"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



31/05/2021

Jurisprudência 2020 (222)


Decisão interlocutória;
revista; admissibilidade


1. O sumário de STJ 12/11/2020 (6333/15.4T8OER-A.L1.S1) é o seguinte:

I - Estatui o direito adjectivo civil, salvaguardando o princípio dimanado da Lei Fundamental, que lhe permite regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões, condições gerais quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, nomeadamente, aquelas que respeitam às decisões que comportam revista.

II - Estando em causa um acórdão que recaiu sobre decisão interlocutória com efeito circunscrito à relação processual, há que convocar as regras recursivas decorrentes das als. a) e b) do art. 671.º, n.º 2, do CPC, a fim de, previamente ao conhecimento da revista, apreciar da respectiva admissibilidade, sendo que a al. b) desta disposição adjectiva não se confunde com a previsão contida no art. 629.º, n.º 2, al. d), ambos do CPC, tendo as mesmas aplicação distinta.

III - O acórdão fundamento proferido pelo tribunal da Relação não poderá sustentar o preenchimento dos requisitos necessários à admissibilidade da revista, cujo objecto é uma decisão interlocutória, na medida em que o sentido e alcance do dispositivo adjectivo civil que se impõe convocar para a revista em decisões interlocutórias, numa interpretação que convoca o elemento gramatical (“letra da lei”) e o elemento lógico (“espírito da lei”), é muito claro ao exigir que o acórdão fundamento, transitado em julgado, tenha sido proferido pelo STJ.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Textua o art.º 671º do Código de Processo Civil:


“2 - Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”

Enunciados os pressupostos substanciais de admissibilidade do recurso do acórdão que apreciou uma decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual, revogatória da decisão da 1ª Instância, importa afirmar inexistir, neste caso trazido a Juízo, circunstância que quadre quaisquer dos casos previstos no mencionado art.º 671º n.º 2 alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.

Cotejado o requerimento de interposição do recurso que contém a alegação da Recorrente e respectivas conclusões, reconhecemos a ausência de invocação de qualquer oposição jurisprudencial subsumível ao art.º 671º n.º 2 alínea b) do Código de Processo Civil, ou seja, conquanto a Recorrente/Embargada/Exequente/HÖRMANN KG VERKAUFSGESELLSCHAFT, tivesse discreteado sobre a contradição de julgados, entre o acórdão recorrido e o enunciado acórdão fundamento, certo é que este foi proferido pelo Tribunal da Relação, não podendo, por isso, sustentar o preenchimento dos requisitos necessários à admissibilidade da revista, cujo objecto é uma decisão interlocutória, na medida em que o dispositivo adjectivo civil que se impõe convocar para a revista em decisões interlocutórias é muito claro ao exigir, expressamente, que o acórdão fundamento, com transitado em julgado, tenha sido proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

Em abono do reconhecimento desta orientação, traduzida na exigência da enunciação de um acórdão fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que está em contradição com o acórdão recorrido, conduzindo, na sua omissão, à inadmissibilidade da revista, impõe-se que tenhamos presente que na interpretação das leis, conforme decorre do direito substantivo civil “o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” - art.º 9º n.º 3 do Código Civil - . [...]

Revertendo ao caso sub iudice, uma vez interiorizados os enunciados ensinamentos, e tendo em vista o sentido e alcance da alínea b) do n.º 2 do art.º 671º do Código de Processo Civil, destacamos que o legislador disse o que queria ao expressar no texto do aludido normativo adjectivo civil que os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual podem ser objeto de revista, concretamente, quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme, distinguindo-se, à evidência, do elemento literal do preceito, a declarada exigência de que o acórdão fundamento seja prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Outrossim, estão verificados elementos lógicos que integram os factores a que se pode recorrer para determinar o sentido e alcance da norma, sendo que estes também justificam a acolhida orientação, traduzida na exigência da enunciação de um acórdão fundamento, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, que está em contradição com o acórdão recorrido, levando, na sua ausência, à inadmissibilidade da revista que tem por objecto decisões interlocutórias.

Na verdade, também a razão da ordem jurídica em que se integra a norma jurídica a interpretar, importando a consideração da unidade do sistema jurídico, determina o sentido e alcance da norma ao permitir registar a preocupação do legislador em criar uma norma estritamente direccionada à admissibilidade da revista de decisões interlocutória, com um Capitulo e Secção dedicados - Recurso de revista - Interposição e expedição do recurso - (art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil) - encerrando particularidades face ao Capitulo atinente às Disposições gerais (art.º 629º do Código Processo Civil), sendo de enfatizar, enquanto elemento racional ou teleológico que a exegese deve comtemplar, enquanto razão de ser da lei, sustentada na respectiva justificação e no objectivo pretendido com a sua criação, a circunstância de o legislador ao prevenir no art.º 671º n.º 2 “Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista: a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível” e ao acrescentar a alínea “b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme” demonstra, inequivocamente, ter querido diferenciar as situações que se quadram com a alínea d) do n.º 2 do art.º 629º do Código de Processo Civil e aqueloutras prevenidas na alínea b) do art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil, pois, não fora essa intenção legislativa, perguntar-se-ia porque razão o legislador não se ficou somente com a previsão da enunciada alínea a) do art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil que, sem qualquer tibieza, afirma que cabe revista das decisões interlocutórias nos casos em que o recurso é sempre admissível, sentindo, ao invés, a necessidade de elaborar previsão normativa quando esteja em causa uma contradição de julgados, fazendo questão de enunciar que o acórdão fundamento, já transitado em julgado, tem de ser proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, dando redacção diversa daqueloutra alínea d) do n.º 2 do art.º 629º do Código de Processo Civil que textua “Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.

Poder-se-á questionar se a contradição de julgados, invocada na revista de decisões interlocutórias, sustenta a respectiva admissibilidade ao abrigo do disposto nos artºs. 671º n.º 2 e 629º n.º 2 alínea d), ambos do Código de Processo Civil.

A resposta a esta interrogação, como vimos, é decisivamente negativa.

Há obstáculos à admissibilidade do interposto recurso das decisões interlocutórias ao abrigo do art.º 629º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil, sendo que esta disposição adjectiva civil, não se confunde, de todo, com aqueloutro preceito condizente ao art.º 671º n.º 2 alínea b) do Código de Processo Civil, ou está integrada na alínea a) do n.º 2 do art.º 671º do Código de Processo Civil.

Não se tratando de uma decisão que tenha posto termo ao processo, mas antes de uma decisão que recaiu sobre intercorrência processual, a mesma só é susceptível de revista nas hipóteses das alíneas a) e b) do art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil, afastando a convocação da alínea d) do n.º 2 do art.º 629º do Código Processo Civil, tanto mais que esta só tem lugar nos casos que normalmente não são susceptíveis de recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, verbi gratia, nos processos de jurisdição voluntária (art.º 988º n.º 2 do Código de Processo Civil), processo especiais de expropriação (art.º 66º n.º 5 do Código das Expropriações), nas providências cautelares (art.º 370º n.º 2 do Código de Processo Civil) e quanto à conta de custas, onde também vale a referência a “um grau” de recurso, constante do n.º 6 do artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais, de que não cabe recurso ordinário por motivo estranha à alçada do tribunal, sendo que não cai nesse pressuposto a alínea a) do n.º 2 do art.º 671º do Código de Processo Civil, razão pela qual, a menção que nela se faz “aos casos em que o recurso é sempre admissível” não abrange o caso previsto na alínea d) do n.º 2 do art.º 629º do Código de Processo Civil, sufragado, aliás, na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como decorre do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2020 (Processo n.º 383/17.3T8BGC-B.P1.S2 - 6.ª Secção), ainda não publicado, ao consignar: “Entender diferentemente levaria ao absurdo de uma contradição de julgados em simples matéria interlocutória de natureza processual autorizar recurso para o Supremo independentemente do valor da causa e da sucumbência, enquanto a oposição de julgados relativa a decisão final de mérito que viesse a ser proferida nas circunstâncias dos n.ºs 1 e 3 do art. 671.º do CPC só admitiria recurso para o Supremo (por via da revista excecional) se se verificassem os requisitos atinentes ao valor e a sucumbência”,

Invocada uma oposição jurisprudencial com um outro Acórdão da Relação, na revista do acórdão que recaiu sobre intercorrência processual, está, necessariamente, afastada a hipótese da alínea a) do art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil, e porque não existe qualquer impedimento impugnatório adveniente de razões de alçada, o recurso de revista interposto apenas poderia quadrar a situação prevenida na alínea b) do art.º 671º n.º 2 do Código de Processo Civil, estando em causa a contradição com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não fazendo sentido, salvo o devido respeito por opinião contrária, o recurso à alínea d) do n.º 2 do art.º 629º do Código de Processo Civil, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 2019 (Processo n.º 1410/17.0T8BRG-A.G1.S2), in, http://www.dgsi.pt.

