"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))
26/06/2025
Anulação de decisão sobre matéria de facto e “custas da apelação pela parte vencida”
16/06/2025
Observações conclusivas sobre os “factos conclusivos”
A matéria de facto adquirida processualmente não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica, daí que as questões de direito que constem da seleção da matéria de facto provada devem considerar-se não escritas, sendo de afastar na decisão de facto expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, que invadam o domínio de uma questão de direito essencial.
"Impõe-se [...] expurgar da enunciação da matéria de facto (alterada/aditada pelo Tribunal recorrido) os factos jurídicos, que encerram valorações jurídicas constantes do item 46 e item 47 dos factos provados, porquanto [...] integram o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, constituem a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes, invadindo o domínio da questão de direito essencial, qual seja, a consideração do que é considerado como “condutor habitual” para efeitos de anulação do contrato de seguro, importando remeter esta matéria, também por estas razões, para o rol de factos não provados."
26/05/2025
08/05/2025
24/04/2025
A taxa de justiça e as custas em sentido estrito no incidente de quebra do sigilo profissional
27/03/2025
A taxa de justiça e as custas em sentido estrito no procedimento de reclamação previsto no artigo 643.º do CPC
26/03/2025
O despacho liminar nas ações contra a participação pública
24/03/2025
Citações e notificações eletrónicas no âmbito de processos judiciais
19/03/2025
Dívida comercial, juros civis - mas porquê?
Mantendo-se a orientação jurisprudencial do STJ, considera-se que, à falta de outros elementos interpretativos, a decisão judicial dada à execução, condenando a ora embargante a pagar à aí autora uma indemnização acrescida de juros calculados à taxa legal, deve ser interpretada como abrangendo o direito a juros de mora à taxa legal prevista para os juros civis.
"5.2. Na acção declarativa que culminou com a decisão judicial dada à execução, foi formulado o seguinte pedido:«Nestes termos, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e por via dela, ser a R. condenada a pagar à A. a quantia peticionada de (...), acrescida de juros vincendos, bem como custas e o mais legal. (...)».
Sendo que, no último artigo da petição inicial (artigo 69), a pretensão relativa ao pagamento de juros, foi assim enunciada:
«A esta quantia deverão acrescer juros, à respectiva taxa legal, desde a data da citação até à data do integral pagamento.».
Afigura-se que o segmento decisório do acórdão dado à execução se encontra em conformidade com o teor literal do pedido («condeno a Ré Petrogal a pagar à Autora a quantia de 150.000,00 €, acrescida de juros, calculados à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento»). E, uma vez que se verifica que em momento algum a petição inicial se refere à natureza (comercial ou civil) da obrigação da ré Petrogal, tampouco a utilização, no artigo 69.º da p.i., da expressão «respectiva taxa legal», permite retirar a ilação de que os juros peticionados o foram à taxa comercial.
Temos, assim, que, no caso dos autos, e diversamente do alegado pela recorrente, a directriz interpretativa assente no princípio do pedido não permite chegar a qualquer conclusão segura."
2. O acórdão optou por seguir a jurisprudência do STJ (também largamente maioritária nas instâncias, segundo se supõe): não se conseguindo retirar do pedido do credor de uma dívida comercial se os juros que pede são civis ou comerciais, deve entender-se que o demandante pede juros civis.
Quanto à opção do STJ, nada há a objectar. Na dúvida, deve seguir-se a jurisprudência consolidada, pois que uma jurisprudência flutuante origina perplexidade entre as partes e não favorece a confiabilidade do sistema processual.
O regime especial prevalece sobre o regime geral, mas a solução da jurisprudência agora em análise também parece esquecer este elementar princípio. Sem excluir que exista em alguma parte do ordenamento jurídico um regime especial cuja aplicação pelos tribunais esteja dependente da vontade das partes, não se vislumbra que exista qualquer base legal para se entender que qualquer regime comercial esteja dependente de uma expressa vontade das partes, em especial no que respeita aos juros devidos no giro comercial. Portanto, não há nenhum motivo para excluir a matéria dos juros comerciais da aplicação oficiosa pelo tribunal da acção.
Em conclusão: é verdadeiramente estranho que se entenda que, na falta de especificação pelo credor comercial de quais são os juros aplicáveis, se possa entender que o tribunal fica desvinculado de aplicar a lei e tenha de aplicar o regime geral dos juros civis em detrimento do regime especial dos juros comerciais.
Esta falta de sintonia entre a solução substantiva e a solução processual contraria tudo o que se diz e ensina sobre a função instrumental do processo civil: essa função proíbe que se construam em processo soluções que contrariam o que vale fora do processo.
