"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



31/07/2017

Bibliografia (545)

 
-- Fleischer, Holger, Spezialisierte Gerichte: Eine Einführung, RabelsZ 81 (2017), 497 
 
-- Fornasier, Matteo, Streitbeilegung im Arbeitsrecht: Eine rechtsvergleichende Skizze, RabelsZ 81 (2017), 539

-- Fleischer, Holger / Bong, Sebastian / Cools, Sofie, Spezialisierte Spruchkörper im Gesellschaftsrecht, RabelsZ 81 (2017), p. 608

Jurisprudência (674)


Banco; autorização; revogação;
inutilidade superveniente da lide


1. O sumário de RL 7/372017 (48/16.3T8LSB-L1-7) é o seguinte:
 
I. Atenta a deliberação do Banco Central Europeu, de 15.7.2016, que revogou ao Banco Espírito Santo, SA, a autorização para o exercício da atividade bancária, não tendo sido interposto recurso desta deliberação para o Tribunal Geral da União Europeia, impõe-se a extinção da instância em ação movida contra o BES por inutilidade superveniente da lide, devendo os autores reclamar o seu crédito no âmbito da liquidação do BES.
 
II. A apreciação dos pressupostos da medida da resolução, adotada pelo Banco de Portugal em 3.8.2014, é da competência da jurisdição administrativa (Artigo 145º-N do RGICSF). Todavia, cabe ao tribunal cível apreciar se as disposições legais que habilitaram o Banco de Portugal a adotar a medida de resolução, nos moldes em que o fez, padecem de inconstitucionalidade material por referência aos seus efeitos na esfera jurídica dos autores.
 
III. O direito de propriedade não é um direito absoluto, devendo compatibilizar-se com outras exigências constitucionais, assumindo o direito de propriedade uma função social.
IV. Podem ocorrer atos ablativos do direito de propriedade desde que encontrem cobertura ou justificação constitucional.
 
V. O Artigo 62º da Constituição deixa ao legislador ordinário uma ampla margem de conformação do direito de propriedade desde que as soluções encontradas respeitem os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade.
 
VI. A medida de resolução constituiu o meio adequado para a prossecução da tutela da estabilidade e segurança do sistema financeiro, para prevenir o risco sistémico e a corrida aos depósitos, valores e princípios constitucionalmente protegidos (Artigo 101º da Constituição), observando-se o princípio da adequação.
 
VII. As medidas alternativas de intervenção corretiva e de administração provisória (cf. Artigos 139º, 141º e 144º, alínea a), do RGICSF) não constituíam alternativas tempestivas e eficazes para atingir os mesmos desideratos referidos em a), atento a situação financeira em que estava o BES (princípio da exigibilidade).
 
VIII. A transferência de ativos e passivos feita pelo Banco de Portugal para o Novo Banco, no âmbito da medida de resolução, foi condição sine qua non do êxito da medida porquanto, sem tal transferência seletiva, o risco sistémico ficaria incólume (princípio da proporcionalidade em sentido estrito).
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Insurgem-se os apelantes quanto à decisão do tribunal a quo que julgou extinta a instância quanto ao Réu BES, SA, por inutilidade superveniente da lide na sequência da revogação da autorização para o exercício da atividade.

Aduzem os apelantes, neste circunspecto, os seguintes argumentos:
 
a.-O regime do Artigo 128º do CIRE não é extensível às demais ações declarativas;
 
b.-A natureza célere e urgente dos processos de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados, como é o caso;
 
c.-Os artigos 50º, nº1 e 181º do CIRE devem ser interpretados no sentido de qua condição suspensiva pode ser a própria decisão judicial; 
 
d.-Não existe qualquer violação do princípio da igualdade dos credores;
 
e.-Os Autores reclamaram o seu crédito, subjacente à presente ação, no processo de insolvência do BES.

O tribunal a quo fundamentou a decisão nestes termos:
 
«Nos termos do disposto no artº 4 nº1 a) do Regulamento do Conselho nº 1024/2013, cabe ao Banco Central Europeu, conceder e revogar a autorização para o exercício da atividade como instituição de crédito a instituições estabelecidas nos Estados Membros. 
 
Nos termos do artº 8 nº2 do D.L. 199/2006 de 25/10 (alterado pelo D.L. nº 31-A/2012 de 10/02), a decisão e revogação de autorização para o exercício da atividade equivale à declaração de insolvência dessa entidade, que por não ter sido interposto recurso, nos termos do artº 263 do Tratado da União Europeia, nem anulada a deliberação do BCE, equivale à declaração de insolvência definitiva, da entidade bancária em apreço. 
 
