecer a todos os demais requisitos da prévia admissão da revista normal que condicionam o direito de interposição do recurso, tempestividade, valor e sucumbência, e a revista seria admissível nos termos do art.º 671, n.º 1 e 674, n.º 1, senão se verificasse uma situação de dupla conforme, art.º 671, n.º 3.

Relativamente aos procedimentos cautelares, nos termos do art.º 370, n.º 2, das decisões nos mesmos proferidas, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, a saber, conforme o disposto no art.º 629, n.º 2, e como tal, afastada a possibilidade da aplicação do vertido no art.º 672, quanto à revista excecional.

Não estando em causa que os autos se reportam a um procedimento cautelar, conforme o mencionado n.º 2 do art.º 370, da decisão na mesma proferida pelo Tribunal da Relação, não caberá recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, até porque, não se divisará a invocação de qualquer das circunstâncias que permitiriam a admissibilidade do recurso de revista, no atendimento do já aludido art.º 629, n.º 2.

Por sua vez, quando ao pretendido acolhimento da pretensão de recurso de revista extraordinária, resultará do já enunciado regime, a não verificação dos requisitos para tanto, pois não se estará num caso passível de ser enquadrado no n.º 1, do art.º 671, quanto à admissão da revista, que por ocorrência da existência de dupla conforme, n.º3 da mesma disposição legal, ainda assim poderia vir a ser apreciado, se existisse alguma dos pressupostos do n.º 1 do art.º 672, a ponderar pela Formação, n.º3, ainda do art.º 672.”

5.2. Ora, afigura-se que são de atender as razões vertidas em tal despacho como fundamento da não admissibilidade do recurso deduzido pela Recorrente.

Com efeito pretendendo a Recorrente que seja admitido o presente recurso como revista excecional, reafirma-se que a mesma está prevista para situações de dupla conforme, nos termos em que esta está delimitada pelo n.º 3 do art.º 671, desde que se verifiquem também os pressupostos gerais do recurso da revista, dita normal, constituindo fator impeditivo de qualquer recurso de revista a existência de norma que vede o acesso ao Supremo Tribunal Justiça.

Acontece que em de [sic] procedimentos cautelares existe a norma do art.º 370, n.º 2, que impede, por regra, o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão do Tribunal da Relação proferido no âmbito de providências cautelares, incluindo o que determine a inversão do contencioso, a não ser que se verifique qualquer uma das situações elencadas nas alíneas a) a d) do nº 2 do art.º 629, em que o recurso é sempre admissível.

E quando se menciona “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”, estão em causa violação das regras de competência absoluta, ofensa de caso julgado, decisão respeitante ao valor da causa, com o fundamento de que o mesmo excede a alçada do tribunal recorrido e decisão proferida contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça e contradição de julgados, excluída ficando, a previsão do n.º 1, do art.º 672, reportada, como expressamente se consigna, aos casos previstos no n.º 3, do art.º 671, isto é, quando o recurso de revista não pode ser conhecido pela existência de dupla conforme, sem prejuízo das situações em que o recurso seja sempre admissível, nos supra aludidos casos do art.º 629, n.º2, caso em que estaremos perante uma revista “normal”. 

Equivale tudo isto por dizer, conforme tem sido entendimento consolidado deste Tribunal [Cfr, entre outros, a título ilustrativo, Acórdãos do STJ de 06.04.2021, processo n.º 23839/15.8T8LSB-A.L1.S1, de 29.10.2020, processo n.º 464/19.9T8VRL.G1-A.S1, de 17.11.2021, processo n.º  885/21.7T8LRS-A.L1-A.S1, de  21.02.2019, processo nº 428/18.0T8FNC.L1.S, de 06.06.2019, processo n.º 254/16.0YHLSB.L1.S1, de 07.06.2022, processo n.º 2749/15.4T8STS-J.P1.S1., de 13.7.2021, processo n.º 11269/20.4T8LSB.L1.S1, de 24.05.2022, processo n.º756/19.7T8ANS-A.C1-A.S1, in www.dgsi.pt.], respaldado nos normativos aplicáveis, não se divisando fundamento que o contrarie que, de harmonia com o disposto no art.º 370, nº 2 do CPC, os acórdãos proferidos pela Relação em autos de procedimento cautelar, só podem ser objeto de recurso de revista “normal” nos casos excecionais previstos no citado art.º 629, nº 2, não sendo admissível, quanto aos mesmos, recurso de revista, a título excecional.

Daí que, como foi aludido, não tendo a Recorrente invocado, como fundamento do recurso de revista, nenhuma das situações previstas no mencionado art.º 629, nº 2, als. a), b), c) e d), na obediência ao disposto no referido art.º 370, n.º 2, não é admissível o recurso de revista excecional interposto.

5.3. Na resposta apresentada [Em sede de alegações de recurso foi questionada a apreciação de inconstitucionalidade ao abrigo dos artigos 2.º,  61.º , n.º1 e 81.º, f) da CRP.], a Recorrente invoca que a interpretação da norma contida no art.º 370, n.º 2, no sentido de excluir a possibilidade de recurso de revista excecional nos procedimentos cautelares estará manifestamente ferida de inconstitucionalidade material, por violação do estatuído nos artigos 20, n.º1 e 4 e 8.º da CRP, remetendo para o parecer jurídico junto, que subscreve e dá por integralmente reproduzido.

Desde logo refira-se que o mero apelo a um princípio constitucional ou mesmo de um direito fundamental não se mostra por si só como adequado para a apreciação de uma alegada inconstitucionalidade, antes se exigindo para além da identificação da norma jurídica ordinária contrária à tutela daqueles, sobretudo, que se elucide, discriminando o conteúdo e a extensão da interpretação normativa alegadamente inconstitucional.

No caso sob análise percecionando a norma interpretada em desarmonia com a Constituição da República, entendeu a Recorrente remeter para parecer jurídico, subscrevendo-o. Não questionando a sua admissibilidade, artigos 680.º, n.º 2 e 651.º, n.º 2, releva ao nível do estudo e do enquadramento das questões de natureza jurídica suscitadas pelas partes, dando o seu contributo para o esclarecimento do julgador [Cfr. Acórdão do STJ de 4.02.2015, processo n.º 3319/07.6TTLSB.L3.S1-A, in www.dgsi.pt.], mas não supre a falta de alegação.

Ainda assim, quanto ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, princípio do processo equitativo e proteção jurídica eficaz temporalmente adequada, ínsitos no art.º 20, n.º 1 e 4, da CRP, quanto à alegada violação decorrente da restrição do direito de recurso constante do art.º 370º, nº2, sempre se dirá: “(…)  o direito ao recurso não é um direito absoluto ou irrestrito, sendo objeto de diversas restrições justificadas. É o próprio Tribunal Constitucional que o afirma, esclarecendo que a Constituição, maxime, o direito de acesso aos tribunais, não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos" [Ac. do STJ de 24.5.2022, processo n.º 20464/95.1TVLSB.L1-A.S1, apud  Acórdão do STJ, de 13.7.2022, processo n.º14281/21.2T8LSB.P1-A.S1, in www.dgsi.pt.].