12/03/2025
Wolfram Henckel (1925-2024)
05/02/2025
Eficácia do caso julgado formal e confiabilidade do sistema processual
31/01/2025
Breves notas sobre a impugnação de decisões de tribunais arbitrais nos tribunais judiciais
24/01/2025
Condições de recorribilidade das decisões sobre pedidos cumulados
"A) Julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
a) Condeno a 1.ª Ré BB a pagar ao Autor AA a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), correspondente ao valor da franquia;b) Condeno a 2.ª Ré EMP01... COMPANY SE, SUCURSAL EM ..., a pagar ao Autor AA a quantia de € 27.152,50 (vinte e sete mil, cento e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos em consequência da actuação ilícita da 1.ª Ré ao abrigo do contrato de mandato celebrado entre esta e aquele, acrescida de juros de mora à taxa legal contados da data da citação até efectivo e integral pagamento;c) Declaro que o Autor AA sofreu danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) em consequência da actuação ilícita da 1.ª Ré ao abrigo do contrato de mandato celebrado entre esta e aquele e, por decorrência, condeno a 2.ª Ré EMP01... COMPANY SE, SUCURSAL EM ... a pagar-lhe os juros de mora à taxa legal calculados sobre essa importância de € 5.000,00 (cinco mil euros), contados da data da presente sentença até efectivo e integral pagamento;d) Absolvo as Rés do demais contra si peticionado pelo Autor;
B) Declaro que não há fundamento para a condenação do Autor e das Rés por litigância de má fé."
A decisão que consta da al. c) da letra A ("Declaro que o Autor AA sofreu danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00 [...] e, por decorrência, condeno a 2.ª Ré [...] a pagar-lhe os juros de mora à taxa legal calculados sobre essa importância de € 5.000,00" [...], contados da data da presente sentença até efectivo e integral pagamento") não é, pelo menos para alguém que está fora do processo, facilmente compreensível. Seja como for, o que se pode dizer quanto ao recurso desta decisão é o mesmo que se vai dizer quanto ao recurso interposto da decisão que consta da al. a) da mesma letra A.
"[...] A 1.ª ré interpôs recurso de apelação da sentença, sem indicar o respectivo valor, constando do respectivo requerimento o seguinte:
“BB, identificada nos autos, não se conformando com a sentença de fls., em que a condenou a pagar ao A. a quantia de 5.000,00 Euros, correspondente ao valor da franquia, e a 2.ª RÉ., ao pagamento das quantias aí mencionadas, em a), b) e c), em consequência da actuação ilícita da 1.ª RÉ., ao abrigo do contrato de mandato celebrado entre esta e aquele, acrescidas de juros, vem da mesma interpor recurso para o Tribunal da Relação [...], o qual é de Apelação, subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.Assim, porque está em tempo e tem legitimidade para tal deve o mesmo ser recebido e processado em seus regulares termos.”
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, em 22.02.2024, foi proferido despacho ao abrigo do disposto no art.º 652, nº 1, al. b), do NCPC, nos seguintes termos:
“Analisados os autos a fim de preparar a elaboração de projecto de acórdão, constatamos que foi fixado à causa o valor de € 72.798,17, por despacho datado de 27.02.2020, que não mereceu qualquer impugnação.Foi proferida sentença a julgar parcialmente procedente a acção e a condenar, para além do mais, a 1.ª ré BB a pagar ao autor a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros).Esta ré veio interpor recurso da sentença, mas não fez qualquer referência no requerimento de interposição de recurso ao valor da sucumbência, para efeitos do disposto no art.º 12.º, n.º 2, do RCP, e apenas comprovou o pagamento de € 102,00 de taxa de justiça.Ou seja, procedeu ao pagamento de um valor inferior ao da taxa de justiça devida pela interposição de recurso, atento o valor fixado à causa. [...]
Isto posto, necessário é concluir que a 1.ª ré não pagou a taxa de justiça devida pelo recurso no momento definido, pois o pagamento de um valor inferior ao devido equivale à falta de comprovação do pagamento, conforme determina o n.º 2 do art.º 145.º do NCPC.E, assim sendo, previamente à admissão do recurso, deveria ter sido cumprido – ou sido ordenado o cumprimento – do disposto previsto no supra citado art.º 641º, n.º 1, do NCPC, o que manifestamente não foi feito.De todo o modo, tendo em consideração que a decisão que admitiu o recurso não nos vincula (cfr. art.º 641.º, n.º 5, do NCPC), impõe-se, pois, ordenar agora, nesta sede e antes de mais, que a secretaria notifique a 1.ª ré para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não superior a 1 Uc nem superior a 5 Uc.Pelo exposto, e ao abrigo das normas citadas e do disposto no art.º 652º, nº 1, als. b) e d), do NCPC, ordena-se a notificação da aludida recorrente (1.ª ré) nos termos e para os efeitos previstos no art.º 642.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal.Notifique.”
