"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))
27/04/2024
Bibliografia (1023)
26/04/2024
CPC online (20)
-- Notas
-- Divulga-se a Versão (20) do CPC online;
-- A versão contém a primeira anotação aos art. 410.º a 422.º e actualiza a última versão divulgada.
-- Versão (20) do CPC online
-- MTS, CPC online, NP-Ab-IG; L 41/2013 (vs. 2024.04)
-- MTS, CPC online, Art. 1.º a 129.º (vs. 2024.04)
-- MTS, CPC online, Art. 130.º a 361.º (vs. 2024.04)
-- MTS, CPC online, Art. 362.º a 409.º (vs. 2024.04)
-- MTS, CPC online, Art. 410.º a 422.º (vs. 2024.04)
Jurisprudência 2023 (158)
i. a sentença arbitral proferida transitou em julgado.ii. sobre a competência do tribunal arbitral sueco ter sido provocada em “fraude à lei” ─ «não existe qualquer violação do âmbito da competência internacional exclusiva dos tribunais portugueses, concorrendo a competência destes últimos com a competência internacional de qualquer outro Estado e face ao caracter plurilocalizado do litígio».iii. Sobre a falta de jurisdição do tribunal arbitral sueco por mor da inexistência de um prévio e válido compromisso arbitral (forma escrita e assinatura por ambas as partes) ─ «ao contrário do sustentado pela Ré, nas sobreditas circunstâncias, nenhum óbice existe quanto à questão da forma escrita da convenção de arbitragem (cláusula compromissória) e, ainda, quanto à sua subscrição/aceitação, ainda que o documento que incorpora os termos e condições e a dita convenção não se mostre assinado por qualquer uma das partes. Improcede, pois, também este outro fundamento de oposição ao reconhecimento invocado pela Ré.»iv. Sobre a falta e regularidade da citação, direitos essenciais de defesa, o princípio do contraditório e da igualdade das partes ─ «Ora, perante esta resenha da evolução do processo arbitral – que não foi minimamente posto em causa por alguma prova produzida ou oferecida pela Ré -, não se alcançam os fundamentos para a afirmação da Ré quanto à alegada violação do princípio do contraditório e da igualdade de armas processuais. De facto, em termos singelos e face às evidências antes expostas, dir-se-á que ao cumprimento do contraditório e da igualdade de armas basta-se a lei pela circunstância de ser concedida às partes, em termos efectivos, a possibilidade de exercerem os seus direitos ou faculdades processuais em pé de igualdade uma com a outra; se a própria parte, apesar de informada dos trâmites processuais e da possibilidade de exercer as faculdades que lhe são proporcionadas pela lei processual, como sucedeu com a aqui Ré, as não pretende usar, naturalmente, que inexiste qualquer violação daqueles princípios fundamentais, mas antes uma opção deliberada da parte, que, em tais circunstâncias, só lhe pode ser imputada. De facto, o que ressuma da intervenção da Ré no processo arbitral (e que a mesma acaba por reproduzir também neste processo) é a sua petição de princípio quanto à invalidade ou inexistência de uma convenção de arbitragem escrita e vinculativa, petição esta que, como já vimos, se mostra infundada.»v. Também se decidiu sobre o respeito pelos princípios fundamentais da ordem pública internacional, que se consideraram verificados.
[MTS]
25/04/2024
Bibliografia (1122)
24/04/2024
Jurisprudência 2023 (157)
1.1.–AAA instaurou a presente acção declarativa de condenação contra Mútua dos Pescadores, Mútua de Seguros, CRL, pedindo que seja anulada a declaração aposta no recibo de indemnização e condenação a Ré pagar-lhe duas indemnizações, uma de valor nunca inferior a 7.500€ por conta da IPP de pelo menos 10% e outra por danos morais pela quantia de 5.000€, acrescidas de juros de mora desde a data da alta clínica, isto é, 17.05.2021, até integral pagamento.