Com efeito dispõe este preceito legal que “O Tribunal de Justiça da União Europeia fiscaliza a legalidade dos atos legislativos, dos atos do Conselho, da Comissão e do Banco Central Europeu, que não sejam recomendações ou pareceres, e dos atos do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros. O Tribunal fiscaliza também a legalidade dos atos dos órgãos ou organismos da União destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros. 
 
Para o efeito, o Tribunal é competente para conhecer dos recursos com fundamento em incompetência, violação de formalidades essenciais, violação dos Tratados ou de qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação, ou em desvio de poder, interpostos por um Estado-Membro, pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho ou pela Comissão. 
 
O Tribunal é competente, nas mesmas condições, para conhecer dos recursos interpostos pelo Tribunal de Contas, pelo Banco Central Europeu e pelo Comité das Regiões com o objetivo de salvaguardar as respetivas prerrogativas. 
 
Qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos, recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução. 
 
Os atos que criam os órgãos e organismos da União podem prever condições e regras específicas relativas aos recursos interpostos por pessoas singulares ou coletivas contra atos desses órgãos ou organismos destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a essas pessoas. 
 
Os recursos previstos no presente artigo devem ser interpostos no prazo de dois meses a contar, conforme o caso, da publicação do ato, da sua notificação ao recorrente ou, na falta desta, do dia em que o recorrente tenha tomado conhecimento do ato.”
Assim, revogada a autorização para o exercício da atividade bancária de uma determinada instituição de crédito, ao Banco de Portugal cabe requerer nos prazos legalmente previstos, a sua liquidação nos tribunais competentes, no prazo e termos indicados nos n.ºs 3 e 4 do art. 8.º.
 
Requerida a liquidação, o juiz proferirá despacho de prosseguimento, se for o caso, o qual depende tão só da verificação do preenchimento dos requisitos enunciados no art. 8.º. 
 
No despacho de prosseguimento o juiz nomeará o liquidatário ou a comissão liquidatária e tomará as decisões previstas nas alíneas b), c), e f) a n), do art. 36.º do CIRE, sendo aplicáveis, com as necessárias adaptações, as demais disposições do CIRE que se mostrem compatíveis com as especialidades constantes do DL n.º 199/2006 (n.º 3 do art. 9.º), excluindo-se expressamente os títulos IX e X do CIRE (parte final do n.º 3 do art. 9.º do DL n.º 199/2006) 
 
Quaisquer questões sobre a legalidade da decisão de revogação da autorização apenas serão suscitáveis no processo de impugnação contenciosa que vier a ser deduzido nos tribunais administrativos (n.º 1 do art. 9.º e art. 15.º do DL n.º 199/2006). 
 
Posto isto, sobre os efeitos gerais limitativos da declaração da insolvência em relação ao insolvente, rege o disposto no artigo 81º do CIRE. 
 
Nos termos deste preceito, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si, ou no caso de pessoa coletiva, quanto aos órgãos que o representem, da administração e do poder de disposição dos seus bens presentes e futuros. 
 
Na realização do interesse dos credores, os negócios jurídicos realizados pelo insolvente são ineficazes ou inoponíveis em relação à massa falida (artigo 81, do CIRE). 
 
A declaração de insolvência implica a dissolução da insolvente e, consequentemente, a perda da sua personalidade jurídica e judiciária, pelo menos para a generalidade dos efeitos (artigos 141º, nº 1, alínea e), do Código das Sociedades Comerciais, e 11º do Código de Processo Civil).
 
Por outro lado, no procedimento falimentar funciona o princípio da universalidade, segundo o qual, no seu âmbito, todo o património do insolvente é apresentado para a massa e apreciada a respetiva responsabilidade obrigacional. 
 
Dispõe o artº 90 do CIRE que “Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.” 
 
Como corolário do referido princípio, ainda que o credor tenha algum direito de crédito reconhecido por decisão judicial definitiva, tem que o reclamar no processo da ação de insolvência, se nele quiser obter pagamento. 
 
Correspondentemente, podem os outros credores ou o insolvente contestar a existência ou o crédito reclamado, ainda que ele já esteja reconhecido definitivamente noutro processo por decisão judicial, de molde a proporcionar-se o pagamento das dívidas do insolvente, em tanto quanto for possível, através da liquidação do respetivo ativo. 
 