Regularmente notificada, veio a 1.ª ré/recorrente reclamar do aludido despacho, requerendo a reforma do mesmo, a decidir em conferência [...].
"Como já delimitamos, a única questão que importa agora conhecer é a de saber se o disposto no art.º 642.º, n.º 1, do NCPC foi devidamente aplicado no caso, averiguando previamente das consequências da falta de indicação do valor do recurso pela ré/recorrente BB.A reclamante, embora reconhecendo que, aquando da interposição do recurso e da apresentação das alegações, não procedeu à indicação do valor da sucumbência, defende não só que o podia fazer posteriormente, mas também que deveria ter sido notificada para tal.
Mais defende que o valor da sucumbência a ter em consideração é o valor de € 5.000,00, tendo liquidado correctamente a taxa de justiça devida pela interposição do recurso, ou caso assim não se entenda, dever-se-á ter em consideração para tal efeito o valor de € 32.152,50, indicado pela co-ré no respectivo recurso. [...]Ora, no caso, a recorrente, ora reclamante, no requerimento de interposição de recurso exarou que pretendia interpor recurso da sentença que julgou parcialmente procedente a acção e condenou as rés em determinadas quantias, pugnando pela absolvição das rés das quantias em quem foram condenadas.Daqui decorre evidente que, se por um lado, a recorrente não pretende impugnar a sentença apenas relativamente à parte em que foi condenada na quantia de € 5.000,00, por outro, esta tomada de posição será suficiente para delimitar o valor da sucumbência -- e, portanto, do recurso -- no valor global das quantias em que as rés foram condenadas, ou seja, no montante de € 32.152,50, como a própria reclamante acaba por admitir (cfr. artigos 6.º, 7.º e 12.º da reclamação em apreço).Com efeito, como vimos, a mesma não se limitou a pedir a revogação da sentença na parte em que a condenou, tendo pugnado pela revogação integral da sentença e pedido a absolvição de ambas as rés (diga-se, aliás, que a ré/reclamante tem evidente interesse em pugnar pela absolvição da ré seguradora, visto que a condenação desta tem como fundamento a conduta ilícita daquela).E, assim sendo, forçoso é assentar, como se fez no despacho ora em crise, que a recorrente em causa liquidou a taxa de justiça devida pela interposição do recurso em montante inferior ao devido, sendo aplicável ao caso o disposto no art.º 642.º, n.º 1, do NCPC, conforme também ali determinado e pelas razões aí expressas que nos escusamos de repetir.Todavia, à luz dos princípios da proporcionalidade e da justiça processual e material, considera-se ajustado que, no caso, seja tomado em consideração não o valor da acção, mas apenas o valor de € 32.152,50, para efeitos de fixação do valor do recurso, a que corresponde a taxa de justiça de apenas € 306,00.Destarte e sem necessidade de outros considerandos, procede a reclamação, mas tão só nesta medida e, em consequência, determina-se que se proceda a nova liquidação da taxa de justiça e consequente emissão de guia, atendendo ao referido valor do recurso, no montante de € 32.152,50."
3. Salvo o devido respeito, o acórdão da Relação não prima pela felicidade.
A parte recorrente (1.ª Ré) foi condenada a pagar € 5.000, mas a Relação acabou por atribuir ao recurso por ela interposto o valor de € 32.152,50. Importa perceber como se chegou a esta conclusão.
4. A justificação adiantada pela Relação para que o recurso de uma parte que foi condenada a pagar € 5.000 tenha afinal o valor de € 32.152,50 foi a de que "a recorrente não pretende impugnar a sentença apenas relativamente à parte em que foi condenada na quantia de € 5.000,00", ou seja, também pretende impugnar as condenações da 2.ª Ré.
Diferentemente do que parece entender a Relação, a possibilidade de um recorrente impugnar condenações de outras partes não é nada evidente. Bem muito pelo contrário, dado que a parte tem legitimidade para recorrer de uma decisão que lhe é desfavorável (art. 631.º, n.º 1, CPC), mas só em certas situações tem legitimidade para impugnar decisões desfavoráveis a outras partes (art. 631.º, n.º 2, CPC).
Nos casos de cumulação de pedidos (conjugada, ou não, com a coligação), o que é correcto é que a recorribilidade seja apreciada separadamente para cada um dos pedidos formulados e decididos pelo tribunal a quo. Pode recorrer-se de todas as decisões, mas também se pode recorrer apenas de uma ou de algumas delas. Sendo assim, não é aceitável que a apelação interposta pela 1.ª Ré tenha um valor global resultante da soma das condenações pronunciadas pelo tribunal de 1.ª instância.