Esta orientação, traduzida na exigência da enunciação de um acórdão fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que está em contradição com o acórdão recorrido, com vista à admissibilidade de revista estando em causa uma decisão que recaiu sobre intercorrência processual, já foi por nós defendida ao subscrevermos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 2020 (Processo n.º 7459/16.2T8LSB-A.L1.S1) in, http://www.dgsi.pt “(…) por razões de coerência interna do regime de recursos para o STJ, deve entender-se que a norma da al. a), do nº 2, do art. 671º, do CPC não abrange a situação prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 629º do mesmo Código, sob pena de os requisitos de admissibilidade do recurso para o STJ de uma decisão intercalar serem mais amplos do que o recurso que viesse a ser interposto de uma decisão final. Foi esta também a orientação seguida na decisão singular proferida no proc. n.º 112/14.3T2AND.P1.S1, desta mesma secção, subscrita pelo Juiz Conselheiro Oliveira Abreu e que aqui intervém como 1º Adjunto, a qual merece a nossa inteira concordância.”

[MTS]


28/05/2021

Bibliografia (975)


-- Schulz-Arenstorff, AchimJudikatives Unrecht in der Zivilgerichtsbarkeit – Ursachen und Rechtsschutz / Eine rechtssoziologische Evaluationsstudie zur Feststellung der Effektivität des Rechtsschutzes bei hinreichendem Tatverdacht der Rechtsbeugung (Duncker & Humblot: Berlin 2021)




Jurisprudência 2020 (221)


Acção popular;
objecto; admissibilidade


1. O sumário de STJ 12/11/2020 (7617/15.7T8PRT.S2) é o seguinte:

I. Uma acção popular tanto pode ter como objecto interesses difusos, interesses colectivos ou interesses individuais homogéneos, expressão individualizada de interesses difusos ou colectivos.

II. Não há que proceder ao reenvio prejudicial requerido, respeitante à interpretação de normas da Directiva n.º 2014/17/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014, relativa aos contratos de crédito aos consumidores para imóveis de habitação, porque a Directiva não é aplicável aos recorrentes e porque, no que respeita aos demais interessados abrangidos, essa interpretação foi definida pelo Tribunal de Justiça em caso materialmente análogo ao presente.

III. Também não é aplicável aos recorrentes o Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de Junho, por terem beneficiado, no crédito à habitação, das condições oferecidas aos trabalhadores do Banco réu e não colocadas à disposição do público em geral (artigo 3.º, c)).

IV. A aplicação do tempo do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, nomeadamente do regime relativo às vendas obrigatórias e facultativas associadas ao crédito à habitação, rege-se pelo artigo 12º do Código Civil.

V. A al. a) do n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, que estabelece como excepção à regra da proibição das vendas associadas obrigatórias a possibilidade de o mutuante exigir que o mutuário abra ou mantenha uma conta de depósito à ordem, tem de ser interpretada em conformidade com a Directiva n.º 2014/17/UE – em particular, com o n.º 2, al. a) do respectivo artigo 12.º ­–, no sentido de que é legítima tal exigência, desde que tenha como único objectivo acumular capital para reembolso do capital do crédito, pagar os respectivos juros ou constituir uma garantia suplementar em caso de incumprimento.

VI. Entende-se que observa os objectivos da Directiva uma cláusula contratual que obrigue o mutuário a manter a conta provisionada para o efeito de pagamento das prestações associadas ao crédito, pois respeita a finalidade da exigência e a regra da proporcionalidade, ao limitar ao efeito de pagamento e/ou de garantia do crédito a exigência do provisionamento e, portanto, do depósito.

VII. A Lei n.º 57/2020, de 28 de Agosto, com entrada em vigor prevista para 1 de Janeiro de 2021, veio alterar a al. a) do n.º 2 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, passando o mutuante a ter de aceitar que a conta de depósitos à ordem associada ao pagamento do mútuo seja aberta “numa instituição que não a sua”; e veio ainda alterar o Decreto-Lei n.º 133/2009 e o Decreto-Lei n.º 74-A/2017, proibindo o mutuante, no âmbito de contratos de crédito contraído por consumidores, de cobrar comissões associadas ao processamento das prestações de crédito ou cobradas com o mesmo propósito, quando o processamento for realizado pela instituição de crédito credora.

VIII. Quanto à cobrança de comissão de manutenção das contas de depósitos à ordem, a prova não permite concluir que as referidas contas não sejam utilizadas pelos mutuários para outros fins, vindo mesmo provada essa utilização, o que impede que se considerem as comissões cobradas como encargos do crédito, ou que se saiba em que medida assim devem ser havidas.

IX. O n.º 3 do artigo 22.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, não considera nulas as cláusulas que “c) Atribuam a quem as predisponha o direito de alterar unilateralmente os termos do contrato (…)”, se relativas a “a) (…) transacções referentes a valores mobiliários ou a produtos e serviços cujo preço dependa da flutuação de taxas formadas no mercado financeiro”.

X. No que respeita aos recorrentes, o regime aplicável ao tempo da celebração do mútuo, no que toca ao meio de pagamento das respectivas prestações e juros, estava (e está) definido no Regulamento do Crédito à Habitação, para o qual remete o Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário.

XI. No acordo relativo à revogação do contrato de trabalho, o Banco assegurou “a manutenção das condições contratualmente em vigor” quanto ao crédito à habitação. Nesta manutenção inclui-se o acordo quanto às condições de pagamento, ressalvada a dedução no vencimento.

XII. A Directiva 2014/17/EU e o Decreto-Lei n.º 74-A/2017 obrigam a que a informação prévia à conclusão do contrato de mútuo – que deve ser completa, verdadeira, actualizada, clara, objectiva e adequada aos conhecimentos do concreto consumidor –inclua os dados necessários ao cálculo da TAEG, entre os quais figuram os encargos com a abertura e manutenção de uma conta específica, se for exigida.

XIII. Quanto aos recorrentes, está provado que essa informação não consta do contrato de mútuo. Todavia, o contrato foi celebrado num quadro de isenção de comissões de manutenção da conta de depósitos à ordem e de exigência de reembolso do empréstimo se viesse a cessar a relação de emprego com o Banco.

XIV. Não podem proceder as alegações de que o Banco incorreu em prática comercial desleal, abuso de direito ou infracção das regras da concorrência, ou de que os recorrentes não teriam celebrado o contrato de mútuo, pelo menos nos termos em que foi celebrado, por não haver prova que as sustente.

XV. O artigo 20.º da Lei n.º 83/95 encontra-se revogado pelo Regulamento das Custas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro; da al. b) do n.º 1 do respectivo artigo 4.º, conjugado com o n.º 5, resulta que a parte que exerça o seu direito de acção popular está isenta de custas, salvo se o pedido for julgado “manifestamente improcedente”, caso em que é responsável “nos termos gerais”.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"6. Ao longo deste processo foi considerada por diversas vezes a questão de saber se a via da acção popular é ou não adequada à apreciação dos pedidos formulados pelos autores.

Em breve síntese, recorda-se que no saneador-sentença de fls. 648 se julgou a acção “manifestamente inviável”, por não se verificarem os pressupostos da acção popular: “Não sendo (…) as relações contratuais dos clientes do banco (…) idênticas, não pode a acção prosseguir como acção popular (…). Tendo sido proposta como acção popular, não pode prosseguir com outra forma de processo para apreciação da concreta, individual e específica situação dos Autores (…).”

Pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 754 foi revogada esta decisão e ordenado que a acção popular prosseguisse, por não se verificar “a ausência do ´fumus boni iuris’ subjacente ao juízo de manifesta improbabilidade do pedido referida no artigo 13º da (…) Lei 83/95 como causa de indeferimento da petição”. Esclareceu-se, com relevância decisiva para a admissibilidade da acção popular, que “tendo em conta o núcleo da matéria posta à consideração do Tribunal – repete-se, fundamentalmente relacionada com o pagamento das prestações de empréstimos para habitação – à partida e sem prejuízo da ulterior apreciação da preponderância de qualquer situação particular que torne impossível a sua abstracção para qualquer efeito, parece-nos ser evidente que é do interesse de qualquer daqueles titulares que lhe seja reconhecido ‘o direito a procederem ao pagamento das prestações (…) através de qualquer meio idóneo’, sendo certo que poderão exercer ou não e da forma que tiverem por mais conveniente, a faculdade contida nesse direito, se reconhecido”.

Este acórdão, portanto, só afastou a manifesta improcedência liminarmente decidida pela 1ª Instância, ao abrigo do disposto no artigo 13.º da Lei n.º 83/95 (regime especial de indeferimento liminar por ser “manifestamente improvável a procedência do pedido”), deixando para ulterior apreciação o juízo definitivo sobre a adequação da via da acção popular.

A sentença de fls. 1656 veio a concluir “de acordo com o Ac. do STJ não ter elementos concretos que permitam determinar grupos de interesses homogéneos susceptíveis de serem protegidos pelas providências requeridas pelo autor”. Acrescentou, todavia, “por mera cautela”, que “mesmo que assim não fosse, sempre a acção popular teria de improceder” tendo em conta o “ordenamento jurídico vigente na data da decisão”.