Compreende-se desse modo, que reiteradamente se venha afirmando na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, com a confirmação da Jurisprudência do Tribunal Constitucional, que a garantia de acesso ao direito, não determina a garantia de um duplo grau de jurisdição, isto é, não impõe o direito ao recurso das decisões judiciais, deixando ao legislador uma ampla margem de liberdade de conformação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, e em conformidade, muito menos obriga a um duplo grau de recurso, ou seja, um triplo grau de jurisdição, pelo que, deste modo, e no que concerne ao recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, inexiste previsão expressa no apontado art.º 20, da CRP,  não emergindo como uma imposição constitucional dirigida ao legislador, que, neste âmbito, dispõe de uma ampla margem de liberdade, não ditando que se considerem recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça todas as decisõesdesignadamente as proferidas em sede cautelar, onde a regra vigente é precisamente a contrária [A mero título de exemplo, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 259/97 e 132/2001, publicados no Diário da República, 2.ª Série, respetivamente de 30.06.1997 e de 25.06. 2001,  13 de julho de 2021, processo n.º 541/2021, reportando,  Acórdãos do Tribunal Constitucional,  processos, n.ºs 40/2008,  638/98, na senda de entre outros, 210/92, 346/92, 403/94, 475/94, 95/95, 270/95, 336/95, 489/95, 715/96, 1124/96, 328/97, 234/98 e 276/98, 202/99, 373/99, 415/2001, 261/2002, 302/2005, 689/2005, 399/2007 e 500/2007, 263/2020, de 13.05.2020, 159/2019, proferido no processo nº 43/16, in www.tribunalconstitucional.ptAcórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2.03.2021, processo n.º 17369/19.6T8PRT.P1.S2., de 26.01.2021, processo n.º1028/19.2T8VRL.G1.S1, de 21.03.2019, processo n.º 850/14.0YRLSB.L1.S2, in www.dgsi.pt.].

Em termos do princípio da tutela efetiva, no que concerne aos procedimentos cautelares, via art.º 8, da CRP, convoca-se a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, art.º 13, e o seu Protocolo adicional, na vertente do direito de ação e de acesso aos tribunais, bem como na respetiva concretização, o direito ao recurso, não fica demonstrado que tais convenções internacionais e os  apontamentos sobre decisões indicadas, proferidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, possam configurar uma proteção mais intensa da concedida pelo art.º 20 da CRP, que importe alteração do regime recursivo vigente e enunciado, na tutela cautelar."

[MTS]


29/05/2023

Jurisprudência 2022 (192)


Competência material;
juízos de comércio; "direitos sociais"


1. O sumário de STJ 11/10/2022 (4669/21.4T8VNF-C.G1.S1) é o seguinte:

I - A competência afere-se em função dos termos da ação, tendo em consideração a pretensão formulada pelo autor e os respetivos fundamentos, tudo independentemente da idoneidade do meio processual utilizado e do mérito da pretensão

II - Direitos sociais são, e nomeadamente, os que integram a esfera jurídica do sócio, por força do contrato de sociedade, sendo inerentes à qualidade e estatuto de sócio e dirigidos à proteção dos seus interesses sociais.

III - Se a pretensão cautelar dos sócios se funda essencialmente na prejudicialidade que de um certo acordo firmado por outro sócio resulta para a sociedade, isso relaciona-se inseparavelmente com o nuclear direito daqueles sócios (direito social, corporativo), subjacente ou imanente à lei societária e ao contrato de sociedade, qual seja, o direito à preservação da sociedade, á devida prossecução do seu objeto social e ao lucro.

IV - Para o conhecimento de uma tal pretensão cautelar está a competência material deferida aos juízos de comércio, nos termos dos n.ºs 1, alínea c) e 3 do art. 128.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Defendem as Recorrentes que o tribunal (Juízo de Comércio) onde o procedimento foi instaurado carece de competência material para o efeito.

Mas não é assim.

Justificando:

É ponto assente nos círculos jurisprudenciais e doutrinários que a competência dos tribunais afere-se em função dos termos da ação, tendo em consideração a pretensão formulada pelo autor e os respetivos fundamentos, tudo independentemente da idoneidade do meio processual utilizado e do mérito da pretensão. Como indica Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, p. 91), a competência do tribunal determina-se pelo quid disputatum (quid decidendum, por contraposição com aquilo que será mais tarde o quid decisum), que traduz precisamente a ideia de que a competência se determina em função do objeto (pedido e seus fundamentos) da causa tal como definido pelo demandante.

Estabelece a alínea c) do n.º 1 do art. 128º da LOSJ (Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, sucessivamente alterada) que compete aos juízos de comércio, e nomeadamente, preparar e julgar as ações relativas ao exercício de direitos sociais; e o n.º 3 estabelece que tal competência abrange os respetivos incidentes e apensos.

Direitos sociais são, numa primeira perspetiva mais restritiva, os direitos dos sócios - estabelecidos na lei ou nos estatutos da sociedade - que têm a ver com a vida ou dinâmica interna das sociedades (direitos dos sócios no domínio da sociedade). Nesta medida, direitos sociais são todos aqueles direitos que uma pessoa possui enquanto sócio de uma sociedade, tendentes, portanto, à proteção das vantagens decorrentes do facto de ser membro da sociedade. São direitos que nascem na esfera jurídica do sócio enquanto tal, estando subjacente a eles o contrato de sociedade. Ao invés, os direitos, nomeadamente os de crédito, que aos sócios de uma sociedade possam advir para além do contexto da vida ou dinâmica interna da própria sociedade, serão direitos extrassociais.

Daqui que, e como adequadamente se aponta no acórdão da Relação do Porto de 18 de Abril de 2016 (processo n.º 84362/15.3YIPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt), e passa-se a citar, “para efeitos de integração na alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, «direitos sociais» são os que integram a esfera jurídica do sócio, por força do contrato de sociedade, sendo inerentes à qualidade e estatuto de sócio e dirigidos à proteção dos seus interesses sociais”, de sorte que “os direitos sociais ou corporativos, integráveis na previsão legal do normativo citado pressupõem: i) que o autor tenha a qualidade de sócio; ii) que o direito que visa realizar através da ação se alicerce no contrato de sociedade; iii) que com o pedido formulado vise a proteção de um qualquer dos seus interesses sociais”.

Também Luis Brito Correia (Direito Comercial, 2º Volume, AAFDL, 1987, p. 306) nos diz que direitos sociais ou corporativos são “os direitos que os sócios têm como sócios da sociedade e que tendem à proteção dos interesses sociais”. Por seu turno, Miguel Pupo Correia (Direito Comercial, 8ª ed., p. 574) expende que em matéria de direitos dos sócios há que distinguir entre os direitos extracorporativos ou extrassociais (estes direitos “são os direitos dos sócios que os posicionam como estranhos à sociedade, como terceiros face à relação jurídica social”) e os direitos corporativos ou sociais (estes direitos são os que cabem aos sócios enquanto membros da instituição societária, e que “integram o que podemos chamar o lado ativo da sua participação social”). Ainda, diz-nos Paulo Olavo Cunha (Breve Nota sobre os Direitos dos Sócios, in Novas Perspetivas do Direito Comercial, Almedina, 1988, p. 232) que “Os direitos sociais são direitos «sui generis» que resultam da posição que os sócios ocupam na sociedade, enquanto sócios. Estão fora do seu âmbito os «direitos creditórios» ou «extra-corporativos» - direitos de terceiros ou direitos dos sócios enquanto terceiros, ou seja, independentemente da sua posição social ou, conquanto dela possam ter resultado, autonomizaram-se quando concretizados”.