-- A condenação da 1.ª Ré em € 5.000 não admite recurso, dado que não se cumpre o disposto no art. 629.º, n.º 1, CPC (recordando-se que o valor da alçada dos tribunais de 1.ª instância é precisamente de € 5.000: art. 44.º, n.º 1, LOSJ));
-- O mesmo há que concluir quanto ao recurso da (algo enigmática) decisão que consta da al. c) da letra A, dado que o montante que pode ser considerado desfavorável à 2.ª Ré não excede os € 5.000 (como é claro, a condenação em juros nunca releva para a aferição da recorribilidade da decisão);
-- A única decisão que era recorrível era aquela que condenou a 2.ª Ré a pagar ao Autor a quantia de € 27.152,50.
20/01/2025
A taxa de justiça atinente ao recurso relativo a uma ação apensada nos termos do artigo 267.º, n.º 1, do CPC
03/12/2024
A prática do acto preclude a sua repetição durante a pendência do prazo?
3. Para além da situação anterior, há que considerar uma outra: a parte praticou o acto, mas o mesmo não produziu efeitos (acto constitutivo) ou não pôde ser deferido pelo tribunal (acto postulativo) por padecer de uma irregularidade ou da falta de um pressuposto subjectivo ou objectivo. Nesta hipótese, a pergunta é a mesma que acima se colocou: depois de sanar a irregularidade ou a falta do pressuposto do acto, a parte pode voltar a praticar o acto dentro do prazo de que ainda dispõe?
Para uma situação distinta impõe-se uma resposta também distinta. Nesta última circunstância, nada impede que a parte repita o acto. No fundo, o que prevalece é a faculdade de a parte sanar a irregularidade ou a falta do pressuposto sobre a preclusão da repetição do acto. Se a parte tem prazo para a prática do acto, nada pode impedir que a parte o repita depois de sanar o vício de que o mesmo padecia. Por exemplo: (i) suponha-se que, na audiência final, a parte não apresenta o articulado superveniente de forma oral (art. 589.º, n.º 2, CPC); enquanto a audiência final não estiver encerrada, a parte pode apresentar, de novo, esse articulado respeitando o disposto neste preceito; (ii) admita-se que a parte requereu a prova por declarações (art. 466.º, n.º 1, CPC), embora sem indicar os factos sobre os quais a prova vai incidir (art. 466.º, n.º 2, e 452.º, n.º 2, CPC); enquanto a parte dispuser de prazo para o fazer (art. 466.º, n.º 1, CPC), a parte pode requerer, de novo, a prova por declarações.
30/10/2024
A proteção jurídica entre o deferimento tácito e o indeferimento expresso
[Para aceder ao texto clicar em Salvador da Costa]
23/10/2024
Afinal, havia dois bons caminhos para chegar a uma boa decisão (2)
MTS
21/10/2024
Afinal, havia dois bons caminhos para chegar a uma boa decisão
I - As partes podem confessar factos ou confessar o pedido, dispondo do direito, mas não podem confessar ou acordar a conclusão jurídica que está em discussão na acção.II - Numa acção de responsabilidade civil as partes não podem acordar que a ré é responsável pelos danos que se vierem a provar e a acção prosseguir apenas para julgamento dos danos.III - Se da fundamentação de facto da sentença não constam os factos atinentes aos restantes pressupostos da responsabilidade civil, a sentença deve ser anulada para ampliação da matéria de facto aos factos atinentes a esses pressupostos.