Os recorrentes discordam e vêm de novo sustentar a admissibilidade da acção popular, frisando que não ocorrem “quaisquer particularidades, nomeadamente as decorrentes da eventual multiplicidade dos factos que caracterizam a relação do Banco com todos e cada um dos seus mutuários, apenas está em causa se num contrato de crédito para a aquisição de imóvel para habitação aos autores e a demais titulares dos contratos deve ser reconhecido o direito de procederem ao pagamento das prestações correspondentes a esses contratos através de qualquer meio de pagamento idóneo, ou então, se devem ser reconhecidos os outros direitos invocados subsidiariamente pelos autores” (concl. 8.ª das alegações de recurso).

Na sequência do citado acórdão deste Supremo Tribunal, de fls. 754 e tendo em conta os pedidos formulados, é possível encontrar no objecto da acção, tal como foi definido pelos autores, no plano dos factos, um feixe de interesses individuais homogéneos, traduzidos, desde logo, na possibilidade “de procederem aos pagamento das prestações correspondentes [aos] contratos através de qualquer meio de pagamento idóneo” ou, subsidiariamente, “por débito em qualquer conta de depósito à ordem aberta junto de qualquer instituição bancária a operar em Portugal da qual sejam legítimos titulares e com poderes para a sua movimentação” (petição inicial), não obstante a inserção nos contratos de mútuo de uma cláusula que associe tais pagamentos a uma conta de depósito à ordem aberta ou mantida no próprio Banco réu (cfr. contrato de mútuo relativo aos autores, junto a fls. 119 e segs., e ponto 57 dos factos provados). Ou seja: se essa cláusula contratual pode ser desconsiderada.

O mesmo raciocínio se pode efectuar quanto aos demais pedidos.

Na verdade, encontra-se estabilizado o entendimento segundo o qual a acção popular tanto pode ter como objecto interesses difusos, insusceptíveis de individualização (defesa do ambiente, ou do património cultural, por exemplo), interesses colectivos (no sentido de interesses encabeçados por um grupo de pessoas determinadas ou determináveis) ou interesses individuais homogéneos, expressão individualizada de interesses difusos ou colectivos – no caso, relacionados com a defesa dos consumidores (cfr. n.º 2 do artigo 1.º da citada Lei n.º 83/95); cfr., neste sentido, a título de exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 2003, ECLI:PT:STJ:2003:03A1243.D8 ou de 20 de Outubro de 2005, ECLI:PT:STJ:2005:05B2578.10.

Deve todavia colocar-se a questão de saber se uma eventual diferença quanto ao regime jurídico aplicável ao contrato dos autores, por um lado – por ser o autor marido empregado do Banco réu, quando o crédito lhe foi concedido, e ser essa qualidade determinante para o regime jurídico aplicável às questões suscitadas nesta acção, sendo certo que se mantiveram as condições do crédito com o acordo celebrado quando foi revogado o contrato de trabalho, cfr. pontos 41 e 42 dos factos provados – e, por outro, aos demais interessados que não tenham beneficiado desse regime especial, impedirá a apreciação conjunta dos pedidos formulados, como adiante se procura determinar.

É esta a principal questão colocada neste recurso; questão que, no plano dos factos, é do interesse dos recorrentes e poderá ser também dos interessados abrangidos pela acção, todos consumidores (cfr. ponto 6.dos factos provados) e todos mutuários de crédito à habitação, nos termos acabados de referir; utiliza-se aquele tempo verbal porque nenhum interveio na acção.

Interpreta-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 754 no sentido de que estes aspectos comuns serão suficientes para a admissibilidade da acção popular. As particularidades de facto que a prova revelou – relacionadas com a circunstância de o crédito concedido aos recorrentes ter sido um crédito concedido a empregados do Banco, em condições mais favoráveis do que as que estão disponíveis para a generalidade dos interessados, de acordo com o Acordo e com o Regulamento do Crédito à Habitação para o Sector Bancário (cfr. contrato de fls. 119) – podem determinar respostas de direito diferentes para os recorrentes e para os consumidores que não tenham beneficiado deste regime, mas não podem já ditar a inadmissibilidade da acção popular."


[MTS]


27/05/2021

Jurisprudência 2020 (220)


Processo de inventário;
património comum; crédito


I. O sumário de RE 19/11/2020 (336/12.8T2MFR-B.E1é o seguinte:

1 - É indevida a remessa dos interessados para os meios comuns com fundamento na falta de acordo sobre a matéria em discussão e por não existirem documentos nos autos que permitam resolver tal questão com segurança, havendo que produzir prova sobre a mesma;

2 - Apurando-se que o preço do imóvel adquirido pela Requerida já após ter sido decretado o divórcio, e que constitui bem próprio desta, foi pago, em parte, com dinheiro que constituía património comum do casal, deve a verba em causa ser elencada na relação de bens enquanto crédito do património comum.


II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Nos termos do disposto no art. 1350.º/2 do CPC na redação dada pelo DL n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, normativo inserido na secção relativa ao relacionamento de bens, quando a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas tornar inconveniente, nos termos do n.º 2 do artigo 1336.º, a decisão incidental das reclamações previstas no artigo anterior, o juiz abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios comuns.

O n.º 2 do art. 1336.º do CPC, por sua vez, estatui que só é admissível a resolução provisória, ou a remessa dos interessados para os meios comuns, quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão a dirimir torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar redução das garantias das partes.

No processo de inventário, o princípio que vigora é o de que devem ser decididas definitivamente no seu âmbito todas as questões de facto de que a partilha dependa salvo se essa decisão se não conformar com a discussão sumária comportada pelo processo de inventário e exigir uma ampla discussão no quadro do processo comum. [Ac. TRE de 28/05/2015 (Conceição Ferreira)]

A regra é a de que o tribunal da causa tem competência para dirimir todas as questões que importem à exata definição do acervo hereditário a partilhar, podendo excecionalmente, em caso de particular complexidade, e para evitar redução das normais garantias das partes, lançar mão das possibilidades que emergem do estatuído no artigo 1350.º, n.ºs 1 e 3, do CPC. [Cfr. Lopes do Rego, Comentário ao CPC, 2.ª ed., pág. 268]

É que “tudo deve ser examinado e decidido à luz de um são critério, já para não consentir que no inventário se resolvam questões de alta indagação, já para não excluir as que, aí podem e devem obter solução adequada”, sendo que “a lei limitou-se a formular uma regra, um critério de orientação, cabendo ao poder judicial fixar-lhe os limites, definir-lhe os contornos e dar consistência ao seu conteúdo maleável”. [Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, vol. I, pág. 539]

No caso que temos em mãos, os interessados foram remetidos para os meios comuns com fundamento na falta de acordo sobre a matéria em discussão e por não existirem documentos nos autos que permitam resolver tal questão com segurança, havendo que produzir prova sobre a mesma. Donde, o Tribunal de 1.ª Instância não alicerçou a sua decisão na inconveniência para o processo de inventário da apreciação daquela questão incidental, atenta a complexidade da matéria de facto a ela subjacente.

Atento o disposto no art. 1350.º/1 do CPC, não se adequando o fundamento invocado ao fundamento legal, é manifesto ser indevida a remessa dos interessados para os meios comuns, nos termos determinados.

No entanto, considerando a questão submetida a apreciação, no sentido de saber se, tal como sustenta o Recorrente, os montantes pecuniários utilizados para pagamento das rendas da locação financeira constituíam património comum, afigura-se não estar em causa complexidade tal que torne inconveniente a decisão dessa questão no âmbito do processo de inventário.

Mais avançou a 1.ª Instância que «não está demonstrado nos autos que o montante pago (€ 27.916,41) em cumprimento do leasing para aquisição do imóvel que constituía a verba n.º 25 da relação de bens inicialmente apresentada nos autos, constitui todo ele património comum do ex-casal, sendo certo que a requerida/interessada (…) nega tal facto e a prova já anteriormente produzida e referida na decisão sobre a reclamação da relação de bens, acima mencionada, não permite chegar a uma conclusão segura sobre essa matéria, embora se indicie que aquele valor foi pago, pelo menos em parte, com as quantias que o cabeça de casal e a requerida receberam de indemnização pela rescisão dos respetivos contratos de trabalho com a Companhia de Seguros (…).» Considerou-se, assim, que os elementos disponíveis nos autos eram insuficientes para conhecer da questão colocada.

Será assim?

Está assente a seguinte factualidade:

- a conta n.º (…) Caixa Geral de Depósitos integra a relação de bens comuns;
- o contrato de locação financeira relativo ao imóvel excluído da relação de bens (verba n.º 25) foi celebrado em 13/11/1998, na pendência do casamento;
- as rendas relativas ao contrato de locação financeira foram pagas, durante 15 anos e na pendência do casamento, através da conta n.º (…) Caixa Geral de Depósitos;
- o valor total das prestações pagas, considerando capital e juros até 31/05/2011 foi no montante total de € 27.916,41 (vinte e sete mil e novecentos e dezasseis euros e quarenta e um cêntimos);
- o imóvel foi adquirido pela Requerida após ter sido decretado o divórcio, a 11/05/2011.