Alegou, para tanto, que em 29.07.2020, o A. celebrou com a Junta de Freguesia de Encosta do Sol um contrato emprego-inserção; a Junta de Freguesia de Encosta do Sol transferiu a sua responsabilidade decorrente de acidentes pessoais para a R., a qual é titulada pela apólice n.º 14.00108599; a 14.08.2020 sofreu um acidente de trabalho, do qual recebeu alta a 31.08.2020; a 09.12.2020 foi novamente vítima de acidente de trabalho, do qual recebeu alta a 17.05.2021; dias depois, foi contactado por um funcionário da R., informando-o que iriam proceder ao pagamento da quantia de 3.750€, desde já, por força das sequelas sofridas pelo A. no pé e joelho direitos; nesse seguimento, a R. remeteu ao A. o recibo nº 21.05.75721, precisamente atestando o pagamento do valor indicado; após aquela data, ficou a aguardar que fosse dado seguimento ao problema da sua mão esquerda, ainda em resultado do segundo acidente de trabalho; porém, obteve da R. que o sinistro já tinha sido encerrado e que já tinha recebido a totalidade da sua indemnização; tem agora noção do que consta do recibo pelo mesmo assinado, mas a verdade é que apôs a sua assinatura no mesmo em manifesto erro, porque estava totalmente convicto que se tratava apenas da indemnização devida por força da incapacidade permanente que ficou afectado, em resultado dos acidentes ocorridos, exclusivamente quanto ao pé e joelho direitos; se tivesse a percepção, no momento em que recebeu aquele valor e assinou o respectivo recibo, estava a ser alegadamente ressarcido de todos os danos e que a incapacidade fixada, de 5%, se referia à totalidade das sequelas, nunca teria aceite o referido montante, nem teria assinado o referido recibo; assim, nos termos do disposto no artigo 247.º do Código Civil, a declaração do A., aposta no recibo de que se encontra totalmente ressarcido dos danos decorrentes do acidente em causa nos presentes autos com o recebimento da quantia de 3.750€ e que exonera a R. de qualquer responsabilidade decorrente dos acidentes que o A. sofreu é anulável, o que desde já se invoca e requer. [...]
A 02.06.2022, o Juízo Local Cível da Amadora declarou-se incompetente para conhecer do pleito (fls. 53 a 54).
Após trânsito desse despacho, foi ordenada a remessa ao Juízo do Trabalho de Sintra (fls. 56).
Por despacho de fls. 66 a 68 verso, consignou-se o seguinte:
“Nestes termos, entendeu-se que a acção não pode prosseguir pois:
– Aceitando-se a competência deste Tribunal para conhecer da reparação dos danos resultantes de acidente ocorrido no desempenho das funções ao abrigo de um contrato emprego-inserção, não é possível aproveitar os articulados para esse fim;– Não se julga competente este Tribunal, em razão da matéria, para conhecer em acção comum do pedido de anulação declaratória e de condenação por danos morais, por não emergentes de relação de trabalho subordinado.É que, feito este excurso, o peticionado corresponde a uma cumulação ilegal de pedidos (artigo 555.º do Código de Processo Civil), porquanto:
–Aos pedidos feitos correspondem formas de processo incompatíveis;–A cumulação ofende regras de competência em razão da matéria;
Sem que haja possibilidade de fazer prosseguir a acção mesmo enquanto acção especial, dando-se cumprimento ao disposto no artigo 38.º do Código de Processo Civil, pois, como se viu, não é possível aproveitar os articulados para esse fim.Estamos, por isso, perante uma excepção dilatória que determina a absolvição da instância da R. (artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea f), e 578.º do Código de Processo Civil).Decisão: pelo exposto, absolvo a R. da instância”.
1.2.–Inconformado com esta decisão dela recorre o Autor [...].
1.5.–Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
Cumpre apreciar e decidir
2.–Objecto do recurso
[...] a questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se ocorre nulidade em virtude de não ter sido proferido despacho nos termos do art.º 590.º n.ºs 2, 3 e 4 do CPC. [....]