Numa segunda perspetiva mais ampla, e como se aponta no acórdão deste Supremo de 8 de maio de 2013 (processo n.º 5737/09, disponível em www.dgsi.pt) e no acórdão da Relação de Coimbra de 11 de Abril de 2019 (processo n.º 591/18.0T8LRA.C1, disponível em www.dgsi.pt), será ainda de entender que sendo embora os sócios os sujeitos do contrato de sociedade, os direitos sociais não se esgotam na sua titularidade, desde logo, porque, gozando as sociedades de personalidade jurídica, será difícil recusar a qualificação de sociais aos direitos de que ela, uma vez constituída, é titular, e que emergem especificamente do contrato de sociedade ou da lei societária (v. a propósito o art. 71.º e seguintes do CSComerciais). Será assim de concluir, nas palavras do referido acórdão deste Supremo, que “uma vez constituída a sociedade, titulares dos direitos sociais tanto podem ser os sócios, como a própria sociedade; logo, os direitos sociais são os direitos cuja matriz, directa e imediatamente, se funda na lei societária e/ou no contrato de sociedade”.

Ora, passando ao caso vertente, é certo que os Requerentes começam por fazer derivar geneticamente a sua pretensão de um antecedente “Acordo de Constituição de Agrupamento Concorrente Denominado A..., S.A”, e este não emerge enquanto tal da lei societária ou do contrato de sociedade da A..., S.A. (embora se possa dizer que esse contrato pressupõe, reflete ou tem subjacente o que foi firmado naquele Acordo).

Porém, menos certo não é que os Requerentes não se limitam a pedir em função do direito que lhes é atribuído nesse “Acordo” à transmissão das ações em caso de incumprimento por banda da outra parte das obrigações nele estabelecidas, senão também em função dos interesses da sociedade, e, como assim, dos seus próprios interesses sucedâneos de sócios da sociedade.

Com efeito, e como supramencionado, a pretensão dos Requerentes, sócios (acionistas), funda-se igualmente (aliás, essencialmente) na prejudicialidade que do falado “Acordo de Subordinação” resulta para a sociedade A..., S.A.. E isto relaciona-se inseparavelmente com o nuclear direito dos sócios (direito social, corporativo), subjacente ou imanente à lei societária e ao contrato de sociedade, qual seja, o direito à preservação da sociedade, á devida prossecução do seu objeto social e ao lucro (v. art.s 21.º do CSComerciais e 980.º do CCivil).

Está essencialmente em causa, pois, tal como o pedido e os seus fundamentos estão estruturados, o interesse social ou corporativo dos Requerentes enquanto sócios da A..., S.A., tudo se movendo no contexto da vida ou dinâmica interna da própria sociedade. E as providências que foram requeridas revelam-se aptas á satisfação de tais finalidades, constituindo o alegado direito à transmissão forçada das ações nos termos do referido “Acordo de Constituição de Agrupamento” o meio que os Requerentes entendem ser o adequado á neutralização da suposta lesão.

Portanto, e diferentemente do que defendem as Recorrentes («…o alegado incumprimento pelas Recorrentes (…) “nasce e morre” no Acordo de Constituição de Agrupamento, sendo independente da, e indiferente à, relação dos acionistas com a A..., S.A», não pode dizer-se que o presente procedimento tem em vista simplesmente o exercício de um direito extrassocial, muito pelo contrário.

Deste modo, tem o Juízo de Comércio onde o procedimento foi apresentado competência material, pois que é precisamente isso que decorre da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do art. 128.º da LOSJ.

Improcede, pois, o recurso, sendo de manter o acórdão recorrido e a decisão da 1ª instância."

[MTS]


27/05/2023

Bibliografia (1072)


-- Duventäster, J., Vorprozessuale Prioritätssicherung / Rechtshängigkeitssperre durch vorprozessuale Streitbeilegungsverfahren im europäischen Zivilprozessrecht (Mohr: Tübingen 2023)


26/05/2023

Paper (501)


-- Pardo, M., What Makes Evidence Sufficient? (SSRN 05.2023) 


O instituto da alteração das circunstâncias na jurisprudência dos tribunais portugueses



[Para aceder ao texto clicar em L. F. Pires de Sousa]


Bibliografia (1071)


-- Berrer, Marwin, Zivilrichterliche Prozessleitung (Duncker & Humblot: Berlin 2023)


Jurisprudência 2022 (191)


Honorários;
injunção; prescrição presuntiva


1. O sumário de RE 13/10/2022 (73036/20.3YIPRT.E1) é o seguinte:

I. Estando aqui em causa a reclamação do pagamento da quantia de € 7687,50 a título de honorários por serviços prestados pelo autor advogado, no âmbito de contrato de mandato celebrado com o réu, é inequívoco que o apelado poderia ter lançado mão de tal procedimento de injunção, como efectivamente o fez;

II. As afirmações feitas pelo réu na oposição no sentido de que não reconhece a existência de tais créditos e que o autor nunca lhe comunicou ou apresentou quaisquer notas de honorários, são incompatíveis com o (presumido) pagamento dos honorários e impedem que o mesmo beneficie da prescrição a que alude a alínea c) do art.º 317º do Cód. Civil.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Reitera o apelante o seu entendimento de que o crédito em apreço prescreveu nos termos do disposto na alínea c) do artº 317º do Cód. Civil que assim dispõe:

“Prescrevem no prazo de dois anos:
a) (…);
b) (…)
c) Os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes."

Sucede que tal prazo de prescrição, ao contrário do que sucede com a prescrição ordinária, funda-se na presunção de cumprimento: trata-se de uma prescrição presuntiva – art.º 312º do Cód. Civil.

O efeito da prescrição presuntiva não é, propriamente, a extinção da obrigação, mas antes a inversão do ónus da prova que deixa de onerar o devedor que, por isso, não tem de provar o pagamento, para ficar a cargo do credor, que terá de demonstrar o não pagamento.

Poréma elisão da presunção pode também ter lugar mediante confissão expressa do devedor ou tácita traduzida na prática em juízo de actos incompatíveis com a presunção de cumprimento – artºs 313º e 314º do Cód.Civil.

“É o que manifestamente acontece – diz Joaquim de Sousa Ribeiro – quando o réu, para além de excepcionar por prescrição, impugna também directamente os factos constitutivos do direito do autor, negando a existência, em si mesmo ou no seu montante, ou a validade do débito. Assim procedendo, ele está a reconhecer implicitamente que o crédito não foi satisfeito, uma vez que o cumprimento pressupõe, como é óbvio, a existência e eficácia de um vínculo obrigacional que o torne exigível.

Estão, assim, em absoluto contraste com a presunção de cumprimento meios de defesa tais como: a negação da originária existência do débito; a discussão do seu montante, ou a remissão da sua fixação para o tribunal; a invocação de uma causa de nulidade ou anulabilidade; a contestação da solidariedade da dívida, reivindicando o benefício da divisão; a alegação do pagamento de importância inferior à reclamada, pretextando que ele corresponde à liquidação integral do débito (o que vale por um reconhecimento tácito de não ter pago a diferença); a invocação da gratuitidade dos serviços, etc. […] O mesmo se passa, segundo cremos, quando ele, invocando embora o decurso do prazo prescricional, não se coíbe de especificar uma outra causa exoneratória incompatível com aquela presunção.

[…S]endo o cumprimento incompatível com a verificação cumulativa de outra qualquer causa extintiva, a simples invocação de uma delas vale como reconhecimento tácito de que tal acto não foi levado a cabo. Alegando a extinção por um processo que, por mera indução lógica, exclui o cumprimento, o devedor fornece prova segura, insusceptível de qualquer manipulação – provém dele próprio, e resulta de um acto processual – de que, contra o que se presumia, aquele não efectuou a prestação a seu cargo […]” (Prescrições presuntivas…, publicado na Revista de direito e economia, Ano V, n.º 2, Julho/Dezembro de 1979, Universidade de Coimbra, págs. 397-398 e 401; no mesmo sentido, por exemplo, Brandão Proença, no Comentário ao CC, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, págs. 761-762; Rita Canas da Silva, no CC anotado, vol. I, 2017, Almedina, págs. 384-385)”. [Apud Ac. Rel. Lisboa de 11.7.2019 consultável na Base de Dados do IGFEJ.]