Decorre do exposto que o preço do imóvel adquirido pela Requerida já após ter sido decretado o divórcio, e que constitui bem próprio desta, foi pago, em parte, com dinheiro que constituía património comum do casal. A verba de € 27.916,41 foi aplicada no pagamento das rendas devidas, provindo de conta bancária que integrava o património comum.

Por conseguinte, o património comum é titular de crédito contra a Requerida no montante de € 27.916,41. Foi este o valor do património comum que foi utilizado para pagamento do preço do imóvel adquirido pela Requerida, pelo que inexiste fundamento para lançar o crédito por montante diverso.

Tal verba deverá, portanto, ser elencada na relação de bens enquanto crédito do património comum – cfr. art. 1345.º/1 do CPC.

Acrescente-se que tal operação decorre do disposto no art. 1345.º/1 do CPC, conjugado com o teor do artigo 1724.º do CC, prescindindo do disposto no artigo 1726.º/2 do CC.[...] Este preceito tem em vista os bens adquiridos na constância do matrimónio, determinando a natureza deles em função da mais valiosa das duas prestações que compuseram o preço pago (bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios e noutra parte com dinheiro ou bens comuns) e impondo a compensação devida ao património comum ou próprio, consoante o que tenha sido desfalcado em favor do outro. Na medida que o imóvel foi adquirido pela Requerida após ter sido decretado o divórcio, não tem aplicação o regime inserto no art. 1726.º do CC."


[MTS]


26/05/2021

Jurisprudência 2020 (219)


Casamento; compropriedade;
acção de divisão de coisa comum


1. O sumário de RE 19/11/2020 (2899/18.5T8PTM.E1) é o seguinte:

Estando em causa bem imóvel adquirido por autor e ré, em compropriedade, antes do respetivo casamento, entretanto dissolvido por divórcio, não se tratando de bem comum do casal, a cessação da compropriedade opera através de ação de divisão de coisa comum e não por via de inventário para partilha dos bens comuns. (sumário do relator)


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Pretende o autor, com a presente ação, pôr termo à indivisão da fração autónoma a que alude a alínea a) de 2.1. – fração autónoma designada pela letra …, correspondente ao oitavo andar, apartamento n.º …, do prédio urbano sito no Alto do Pacheco, …, freguesia de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º …, bem imóvel que considera indivisível, requerendo se proceda à respetiva venda.

A decisão recorrida considerou verificada a existência de erro na forma do processo, por se ter entendido que o bem em causa deve ser partilhado em sede de inventário para partilha dos bens comuns do casal e não por via da ação de divisão de coisa comum, dado terem autor e 1.ª ré acordado, no âmbito do respetivo processo de divórcio, que o imóvel seria utilizado pelo cônjuge mulher.

Discordando de tal decisão, sustenta o apelante que a fração autónoma em causa foi adquirida por autor e ré, em compropriedade, antes do respetivo casamento, pelo que não configura um bem comum do casal, acrescentando que igualmente não constitui casa de morada da família; por entender que se trata de um bem pertencente em compropriedade a ambos os cônjuges, defende o apelante não existir erro na forma do processo, sendo a ação de divisão de coisa comum o meio próprio para pôr termo à indivisão.

Vejamos se lhe assiste razão.

O artigo 1412.º, n.º 1, do Código Civil, confere ao comproprietário o direito a pôr termo à indivisão de coisa comum, dispondo que “nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando houver convencionado que a coisa se conserve indivisa”; esclarece o n.º 2 que “o prazo fixado para a indivisão da coisa não excederá cinco anos; mas é lícito renovar este prazo, uma ou mais vezes, por nova convenção”; acrescenta o n.º 3 que “a cláusula de indivisão vale em relação a terceiros, mas deve ser registada para tal efeito, se a compropriedade respeitar a coisas imóveis ou a coisas móveis sujeitas a registo”.

Não vem posta em causa por qualquer das partes a situação de compropriedade da fração autónoma identificada nos autos, da qual são titulares autor e ré, que a adquiriram no estado de divorciados, em data anterior ao respetivo casamento, o qual veio posteriormente a ser dissolvido por divórcio, conforme se extrai das alíneas a) e b)-iv) de 2.1..

Tendo a fração autónoma sido adquirida em compropriedade, por autor e 1.ª ré, em data anterior ao respetivo casamento e não tendo sido estipulado como regime de bens a comunhão geral, dúvidas não há de que não constitui bem comum do casal, pelo que não integra o património comum. Efetivamente, o que cada um dos consortes adquiriu, isto é, a respetiva quota sobre a fração autónoma, permanece bem próprio, não obstante o casamento posteriormente contraído, pelo que o imóvel não constitui um bem comum do ex-casal.

Como tal, verificada a situação de compropriedade da fração autónoma identificada nos autos, assiste ao autor, atenta a sua qualidade de comproprietário do bem e a vontade, que manifestou na petição inicial, de não permanecer na indivisão, o direito a pôr termo à indivisão da coisa comum, salvo se houver sido convencionado que a coisa se conserve indivisa.

Não obstante facultar o citado artigo 1412.º, aos consortes, a possibilidade de acordarem no não exercício do direito de exigir a divisão da coisa comum, por prazo não superior a cinco anos, renovável, não se vislumbra que tal tenha sido convencionado no caso presente, sendo certo que as partes não invocam a existência de qualquer cláusula de indivisão.

Extrai-se da alínea b)-ii) de 2.1. que, no âmbito do processo de divórcio que correu termos entre autor e 1.ª ré, as partes acordaram, além do mais, no seguinte:

(…) 4. A utilização da casa de morada de família, sito na Urbanização das Sesmarias, …, Lagos, fica atribuída ao cônjuge marido.

A cônjuge mulher fica a utilizar a fracção autónoma, sito na Urbanização Alto do Quintão, apartamento …, Portimão, utilização que iniciará no prazo de 60 dias a contas da presente data, sendo que o empréstimo bancário e despesas do condomínio da referida fracção, continuarão a cargo do cônjuge marido até à partilha dos bens.

Por outro lado, decorre da alínea b)-iv) de 2.1. que, por sentença proferida nesses autos de divórcio a 27-10-2011, transitada em julgado, foi decretado o divórcio entre o autor e a 1.ª ré, com a consequente dissolução do respetivo casamento, tendo sido homologado o acordo relativo à utilização da casa de morada de família.

Analisando a transcrita cláusula 4.ª do acordo celebrado entre autor e 1.ª ré, verifica-se que se reporta a dois bens imóveis, a saber: i) o imóvel sito na Urbanização das Sesmarias, Lote …, Lagos, o qual foi qualificado como casa de morada da família; ii) a fração autónoma correspondente ao apartamento …, da Urbanização Alto do Quintão, Portimão, cuja divisão vem peticionada nos presentes autos.

Ora, acordaram as partes na atribuição da casa de morada da família ao ora autor e na utilização pela ora 1.ª ré da fração autónoma cuja divisão vem peticionada nos presentes autos, não tendo sido estabelecida qualquer restrição ao direito a exigir a divisão desta, o qual foi exercido pelo autor nos presentes autos.

Não se tratando de um bem comum do casal, não se vislumbra que a cessação da compropriedade de autor e 1.ª ré sobre a fração autónoma em causa deva operar no âmbito do inventário para partilha dos bens comuns, conforme concluiu a decisão recorrida. Pelo contrário, encontrando-se preenchidos os pressupostos do direito a exigir a divisão previstos no n.º 1 do citado artigo 1412.º, a cessação da compropriedade opera com recurso à ação de divisão de coisa comum, a qual constitui o meio processual idóneo para o efeito.

[MTS]


25/05/2021

Jurisprudência 2020 (218)


Penhora;
arrendamento; caducidade*


1. O sumário de RL 19/11/2020 (11/09.0TBMTJ-B.L1-6) é o seguinte:

I - Um contrato de arrendamento celebrado após a penhora é inoponível à execução, caducando automaticamente após a venda executiva.

II - A não impugnação do depósito das rendas feito pelo inquilino, por parte do adquirente em venda executiva, não importa o reconhecimento da existência do arrendamento e, por conseguinte, não obsta à caducidade prevista no art.º 824.º n.º 2 do CC.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Tendo em conta as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal da Relação, as questões que importa decidir são as seguintes:

1--Saber se o disposto no art.º 824.º n.º 2 do Código Civil abrange os contrato de arrendamento
 
2--saber se a não impugnação do depósito das rendas, por parte do adquirente em venda executiva, importou o reconhecimento da existência do arrendamento, obstando à caducidade prevista nos termos do art.º 824.º n.º 2 do CC.

Quanto à primeira questão vejamos o que dispõe o art.º 824.º do Código Civil:

“1- A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.
 