"O presente recurso evidencia uma situação insólita que, com todo o devido respeito, não podia ocorrer.A sentença recorrida, com efeito, não possui a fundamentação de facto necessária ao preenchimento dos pressupostos do instituto da responsabilidade civil que constitui o fundamento do pedido de indemnização. Não se alcança como foi possível proferir-se uma sentença a condenar a ré a pagar à autora uma indemnização com fundamento no artigo 483.º do Código Civil quando não existe na sentença absolutamente nenhum facto que permita o preenchimento dos requisitos do aludido instituto, com excepção apenas do requisito do dano.É certo que na acta da audiência consta o seguinte: «foi acordado pelas partes, através dos seus ilustres mandatários presentes, de que a ré assume a obrigação de indemnização à autora por pelos danos a apurar e a liquidar na presente audiência que apresentem em nexo de casualidade adequada com o acidente em discussão nos autos».Todavia, ao assinalarem isto os mandatários lavraram num manifesto erro, indevidamente tolerado pelo tribunal.A lei permite às partes confessar factos (artigos 352.º e seguintes do Código Civil) ou confessar pedidos (artigo 283.º do Código de Processo Civil).Também é possível o reconhecimento de qualidades jurídicas, mas isso apenas quando essas qualidades jurídicas não são precisamente o objecto do processo, nem são determinantes para a solução do caso.O réu pode assim confessar factos ou confessar o pedido, dispondo do direito, mas não pode confessar a conclusão jurídica que está em discussão na acção.Numa acção de responsabilidade civil, por exemplo, pode admitir-se que o réu reconheça que o autor é proprietário da coisa danificada, mas já não que o réu reconheça que a responsabilidade pelos danos provocados é sua. A responsabilidade pelos danos resultará sempre da aplicação do direito aos factos, o que é tarefa do tribunal.Com efeito, desde que na sequência da instauração da acção e na falta de transacção das partes sobre o respectivo objecto, a decisão do conflito esteja confiada ao tribunal, como nessa tarefa o tribunal é livre (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), o tribunal não pode ser forçado pelas partes a tirar a conclusão jurídica que corresponde à interpretação de qualquer das partes ou de ambas. [...].Não se compreende igualmente que na sequência daquela declaração feita para a acta o Mmo. Juiz a quo tenha, no relatório da sentença, escrito que «a assunção pela ré da obrigação de indemnizar a autora pelos danos decorrentes do acidente, cuja determinação será objecto de julgamento constitui uma confissão parcial do pedido. Considerando a disponibilidade do objecto e a qualidade da declarante, homologo a confissão parcial formulada em audiência, nos termos dos arts. 290.º, n.ºs 1 e 3, e 283.º, do CPC.» [...]Nesse sentido, jamais o Mmo. Juiz podia fazer o que fez, ou seja, decidir que «não se pronunciar(ia) sobre a factualidade respeitante ao acidente e respectivo juízo de culpa e ainda a atinente ao contrato de seguro, limitando-se a apurar os danos decorrentes e respectivo nexo de causalidade com o acidente.»Qual a consequência deste erro técnico-jurídico para efeitos do processo?A consequência é a de que a sentença recorrida não possui a fundamentação de facto indispensável para permitir a esta Relação conhecer do objecto dos recursos. [...]Quando a fundamentação de facto é insuficiente para a apreciação do mérito da causa em relação a algum dos pedidos, a Relação é obrigada a determinar a ampliação da matéria de facto, nos termos da alínea c) dos n.ºs 2 e 3 do artigo 662.º do Código de Processo Civil. [...]Em suma, impõe-se anular a sentença recorrida para se proceder à indispensável ampliação da matéria de facto, procedendo-se à discussão e julgamento dos factos alegados pelas partes e atinentes aos restantes pressupostos do instituto da responsabilidade pelas consequências do acidente (o facto, a ilicitude, a culpa ou risco e o nexo de causalidade), elaborando-se de seguida sentença de cuja fundamentação."
O acórdão enquadrou a questão no âmbito da confissão de factos (art. 352.º ss. CC; art. 452.º ss. CPC), mas o que estava em causa era uma confissão parcial do pedido (art. 283.º, n.º 1, CPC), como, aliás, se entendeu na 1.ª instância.
"O pedido formulado pela autora não é «que a ré seja condenada a reconhecer que é responsável pelo pagamento de uma indemnização à autora». O pedido é o da «condenação da ré pagar-lhe a indemnização de 54.180,87 €, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, desde a instauração da até pagamento, e a indemnização que vier a ser fixada em decisão ulterior ou em incidente de liquidação».Na declaração dos mandatários registada na acta não há nenhuma confissão deste pedido, ainda que parcial, tanto mais que, inclusivamente, o que resulta dessa declaração é que a obrigação de pagamento da indemnização dependia ainda do que se viesse a provar quanto aos danos; ou seja, nem sequer é uma assunção em definitivo da responsabilidade pelo pagamento de qualquer indemnização."
Salvaguardada toda a consideração, não se pode acompanhar esta argumentação. No processo em análise, ocorreu efectivamente uma confissão parcial do pedido, dado que a Ré confessou ser responsável pelos danos, ficando apenas por quantificar o seu montante. O que daqui resulta é que a confissão não é total, mas apenas parcial.
A seguir-se a orientação da Relação (que parece entender que a confissão parcial do pedido exige a confissão de uma parte quantificada do pedido), também não seria uma confissão parcial do pedido o reconhecimento pelo réu de que, tal como se formula no pedido, tem de entregar a habitação, se essa parte acrescentar que ainda não se completou o prazo para essa entrega. Na orientação da Relação, quem queira confessar que tem de entregar uma coisa tem também de aceitar que a entrega é imediata; se não aceitar a entrega imediata, não há nenhuma confissão do pedido e o dever de entrega tem de ser averiguado na acção pendente.
"O réu pode assim confessar factos ou confessar o pedido, dispondo do direito, mas não pode confessar a conclusão jurídica que está em discussão na acção".