Estando pendente ação contra a insolvente, ora R. há que atender ao disposto nos artºs 85 a 90 do CIRE, quanto aos efeitos processuais da insolvência sobre as ações pendentes. 
 
Nestes termos, dispõe o artº 85º, nº 1 que “declarada a insolvência, todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as ações de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”.
 
Afirma-se, assim, o regime da plenitude da instância falimentar em relação às ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente intentadas contra o devedor ou mesmo contra terceiro, cujo resultado possa influenciar o valor da massa. 
 
Não sendo o caso desta ação, ainda assim, deverão os credores do insolvente exercer os seus direitos no processo de insolvência se os quiserem ver apreciados e decididos, ainda que reconhecidos por decisão judicial. 
 
Assim do disposto no artº 128 do CIRE, resulta que o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento. 
 
Face ao teor desta norma, por maioria de razão se impõe a reclamação do crédito na insolvência quando ainda não exista sentença transitada a reconhecê-lo, sendo certo que a reclamação de créditos estrutura-se como uma verdadeira e própria ação declarativa, na qual se apreciará a existência e o montante do mesmo direito de crédito em discussão na ação declarativa (artºs 130º e seguintes). 
 
Deste modo, os credores da insolvência, quaisquer que sejam, devem reclamar a verificação dos seus créditos, nos termos do art. 128º do CIRE, e dentro do prazo assinalado na sentença declaratória da insolvência (ou in casu na sentença que decretou o prosseguimento da liquidação judicial). 
 
E mesmo o credor que tenha já reconhecido o seu crédito por decisão definitiva “não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento”, como resulta, expressamente, do disposto no nº 3 do art. 128.º 
 
Deste preceito resulta evidente que com a declaração de insolvência do devedor, transitada em julgado, deixa de ter interesse o prosseguimento da ação para o reconhecimento de eventuais direitos de crédito, uma vez que os mesmos sempre terão de ser objeto de reclamação no processo de insolvência. 
 
O que significa que mesmo proferida decisão de mérito nesta causa, ela de nada servirá à A. se não reclamar o seu crédito na falência e se nela não o vir reconhecido. Estando já reclamado este crédito, não existe interesse ou viabilidade na duplicação de decisões sobre esta matéria, uma vez que o juiz falimentar goza de competência plena para decidir estas questões, que se enquadram nos direitos de crédito sobre a insolvente. 
 
Tal consideração, deu origem ao Ac. do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 08.05.2013, DR 39, Série I, de 25.02.2104, segundo o qual “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.” 
 
Excluem-se deste caso, os créditos sujeitos a condição suspensiva, tendo em conta o disposto no artº 91, 94, 181 e o artº 50 do CIRE, o qual dispõe que 
 
“1-Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico. 2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva: a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de atos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução; b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão; c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.” 
 
Estes créditos cuja qualificação, no âmbito da insolvência, é muito mais abrangente, que o conceito do artº 270 do C.C., são aqueles cuja constituição está sujeita à verificação de um acontecimento futuro e incerto, que, por essa razão, não estão abrangidos pelo vencimento antecipado, constante do artº 90 nº1 do CIRE, sendo atendidos pelo seu valor nominal, devendo permanecer depositadas as quantias a que respeitam, até se verificar ou não a respetiva condição. 
 
Ora, confundem manifestamente os AA., os créditos sob condição suspensiva e resolutiva, ou seja aqueles cuja subsistência está dependente de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de negócio jurídico e também de decisão judicial, com créditos controvertidos. 
 
Uns e outros não são manifestamente confundíveis, nem pretendeu o legislador englobar nestes créditos todos os peticionados em tribunal, muito menos considerar como acontecimento futuro ou incerto, a própria decisão judicial, ou melhor o resultado dessa decisão judicial que reconheça ou não o referido crédito. 
 
Sendo invocado nos presentes autos a responsabilidade do BES enquanto instituição de crédito e intermediário financeiro, a verificação dos pressupostos desta responsabilidade e a determinação do valor a ressarcir e do sujeito devedor, equivale apenas ao reconhecimento da existência do crédito, por via judicial, mas não à declaração ou reconhecimento de uma condição suspensiva ou resolutiva. 
 
Conforme referido no Ac. do T.R.Porto, de 05/03/09, proferido no proc. nº 565/08.9TYVNG, disponível para consulta in www.dgsi.pt, “Um crédito condicional não é um crédito controvertido, porquanto: crédito condicional é aquele que, existindo, não pode ainda ser exigido, pelo facto de não se ter ainda por verificada a condição; o crédito controvertido é “inexistente” – no sentido de não poder ser exigido –, até ser reconhecido, nomeadamente, por decisão transitada em julgado.” 
 