Lendo a oposição do apelante logo se constata estar aí completamente arredada a hipótese de ter ocorrido o pagamento peticionado (ou qualquer outro): afirma-se desde logo que “não se reconhecem existir” tais créditos (art.º 2º) e que o apelado “nunca comunicou nem apresentou, ao Requerido, quaisquer notas de honorários” (art.º 6º).

Estas afirmações, porque incompatíveis com o (presumido) pagamento dos honorários, impedem que o apelante beneficie de tal prescrição presuntiva.

E, por isso, a sua pretensão de a ver proceder não tem, também, qualquer fundamento."


*3. [Comentário] A RE decidiu bem.

Talvez possa causar algumas dúvidas a circunstância de o requerente ter instaurado o requerimento de injunção sem que o requerido (e alegado devedor) tenha sido anteriormente interpelado para cumprir. As dúvidas são desfeitas, no que se refere à interpelação para o cumprimento, pelo disposto no art. 805.º, n.º 1, CC, e, no que respeita às custas, pelo estabelecido no art. art. 535.º, n.º 2, al. b), CPC.

MTS

25/05/2023

Jurisprudência 2022 (190)


Ineptidão da petição inicial;
causa de pedir; pedido; contradição*


I. O sumário de RG 6/10/2022 (63/22.8T8VVD.G1) é o seguinte:

1- Na ação de divisão de coisa comum o pedido e a causa de pedir variam consoante o autor da ação considere que a coisa é divisível ou indivisível em substância.

2- Caso o autor da ação considere que a coisa comum é divisível em substância, o pedido consiste na pretensão do autor para que a coisa seja dividida materialmente entre aquele e os restantes comproprietários de harmonia com os quinhões que forem fixados. Em sede de causa de pedir, o autor terá de, na petição inicial: a) identificar a coisa comum; b) alegar que essa coisa é propriedade comum das pessoas que individualiza; e c) alegar o volume da quota parte de cada comproprietário na coisa, sob pena de atuar a presunção prevista na parte final do n.º 2 do art. 1403º do CC.

3- Caso o autor da ação considere que a coisa comum é indivisível em substância, o pedido é a pretensão do autor para que a coisa seja adjudicada ou vendida. Em sede de causa de pedir, o autor terá de, na petição inicial: a) identificar a coisa comum; b) alegar que essa coisa é propriedade comum das pessoas que individualiza; c) alegar o volume da quota parte de cada comproprietário na coisa, sob pena de atuar a presunção referida em 2); e d) alegar que a coisa não pode ser dividida em substância, alegando os factos concretos que determinam essa indivisibilidade.

4- Instaurando o recorrente uma ação de divisão de coisa comum, pedindo que “se nomeie perito, fixando-se as quotas de cada titular, seguindo-se os demais termos do processo até final”, não ocorre o vício da ineptidão da petição inicial, por falta ou ininteligibilidade do pedido, uma vez que qualquer declaratário médio, perante o disposto no art. 927º do CPC, interpretaria esse pedido como consubstanciando a pretensão do recorrente no sentido de que a coisa seja dividida materialmente entre ele e o apelado por, na sua perspetiva, essa coisa comum ser divisível em substância.

5- Alegando o recorrente, na petição inicial, como causa de pedir para suportar o pedido referido em 4), ser “dono e legítimo possuidor de uma casa inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...º e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ....” e que o recorrido é “dono e legítimo possuidor de uma casa inscrita na matriz sob o art. ...º e descrita sob o n.º .../.......”, e que “apesar de se tratar de descrições autónomas, ambas as casas fazem parte de um conjunto habitacional integrado e murado”, em que essas casas são servidas de água de nascente comum e que a casa do recorrido possui dois fornos de lenha para serventia de todo o complexo, ocorre o vício da ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir, posto que se as pretensas “casas” têm descrições prediais próprias e distintas, trata-se juridicamente de prédios distintos e autónomos, com proprietários também eles autónomos, conforme é alegado pelo próprio recorrente na petição inicial e é demonstrado pelo teor das certidões prediais que junta em anexo à petição inicial, pelo que a causa de pedir por ele alegada revela-se contraditória nos seus próprios termos, e, inclusivamente, ocorre o vício da ineptidão da petição inicial, por contradição entre essa causa de pedir (intrinsecamente contraditória e, portanto, ininteligível) e o pedido, porquanto é contraditório pedir que o tribunal divida em substância o dito “conjunto habitacional” como se este fosse um prédio propriedade comum de recorrente e recorrido, quando o primeiro alega, em termos de causa de pedir, que esse conjunto é composto por casas, a que correspondem descrições prediais distintas e que, portanto, são prédios juridicamente distintos e autónomos e quando alega que esses prédios têm inclusivamente proprietários também eles distintos.


II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"A 1ª Instância julgou procedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, argumentando que, “analisados os factos alegados pelo autor na petição inicial, verificamos que o autor não identifica nem especifica quais as coisas ou direitos cuja divisão pretende, porquanto da análise da petição inicial não resulta se o autor pretende a divisão do(s) prédio(s) e/ou da água e/ou dos fornos que alega existir no local. Mais constatamos que o autor também não alega qual a relação de compropriedade ou de comunhão existente com o réu e que justifica a sua demanda, não indica a posição de cada consorte nem indica as respetivas quotas” e, bem assim, que, “da petição inicial também não resulta qual(is) a(s) coisa(s) objeto de divisão, por em momento algum o autor ter formulado um concreto pedido nesse sentido, peticionando apenas que se “designe designar Perito Único a nomear pelo Tribunal, fixando-se as quotas de cada titular seguindo-se os demais termos até final”, assim formulando um pedido ambíguo e ininteligível que não permite perceber o seu conteúdo e alcance”, entendimento esse com o qual não se conforma o apelante (Autor), imputando erro de direito ao assim decidido.

Vejamos se lhe assiste razão.

Acontece que, conforme é evidenciado pela alegação do apelante, em sede de petição inicial, e é esclarecido pelo requerimento que apresentou na sequência do despacho proferido pela 1ª Instância em 15/05/2022, a pretensão de tutela judiciária formulada pelo mesmo (pedido) é no sentido de se dividir aquilo que o próprio denomina por “casas” e que identifica nos arts. 1º e 2º da petição inicial e que sustenta que, apesar de terem descrições e inscrições prediais autónomas, “ambas as casas fazem parte de um conjunto habitacional integrado e murado, denominado “...”.

Assentes que, atento o pedido que deduz na petição inicial, de forma deveras deficiente, o apelante pretende que se divida a coisa, por a considerar divisível, e que, portanto, o seu pedido é no sentido de proceder à divisão material dessa coisa entre ele e o apelado (Réu), cumpria-lhe, nesse caso (em que, na sua perspetiva, a coisa é divisível), em termos de causa de pedir, observar os seguintes ónus alegatórios: a) identificar de forma clara, de modo a ser apreensível por qualquer declaratário médio que estivesse na concreta posição em que se encontrava o juiz e o apelado (Réu) quando se viram confrontados com aquele articulado inicial, o(s) prédio(s) ou a(s) coisa(s) mobiliária(s); b) alegar que esse(s) prédio(s) ou coisa(s) mobiliária(s) são propriedade comum de tais e tais interessados; e c) alegar o volume das quotas de cada um dos comproprietários em relação à coisa comum, sob pena de ver atuar a presunção do art. 1403º, n.º 2 do CC.