Cabe perguntar: não é a confissão de uma conclusão jurídica o que ocorre em toda e qualquer confissão do pedido? Se o réu confessa o pedido de pagamento de uma dívida, não está a confessar uma "conclusão jurídica"? Pode até afirmar-se que é por aí que passa a diferença entre a confissão de factos e a confissão do pedido: (i) a confissão de factos não é a confissão de uma "conclusão jurídica", pois que o tribunal continua a ter a liberdade de qualificar o facto confessado (art. 5.º, n.º 3, CPC); (ii) a confissão do pedido é necessariamente a confissão de uma "conclusão jurídica" ("o autor é proprietário"; "sou devedor do autor"; "a dívida está paga"); é, aliás, isto que permite que o tribunal se limite a condenar "nos [...] precisos termos" da confissão realizada pelo réu (art. 290.º, n.º 3, CPC).
Do acórdão consta a seguinte afirmação:
"Se quiser assumir a responsabilidade, independentemente da sua culpa ou contra esta, o demandado poderá confessar o pedido ou os factos que o suportam, mas, nesta hipótese, fica sempre sujeito ao que for entendido como resultante da aplicação do direito aos factos confessados (que, independentemente da opinião das partes, podem ser ou não suficientes para alicerçar o juízo de responsabilidade formulado pelo autor)."
"Numa acção de responsabilidade civil, por exemplo, pode admitir-se que o réu reconheça que o autor é proprietário da coisa danificada, mas já não que o réu reconheça que a responsabilidade pelos danos provocados é sua. A responsabilidade pelos danos resultará sempre da aplicação do direito aos factos, o que é tarefa do tribunal".
4. Pode admitir-se que a Relação não se sentisse confortável com o enquadramento do caso sub iudice na confissão parcial do pedido. Havia então um outro enquadramento que a Relação devia ter considerado.
Recorde-se que, segundo se transcreve no acórdão,
«foi acordado pelas partes, através dos seus ilustres mandatários presentes, de [sic] que a ré assume a obrigação de indemnização à autora por pelos danos a apurar e a liquidar na presente audiência que apresentem em nexo de casualidade adequada com o acidente em discussão nos autos».
Não é impossível interpretar esta afirmação como referida a um contrato probatório, em concreto como um contrato probatório sobre o objecto da prova: as partes acordam sobre o que consideram assente e, portanto, não carecido de prova e sobre o que entendem controvertido e, portanto, necessitado de prova. Nada no disposto no art. 345.º CC obsta à validade desse contrato.
A favor da validade deste contrato está certamente a circunstância de nada impedir que as partes tivessem celebrado esse mesmo contrato probatório antes da instauração da acção. Certamente ninguém diria que esse contrato celebrado antes da pendência da causa não seria válido por "o tribunal não pode[r] ser forçado pelas partes a tirar a conclusão jurídica que corresponde à interpretação de qualquer das partes ou de ambas".
Se as partes mantiverem o espírito de colaboração, a situação pode ser "salva" através da confissão pela Ré dos factos respeitantes aos pressupostos da responsabilidade civil, com excepção daqueles que se referem à quantificação dos danos. Em todo o caso, trata-se de um expediente que apenas se torna necessário, porque a Relação esteve longe de ser feliz na decisão que proferiu.
Convém ainda referir que o recurso principal da Ré e o recurso subordinado da Autora se referem exclusivamente a questões relacionadas com a quantificação dos danos. O acórdão da Relação conclui pela anulação do julgamento da matéria de facto realizado em 1.ª instância, algo que não é referido em nenhum dos recursos interpostos por ambas as partes. Isto significa que as partes foram verdadeiramente surpreendidas (e talvez não só em termos jurídicos) com uma decisão com que não podiam contar. Como não consta do acórdão que as partes tenham sido previamente ouvidas sobre a referida nulidade, o acórdão da Relação constitui uma decisão-surpresa e, consequentemente, é nulo por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), e 666.º, n.º 1, CPC).
MTS
02/10/2024
Acção popular e "processo estrutural"
1. Foi recentemente divulgado o acórdão do STJ de 19/9/2024 (28650/23.0T8LSB.S1), cujo sumário é o seguinte:
I - O pedido de condenação do Estado Português a adoptar as medidas necessárias e suficientes para assegurar, em relação aos valores de 2005, uma redução até 2030 de, pelo menos, 55% da emissão de gases de efeito de estufa (não considerando o uso do solo e florestas), as quais devem ser especificadas e calendarizadas no prazo de três meses a contar da data em que a sentença produza efeitos, é um pedido genérico, mas não ininteligível.
II – Recai sobre as autoras o ónus de o concretizar, visto que este pedido não se ajusta a nenhum dos casos em que é permitido formular pedidos genéricos (alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 556.º do CPC) e não é sobre o demandado que impende tal ónus.