4.–Fundamentação de Direito
Da existência de nulidade por não ter sido proferido despacho nos termos do art.º 590.º n.ºs 2, 3 e 4 do CPC
Dispõe o art.º 590.º do CPC,~
“(…) 2-Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:a)Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;b)Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;c)Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.3-O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.4- Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.5- Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.6- As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.ºs 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu.7- Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados”.
Segundo o art.º 6.º n.º 2 do CPC:
“O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.”
Por seu turno, o art.º 186.º do mesmo diploma reza o seguinte:
“1- É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.2- Diz-se inepta a petição: (…)c)Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.(…)”
Como é sabido, o pedido corresponde ao meio de tutela jurisdicional pretendido pelo Autor - o efeito jurídico que o Autor quer obter com a ação (Antunes Varela e Outros, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2.ª Edição, pág. 243). Traduz a solicitação de concreta providência para tutela do interesse afirmado pelo autor, devendo, como tal, ser claro, compreensível, inteligível e idóneo (Castro Mendes, “Direito Processual Civil”, Volume II, FDL, pág. 357).
Acresce que o autor pode deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação” (art.º 555.º n.º 1, do CPC).
Nos termos do citado art.º 590.º, para além das situações previstas na sua alínea a), compete igualmente ao juiz endereçar convite às partes para estas aperfeiçoarem os seus articulados, suprirem irregularidades e insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (n.º 2, alínea b) e n.º 4), o que significaria, à partida, que a ineptidão da petição inicial (por cumulação ilegal de pedidos) não daria lugar ao despacho de aperfeiçoamento.
Sucede que,
Para se aferir da incompatibilidade substancial de pedidos interessa apenas a contradição lógica, a incompatibilidade material de pedidos que conduzam à ambiguidade da pretensão e do efeito pretendido. [...]
Nessa sequência, pediu que a acção seja “julgada procedente, e, em consequência, anulada a declaração aposto no referido recibo e a R. condenada a pagar ao A. uma indemnização global nunca inferior a € 12.500,00, acrescida de juros de mora, desde a data da alta clínica, 17.05.2021, até integral e efectivo pagamento”.
Como resulta da decisão recorrida, o Mmo. Juiz considerou-se competente para conhecer de processo que vise a reparação dos danos resultantes de acidente de trabalho e também o pedido de anulação da declaração que o Autor emitiu. Acabou, porém, por considerar não ser possível aproveitar os articulados aqui produzidos, considerando existir cumulação ilegal de pedidos (art.º 555.º do Código de Processo Civil), os quais correspondem a pedidos referentes a formas de processo incompatíveis, o que ofende as regras de competência em razão da matéria - concluindo, assim, pela verificação de uma excepção dilatória, tendo, como tal, absolvido a Ré da instância. [...]
Assim sendo, configurando-se uma cumulação ilegal de pedidos, à luz do supra exposto entendimento, deveria o Mmo. Juiz, ao invés de ter absolvido o Réu da instância, ter formulado convite ao Autor para este vir indicar qual o pedido que pretende ver apreciado neste processo, sob a cominação de não o fazendo ser o Réu absolvido da instância quanto a todos eles (art.º 38.º, n.º 1, 555.º n.º 1, do CPC “ex vi” do art.º 1.º n.º a alínea a), do CPT).
Essa ausência de convite traduz a prática de uma nulidade, nos termos do art.º 195.º do CPC, visto se traduzir na omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, com influência na decisão da causa. E porque está a mesma coberta por decisão é a mesma impugnável por via de recurso."
*3. [Comentário] a) Não se discute o raciocínio que esteve subjacente à fundamentação do acórdão, mas, salvo o devido respeito, não se percebe o que é que ele tem a ver com o caso sub iudice.