Ora, perscrutada a petição inicial, como já enunciado: ou entende-se, como entendeu o tribunal a quo, que os factos alegados pelo apelante, na petição inicial, em sede de causa de pedir, não permitem identificar que concreta coisa é essa que alegadamente será propriedade comum do apelante e do apelado e que pretende que seja judicialmente dividida entre eles em substância, porquanto “não identifica nem especifica quais as coisas ou direitos cuja divisão pretende, porquanto da análise da petição inicial não resulta se o autor pretende a divisão do(s) prédio(s) e/ou da água e/ou dos fornos que alega existir no local”, e, tal como concluiu a 1ª Instância, ocorre o vício da ineptidão por ininteligibilidade de causa de pedir; ou entende-se, como nos parece ser o caso, que na petição inicial o apelante, ainda que de forma deficiente, discrimina de forma suficiente a “coisa” que pretende ver judicialmente dividida em substância.

Com efeito, compulsada a petição inicial, prefigura-se-nos que a “coisa” que o apelante alega ser propriedade comum daquele e do apelado são aquilo que o mesmo denomina por “casas” nos artigos 1º e 2º da petição inicial.

Neste sentido aponta-se a circunstância do apelante logo no art. 1º da petição inicial alegar ser “dono e legítimo possuidor de uma casa de dois pavimentos (…), inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...º e descrita sob o n.º ....”, de no art. 2º desse mesmo articulado inicial alegar que o Réu é, por sua vez, “dono e legítimo possuidor de uma casa de dois pavimentos, com dependências e capela (…), inscrita na matriz sob o art. …º e descrita sob o n.º .../.......”, logo acrescentando, no art. 3º desse mesmo articulado que, “apesar de se tratar de descrições e inscrições autónomas, ambas as casas fazem parte de um conjunto habitacional integrado e murado, denominado ..., o que é bem evidenciador que o prédio de que o apelante se arroga comproprietário juntamente com o apelado é composto pelo identificado “conjunto integrado e murado”, denominado “...”, composto pelas pretensas casas que identifica nos enunciados arts. 1º e 2º da petição inicial.

De resto, salvo o devido respeito por entendimento contrário, a alegação feita pelo apelante naquele articulado inicial quanto à água e aos fornos, sustentando que essa água e fornos servem o referido “conjunto integrado e murado”, denominado a “...”, composto pelas casas (a dele e a do apelado identificadas, respetivamente, nos arts. 1º e 2º da petição inicial), é no sentido de demonstrar que essas “casas fazem parte de um conjunto habitacional”.

Ora, porque, na nossa perspetiva, o apelante deixa de forma suficientemente clara, de modo a ser percetível por qualquer declaratário médio que “a coisa” que o mesmo alega ser compropriedade daquele e do apelado e que pretende ver judicialmente dividida em substância, adjudicando-se cada uma das partes resultantes da divisão ao mesmo e ao apelante na proporção das respetivas quotas, é composto pelo identificado “conjunto ou complexo habitacional”, impera concluir ocorrer ininteligibilidade da causa de pedir e, inclusivamente, contradição entre essa causa de pedir e o pedido que deduz.

Na verdade, apesar de alegar nos arts. 1º e 2º da petição inicial que ele e o apelado são “donos e legítimos possuidores das casas” que aí identifica, é o próprio apelante que sustenta naquele ponto 1º que a casa que aí identifica se encontra inscrita na matriz e descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ...., e que também as que identifica no art. 2º se encontram inscritas na matriz e descritas mesma Conservatória do Registo Predial sob o n.º .../........

Ora, alegando o apelante, naquele art. 1º da petição inicial, que o mesmo é “dono e legítimo possuidor de uma casa” (leia-se, prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ....), e no ponto 2º desse mesmo articulado que o apelado é “dono e legítimo possuidor de uma casa de dois pavimentos, com dependências e capela” (leia-se, prédio descrito na mesma Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º .../.......) e dispondo-se no art. 79º do Cód. Reg. Predial que, a descrição tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios (n.º 1) e que de cada prédio é feita uma descrição distinta (n.º 2), resulta dessa alegação que, no caso, não se está perante quaisquer “casas”, mas sim perante prédios distintos e autónomos, o que torna de todo ininteligível, por incompreensível para qualquer declaratário médio que se visse confrontado com o teor desse articulado inicial, a alegação do apelante vertida no art. 3º desse mesmo articulado quando nele pretende que, “apesar de se tratar de descrições e inscrições autónomas, ambas as casas fazem parte de um conjunto habitacional integrado e murado, denominado ...” e pretende, contraditoriamente com essa sua alegação, e com a circunstância de sustentar que essas pretensas casas têm descrições autónomas na Conservatória do Registo Predial, constituindo, portanto, prédios autónomos e distintos entre si, que aquele conjunto habitacional integra um único prédio, que é compropriedade do próprio e do apelado.

Aliás, o apelante juntou em anexo à petição inicial certidão da Conservatória do Registo Predial dos prédios em análise, de cujo teor resulta que o prédio aí descrito sob o n.º .... está com propriedade inscrita, no registo, a favor do próprio, por compra, enquanto o prédio descrito sob o n.º .../....... se encontra com propriedade inscrita, no registo, a favor do apelado, por sucessão hereditária, pelo que, estatuindo o art. 7º do C.R.Predial que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, não tendo o apelante alegado qualquer facticidade tendente a ilidir essa presunção legal, a causa de pedir por ele alegada na petição inicial não só se revela ininteligível, como inclusivamente está em contradição com o pedido que deduz.
Na verdade, estando-se perante descrições prediais distintas e autónomas, as mesmas reportam-se a prédios autónomos e distintos entre si, em que, de acordo com a própria alegação do apelante, os prédios que identifica nos arts. 1º e 2º da petição inicial são prédios autónomos e distintos, em que o primeiro, de acordo com essa sua alegação e da presunção resultante do enunciado art. 7º do CRPredial, é propriedade do apelante, e o segundo é propriedade do apelado, pelo que, se aqueles prédios foram no passado um “conjunto habitacional”, há muito que os mesmos se autonomizaram, dando lugar a prédios distintos, com proprietários distintos, resultando, aliás, da alegação vertida pelo apelante no requerimento que apresentou na sequência do despacho proferido pela 1ª Instância em 15/05/2022 que quando o mesmo adquiriu, por compra, o seu prédio, este já constituía há várias décadas um prédio autónomo e distinto do prédio identificado no art. 2º, propriedade do apelado, ao sustentar que “a casa que hoje pertence ao requerente, encontra-se integrada no conjunto habitacional denominada “A ...”, a qual foi alienada, há várias décadas, por um familiar do Requerido e esteve na posse de T. C. e seus herdeiros até 07 de maio de 2020, data em que foi adquirida pelo Requerente, por escritura pública”.

Porque assim é, para além da causa de pedir alegada pelo apelante na petição inicial, se revelar contraditória ao nível da alegação que a consubstancia e, consequentemente, ininteligível, também ocorre o vício da contradição entre essa causa de pedir e o próprio pedido, porquanto não pode o apelante pretender que se proceda à divisão judicial, em substância, de “uma unidade ou conjunto habitacional”, quando simultaneamente decorre da sua alegação, em sede de causa de pedir, que essa pretensa “unidade ou conjunto habitacional” é composta por prédios juridicamente autónomos e distintos, os quais são inclusivamente propriedade de donos distintos.