"O problema estrutural se define pela existência de um estado de desconformidade estruturada – uma situação de ilicitude contínua e permanente ou uma situação de desconformidade, ainda que não propriamente ilícita, no sentido de ser uma situação que não corresponde ao estado de coisas considerado ideal. Como quer que seja, o problema estrutural se configura a partir de um estado de coisas que necessita de reorganização (ou de reestruturação)" (Didier Jr., F./Zanetti Jr., H./Alexandria de Oliveira, R., Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro, RMPRJ 75 (2020), 104).
Nesta base, sobre o "processo estrutural" é afirmado o seguinte:
"O processo estrutural se caracteriza por: (i) pautar-se na discussão sobre um problema estrutural, um estado de coisas ilícito, um estado de desconformidade, ou qualquer outro nome que se queira utilizar para designar uma situação de desconformidade estruturada; (ii) buscar uma transição desse estado de desconformidade para um estado ideal de coisas (uma reestruturação, pois), removendo a situação de desconformidade, mediante decisão de implementação escalonada; (iii) desenvolver-se num procedimento bifásico, que inclua o reconhecimento e a definição do problema estrutural e estabeleça o programa ou projeto de reestruturação que será seguido; (iv) desenvolver-se num procedimento marcado por sua flexibilidade intrínseca, com a possibilidade de adoção de formas atípicas de intervenção de terceiros e de medidas executivas, de alteração do objeto litigioso, de utilização de mecanismos de cooperação judiciária; (v) e, pela consensualidade, que abranja inclusive a adaptação do processo (art. 190, CPC)" (Didier Jr., F./Zanetti Jr., H./Alexandria de Oliveira, R., RMPRJ 75 (2020), 107 s.).
b) O interesse da doutrina brasileira pela matéria relativa aos processos estruturais não é de admirar. No fundo, trata-se de uma evolução lógica a partir da tutela colectiva, um instituto que a doutrina brasileira muito estudou e fez avançar. Depois da tutela colectiva, os processos estruturais poderão vir a ser a segunda contribuição brasileira significativa para a evolução, a nível mundial, do processo civil.
Como acima se disse, não cabe agora averiguar as possibilidades de êxito da acção popular pendente. Importa referir, no entanto, que, numa época em que se tem assistido a um claro abuso no recurso à acção popular, a acção agora pendente, qualquer que venha a ser a decisão sobre o seu mérito, volta a dignificar o instituto.
4. A temática dos processos estruturais no âmbito do processo civil não é nova na bibliografia disponível em Portugal. Pedindo-se antecipadamente desculpa por qualquer falha, divulga-se a seguinte bibliografia:
-- Costa e Silva, P., Perturbação dos contratos e processo estrutural, Ius Dictum 01 (2020), 5
-- Fernandez, E., Teoria das Decisões Estruturantes: Primeira Aproximação, Ius Dictum 06 (2022), 33-- Fernandez, E., A segunda aproximação aos processos estruturais – Fundamentos iniciais para um contencioso de políticas públicas, Ius Dictum 09 (2023), 33-- Vitorelli, E., A resolução estrutural de litígios: uma nova fase do processo civil coletivo brasileiro, Ius Dictum 09 (2023), 27
MTS
27/09/2024
"As outras nulidades da sentença cível" -- resposta a uma crítica
2. Vou começar por uma memória pessoal. Eu não tive nenhuma intervenção na Reforma de 1995/1996, mas participei em várias sessões de divulgação da Reforma por esse país fora. Numa delas, fui mesmo apelidado de "eminência parda da Reforma" (coisas como esta nunca se esquecem!).
Porque o vício respeita à decisão, o problema a enfrentar era a taxatividade do disposto no (então) art. 668.º CPC/61. A solução foi a de qualificar a decisão-surpresa como uma decisão nula por excesso de pronúncia (art. 668.º, n.º 1, al. d), CPC/61), dado que nenhuma outra das nulidades (nominadas) da sentença parecia aplicável. O modo de impugnação da decisão-surpresa (recurso ou reclamação) era então determinado pelo disposto no art. 668.º, n.º 4, CPC/61.
-- O vício de que padece a decisão-surpresa é um vício próprio desta decisão: "Não existe nenhuma irregularidade processual prévia à prolação da decisão-surpresa" (2.-2.1.); "Inexiste omissão de contraditório prévio à decisão; o que existe é uma decisão sem o contraditório prévio devido" (2.-2.1.; também 2-2.3.1.); foi sempre a posição que se defendeu no Blog;
-- "No processo civil, não existem «irregularidades retroativas», designadamente omissões retroativas" (2.-2.1.); também se defendeu a mesma orientação no Blog.