Pelo que se compreende do relatado no acórdão, o que sucedeu foi o seguinte:
-- O Autor instaurou uma acção na qual formulou dois pedidos: um pedido de anulação da declaração aposta num recibo; um pedido de condenação da Ré pagar-lhe duas indemnizações, uma para reparação dos danos sofridos em dois acidentes de trabalho e uma para reparação de danos morais;
-- O tribunal no qual a acção foi proposta declarou-se materialmente incompetente para apreciar a acção; a pedido do Autor, os articulados foram remetidos para um Juízo do Trabalho;
-- Este Juízo proferiu um despacho do seguinte teor:
"– Aceitando-se a competência deste Tribunal para conhecer da reparação dos danos resultantes de acidente ocorrido no desempenho das funções ao abrigo de um contrato emprego-inserção, não é possível aproveitar os articulados para esse fim;
– Não se julga competente este Tribunal, em razão da matéria, para conhecer em acção comum do pedido de anulação declaratória e de condenação por danos morais, por não emergentes de relação de trabalho subordinado."
"É que, feito este excurso, o peticionado corresponde a uma cumulação ilegal de pedidos (artigo 555.º do Código de Processo Civil), porquanto:
– Aos pedidos feitos correspondem formas de processo incompatíveis;– A cumulação ofende regras de competência em razão da matéria;
Sem que haja possibilidade de fazer prosseguir a acção mesmo enquanto acção especial, dando-se cumprimento ao disposto no artigo 38.º do Código de Processo Civil, pois, como se viu, não é possível aproveitar os articulados para esse fim.
Estamos, por isso, perante uma excepção dilatória que determina a absolvição da instância da R. (artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea f), e 578.º do Código de Processo Civil)."
-- Uma certeza: a excepção dilatória que o Juízo do Trabalho invoca é a falta de conexão entre os pedidos cumulados (art. 577.º, al. f), CPC);
-- Uma dúvida: não é clara a razão pela qual o Juízo do Trabalho entende que "não é possível aproveitar os articulados" para conhecimento das indemnizações correspondentes aos acidentes de trabalho; será que (o que é improvável) o alegado não é suficiente para esse "aproveitamento"?
b) É claro que a invocação do disposto no art. 577.º, al. f), CPC no despacho do Juízo do Trabalho só pode ser um equívoco. Se, para a 1.ª instância, os problemas se referiam à diversidade das formas do processo e à competência em razão da matéria (nomeadamente para conhecer do pedido prejudicial relativo à anulação da declaração do Autor), era nessa base que se deveria ter decidido.
MTS
Apoio à investigação (27)
No site da Biblioteca Centrale Giuridica do Ministero della Giustizia é possível encontrar alguns úteis elementos bibliográficos sobre a elaboração de vários códigos italianos.
23/04/2024
Jurisprudência uniformizada (67)
-- Ac. STJ 4/2024, de 23/4, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido:
O produto da venda dos bens penhorados em processo de execução, no qual tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, com trânsito em julgado, só é de considerar pago ou repartido entre os credores, para os efeitos do artigo 149.º, n.º 2, do CIRE, com a respectiva entrega. - O titular de um crédito reconhecido e graduado por sentença transitada em julgado num processo de execução, apensado ao processo de insolvência do devedor/executado, não está dispensado de reclamar o seu crédito, no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
Jurisprudência constitucional (226)
a) não conhecer do objeto do recurso relativamente à norma contida no artigo 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil;b) não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 62.º, n.º 1, da Lei Organização, Competência e Funcionamento dos Julgados de Paz (Lei n.º 78/2001, de 13 de julho), na redação introduzida pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, na interpretação segundo a qual não é admissível recurso para os tribunais da Relação das decisões dos tribunais de comarca que apreciem as impugnações de decisões dos julgados de paz; [...]