Em suma, decorre do que se vem dizendo que, diversamente do decidido pela 1ª Instância, no caso não ocorre o vício da ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido.

No entanto, ocorre o vício da ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir que alegou, na medida em que, apesar de pretender que aquele e o apelado são comproprietários da referida “unidade ou conjunto habitacional”, resulta da sua própria alegação que essa pretensa “unidade ou conjunto habitacional” tem duas descrições prediais distintas e autónomas, tratando-se, portanto, de dois prédios juridicamente distintos e autónomos, os quais, inclusivamente, de acordo com a alegação do próprio apelante e do teor das certidões prediais que junta em anexo à petição inicial e da presunção estabelecida no art. 7º do Cód. Reg. Predial, têm proprietários distintos (o prédio identificado no art. 1º da p.i. é propriedade exclusiva do apelante, enquanto o identificado no art. 2º da p.i. é propriedade exclusiva do apelado) e, inclusivamente, por contradição entre essa causa de pedir (contraditória e, por isso, ininteligível nos seus próprios termos) e o pedido que formula, posto que não se pode dividir em substância aquilo que já se encontra dividido em substância, constituindo juridicamente dois prédios autónomos e distintos e que, inclusivamente, têm proprietários distintos.

Decorre do exposto que, ao julgar procedente a exceção da ineptidão e ao absolver o apelado da instância, o tribunal a quo não incorreu em nenhum dos erros de direito que lhe são imputados pelo apelante, impondo-se concluir pela improcedência da presente apelação e confirmar a decisão recorrida, com as especificações supra enunciadas."


*3. [Comentário] A RG decidiu bem.

Estritamente falando verifica-se apenas uma contradição entre a causa de pedir (alegação de que os dois prédios têm proprietários registados distintos) e o pedido de divisão desses prédios entre o autor e o réu. A causa de pedir só se torna ininteligível em função do pedido formulado pelo autor.

MTS

24/05/2023

Jurisprudência 2022 (189)


Embargos de executado;
efeito de caso julgado; excepção de caso julgado*


1. O sumário de RL 28/9/2022 (2171/20.0T8CSC.C1) é o seguinte:

Se o executado alegou, como fundamento da oposição à execução a titularidade do direito real sobre o bem sobre que foi constituída a garantia patrimonial representada pela penhora e a irresponsabilidade desse bem pela satisfação da obrigação exequenda, e o exequente adquiriu, na execução, que prosseguiu por força da decisão de improcedência daquela oposição, aquele direito real, o caso julgado constituído sobre essa decisão, impede o reconhecimento ou a declaração, em acção posterior, contra o exequente, de que o executado é titular daquele direito real e o cancelamento do registo, daquela aquisição, a favor do exequente.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Em primeiro lugar, cumpre notar que, ao contrário do que alega no recurso, a apelante [agora autora e ex-executada nos termos do art. 54.º, n.º 2, CPC] não se limitou a pedir, na acção, a declaração de nulidade dos registos da aquisição a favor da apelada [agora ré e ex-exequente] do direito real de propriedade  por compra e adjudicação em execução - sobre a fracção à custa da qual foi satisfeito coactivamente, designadamente na acção executiva a que se opôs por embargos, o crédito objecto do pedido executivo; a apelante formulou ainda – cumulativamente – um outro pedido de maior relevo ou alcance: a condenação da apelante no reconhecimento do seu direito real de propriedade sobre aquele mesmo bem imóvel. E é este, de resto, o fundamental efeito jurídico que o apelante se propõe obter com a acção: a declaração de que é e ele – e não a apelada  o titular do direito real de propriedade sobre o bem imóvel sobre que foi constituída, na execução, a garantia patrimonial representada pela penhora e à custa do qual foi satisfeito, por adjudicação, o crédito da apelada, e é mesmo tal declaração que é susceptível de determinar o cancelamento do registo da aquisição daquele direito real a favor da recorrida, por evidente desconformidade entre a situação jurídica publicitada pelo registo – a titularidade desse direito pela apelada - e a realidade jurídica subjacente – a titularidade desse mesmo direito pelo apelante.

Consabidamente, o bem onerado para garantir o pagamento de uma obrigação pecuniária pode pertencer a terceiro, seja porque a garantia real foi originariamente constituída sobre bens de terceiro, seja porque o terceiro adquiriu os bens onerados com essa garantia. Se a garantia tiver sido constituída ou incidir sobre um bem que não pertence ao devedor, o direito de execução recai sobre o mesmo bem (art.º 818.º, 1.ª parte, do Código Civil). Na hipótese de o bem onerado pertencer a terceiro, verifica-se uma cisão entre a titularidade do débito – que é o devedor – e o sujeito que é responsável – que é o terceiro. Mas, mesmo neste caso, a legitimidade do terceiro assenta, ainda, na responsabilidade patrimonial.

Ora como decorre da petição de oposição à execução e da decisão que a indeferiu in limine, aquela tinha por fundamento o facto de a titularidade do direito real de propriedade sobre aquele o bem se encerrar [sic] na titularidade do apelante, por o ter adquirido por compra, e de aquele não ser devedor da quantia exequenda e, portanto, aquele bem não responder pela satisfação do crédito exequendo  fundamento de oposição exasperadamente infundado, dado que o bem se encontrava onerado por uma garantia real – a hipoteca – uma vez que o apelante o adquiriu com esta garantia.

Quer dizer: o fundamento alegado pelo apelante nesta acção e o que invocou para se opor à execução são absolutamente homogéneos: a titularidade do direito real de propriedade sobre o bem à custa do qual foi satisfeito o crédito objecto da execução e a sua irresponsabilidade pela satisfação do crédito exequendo. Homotropia que também se deve julgar verificada no tocante aos efeitos jurídicos visados pelo apelante com a oposição à execução e com a acção. É exacto que na oposição à execução se pediu a extinção da execução, não se tendo pedido – como, em regra, se não pede  o reconhecimento do direito real de propriedade sobre o bem sobre que foi constituída a garantia patrimonial em que a penhora se resolve e a sua irresponsabilidade pela satisfação do crédito objecto de satisfação coativa. Mas não o é menos que, um tal pedido está necessariamente implícito quando se invoca, como fundamento de contestação da execução, a titularidade do direito real bem que deve ser sacrificado para satisfazer o crédito exequendo e a sua irresponsabilidade pela satisfação do crédito objecto do pedido executivo, da mesma maneira que, caso a oposição procedesse por tal fundamento, a decisão correspondente teria necessariamente implícito, como pressuposto lógico irrecusável, o reconhecimento daquela titularidade e desta irresponsabilidade, reconhecimento que determinaria a extinção da execução, com a consequente impossibilidade de o exequente satisfazer o seu crédito, através da aquisição do direito real sobre o prédio e, evidentemente, de proceder ao registo, a seu favor, dessa aquisição.

Maneira que, se o executado se opõe à execução com fundamento no facto de ser titular do direito real de propriedade sobre o bem objecto da penhora – e posteriormente de venda ou de adjudicação executivas – e na irresponsabilidade desse bem pela satisfação do crédito exequendo, e a oposição é julgada improcedente, não lhe é lícito fazer valer contra o exequente, que adquiriu aquele direito na execução, em acção posterior, aquele direito real ou qualquer outro efeito jurídico – como, por exemplo, o cancelamento do registo de aquisição daquele direito e favor do exequente - que suponha a titularidade daquele direito real.

Sendo isto exacto, então há que concluir pela verificação no caso a apontada relação de identidade, i.e., a tríplice homotropia de sujeitos, pedido e de causa petendi, exigida pelo caso julgado.