2-Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente do registo.
 
3-(…)”

Tem vindo a ser discutido se um contrato de arrendamento se deve considerar integrado pela previsão do art.º 824.º n.º 2 do Código Civil.

Contudo, o entendimento de que o arrendamento deve ser considerado abrangido pelo n.º 2 do artigo 824.º é claramente maioritário [Vide Acórdão do STJ de 05/02/2009, disponível em www.dgsi.pt e doutrina e jurisprudência ali citadas: Oliveira Ascensão (ROA, Ano 45, 345 e seguintes), Henrique Mesquita (Obrigações Reais e Ónus Reais, 140) José Alberto Vieira (em Estudos em Homenagem ao Professor Galvão Teles, IV, 437) e Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e Caldeira Jorge (Arrendamento Urbano, 2.ª edição, 189). Na jurisprudência, os Acórdãos do STJ 3.12.1998 (BMJ 482, 219), 6.7.2000 (CJ STJ, VIII, II, 2000), 6.4.2006, 31.10.2006 e 15.11.2007, estes em www.dgsi.pt.], quer na doutrina, quer na jurisprudência.

Aderimos a este entendimento, por via de uma interpretação teleológica e com base em argumentos de analogia ou semelhança das situações de facto e consequências práticas, designadamente de natureza sócio-económica, considerando que “a referida norma do art. 824º se aplica a todos os direitos de gozo, quer de natureza real quer pessoal, de que a coisa vendida seja objecto e que produzam efeitos em relação a terceiros. É que o arrendamento, dada a sua eficácia em relação a terceiros, deve ser para este efeito, equiparado a um direito real. De outra forma, pôr-se-ia em causa o escopo da lei, de que a venda em execução se faça pelo melhor preço possível”.[Vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/09/2014, Processo 351/09.9TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt] Trata-se pois, de considerar aplicável o efeito extintivo previsto no art.º 824.º n.º 2 do Código Civil a direitos não reais, relativamente aos quais, pela sua especificidade, possam proceder as mesmas razões justificativas da extinção”.[ANA CAROLINA S. SEQUEIRA, “A Extinção De Direitos Por Venda Executiva”, in “Garantias das Obrigações”, 23 e 43]

Este é igualmente o entendimento do Tribunal a quo, aderindo ao “entendimento maioritário na doutrina e na jurisprudência que o arrendamento deve ser considerado abrangido pelo n.º 2 do art.º 824.º do Código Civil”.

2 - Resolvida a primeira questão, importa agora averiguar se a não impugnação do depósito das rendas, por parte do adquirente em venda executiva, importou o reconhecimento da existência do arrendamento, obstando à caducidade prevista nos termos do art.º 824.º n.º 2 do CC.

Foi essa a posição defendida pela decisão recorrida. No entender do Tribunal a quo, entendimento também seguido pelo ora Apelado, não tendo o adquirente impugnado o depósito das rendas, nos termos do art.º 21.º do NRAU, reconheceu a existência do arrendamento. Assim, pretendendo a entrega do imóvel, age em abuso de direito, segundo o estatuído no art.º 334.º do C.Civil.

Discordamos desta tese.

Desde logo, o disposto no art.º 21.º do NRAU segundo o qual “ A impugnação do depósito deve ocorrer no prazo de 20 dias contados da comunicação, seguindo-se, depois, o disposto na lei de processo sobre a impugnação da consignação em depósito. “, não se aplica ao presente caso. Na verdade, por força do disposto no art.º 824.º n.º 2 do Código Civil, face à venda executiva, sempre teria de considerar-se caducado o arrendamento.

Sucede, porém, que o contrato de arrendamento foi celebrado em data muito posterior à penhora.

Nos termos do disposto no art.º 819.º do Código Civil, “são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”.

Por conseguinte, também por força deste normativo legal, nunca poderia manter-se o arrendamento a que se referem os autos.

Por conseguinte, o adquirente recebeu, por força de lei o imóvel, livre de qualquer ónus, pelo que não tinha, obviamente, que tomar qualquer posição relativamente a um arrendamento que não lhe era oponível e que, de todo o modo, estava caducado. Não estava, pois, obrigado, a impugnar o depósito de rendas efectuado pelo inquilino do executado. Muito menos a não impugnação do depósito das rendas pode ser considerada um reconhecimento do arrendamento que legalmente não lhe era oponível. Para que eventualmente pudéssemos concluir por um reconhecimento do arrendamento seria necessário um acto que inequivocamente demonstrasse isso mesmo, por exemplo, o levantamento das rendas. Ora tal não sucedeu.

É pois negativa a resposta a esta segunda questão, ou seja, a não impugnação do depósito das rendas nos termos constantes do do art.º 21.º do NRAU não envolve qualquer reconhecimento da vigência do contrato de arrendamento que obste à caducidade determinada pelo art.º 824.º n.º 2 do Código Civil."


*3. [Comentário] O acórdão tem a seguinte declaração de voto (Des. Anabela Cesariny Calafate):

"Acompanho a decisão, porque o arrendamento em causa, posterior à penhora, é, nos termos do artigo 819º do CC, inoponível em relação à execução (e, consequentemente, inoponível ao adquirente), não comportando o seu reconhecimento o facto de as rendas não terem sido impugnadas.

Mas não acompanho a fundamentação quando convoca a discussão sobre se o arrendamento está ou não abrangido pela previsão do artigo 824º nº2 do CC, pois tal discussão não tem cabimento quando, como é o caso, o arrendamento é posterior à penhora e, como tal, inoponível à execução por força do artigo 819º.

A discussão sobre se o artigo 824º abrange ou não o arrendamento só se justificaria se o arrendamento fosse anterior à penhora, não abrangido pela previsão do artigo 819º e sujeito à norma do artigo 1057º do CC, pois, a ser equiparado aos direitos reais nos termos do artigo 824º, caducaria se houvesse registo anterior à sua constituição, como sucederia se houvesse registo de hipoteca anterior, como era o caso dos processos onde foi proferida a jurisprudência citada no presente acórdão."

Esta é, realmente, a justificação correcta. 

Salvo o devido respeito perante a posição que fez vencimento no acórdão, o que é maioritário é o entendimento de que o arrendamento caduca quando, ainda que seja anterior à penhora, seja posterior a uma garantia real exercida no processo executivo.


MTS



24/05/2021

Jurisprudência europeia (TJ) (235)



Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial — Regulamento (UE) n.° 1215/2012 — Competência em matéria de seguros — Artigo 10.° — Artigo 11.°, n.° 1, alínea a) — Possibilidade de demandar o segurador domiciliado no território de um Estado‑Membro noutro Estado‑Membro, em caso de ações intentadas pelo tomador de seguro, o segurado ou um beneficiário, no tribunal do lugar em que o requerente tiver o seu domicílio — Artigo 13.°, n.° 2 — Ação intentada pelo lesado diretamente contra o segurador — Âmbito de aplicação pessoal — Conceito de “lesado” — Profissional do setor dos seguros — Competências especiais — Artigo 7.°, pontos 2 e 5 — Conceitos de “sucursal”, de “agência” ou de “qualquer outro estabelecimento”


TJ 20/5/2021 (C‑913/19, CNP/Gefion Insurance) decidiu o seguinte:

1) O artigo 13.°, n.° 2, do Regulamento (UE) n.° 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, em conjugação com o artigo 10.° deste, deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável em caso de litígio entre, por um lado, um profissional que tenha adquirido um crédito detido originalmente por um lesado sobre uma companhia de seguros de responsabilidade civil e, por outro, esta mesma companhia de seguros de responsabilidade civil, pelo que não se opõe a que a competência jurisdicional para conhecer desse litígio se baseie, sendo caso disso, no artigo 7.°, ponto 2, ou no artigo 7.°, ponto 5, deste regulamento.

2) O artigo 7.°, ponto 5, do Regulamento n.° 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que uma sociedade que exerce, num Estado‑Membro, ao abrigo de um contrato celebrado com uma companhia de seguros com sede noutro Estado‑Membro, em nome e por conta desta última, uma atividade de liquidação de danos no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel deve ser considerada uma sucursal, uma agência ou qualquer outro estabelecimento, na aceção desta disposição, quando esta sociedade

– se manifesta de forma duradoura para o exterior, como prolongamento da companhia de seguros e

– tem uma direção e está materialmente equipada para poder negociar com terceiros, de modo que estes estão dispensados de se dirigir diretamente à companhia de seguros.
 
 

Jurisprudência 2020 (217)


Recurso;
conclusões*


1. O sumário de RP 9/11/2020 (18625/18.6T8PRT.P1) é o seguinte:

I - A reprodução integral do anteriormente vertido no corpo das alegações, ainda que com meras alterações pontuais e intitulada de “conclusões”, não pode ser considerada para efeitos do cumprimento do dever de apresentação de conclusões do recurso nos termos estatuídos no artigo 639.º, n.º 1 do CPC.