Sendo este acórdão anterior à alteração introduzida ao artº 50 do CIR (Lei 12/2012 DE 20/04), mantém ainda a sua atualidade, em relação à distinção entre créditos condicionais e créditos controvertidos, não pretendendo o legislador com esta alteração considerar como créditos condicionais, todos os créditos discutidos por via judicial. 
 
Se a configuração do crédito como condicional no âmbito da insolvência é mais abrangente do que a constante do artigo 270 do C.C., exige-se ainda e sempre que a constituição ou subsistência deste crédito esteja dependente da verificação de um acontecimento futuro e incerto. 
 
Não é o caso, pelo que nenhuma razão existe, nem foi invocada, para considerar que este crédito invocado pelos AA., tem natureza condicional e assim, que a presente ação deva prosseguir os seus termos, contra a insolvente. 
 
Conclui-se assim que, com a revogação da autorização para o exercício da atividade do BES (equiparada à declaração de insolvência), não impugnada nos termos previstos no artº 263 do TUE e assim definitiva, estamos perante uma inutilidade superveniente da lide, quanto a este R.»

A argumentação expendida pelo tribunal a quo não merece qualquer reparo.

Os apelantes confundem um crédito controvertido com um crédito condicional. Dispõe o Artigo 50º, nº1, do CIRE, que «Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico».

O segmento atinente à menção da decisão judicial foi introduzido pela Lei nº 16/2012. Conforme referem Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, pp. 306-307, «Em boa verdade, a inserção da decisão judicial entre os títulos geradores da condição, tendo, embora, um sentido esclarecedor, em nada contende com o regime do preceito. / Com efeito, já na redação primitiva, onde se pudesse constatar que a sujeição do crédito a condição suspensiva ou resolutiva, no sentido e com o alcance do nº1, derivava de decisão judicial, o crédito não poderia deixar de ser havido como condicional, para os efeitos do Código, quando menos por aplicação analógica, e por manifesta identidade de ratio decidendi.»

A alteração da redação ocorrida no nº1 do Artigo 50º visou, pois, esclarecer que fonte da condição poderá provir de uma decisão judicial (a par da lei e do negócio jurídico), realidade diversa de afirmar- conforme pretendem os apelantes – que a decisão judicial constitui em si uma condição suspensiva. Para efeitos do nº1 do Artigo 50º do CIRE, a decisão judicial não constitui um acontecimento futuro e incerto porquanto o crédito invocado pelos apelantes assenta em factos passados prévios à revogação da autorização para o exercício da atividade bancária pelo BES. Tratando-se de uma ação declarativa de condenação, a proceder a mesma, o tribunal emite um juízo declarativo ( e não constitutivo) sobre a (in) existência do direito alegado pelos autores (que, a existir, se constituiu no passado) e, em conformidade, pode condenar os Réus na prestação duma coisa ou facto – cf. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 3ª edição, p. 31. De forma alguma, a prolação de uma sentença condenatória com os referidos moldes integra, de per si, uma condição suspensiva.

Não colhe também a interpretação que os apelantes fazem do Artigo 128º do CIRE. Conforme referem Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, p. 520, «Da articulação do nº1 com o nº3, primeira parte, do artigo em anotação resulta que todos os credores da insolvência, qualquer que seja a natureza e fundamento do seu crédito, devem reclamá-lo no processo de insolvência, para aí poderem obter satisfação. / A formulação ampla da primeira parte do nº3 é corroborada pela sua segunda parte que, à semelhança do que estatuía o nº3 do art. 188º do CPEREF, não dispensa a reclamação dos créditos que tenham sido reconhecidos por decisão definitiva, se os seus titulares pretenderam ser pagos no processo, à custa da massa insolvente.»

O argumento estribado na celeridade do processo de insolvência é impertinente porquanto a lei é taxativa quanto à necessidade de reclamação, sendo o processo de insolvência o local próprio para tal efeito – cf. Artigo 128º e seguintes do CIRE. Mesmo que esta ação prosseguisse de nada valeria aos apelantes uma eventual sentença condenatória contra o BES porquanto, nos termos do Artigo 88º, nº1, do CIRE, os Autores não poderiam executar o BES ( «obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência»).