Com efeito, se os sujeitos e o objecto desta acção são iguais ao da primeira acção – a oposição à execução – há que excluir a repetição da pronúncia do tribunal da execução, resultado que se obtém através da proibição da repetição da decisão anterior e da aplicação da excepção do caso julgado.

Mas vamos que um tal entendimento do problema se não deve ter por correcto [sic].

Como se observou, o executado tem o ónus de alegar na oposição ou nos embargos à execução todos os fundamentos possíveis de contestação da execução e o caso julgado que se forme sobre a decisão que julgue improcedente essa contestação, importa, por um lado, a execução da obrigação exequenda e, por outro, a preclusão de todo e qualquer outro fundamento de oposição, pelo que ao executado não é admissível obter, noutra acção, o reconhecimento de qualquer direito contra o exequente. Preclusão que opera através do caso julgado, e que prescinde mesmo da identidade de objecto entre a oposição à execução e a acção posterior. Assim, mesmo que o apelante não tivesse alegado, nos embargos, como fundamento destes, a titularidade do direito real e a irresponsabilidade do bem que constitui o seu objecto mediato pela satisfação do crédito referido no pedido executivo, que alega agora na acção superveniente, sempre se imporia concluir, no caso do recurso, pela verificação da excepção da res judicata.

Por último, uma decisão que reconhecesse, agora, o apelante como titular do direito real de propriedade seria, de todo, incompatível com a decisão de improcedência dos embargos e, consequentemente, com o prosseguimento da execução e com a satisfação coactiva do crédito exequendo à custa daquele direito, designadamente através da sua adjudicação ao exequente. Tendo-se decidido que nada obstava à satisfação coactiva do crédito objecto de execução, v.g. através da adjudicação daquele direito à apelada, não é admissível, por força do caso julgado, decidir agora que, afinal, o titular daquele direito não é o apelante – mas a recorrida. Uma tal decisão colidiria frontalmente com a decisão de indeferimento da oposição execução – da qual decorre a declaração de que nada obstava à execução da obrigação exequenda – e, consequentemente, com um efeito jurídico produzido nessa execução, subtraindo à apelante um direito que, na acção executiva, lhe foi atribuído.

Efectivamente, se o objecto da segunda acção é contraditório com o objecto da primeira, também há que excluir uma pronúncia contraditória com a anterior, desiderato que é conseguido através da proibição de contradição da decisão anterior e da excepção do caso julgado.

Todas as contas feitas, a conclusão a tirar é a da correcção da decisão impugnada no recurso. Cumpre, por isso, julgá-lo improcedente.

O conjunto da argumentação que determina a improcedência do recurso pode sintetizar-se nestes enunciados:

- O caso julgado constitui uma exigência de boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, dado que dá expressão aos valores da segurança e certeza imanentes a qualquer ordem jurídica: a res judicata obsta a que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, impede que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante uma composição, tendencialmente definitiva, dos litígios que os tribunais são chamados a resolver;

- A excepção do caso julgado – dado que assenta na ideia de repetição de causas – exige uma relação de identidade quanto aos elementos subjectivos – partes – e objectivos – pedido e causa de pedir – da instância;

- Se, porém, a relação entre o objecto da decisão transitada e o da acção subsequente, não for de identidade, mas de prejudicialidade, nem por isso, o caso julgado mantém a sua relevância: a decisão proferida sobre o objecto prejudicial – i.e., que constitui pressuposto ou condição de julgamento de outro objecto – vale como autoridade de caso julgado na acção que no qual se discuta o objecto dependente;

- Relativamente à identidade de pedido, há que atender ao objecto da sentença e às relações de implicação que a partir dele se estabelecem, sendo, portanto, suficiente uma identidade meramente relativa, dado que fica abrangido não só o efeito jurídico obtido no primeiro processo – como qualquer outro efeito jurídico que houvesse estado implícita, mas necessariamente em causa:

- A decisão de mérito proferida nos embargos à execução produz caso julgado, desde logo, quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda;

- O caso julgado da decisão de improcedência dos embargos importa não só a definição de que a obrigação exequenda não é inexistente, inválida ou inexigível com base no fundamento alegado pelo executado – mas também que a obrigação é existente, válida e eficaz, do que decorre um irrecusável efeito preclusivo quanto à possibilidade de alegação de qualquer outro fundamento de inexistência, invalidade ou inexigibilidade daquela obrigação.

- O executado tem o ónus de invocar, logo na petição dos embargos todos os possíveis fundamentos de inexistência, invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda e, uma vez decidido que esta obrigação não é inexistente, inválida ou inexigível pelo fundamento alegado pelo executado, é inevitável a execução da obrigação exequenda na acção executiva de que os embargos constituem dependência, pelo que não é admissível que ao executado possa vir a ser reconhecido, posteriormente, qualquer direito contra o exequente;

- Sempre que objecto da segunda acção seja contraditório com o objecto da primeira, também há que excluir uma pronúncia contraditória com a anterior, finalidade que é conseguida através da proibição de contradição da decisão anterior e da excepção do caso julgado:

- Se o executado alegou, como fundamento da oposição à execução a titularidade do direito real sobre o bem sobre que foi constituída a garantia patrimonial representada pela penhora e a irresponsabilidade desse bem pela satisfação da obrigação exequenda, e o exequente adquiriu, na execução, que prosseguiu por força da decisão de improcedência daquela oposição, aquele direito real, o caso julgado constituído sobre essa decisão, impede o reconhecimento ou a declaração, em acção posterior, contra o exequente, de que o executado é titular daquele direito real e o cancelamento do registo, daquela aquisição, a favor do exequente.

O apelante sucumbe no recurso. Essa sucumbência torna-o responsável pelo pagamento das respectivas custas (art.º 527.º, nºs 1 e 2, do CPC).

*3. [Comentário] A RL decidiu bem. Se um executado, demandado pela circunstância de ser o titular do bem onerado com a hipoteca a favor do exequente (art. 54.º, n.º 2, CPC), deduz embargos de executado que são julgados improcedentes, não pode essa mesma parte pretender obter numa outra acção um efeito que seja incompatível com aqueles que resultaram da penhora desse bem e subsequente adjudicação ao exequente.

MTS


23/05/2023

Jurisprudência 2022 (188)


Arresto de navio;
competência*


1. O sumário de RL 11/10/2022 (83/22.2TNLSB.L1-7) é o seguinte:

1.– É através da análise da causa de pedir e do pedido que se deve aferir a competência do tribunal, seja ela absoluta, seja ela relativa;

2.– A questão da (in)competência dos tribunais portugueses apenas assume relevância quando o caso trazido a juízo apresente uma qualquer conexão com outra ordem jurídica estrangeira, mantendo, ainda assim, uma conexão com a ordem jurídica portuguesa.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Vem o presente recurso interposto da decisão que indeferiu liminarmente o arresto requerido, por entender que os tribunais portugueses não são competentes para o mesmo.

A este propósito, pode ler-se na decisão recorrida que “No caso, verifica-se que a embarcação de recreio a arrestar encontra-se a navegar pelo mar da Sardenha, em Itália, totalmente fora da área de jurisdição deste Tribunal Marítimo, não tendo este, pois competência jurisdicional para proceder ao arresto requerido, já que não nos encontramos perante qualquer das situações a que aludem os arts. 59º, 62º e 63º do CPC, pois em causa está uma providência cautelar de arresto e não uma acção”.