II - Equivalendo essa reprodução à falta de conclusões deve o recurso ser rejeitado nos termos estatuídos no artigo 641.º, nº 2, al. b), do CPC., não sendo de admitir despacho de aperfeiçoamento.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Como resulta da delimitação do objecto a decidir no âmbito do recurso principal, a primeira questão que importa dirimir refere-se à alegada ausência de conclusões, sendo certo que, a proceder essa questão com a inerente rejeição do recurso, ficarão prejudicadas as demais questões suscitadas no âmbito do recurso principal e, ademais, isso implicará também a caducidade do recurso subordinado interposto (artigo 633º, n.º 3, do CPC) e/ou a inutilidade quanto ao conhecimento da ampliação do objecto do recurso (artigo 636º, n.º 1, do CPC).

Decidindo.

Conforme resulta do disposto no artigo 639º, n.º 1 do CPC, quando o apelante interpõe recurso de uma decisão jurisdicional passível de apelação fica automaticamente vinculado à observância de dois ónus, se pretender prosseguir com a impugnação de forma válida e regular.

O primeiro é o denominado ónus de alegação, no cumprimento do qual se espera que o apelante analise e critique a decisão recorrida, imputando as deficiências ou erros, sejam de facto e ou de direito, que, na sua perspectiva, enferma essa decisão, argumentando e postulando as razões em que se ancora para divergir em relação à decisão proferida.

O ónus de alegação cumpre-se, assim, através da exposição circunstanciada das razões de facto [incluindo, a eventual impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido] e de direito da divergência do apelante em face do julgado, colhendo, pois, nesse contexto, a invocação da doutrina e da jurisprudência que suporta a posição do apelante e que justifica, em seu ver, a alteração face ao decidido.

Trata-se, pois, de o recorrente explicitar, de forma mais ou menos desenvolvida, os motivos da sua impugnação da decisão proferida, explicitando as razões por que entende que a decisão recorrida é errada ou injusta, através de argumentação sobre os factos, o resultado da prova, a interpretação e a aplicação do direito, para além de especificar o objectivo que visa alcançar com o recurso.

O segundo ónus, denominado de ónus de concisão ou de conclusão, traduz-se na necessidade de finalizar as alegações recursivas com a formulação sintética de conclusões, em que é suposto que o apelante resuma ou condense os fundamentos pelos quais pretende que o tribunal ad quem modifique ou revogue a decisão proferida pelo tribunal a quo.

Como refere ALBERTO dos REIS, “a palavra conclusões é expressiva. No contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: Que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos. Pois bem: essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta.”

Todavia, como salienta ainda o mesmo Ilustre Professor, “para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação. “[ALBERTO dos REIS, “ Código de Processo Civil Anotado ”, V volume, 1984, pág. 359]

No mesmo sentido referem AMÂNCIO FERREIRA e AVEIRO PEREIRA, salientando este último que as conclusões das alegações são as “ ilações ou deduções lógicas terminais de um raciocínio argumentativo, propositivo e persuasivo, em que o alegante procura demonstrar a consistência das razões que invoca contra a decisão recorrida.” [AMÂNCIO FERREIRA, “ Manual dos Recursos em Processo Civil “, 8ª edição, pág. 167 e AVEIRO PEREIRA, “ O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil “, pág. 31, acessível in www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf.]

Na verdade, importa referir a propósito do ónus de formulação de conclusões, que no nosso sistema de recursos incide sobre o recorrente um específico ónus de impugnação da decisão recorrida, não lhe sendo lícito limitar-se a recolocar à apreciação do tribunal superior, em termos globais e sincréticos, a situação litigiosa, devendo, por isso, especificar nas conclusões da sua alegação quais as questões a decidir, especificando os pontos de facto de cujo julgamento discorda (se a impugnação se dirigir à matéria de facto) e as precisas questões de direito que, por terem sido, na sua óptica, incorrectamente decididas pelo tribunal a quo, pretende que sejam reapreciados pelo tribunal ad quem.

É essa função essencial das conclusões, como enunciado sintético das questões que integram o objecto do recurso, definindo o preciso âmbito da impugnação deduzida, seja pela especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, seja pela especificação das normas ou interpretações normativas que tem por violadas, delimitando, assim, o objecto da actividade jurisdicional do tribunal hierarquicamente superior, ou seja o “thema decidendum”. [...]

Como assim, atenta a sua relevância para fixação do objecto do recurso e porque são o resumo/condensação das razões ou argumentos contidos nas alegações, as conclusões não podem, para o serem, reconduzir-se à mera reprodução do conteúdo da motivação das (…) alegações ou com ela coincidirem ipsis verbis, sob pena de, por esta forma ínvia ou indirecta, o apelante, no fundo ou em substância, acabar por deixar de apresentar conclusões e de observar o respectivo ónus quanto à sua apresentação, ónus este que, como bem salienta, AMÂNCIO FERREIRA, op. cit., pág. 168, não pode deixar de ser conhecido pelos Mandatários das partes pois que o mesmo remonta já ao Código de 1939.

Aliás, numa perspectiva crítica deste procedimento, refere AVEIRO PEREIRA que “a prática usual é a reprodução informática do corpo das alegações na área do documento que deveria ser preenchida com as conclusões. Sob esta epígrafe duplica-se e repisa-se o texto expositivo, sem se apresentarem verdadeiras conclusões.” (…) Como salienta ainda o mesmo Autor “Em boa verdade, o recurso a este expediente de «copy paste», para duplicar as alegações como se fosse para concluir, revela um uso abusivo dos meios automáticos de processamento de texto e conduz à inexistência material de conclusões, pois se, sob este título, apenas se derrama sobre o papel, em termos integralmente repetitivos, o teor da parte analítica e argumentativa, o que de facto se oferece ao tribunal de recurso é uma fraude. Por consequência, apesar de aqui ou ali se mudar, cosmeticamente, uma ou outra palavra, o que realmente permanece, inelutável, é um vazio conclusivo …”

Neste sentido, têm vindo a jurisprudência, em particular dos Tribunais da Relação, a defender que “a mera repetição, nas conclusões, do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada, repetir o que se disse antes na motivação.” [...]

Nesta matéria, atento o rigor e proficiência com que a questão ora sob análise se mostra tratada – e considerando, não só, que se concorda integralmente com o ali decidido, como, ainda, que as considerações ali expendidas são integralmente aplicáveis ao recurso ora em apreço -, não resistimos a transcrever, com a devida vénia, o que já se escreveu nesta matéria no Acórdão desta Relação do Porto de 8.03.2018, antes citado, sendo certo que nele interviemos como 2º Juiz Adjunto.

Neste aresto escreveu-se o seguinte: “Como destaca o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.07.2015, a lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos da revogação, modificação ou anulação da decisão.

Rigorosamente, as conclusões devem corresponder aos fundamentos que justificam a alteração ou a anulação da decisão recorrida, traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto), sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinária apresentados no sector da motivação. As conclusões exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, nº 3, devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, aquilo que o recorrente efectivamente pretende obter (revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida), as conclusões das alegações devem respeitar na sua essência cada uma das als. do n.º 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida.”

O papel relevante das conclusões foi indiscutivelmente reconhecido pelo legislador que no artigo 637.º, n.º 2 do Código de Processo Civil determina que o “requerimento do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade [...]”, equiparando, em termos de efeitos jurídicos, a falta de alegação do recorrente e a ausência de conclusões nessa alegação, sancionando com o indeferimento do recurso qualquer uma dessas situações – artigo 641.º, n.º 2, b) do referido diploma legal. E ainda que as conclusões se mostrem formuladas, quando estas se revelem deficientes, obscuras ou complexas, ou não contenham as especificações exigidas pelo n.º 2 do artigo 639.º, impõe o n.º 3 deste último normativo a adopção de alguma das soluções paliativas aí contempladas, mediante convite do relator ao recorrente para que supra as patologias que afectam as conclusões, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecer do recurso na parte afectada.

Com a reforma introduzida em 2007 ao Código de Processo Civil, findou a possibilidade da falta de conclusões poder ser suprida mediante convite dirigido ao recorrente para proceder à sua formulação.

O convite ao aperfeiçoamento só é consentido para as hipóteses hoje expressamente previstas no artigo 639.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, exigindo-se que, pelo menos, exista arremedo de conclusões, por muito incipiente que haja sido a sua formulação.

Em situação em que era aplicável a pretérita lei processual civil, mas cujos fundamentos não se mostram invalidados pela entrada em vigor da lei actual, defendia o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 21-01-2014: “..., no regime processual aplicável, são passíveis de aperfeiçoamento as conclusões deficientes, obscuras, complexas ou incompletas; mas não é suprível a sua omissão pura e simples (cfr. art. 685.º-A, n.º 3, CPC)”.

E continua, ainda, o aresto desta Relação que vimos de citar:

(…) Não se desconhece a orientação jurisprudencial dominante do Supremo Tribunal de Justiça que, condescendente com esta violação das regras processuais, vem permitindo que prática processual como a adoptada pelo aqui recorrente se haja tornado frequente e comum (a ponto do cumprimento do estatuído pelo n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil se revelar cada vez mais invulgar...).