Jurisprudência 2023 (156)
1. O sumário de RP 29/6/2023 (21209/20.5T8PRT.P1) é o seguinte:
A regra básica de distribuição dos riscos e que constitui um dos princípios básicos da responsabilidade traduz-se na máxima casum sensit dominus. A imputação delitual dos danos a outrem pressupõe a lesão de direitos subjectivos, de posições jurídicas que mereçam ser protegidas de qualquer agressão.
Só porque ocorreu um dano e ele resultou de uma actuação voluntária do agente não se pode concluir de forma automática pela responsabilidade do agente pelo ressarcimento dos danos. Fora dos casos excepcionais em que o próprio legislador responsabiliza o agente por factos lícitos, para haver responsabilidade é necessário, desde logo, haver um acto ilícito.
A ilicitude pode resultar da violação de direitos subjectivos ou normas legais de protecção ou da violação de deveres de prestação de origem contratual.
Nos termos do artigo 483.º do Código Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Ao definir o âmbito da responsabilidade civil, este preceito distingue duas modalidades básicas de ilicitude: a violação de um direito de outrem e a violação de qualquer disposição legal destinada à protecção de interesses alheios.
No primeiro caso, a ilicitude advém da ofensa perpetrada a um determinado bem jurídico que a lei protege mediante a qualificação desse interesse como um verdadeiro direito da pessoa. No outro, a ilicitude provém de uma actuação desconforme com a regra de conduta que a lei impõe como forma de tutela de interesses de outrem. Ao lado dessas duas modalidades básicas de ilicitude para efeitos de responsabilidade civil, encontram-se várias outras previsões específicas de actos ilícitos.
Uma delas é o artigo 484.º do Código Civil, segundo o qual quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom-nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados. Aqui a ilicitude traduz-se na ofensa ao crédito ou ao bom-nome de uma pessoa singular ou colectiva, através da divulgação de factos susceptíveis de os prejudicar.
Este preceito é a concretização dos meios de tutela dos direitos de personalidade, consagrados no n.º 2 artigo 70.º. Segundo este preceito, a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, sendo que a pessoa ameaçada ou ofendida, independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
Tal preceito visa cumprir o estabelecido no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, o qual reconhece a todos, entre outros direitos pessoais, o direito ao bom nome e à reputação, como expressão directa do princípio da dignidade humana. Este direito fundamental tem por objecto o tipo de representação que os outros têm sobre uma pessoa, abrangendo todos os aspectos relativos a uma projecção social positiva e à consideração daí resultante no seio da sociedade. [...]
A ofensa ao crédito da pessoa ocorre quando se atinge, diminui ou coloca em causa a confiança dos outros na capacidade ou na vontade de uma pessoa para satisfazer as suas obrigações, a crença dos outros em que a pessoa não faltará aos seus compromissos, a imagem pública quanto à sua capacidade ou vontade de honrar e satisfazer os seus compromissos de natureza económica, a projecção social das aptidões e capacidades económicas dos autores (apud Capelo de Sousa, in O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, 1995, pág. 304 e Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, página 549). [...]
Não há, contudo, violação do direito ao crédito de alguém sem a publicitação do acto que pode afectar esse direito, sem se tornar pública a imputação a alguém de uma actuação que possa atingir, diminuir ou colocar em causa a confiança dos outros na capacidade ou na vontade da pessoa para satisfazer as suas obrigações.
Para haver ilicitude, consubstanciada numa violação injusta do direito ao crédito, é necessário que o agente tenha tornado pública a imputação da actuação que pode importar a lesão do direito, tenha transmitido essa imputação a terceiros levando-os a crer na imputação e a formarem uma convicção sobre a veracidade da imputação e a actuarem em conformidade com isso.
Já o bom nome de uma pessoa é ofendido quando se prejudica, diminui ou coloca em crise o conceito favorável que a pessoa tem na comunidade, o reconhecimento público da imagem positiva que ela logrou obter ou construir na comunidade com que se relaciona e onde é conhecida, o seu prestígio ou reputação. [...]