Acresce que, a admitir-se o prosseguimento desta ação contra o BES, estar-se-ia a violar o princípio par conditio creditorum na medida em que os credores que obtivessem sentenças condenatórias contra o BES estariam numa situação privilegiada face àqueles que se limitassem (em cumprimento da lei) a reclamar os seus créditos no processo de insolvência, estando estes sujeitos a impugnação judicial ao contrário daqueles (cf. Artigo 130º, nº1 do CIRE). Tal bifurcação de vias de reclamação de créditos está expressamente vedada pelo Artigo 90º do CIRE do qual decorre que «para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de neles exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles já se encontrem reconhecidos em outro processo (…)» - Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, p. 438. Esta norma impõe, inelutavelmente, a concentração num único processo das pretensões de todos os credores, o que constitui uma consequência do princípio da par conditio creditorum."
 
[MTS]
 
 

Breve comentário ao segmento relativo a custas processuais do acórdão da Relação do Porto de 2017.03.13


 

 [Para aceder ao texto clicar em Salvador da Costa]



 

28/07/2017

Jurisprudência (673)


Litigância de má fé;
contraditório


I. O sumário de RL 8/3/2017 (6894/16.0T8LSB.L1-4) é o seguinte:

1 - Ainda que não tenha sido dado oportunidade à parte para se pronunciar sobre eventual condenação como litigante de má-fé, a violação do contraditório assim encenada não impõe a revogação da decisão, antes podendo conduzir à respetiva anulação.

2 - Não é de anular a decisão se, no recurso, a parte já se pronunciou sobre a matéria.

3 - Litiga de má-fé quem apresenta uma versão comprovadamente falsa dos factos que fundamentam o seu despedimento.

II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Razões de lógica processual impõem-nos que iniciemos a discussão pela última das questões acima elencadas – a decisão, por ter sido proferida de surpresa, está vedada?

A esta questão dedica a Recrte. um único parágrafo no qual exprime que este nem sequer é o ponto fundamental da questão.

Do parecer exarado pelo Ministério Público emerge, porém, que “tudo estaria correto… se a Mmª Juíza tivesse informado a parte de que se afigurava como possível que ela viesse a ser condenada como litigante de má-fé e lhe tivesse dado a possibilidade e prazo para se pronunciar sobre tal matéria o que não se verificou” o que impõe a revogação de decisão.

Compulsados os autos, é uma evidência que a litigância de má-fé foi constatada pela julgadora em fase de sentença e aí obteve pronúncia.

É certo que o Artº 3º/3 do CPC dispõe que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

O princípio assim consagrado – o do contraditório - é um corolário do princípio do dispositivo e traduz-se num dos princípios basilares que enformam o processo civil, não assumindo, contudo, como daquele dispositivo legal emerge, um carater absoluto.

A violação do contraditório, patente no caso concreto, não é, porém, de molde a conduzir a uma revogação da decisão. Pode, quanto muito, levar a que a mesma se anule tendo em vista o respetivo exercício. É a consequência que retiramos de quanto se dispõe no Artº 195º/1 do CPC.

No caso sub judice, não só a parte afetada considera a irregularidade cometida como não fundamental para a apreciação da questão, como ainda a anulação se traduziria numa repetição de atos entretanto perpetrados – ou seja, dar a possibilidade à parte afetada pela decisão de se pronunciar.

Esta atividade já foi levada a cabo no presente recurso, pelo que importa agora que nos detenhamos sobre os argumentos já esgrimidos.

Deste modo, revelando-se inútil a anulação do processado, passamos a conhecer da questão de fundo.

E com isto nos deteremos sobre a primeira das suscitadas questões – não se verifica litigância de má-fé?

Antes de avançarmos no conhecimento desta questão cumpre situar as razões da condenação.

Conforme emana do extrato de decisão acima transcrito, o fundamento para a condenação situa-se na conclusão que que “a Autora alterou a verdade dos factos conscientemente e com o intuito de obter a declaração de ilicitude do despedimento (apresentando uma versão - ter acenado com a faca de cozinha, em posição defensiva, com vista a evitar eminente agressão; receando pela sua vida e integridade física - que se revelou contrária à verdade dos factos).”

Compulsados os autos, nomeadamente o articulado de resposta apresentado pela A. ali se consignou que o Sr. (…), completamente descontrolado, cresceu para a A., proferindo expressões insultuosas, evidenciando agredi-la pelo que esta, entalada contra o balcão e receosa de ser agredida física e moralmente, lhe acenou com uma faca de cozinha, em posição defensiva, com vista a evitar a eminente agressão, sendo totalmente falso o referido no requerimento fundamentador (Artº 4º, 5º e 6º).