Pese embora esse entendimento dominante, preconizando a lei expressamente como solução para a não formulação de conclusões a rejeição do recurso, sem possibilidade de medidas paliativas, a violação deliberada de regras processuais que se traduzem na mera repetição do exposto no corpo das alegações, ainda que o recorrente pretenda conferir-lhes aparente roupagem de conclusões, através da numeração das proposições anteriormente enunciadas, não deve ser tratada com maior benevolência do que a falta tout court de conclusões, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade ao recusar a falhas desculpáveis a mesma solução permissiva que se aceita afinal para falhas deliberadas e conscientes.

Do acórdão da Relação de Coimbra de 14.03.2017 pode, com efeito, retirar-se: “a apresentação de “conclusões”, mediante a reprodução, pura e simples, do que é exposto na motivação – ainda que, em termos práticos o resultado seja o mesmo, por em ambos os casos faltar a tal síntese exigida por lei –, afigura-se uma atitude ainda mais censurável do que a apresentação de alegações de recurso, em que a parte, por esquecimento ou ignorância da lei, as omite.

Neste caso haveria maior justificação para um convite ao aperfeiçoamento […] – convite que, de qualquer modo, a lei rejeita – do que aqueles casos em que a parte, conhecendo o ónus que sobre si impende, numa atitude deliberada e consciente, negligentemente e em desrespeito de norma expressa, se abstém de efectuar a resenha dos fundamentos do seu recurso, limitando-se a reproduzir o teor do corpo das suas alegações sob o título de “conclusões” (confiando em que a parte contrária e o tribunal de recurso não se apercebam de que se trata de uma pura repetição do anteriormente alegado), entendendo-se que, em tal caso, não se justifica uma atitude complacente do tribunal no sentido de lhe dar uma oportunidade de apresentar verdadeiras conclusões”.

Como dá conta o citado acórdão do STJ de 21.01.2014, “... é evidente que os [...] princípios da cooperação e do acesso ao Direito não podem ser invocados para - sem mais - neutralizar normas processuais de natureza especial e imperativa, nem outros princípios também estruturantes do (sub)sistema jurídico-processual, nomeadamente, os princípios da preclusão e da auto-responsabilidade das partes.

Como (no tocante ao primeiro deste princípios e ainda ao da boa fé processual) já decidiu este Supremo Tribunal, “[o]s princípios da cooperação e da boa fé processual não se podem sobrepor […] ao princípio da auto responsabilização das partes, o qual impõe que os interessados conduzam o processo assumindo eles próprios os riscos daí advenientes, devendo deduzir os competentes meios para fazer valer os seus direitos na altura própria, sob pena de serem eles a sofrer as consequências da sua inactividade, e ao princípio da preclusão, do qual resulta que os actos a praticar pelas partes o tenham de ser na altura própria, isto é nas fases processuais legalmente definidas.“

Com efeito:

Todo o direito consubstancia um sistema de normas de conduta suscetíveis de serem feitas respeitar. Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de atos jurídicos que é ordenado em função de determinados fins, inere ao direito processual a definição das consequências resultantes da prática de atos não admitidos pela lei, ou da omissão de atos e formalidades que a lei prescreva, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na autorresponsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, cominações e preclusões.

O acesso ao direito e à tutela judicial efetiva processa-se num quadro de regras processuais, regras sem as quais, aliás, não seria possível corresponder aos imperativos de celeridade, igualdade das partes e equidade que – entre outros valores - enformam a disciplina jus-constitucional desta matéria (art. 20.º, CRP).“

Retornando à situação concreta que se vem analisando, ter-se-á de concluir que o recorrente, limitando-se a repetir, praticamente de forma integral, o texto do corpo das alegações, depois de lhe introduzir uma numeração diferente, e aditando a expressão “conclusões”, na verdade não formulou conclusões, pelo menos do ponto de vista substancial.

Secundando o que se deixou escrito no acórdão da Relação de Guimarães de 29.06.2017, “não pode ficcionar-se que o copy past do corpo das alegações para um capítulo sugestivamente intitulado conclusões representa uma tentativa frustrada de cumprir o ónus de síntese, merecedora de convite a correcção e aperfeiçoamento, mediante um exercício de aparente interpretação generosa da lei preconizado como hábil e tolerante, inspirado em razões de oportunidade não contempladas na respectiva letra e contrárias ao pensamento legislativo, com apelo a um poder de criar normas que, por princípio, não cabe aos tribunais (cfr. ponto IV do sumário do Ac. STJ, de 13-11-2014, processo 415/12.1TBVV-A.E1.S1).

Tal método conduz ao nada. E o nada não é perfeito nem imperfeito. É nada. Por isso, não corrigível.

Contornar esta evidência, é atentar contra o claro desígnio do legislador, normativamente plasmado no regime de recursos e, entre outros, nos artigos 637º a 639º e 641º, do CPC, de regular, com disciplina e rigor, o exercício do inerente direito, impondo consequências preclusivas fatais compreensivelmente justificadas pelo acesso ao tribunal superior e com patrocínio obrigatório presumivelmente apto e responsável pelo seu cumprimento”.

Também o já mencionado acórdão da Relação de Coimbra de 14.03.2017 sufraga o incontornável entendimento de que “a repetição, nas conclusões, do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada, repetir o que se disse antes na motivação.

E, em nosso entender, não cabe ao tribunal dar a mão a quem, sabendo da obrigação legal de apresentar conclusões, não se deu, sequer, ao trabalho de tentar sintetizar os fundamentos do seu recurso, optando pelo tal “copy/paste”: o convite ao aperfeiçoamento existe atualmente, tão só, e só aí encontra a sua razão de ser, naquelas situações em que parte, de facto, tentou efetuar uma síntese do que por si foi dito na motivação, mas em que a falta de clareza ou de outro vício que afete a sua compreensibilidade, justifica o tal convite à sua correção, num ponto ou noutro, ou até na sua totalidade. Se não há lugar a qualquer operação de síntese, ainda que mínima ou com deficiências, não será o facto de o apelante a apelidar de “conclusões” que atribui tal natureza à reprodução do por si alegado na motivação.“

Destarte, em nosso ver, e secundando na íntegra a posição expressa no citado acórdão desta Relação, em que interviemos como 2º Juiz Adjunto, e conforme já decidimos em outros arestos e decisões singulares em situações exactamente idênticas, a mera reprodução integral, em sistema de «copy/past», do arrazoado do corpo das alegações para o um outro capítulo intitulado de “ conclusões “, com inclusão de diferente numeração, traduz, do ponto de vista substancial, uma forma encapotada de omitir a total ausência de conclusões.

Com efeito, quanto à exigência de conclusões, dispõe, em termos claros, o já citado artigo 639º do CPC:

«1. O Recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão.(…)

3. Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas ou nelas não se tenha procedido às especificações a que alude n.º 2 do artigo 639º, o relator deve convidar o recorrente a completa-las, esclarecê-las ou sintetiza-las, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecer do recurso, na parte afetada.»

Por seu turno, segundo o n.º 2 al. b) do artigo 641º do mesmo Código, a falta absoluta de alegações ou de conclusões gera o indeferimento do recurso.

Com a reforma do regime de recursos introduzida pelo DL n.º 303/2007 de 27.08, a falta de conclusões passou, a par com a ausência de alegações, a constituir motivo de rejeição de recurso (artigo 685º-C, n.º 2 al. b) do CPC, na redacção anterior); Assim, onde anteriormente se admitia o convite ao recorrente para suprimento daquela falta de conclusões, agora tal convite só ocorre quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou quando nelas não se tenha procedido às especificações previstas no n.º 2 do art. 639º [indicação das normas jurídicas violadas; o sentido em que as normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas; ou, invocando o recorrente erro na determinação da norma aplicada, a norma jurídica alternativa que deveria ter sido aplicada ao caso].

Assim, e face às diversas consequências que a lei atribui a tais vícios, importa distinguir entre o que sejam conclusões “deficientes, obscuras e complexas “, das situações que integram a “ ausência de conclusões.“

Segundo a definição proposta por A. ABRANTES GERALDES «[A]s conclusões são deficientes designadamente quando não retratem todas as questões sugeridas pela motivação (insuficiência), quando não revelem compatibilidade com o teor da motivação (contradição), quando não encontrem apoio na motivação, surgindo desgarradas ou desligadas (excessivas), quando não correspondam a proposições logicamente adequadas às premissas (incongruentes), ou quando surjam amalgamadas, sem a necessária discriminação, questões ligadas à matéria de facto e questões de direito.

Obscuras serão as conclusões formuladas de tal modo que se revelem ininteligíveis, de difícil inteligibilidade ou que razoavelmente não permitam ao recorrido ou ao tribunal alcançar ou compreender o raciocínio lógico-dedutivo seguido pelo recorrente para atingir o resultado que proclama.

As conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par de verdadeiras questões que interferem com a decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados. Complexidade que também deverá decorrer do fato de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referências doutrinais ou jurisprudências propícias ao segmento da motivação. Ou ainda, quando se mostre desrespeitada a regra que aponta para a necessidade de a cada conclusão corresponder uma proposição, evitando amalgamar diversas questões.” [A. ABRANTES GERALDES, “ Recursos no Novo Código de Processo Civil ”, 2ª edição, 2014, pág. 122-123]

Quanto ao sentido a dar à omissão absoluta de conclusões, para o efeito de o juiz proceder ao convite ao aperfeiçoamento ou, desde logo, à pura e simples rejeição do recurso, afirma ainda A. ABRANTES GERALDES: «Estabelecendo o paralelismo com a petição inicial, tal esta está ferida de ineptidão quando falta a indicação do pedido, também as alegações destituídas em absoluto de conclusões são “ ineptas “, determinando a rejeição do recurso (art. 641º, n.º 2 al. b), sem que se justifique a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação.» [A. ABRANTES GERALDES, op. cit., pág. 122]

No caso dos autos, confrontando a motivação constante do corpo das alegações com a parte que o recorrente intitula de «conclusões», verifica-se que o mesmo se limita a reproduzir, ipsis verbis, o que antes foi afirmado no corpo das alegações, sem, portanto, formular quaisquer conclusões, enquanto proposições sintéticas, e que condensem ou sintetizem a argumentação anterior, tendo-se limitado a eliminar o teor das decisões jurisprudenciais que citou e a dar uma sequência numérica ao que antes fez constar do corpo das alegações.

No entanto, e com o devido respeito, para que se considere verificada a existência de conclusões não basta apenas que o recorrente nas suas alegações de recurso utilize a expressão “conclusões “ para intitular o que corresponde, com meras alterações pontuais, textualmente apenas e só às próprias alegações prévias, sendo, ainda, necessário que, de facto, as alegações sejam seguidas de algo que, de algum modo, se assemelhe, ainda que aproximadamente, a um sintetizar das questões por si anteriormente expostas no corpo argumentativo; Pelo contrário, a mera reprodução integral do antes alegado no corpo das alegações de recurso, não pode, a nosso ver, sob pena de subversão do regime legal e do ónus previsto o aludido n.º 1 do artigo 639º, ser considerada para efeitos de cumprimento de tal ónus.

A prova mais evidente das consequências do menor rigor na apreciação de tal exigência legal resulta de serem poucos os processos em que se evidencia por parte do apelante um esforço no sentido de efectuar uma síntese do antes exposto nas alegações, sendo, por isso, claramente comum a circunstância de as «conclusões» traduzirem uma mera reprodução das alegações, com pequenas alterações.

Note-se que não se trata aqui de aferir da qualidade das conclusões, nomeadamente se as mesmas são mais extensas ou menos concisas do que podiam ou deviam ser, mas de determinar se as mesmas contêm em si aquele mínimo do qual se possa extrair que o recorrente, embora de modo deficiente ou prolixo, através delas tentou enunciar as questões a submeter ao conhecimento do tribunal de recurso.

Ora, no caso em apreço, tal esforço de definição do objecto do recurso é absolutamente inexistente, uma vez que o Recorrente não procedeu a qualquer síntese ou condensação do afirmado no corpo das alegações, antes se limitando, de forma fácil e cómoda, em frontal e consciente violação do supra citado ónus de concisão, a proceder a um «copy/paste» do corpo das alegações para o capítulo das auto-intituladas «conclusões».

E não se argumente que, nestes casos, se justificava o convite ao aperfeiçoamento de tal peça.

É certo que o despacho de aperfeiçoamento traduz um reflexo ou corolário do dever de cooperação, princípio estruturante do processo civil. Mas esse dever de cooperação impõe a colaboração de todos os intervenientes processuais com vista a alcançar com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, sendo certo que a lei não quis impasses e tergiversações, impondo no domínio dos ónus a cargo do recorrente a observância de princípios de rigor e de auto-responsabilidade das partes.

Nesta perspectiva, no caso dos autos, de puro e simples «copy/paste» das alegações - este convite não encontra justificação: - o convite ao aperfeiçoamento existe actualmente na nossa lei adjectiva, e só aí encontra a sua razão de ser, para aquelas situações em que a parte, de facto, tentou efectuar uma síntese do que por si foi dito na motivação, mas em que a falta de clareza ou de outro vício que afecta a sua compreensibilidade num ponto ou noutro, ou até na sua totalidade, torna admissível e justificado o convite ao aperfeiçoamento e a consequente (segunda) oportunidade para a sua correcção. Ao invés, se não há lugar a qualquer esforço de síntese, ainda que mínima ou com deficiências, como é o caso, não será o facto de o recorrente as apelidar de “conclusões” que atribui tal natureza à mera reprodução do por si alegado na motivação e que justifica, à luz de uma pretensa“ complexidade “ou“ prolixidade “ das (inexistentes) conclusões, o convite à sua respectiva correcção.

Aliás, como tem sido, de resto, sobejamente evidenciado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, quando estejam em causa normas que impõem ónus processuais às partes e em que a lei prevê uma determinada cominação ou consequência processual para o incumprimento de tal ónus, as exigências decorrentes da garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça, não afastam a liberdade de conformação do legislador, liberdade esta que é, pois, compatível com a imposição de ónus processuais às partes, desde que os mesmos não se mostrem arbitrários ou desproporcionados quando confrontada a dificuldade da conduta imposta à parte com a consequência desfavorável atribuída à correspondente omissão. [...]

Por conseguinte, em nosso ver, a reprodução integral, sem qualquer alteração ou condensação do antes alegado no corpo das alegações ou com intervenções pontuais ou meramente cosméticas, não pode, sob pena de desvirtuamento do ónus legal em apreço ser considerada para o efeito do cumprimento do dever de apresentar conclusões.

De facto, conforme também se salienta no citado AC RL de 17.03.2016: “A deficiência, obscuridade ou complexidade das conclusões das alegações de recurso são vícios que afectam … conclusões, supondo assim, pelo menos, um ensaio ou um esboço de síntese dos fundamentos do recurso.

Tal esboço não se verifica em nominadas “ conclusões “ que apenas repetem, integralmente o teor do corpo das alegações.

Tais conclusões não são assim passíveis de despacho de aperfeiçoamento, como o não seriam “ conclusões “ que desenvolvessem o corpo das alegações ou a pura remissão, sob a epígrafe conclusões, para o que se tivesse anteriormente alegado, no corpo único das alegações.“

O que vem a significar, à luz do antes exposto, que sendo, em nosso julgamento, o recurso em apreço destituído de conclusões para os efeitos previstos no artigo 639º, n.º 1 do CPC e não tendo cabimento o convite ao aperfeiçoamento do requerimento recursivo, o presente recurso não pode ser conhecido por falta de objecto, circunstancialismo este que se apresenta como prejudicial a qualquer julgamento de mérito do mesmo.

É certo que, em sentido contrário, existe, como já antes se referiu, posição distinta, sobretudo ao nível do Supremo Tribunal de Justiça.

Sucede que, como resulta do que antes se expôs, sem prejuízo do devido respeito por opinião em contrário e da douta corrente de sentido oposto sufragada pelo nosso mais Alto Tribunal, não a acompanhamos.

Diga-se, aliás, que só temos decidido pela rejeição do recurso nos casos – como o presente – em que não existe qualquer condensação ou sintetização, por mínima que seja, limitando-se o recorrente a reproduzir ipsis verbis tudo o antes vertido nas alegações, pois que, em nosso ver, nestas hipóteses, não existem verdadeiras conclusões.

Como assim, e com todo o respeito por opinião em contrário, nestas hipóteses, a conduta do Recorrente não pode justificar outra consequência que não seja a rejeição do recurso, não se antevendo razões bastantes para lhe conceder prazo suplementar para a condensação ou síntese de conclusões que não existem.

Destarte, em conclusão, rejeita-se o recurso principal interposto pelo Recorrente, não conhecendo do seu objecto, o que importa a caducidade do recurso subordinado e/ou a inutilidade da ampliação do seu objecto, pois que, sendo assim, se mantém a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, que se apresenta como favorável ao Recorrido – cfr. artigos 633º, n.º 3 e 636º, n.º 1, ambos do CPC."


*3. [Comentário] O acórdão tem o seguinte voto de vencida (Des. Fátima Andrade):

"Voto vencida no pressuposto de que as conclusões que consubstanciam reprodução “ipsis verbis” do corpo alegatório justificarão em última análise o convite ao aperfeiçoamento das mesmas – artigo 639º, nº 3 do CPC – sem prejuízo da censura substancial que a atuação em causa efectivamente merece.

Assim, proferiria despacho a convidar o recorrente ao aperfeiçoamento das conclusões."

Também se adere a esta posição, podendo pensar-se na aplicação ao recorrente do disposto no art. 530.º, n.º 7, al. b), CPC.

MTS