No caso dá-se a circunstância de as afirmações alegadamente ofensivas do direito ao crédito e ao bom nome terem sido feitas nos articulados de acções instauradas pelo aqui autor contra a aqui ré e a interveniente principal. Sabendo-se que a ilicitude é excluída quando há consentimento do lesado ou a actuação do agente corresponde ao exercício de um direito legítimo ou ao cumprimento de um dever, coloca-se a questão de saber como se relacionam o direito de acesso à justiça e à defesa e o direito ao bom nome e ao crédito.
O direito de acesso à justiça, tal como o direito à honra e à consideração pessoal, é um direito constitucionalmente garantido, dotado da tutela que é própria dos direitos fundamentais. Essa circunstância impõe algum cuidado na responsabilização da parte que toma a iniciativa do processo pelas consequências da sua instauração ou daquela que confrontada com um processo se vê obrigada a apresentar a sua defesa. Designadamente, não pode nunca permitir que da simples perda da demanda se conclua pela ilegitimidade da iniciativa processual ou que do simples decaimento da defesa se conclua pela ilicitude dos factos alegados como meio de defesa, e se retire o dever de indemnizar a parte contrária dos prejuízos sofridos em consequência da demanda.
Sucede, porém, que esse direito não é, como não são outros de maior relevo, irrestrito ou insusceptível de adequação prática e, portanto, não pode servir nunca para legitimar toda e qualquer postura processual. Seria inconcebível que o processo, enquanto conjunto de regras instrumentais destinadas a permitir a aplicação do direito substantivo ao caso concreto e a realização da Justiça, pudesse afinal permitir a violação impune de direitos materialmente consagrados. Se o processo serve, por exemplo, para que uma pessoa ofendida nos seus direitos de personalidade possa obter o ressarcimento dos danos que essa violação lhe causou, evidentemente que não pode servir para acobertar nova violação desses direitos no decurso do processo e através do processo e isentar de responsabilidade o autor do novo acto ilícito.
O direito de acção, nomeadamente na acepção de direito de defesa é um direito instrumental, no sentido de que não consubstancia em si mesmo um direito subjectivo material, mas é somente o mecanismo através do qual se obtém a tutela dos direitos substantivos. Esse direito não compreende nem exige no e para o seu exercício qualquer carta branca para se poder dizer ou fazer tudo no processo, designadamente violar legítimos direitos de outrem.
A Constituição de República Portuguesa consagra no seu artigo 20.º o direito de acesso aos tribunais, dizendo que a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente. O mesmo consagra o legislador ordinário no artigo 2.º do Código de Processo Civil. Em ambos os casos a consagração é irrestrita, isto é, não exceptua as violações de direitos perpetradas no âmbito de um processo judicial, o que significa, precisamente com base nesses preceitos, que também a pessoa que viu os seus direitos violados no âmbito de um processo goza da faculdade de lançar mão dos mecanismos judiciais que tenham por objecto reconhecer os seus direitos em juízo, prevenir ou reparar a violação deles, realizá-los coercivamente.
Se mais não fosse alcançar-se-ia a mesma solução com recurso ao princípio da boa fé e ao instituto do abuso de direito, presente em todo o sistema jurídico e, como tal, também, no sistema de regras que é o caminho para a realização dos direitos materiais, isto é, o processo. O processo visa antes de mais a protecção, a defesa, a realização, o ressarcimento da violação dos direitos legítimos, dos direitos merecedores - quanto ao conteúdo ou ao modo de exercício - dessa tutela e, por isso, tem de ser ele mesmo inócuo, no sentido de que tal como deve ser garantia da efectiva tutela a que tende, não pode ser ele mesmo fonte de violação desses direitos. O contrário seria uma afronta flagrante do princípio da boa fé que nada justifica e, sobretudo, uma violação das próprias regras de direito material enformadas por aquele.