Veio a provar-se, entre outros, que:

6.-No Sábado, dia 17 de Outubro de 2015, a Autora dirigiu-se à cozinha do Restaurante (…), com o objetivo de ir buscar tabuleiros daquela cozinha do restaurante (…) para a cozinha do buffet. 

7.-O trabalhador (…) (superior hierárquico da Autora e responsável pela cozinha do restaurante (…) disse à Autora que não autorizava a mesma a levar os tabuleiros. 

8.-O Trabalhador (…) disse ainda à Autora que existiam tabuleiros na cozinha do Buffet, que aqueles eram necessários naquela cozinha e que a mesma deveria lavar os tabuleiros existentes na cozinha do Buffet e utilizá-los. 

9.-A Autora não acatou a ordem do trabalhador (…) e, de forma brusca, retirou-os, agarrando os mesmos para os levar. 

10.-Na sequência do referido em 9, e enquanto discutiam por causa dos tabuleiros (a Autora insistindo que os levava e o trabalhador (…), dizendo-lhe que não os podia levar), a Autora agarrou numa faca de cozinha que se encontrava em cima do balcão, com aproximadamente 30 cm de lâmina, e apontou-a em direção ao trabalhador (…). 

11.-Ao mesmo tempo que apontava a faca de cozinha, proferiu as seguintes expressões: “anda cá”, “eu mato-te”. 

12.-No momento referido 10 e 11, chegou trabalhadora (…) (empregada de limpeza) que segurou a mão da Autora que empunhava a faca e retirou-lha ao mesmo tempo que lhe pedia para ter calma. 

13.-Logo após a chegada da trabalhadora (…), chegou a trabalhadora (…) que presenciou ainda a Autora com a faca na mão. 

14.-A trabalhadora (…) apelou igualmente à calma da Autora, dizendo-lhe, nomeadamente “pensa nos teus filhos”. 

15.-Encontrava-se igualmente na cozinha o trabalhador (…) que presenciou a discussão entre o trabalhador (…) e a Autora, bem como a faca na mão desta. 

17.-No momento referido em 11, o Trabalhador (…) teve medo e sentiu-se ameaçado pela Autora.

É da compaginação entre esta factualidade e a versão apresentada pela A. que se hão-de retirar conclusões para a questão que n os ocupa.

A litigância de má-fé, tendo como limite inultrapassável a garantia constitucional de acesso aos tribunais, tem como pressuposto a impossibilidade de, ao abrigo de tal garantia, as partes quererem fazer valer teses infundadas, injustas, ilegais, com o manifesto propósito de descredibilizar a Justiça e obstaculizar à célere resolução dos conflitos.

Assim, se é verdade, que não se pode vedar ao cidadão o acesso á Justiça e aos tribunais, também é verdade que estes têm o dever de acatar as decisões judiciais, e, previamente, de formular pretensões justas e fundadas no direito.

É por isso que, conforme decorre do que dispõe o Artº 542º do CPC, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e indemnização á parte contrária.

Litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou tiver alterado a verdade dos factos (Artº 542º/2-a) e b) do CPC).

Como é sabido, após a reforma processual de 1995, e com a finalidade de atingir uma maior responsabilização das partes, passou a sancionar-se, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária. E, assim incorre em litigância de má-fé quem atuar com grave negligência.

Ora, “a lide diz-se temerária quando”... as “regras são violadas com culpa grave ou erro grosseiro, e dolosa, quando a violação é intencional ou consciente” (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 219).

Ponderou-se na sentença que a A., com a intenção de obter uma declaração de ilicitude do seu despedimento, apresentou uma versão falsa dos factos ocorridos e que o fundamentaram.

Compulsada a matéria fática cuja prova se obteve, constatamos que a conclusão a retirar não pode ser senão aquela a que chegou a sentença recorrida, dada a factualidade cuja prova se obteve, factualidade esta presenciada por diversas pessoas e que a A. não só não podia ignorar, como, resulta evidente, que pretendeu alterar.

E, contrariamente ao que alega, não se trata aqui de mera incapacidade de provar a sua versão. Trata-se de prova de versão absolutamente oposta, o que é bem distinto.

Em presença desta factualidade, não podemos senão concluir pelo bem fundado da condenação por litigância de má-fé."