-- Uma coisa é o tribunal decidir que a questão já se encontra suficientemente discutida entre as partes e dispensar qualquer outro contraditório; neste caso, sucedem duas coisas: há um (eventual) error in iudicando e não há qualquer decisão-surpresa;
-- Outra coisa é o tribunal não se pronunciar sobre o exercício do contraditório e decidir a questão (processual ou material): neste caso, também sucedem duas coisas, mas totalmente diferentes: há um error in procedendo e há uma decisão-surpresa.
O caminho trilhado pelos Autores fica assim claro, mas, com toda a consideração, levanta muitas dificuldades:
-- A decisão-surpresa é uma decisão que padece de um "erro na decisão de decidir", que os Autores identificam com um error in iudicando;
-- Quando se pensava que o problema estava resolvido, eis que se descobre que, afinal, a decisão-surpresa é uma decisão nula porque preenche uma das previsões da regra constante do art. 195.º, n.º 1, CPC.
Os Autores justificam esta combinação referindo que, "[e]m suma, a decisão-surpresa encontra-se viciada por um error in procedendo e compreende um error in judicando" (2.-2.3.1.). Salvo o devido respeito, trata-se de uma afirmação que em nada clarifica a análise do problema, dado que o error in procedendo e o error in iudicando não podem incidir sobre o mesmo vício, sob pena de, para além do mais, se retirar qualquer espaço para a generalidade das nulidades da sentença referidas nos art. 615.º, n.º 1, 666.º, n.º 1, e 685.º CPC.
b) A indecisão sobre a qualificação da decisão-surpresa pelos Autores torna-se patente quando os mesmos tratam da forma de impugnação dessa decisão:
-- "A prevalência da apelação como meio impugnatório [...] explica que a decisão-surpresa não caia inevitavelmente nas malhas do regime de arguição previsto no art. 195.º e seguintes, quando o recurso é admissível. Desta decisão cabe recurso (normal) por error in judicando no julgamento pressuponente (a decisão de decidir)" (2.- 2.3.2.; também 4.-2.1.);-- "Não sendo a decisão recorrível, por a causa o não admitir, cessa o concurso aparente de meios de impugnação, sendo aplicável sem dificuldade o regime da nulidade (art. 195.º e segs.), podendo a parte prejudicada dela reclamar para o juiz do processo (art. 197.º)" (2.-2.3.2.; também 4.-2.2.).
Salvo o devido respeito, o vício de que padece a decisão -- error in iudicando ou nulidade processual -- não pode ser distinto em função do respectivo meio de impugnação. O correcto é precisamente o contrário: o meio de impugnação da decisão-surpresa é definido em função do vício de que a mesma padece. Assim, se a decisão-surpresa é nula porque preenche o estabelecido no art. 195.º, n.º 1, CPC, tem de se ser coerente e extrair todas as consequências (também ao nível do modo de impugnação) que decorrem dessa qualificação.
c) Apenas um apontamento suplementar. Como bem acentuam os Autores, eu não entendo que toda a decisão proferida sem a audição prévia das partes é uma decisão-surpresa. Se (num exemplo meramente académico), o juiz decide a reconvenção deduzida pelo réu antes de o autor poder ter apresentado a sua réplica, essa sentença é efectivamente nula nos termos do art. 195.º, n.º 1, CPC, dado que é proferida num momento da tramitação em que tal não é permitido. Em contrapartida, a posição dos Autores conduz a identificar, ao nível do enquadramento jurídico, uma decisão que é proferida quando a lei não o permite com uma decisão que é proferida no momento legalmente estabelecido, mas que, atendendo à falta de audição prévia das partes, conhece de matéria de que não podia conhecer.
A verdade é que a melhor solução é aquela que não confunde um problema relativo à decisão como trâmite (nulidade processual) com um problema respeitante à decisão como acto (nulidade da decisão). Aliás, só esta distinção permite autonomizar as nulidades da sentença das nulidades processuais, o que também impede que, ao contrário do que é defendido pelos Autores, se possa entender que o que não "cabe" nas nulidades da sentença enunciadas nos art. 615.º, n.º 1, 666.º, n.º 1, e 685.º CPC possa "caber" nas nulidades processuais inominadas reguladas no art. 195.º, n.º 1, CPC. As nulidades processuais não constituem o género do qual as nulidades da sentença são uma espécie, pelo que não se pode transitar entre umas e outras.
6. O artigo em análise constitui o estudo mais completo e mais profundo sobre a problemática das decisões-surpresa realizada pela doutrina (ou pela "jurisprudência"?) portuguesa.
Em suma: em comparação com a orientação que venho defendendo, aquela que é preconizada pelos Autores do artigo tem uma muito discutível fundamentação teórica e acaba por fornecer uma solução que, em termos práticos, em nada difere daquela venho propondo.
MTS