Assim, em regra, uma actuação processual que importe a violação de direitos materiais legítimos não pode deixar de constituir um acto recusado pela ordem jurídica, um acto ilícito quae tal. Por isso, desde que essa actuação corresponda a um acto culposo, não pode deixar de implicar responsabilidade civil pelos danos que forem consequência dessa actuação.
Havendo conflito, real ou aparente, entre direitos ou interesses igualmente protegidos pela constituição, a divulgação de factos desonrosos deve revelar-se adequada e necessária à salvaguarda do direito ao abrigo do qual a divulgação é feita, sob pena de a divulgação ser ilícita.
Lida e relida a matéria de facto não encontramos na mesma absolutamente nada que possa constituir uma ofensa ao crédito ou ao bom nome do autor.
Não há, desde logo, na matéria de facto nenhum facto que seja susceptível de diminuir ou colocar em causa a confiança dos outros na capacidade ou na vontade do autor para satisfazer as suas obrigações, a crença dos outros em que ele não faltará aos seus compromissos.
O facto de ter sido afirmado que numa determinada altura e num determinado contexto ele não teria meios de subsistência próprios e beneficiava da ajuda económica da ré é absolutamente anódino a esse respeito porque não é por uma pessoa num certo momento passar por uma situação dessas, a ser verdadeira, que o seu crédito é posto em causa.
Acresce que a situação é descrita como facto passado e não é objecto de divulgação pública porque as afirmações estão circunscritas ao contexto de uma acção judicial que sendo embora pública não é frequentada por um conjunto de pessoas suficiente para que a voz do processo se transforme numa voz pública ou conhecida do público.
Também o facto de se afirmar que o autor não desenvolvia actividade profissional no âmbito de uma empresa e que retirava benefícios desta sem contrapartida de trabalho ou actividade de relevo não é de modo algum algo que diminua ou coloque em crise o conceito favorável que o autor pudesse ter na comunidade, o reconhecimento público da imagem positiva que ele tenha logrado obter ou construir na comunidade com que se relaciona e onde é conhecido, o seu prestígio ou reputação.
Desde logo porque essa reputação é alcançada através da intervenção que ele alcança no espaço público e esta nada tem a ver com a circunstância de ele o fazer enquanto sócio, trabalhador ou colaborador de uma sociedade ou a qualquer outro título e por isso as afirmações feitas nos articulados das acções não têm qualquer capacidade de fazer reverter essa reputação.
Depois porque o contexto da acção não é um contexto de espaço público capaz de levar as afirmações nela feitas para o domínio público de modo a que as mesmas sejam susceptíveis de influenciar a opinião dos outros.
Acresce que as acções são notoriamente o espaço de discussão da relação pessoal entre o autor AA e a ré BB, aspecto que é notório para qualquer pessoa que com elas contacte, a qual apreende e compreende de imediato os excessos das afirmações ali feitas e que as mesmas não são para levar à letra por estarem influenciadas e perturbadas pelos sentimentos pessoais e o modo como cada um deles reagiu à ruptura da relação pessoal.
Em conclusão, a nosso ver, os factos provados relativos ao comportamento da ré são insuficientes para lhe imputar a prática de um facto ilícito, devendo, ao invés, concluir-se que nas concretas circunstâncias do caso se deve considerar excluída a ilicitude do comportamento da ré."
[MTS]
22/04/2024
Jurisprudência 2023 (155)
1) o documento apresentado não é suscetível de destruir o juízo probatório realizado em sede da decisão revidenda, nem impõe uma decisão mais favorável ao recorrente quanto ao decurso do prazo de prescrição (requisito da suficiência);2) o documento apresentado não é novo, no sentido exigido pela lei, pois que já podia o recorrente ter feito uso dele no processo principal na medida em que conhecia (ou podia facilmente conhecer) a sua existência (requisito da novidade);3) o documento apresentado visa obter a prova de factos novos, não discutidos nem alegados no processo principal, e que não se revestem de essencialidade para a decisão de mérito colocada em crise (requisito da pré-alegação).
[MTS]