[MTS]


27/07/2017

Legislação (95)


Cadastro simplificado

-- DL 85/2017,de 27/7: Cria um regime excecional que agiliza os processos aquisitivos, administrativos e financeiros para o desenvolvimento do sistema de informação cadastral simplificado


Jurisprudência (672)



Responsabilidade civil; seguro;
intervenção como assistente; caso julgado;
prazo de prescrição


1. O sumário de RP 14/3/2017 (152/16.8T8LSB.P1) é o seguinte:

I – A solução doutrinal que afirmava que a responsabilidade da seguradora se manteria sempre e enquanto se mantivesse a responsabilidade do segurado, independentemente, v. g., da verificação de factos extintivos de possível alegação pela seguradora, por via de uma responsabilidade estritamente contratual baseada no contrato de seguro, expunha as seguradoras fosse a conluios entre o segurado e o respectivo credor, fosse simplesmente ao descurar da defesa por parte do segurado.
 
II – No seguro de responsabilidade civil, a seguradora responde nos mesmos termos que o segurado, por força do firmado no contrato de seguro, podendo assumir, perante terceiros, uma posição de devedora solidária com o seu segurado muito embora as prestações de ambos sejam tratadas de forma, separada, individual e isolada.
 
III – Se a Ré interveio, na acção anterior intentada contra o segurado, na qualidade de assistente, a sentença proferida constitui, para a Ré, caso julgado, que ela Ré é obrigada a aceitar, em qualquer causa posterior, designadamente na vertente dos factos e do direito que a decisão judicial tenha estabelecido – artº 341º CPCiv95/96 e 332º NCPCiv.
 
IV – No conspecto da norma do artº 1044º CCiv, encontramo-nos face à falta de cumprimento ou ao cumprimento defeituoso das obrigações contratuais inerentes ao dever de manter e restituir a coisa locada, a que alude o disposto no artº 1043º CCiv, e, neste sentido, em face de responsabilidade civil contratual do segurado.
 
V – O prazo curto de prescrição do artº 498º nº 1 CCiv, por razões sistemáticas e da diferente natureza dos institutos, não é aplicável à responsabilidade civil contratual, para a qual rege o prazo geral de prescrição do artº 309º CCiv.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte: 

"A ora Ré seguradora interveio na acção que correu termos anteriormente, entre a Autora e a respectiva arrendatária, nos termos de cuja decisão, já transitada em julgado, a ali Ré foi condenada a pagar à Autora a mesma e idêntica indemnização relativamente àquela que se mostra peticionada nos presentes autos.

E interveio a ora Ré nessa acção, nos termos do despacho judicial transitado, na qualidade de assistente.

Nesse sentido, a sentença constituiu, para a Ré ali assistente, caso julgado, que ela Ré é obrigada a aceitar, em qualquer causa posterior, designadamente na vertente dos factos e do direito que a decisão judicial tenha estabelecido – artº 341º CPCiv95/96 e 332º NCPCiv.

Desta forma, formou-se caso julgado contra a Ré relativamente à declaração dos fundamentos de direito, no processo anterior, relativamente à responsabilidade da segurada da Ré, como tendo por fundamento o disposto no artº 1044º CCiv, nos termos do qual “o locatário responde pela perda ou deteriorações da coisa” (ressalvadas as deteriorações ligadas à prudente utilização) “salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela”.

Ora, independentemente de se considerar esta responsabilidade do locatário como “uma espécie de responsabilidade objectiva” (consoante Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, II, 3ª ed., pg. 405), ou antes uma responsabilidade fundada em culpa (Prof. Pereira Coelho, Arrendamento – Lições, 1984, pg. 160), a verdade é que, no conspecto da norma citada do artº 1044º, nos encontramos face à falta de cumprimento ou ao cumprimento defeituoso das obrigações contratuais inerentes ao dever de manter e restituir a coisa locada, a que alude o disposto no artº 1043º CCiv.

Neste sentido, o caso julgado formado pela acção anterior, que obriga o assistente, caracteriza a responsabilidade do segurado, que define e limita a responsabilidade da seguradora, como responsabilidade civil contratual (veja-se, em abono da conclusão, o Ac.S.T.J. 15/2/01 Col.I/123, relatado pelo Consº Simões Freire).