Insurge-se a apelante com a decisão recorrida por entender que o tribunal competente para o presente procedimento é o Tribunal Marítimo de Lisboa, porquanto é este o local onde a obrigação deveria ter sido cumprida, a que acresce o facto de as partes serem ambas domiciliadas em Portugal. Mais alega que a decisão recorrida viola o disposto no nº 1 do art. 9º do DL 201/98 de 10 de Julho.

Adiantando a decisão, desde já se dirá que o despacho recorrido não pode subsistir.

A competência assume-se como um “pressuposto processual, isto é, uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa (…). Como qualquer outro pressuposto processual, a competência é aferida em relação ao objecto apresentado pelo autor” (Miguel Teixeira de Sousa, in “A Competência e a Incompetência dos Tribunais Comuns”, 2ª Edição, pág. 13).

Quer isto dizer que é através da análise da causa de pedir e do pedido que se deve aferir a competência do tribunal, seja ela absoluta, seja ela relativa.

Donde, a questão da (in)competência dos tribunais portugueses apenas assume relevância quando o caso trazido a juízo apresente uma qualquer conexão com outra ordem jurídica estrangeira, mantendo, ainda assim, uma conexão com a ordem jurídica portuguesa.

Por esse motivo, a competência internacional dos tribunais portugueses resulta de um conjunto de critérios atributivos de competência estabelecidos no CPC e em convenções internacionais e que se encontram individualizados nos arts. 59º, 62º e 63º do CPC.

Com efeito, nos termos do art. 59º do CPC, “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º”.

Por seu turno, refere o art. 62º do CPC que:

“Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

a)-Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b)-Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c)-Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”.

No que ao caso concreto diz respeito, importa referir que estamos perante a dedução de um procedimento cautelar de arresto intentado pela Requerente, ora apelante, com sede em Cascais, Lisboa, contra a Requerida, com sede em Funchal, Madeira, e onde é peticionado o arresto de uma embarcação pertencente à Requerida e de quaisquer saldos bancários titulados por esta junto de qualquer instituição bancária, créditos fiscais e outros que possam ser apurados, sendo apresentada como causa de pedir a celebração de um contrato de manutenção e exploração turística da aludida embarcação em Portugal, sem que a Requerida tenha procedido ao pagamento de todas as quantias devidas.

Da conjugação da causa de pedir e pedido apresentados extrai-se que não existe qualquer conexão com outra ordem jurídica para além da portuguesa, sendo irrelevante, para efeitos de aferição de competência internacional, o local onde um dos bens a arrestar se situa.

Na verdade, essa circunstância apenas poderá assumir pertinência no momento em que, se decretado o arresto, houver necessidade de proceder à apreensão da embarcação.

Com efeito, o tribunal a quo confunde a competência internacional dos tribunais portugueses com a possibilidade de efectivação do arresto peticionado fora do território nacional, esquecendo, por um lado, o objecto processual em causa nos autos, e, por outro lado, a existência de outros bens cujo arresto é peticionado (saldos bancários e créditos fiscais).

Para o tribunal recorrido, apenas releva a circunstância de a embarcação em causa nos autos se encontrar a navegar fora das águas territoriais portuguesas, desenquadrando essa circunstância do demais alegado e do pedido de arresto de outros bens.

Importa não esquecer que o arresto “Consiste numa apreensão judicial de bens do devedor capaz de antecipar os efeitos derivados da penhora, com vista a garantir o efeito útil da sentença condenatória que o credor procurará obter ou dos meios de cumprimento coercivo de obrigações (art. 619º do CC). Para o efeito, uma vez efectuado o arresto, e sem prejuízo das regras do registo, os atos de disposição são ineficazes em relação ao credor (art. 622º do CC)” (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 464 e 465).

Quer isto dizer que sendo decretado o arresto, deve ser feita a apreensão dos bens referidos na decisão, aplicando-se relativas à efectivação da penhora, in casu disposto no art. 768º do CPC.

Apenas nessa altura se poderá suscitar qualquer questão relacionada com o paradeiro da embarcação e sua apreensão.

Particularmente relevante para esta conclusão é o facto de a embarcação que se pretende arrestar ser propriedade da Requerida, estando, por conseguinte, registada a seu favor, tal como resulta dos factos alegados no requerimento inicial.

Haverá ainda que atender ao disposto no art. 9º do DL 201/98 de 10 de Julho, nos termos do qual o navio pode ser arrestado ou penhorado mesmo que se encontre despachado para viagem.

Igualmente de referir que o art. 768º, nº 4 do CPC permite que a penhora de navio despachado para viagem seja efectuada, referindo que essa penhora é seguida de notificação à capitania, para que esta apreenda os respectivos documentos e impeça a saída, mais estatuindo os arts. 769º e 770º do CPC o modo como o navio penhorado poderá navegar.

Da conjugação destas normas resulta, com clareza, a possibilidade de penhora e de arresto de embarcações mesmo quando estas não se encontrem atracadas.

Consequentemente, o facto de a embarcação dos autos se encontrar a navegar fora das águas territoriais de Portugal não determina a incompetência internacional dos tribunais portugueses, sendo certo que, mesmo que assim fosse, sempre os autos teriam de prosseguir face à existência de outros bens cujo arresto é peticionado.

Acresce que, mesmo que se entendesse existir uma qualquer conexão com outra ordem jurídica proveniente do local de navegação da embarcação, ainda assim seriam os tribunais portugueses competentes por força do disposto nos arts. 59º e 62º, al. a) do CPC.

Com efeito, o art. 62º, al. a) do CPC fixa o critério da coincidência, nos termos do qual a competência internacional atribuída aos tribunais portugueses, ocorre quando a acção deva ser proposta em Portugal, segundo as regras da competência internacional estabelecidas na lei portuguesa (arts. 70º e ss. do CPC), e mesmo que existam elementos de conexão com ordens jurídicas estrangeiras. Neste sentido, Luís Lima Pinheiro, in Direito Internacional Privado, vol. III, t. I, AAFDL 2019, pág. 337 e ss.

No caso vertente, quer a acção principal, quer o procedimento cautelar, por aplicação do disposto nos art. 71º, nº 1 e 78º, nº 1, al. a) do CPC; art. 113º, nº 1, al. e) da LOSJ (Lei 62/2013, de 26 de Agosto) e art. 4º, al. e) da Lei 35/86, de 04 de Setembro relativa aos Tribunais Marítimos, determinariam a competência do Tribunal Marítimo de Lisboa para a apreciação dos autos, o que leva a concluir, nos termos expostos, pela competência internacional dos tribunais portugueses.

Concluindo, e por assistir razão à apelante, impõe-se a revogação da decisão recorrida, a qual é substituída por outra que, considerando o tribunal internacionalmente competente, manda seguir os autos com a apreciação do requerimento inicial e ulterior tramitação."

*3. [Comentário] A RL decidiu bem ao reconhecer que o tribunal no qual o arresto foi requerido tem competência para o decretar. 

Isto dito, importa acrescentar o seguinte:

-- Como a própria RL bem diz, a circunstância de o navio se encontrar a navegar fora das águas territoriais portuguesas não impede o decretamento do arresto; isto significa que essa circunstância é irrelevante para a aferição da competência do tribunal no qual foi requerido o arresto, pelo que, sendo as partes portuguesas e estando o barco registado em Portugal, não há nenhum elemento de conexão relevante com nenhuma ordem jurídica estrangeira; portanto, o problema da competência internacional dos tribunais portugueses não se coloca;

-- Se houver que proceder à apreensão do barco em qualquer outro Estado-Membro da UE, aplica-se, à execução da sentença de arresto, o disposto nos art. 2.º, al. a), e 39.º Reg. 1215/2012.

MTS