O Prof. Vaz Serra (Prescrição do Direito de Indemnização, Bol.87/47ss.) ponderou se o fundamento do prazo curto de prescrição de 3 anos, do artº 498º nº1 CCiv, permitiria abranger também as hipóteses de responsabilidade contratual. Escreveu, entre o mais:

“(…) Em certos casos podem realmente verificar-se, na responsabilidade contratual, razões tão aceitáveis para a prescrição de curto prazo como na responsabilidade extra contratual. As circunstâncias podem ser de difícil determinação, como nesta última. E o aplicar-se às obrigações derivadas de contrato (ou, de um modo geral, de relação pré-existente) a prescrição ordinária não leva necessariamente a fazer-se a mesma aplicação às obrigações resultantes do não-cumprimento dele, pois aquelas, constantes do contrato (ou da relação), são geralmente mais difíceis de apreciar.”

“(…) De modo que: ou se amplia à responsabilidade contratual a prescrição de curto prazo, ou se não faz essa ampliação. Destas duas soluções parece preferível a segunda. Embora o lesado por facto ilícito extra contratual, que pode ser muito mais grave que o não cumprimento de uma obrigação, fique sujeito à prescrição de curto prazo, o mesmo não parece deva acontecer com o lesado pelo não cumprimento de obrigações. Não só a lei estabelece vários prazos curtos de prescrição de obrigações negociais, como seria chocante que a obrigação de indemnização prescrevesse em prazos mais curtos que as demais obrigações contratuais. O mesmo se daria com a obrigação de indemnização resultante do não cumprimento de qualquer outra obrigação pré-existente.”

Com a doutrina citada encontra-se a maioria dos Autores: o Prof. Vaz Serra, Revista Decana, 106º/14ss e 110º/87, Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, I, 3ª ed., pg. 477, Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 2ª ed., pg. 506, e o Prof. Almeida Costa, Dtº das Obrigações, 3ª ed., pg. 363, nota 3.

Na verdade, a prova no aspecto contratual é usualmente feita para durar, com utilização, substancial ou voluntária, da forma escrita; na responsabilidade civil, a explicação fica a maior parte das vezes na memória das pessoas que poderão testemunhar, exigindo maior rapidez no exercício dos direitos.

Como se salientou no Ac. R.C. 15/10/91 Col.IV/109, relatado pelo Desemb. Cunha Gil, sendo as responsabilidades contratual e extracontratual de natureza diferente, a ser aplicável o prazo curto de prescrição da segunda à prescrição da primeira, seria normal e em boa técnica necessário que a lei, no lugar próprio, remetesse para ele – v. g., como nos artºs 227º nº2, 499º ou 799º nº2 CCiv.

Ainda no mesmo sentido, S.T.J. 8/2/94 Col.I/97, relatado pelo Consº Fernando Fabião, citando ainda outras decisões do Supremo Tribunal de Justiça, que, com o devido respeito, aqui nos dispensamos de elencar, S.T.J. 24/11/87 Bol.371/446, relatado pelo Consº Alcides de Almeida, ou Ac.R.L. 25/6/85 Col.III/174, relatado pelo Consº Miguel Montenegro.

Em sentido idêntico, mais recentemente, veja-se o Ac. R.P. 20/11/2014 Col.V/192, relatado pelo Des. Aristides Rodrigues Almeida, bem como o Ac.R.C. 2/10/07, pº 2502/05.3TBCBR.C1, relatado pelo Consº Cardoso de Albuquerque, na base de dados oficial.

Defendendo a opinião contrária, embora de forma sensivelmente isolada, veja-se o artigo do Prof. Pedro de Albuquerque, ROA, 1989, III, pgs. 793 ss.

Pode contestar-se a existência de um prazo de prescrição de 20 anos, como o do artº 309º CCiv – para o Prof. Menezes Cordeiro, Tratado – Parte Geral, IV, 2005, pg.173, trata-se de um prazo muito longo, que retira razão de ser ao instituto, irrealista. Não pode porém deixar de se dizer que a redução do prazo ordinário de prescrição apenas se pode hipotizar de jure condendo.

Sendo assim o prazo de prescrição do direito da Autora de 20 anos, é manifesto que o mesmo prazo não tinha decorrido quando a Ré foi citada nos presentes autos, e sendo certo que tal prazo deve contar-se apenas a partir do trânsito da decisão proferida no processo anterior, no qual a Ré foi demandada pela Autora como responsável pela indemnização e parte principal, pelo lado passivo – apenas a decisão judicial transitada em 9/5/2011 (momento a partir do qual se devem contar os citados 20 anos) declarou a ilegitimidade da ora Ré, naquela outra acção, admitindo a respectiva intervenção nos autos apenas como assistente, tudo nos termos dos artºs 326º nº 1 e 327º nº 1 CPCiv."


[MTS]