"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



31/07/2018

Jurisprudência estrangeira (31)


Decreto ingiuntivo; 
falta de oposição; valor executivo


1. Cass.(IT) 18/7/2018 (19113 = Studio Cataldi) refere o seguinte: 

Il decreto ingiuntivo non opposto è assimilabile ad una sentenza di condanna passata in giudicato. Il giudicato sostanziale conseguente alla mancata opposizione di un decreto ingiuntivo copre non soltanto l'esistenza del credito azionato, del rapporto di cui esso è oggetto e del titolo su cui il credito ed il rapporto stessi si fondano, ma anche l'inesistenza di fatti impeditivi, estintivi e modificativi del rapporto e del credito precedenti al ricorso per ingiunzione e non dedotti con l'opposizione (Cass. 11 maggio 2010, n. 11360; 24 marzo 2006, n. 6628).

2. Como se sabe, depois de o art. 814.º, n.º 2, CPC/1961 e de o actual art. 857.º, n.º 1, CPC terem sido declarados inconstitucionais (por último, TC 12/5/2015 (264/2015)), em Portugal não é assim. Cabe perguntar se há justificação para esta divergência perante a jurisprudência italiana.

MTS

Papers (371)

 
-- Garcimartin, Francisco, Cross-Border Restructuring Proceedings in the EU: The Insolvency Regulation and the Future Directive on Restructuring Proceedings (SSRN 06. 2018)
 
-- Steinberg, Jessica, A Theory of Civil Problem-Solving Courts (SSRN 07.2018)

30/07/2018

Informação (231)


Regime de férias

A partir de hoje e até Setembro o Blog entra no regime de férias. Isto implica uma diminuição dos posts publicados, mas, ainda assim, procurar-se-á divulgar, com a rapidez possível, o que seja relevante.

MTS


27/07/2018

Bibliografia (702)


-- Dietmar Czernich / Astrid Deixler-Hübner / Martin Schauer, Handbuch Schiedsrecht (Manz: Wien 2018)

-- Société de Législation Comparée (Ed.), L'application du droit étranger (Paris 2018)


Paper (370)

 
-- Pinheiro Neto, P. B., Execução, cooperação e jurisprudência: o que dizem os tribunais sobre o modelo processual cooperativo na execução civil? (via academia.edu)



Jurisprudência 2018 (63)


Contrato promessa; eficácia real;
oponibilidade; penhora

1. O sumário de STJ 9/1/2018 (5619/08.9TBMTS-B.P1) é o seguinte: 

O promitente-comprador em contrato promessa de compra e venda dotado de eficácia real, que viu registada penhora depois do registo daquele contrato promessa, não está impedido de outorgar o contrato definitivo com o promitente-vendedor referente à compra e venda prometida, depois de realizada a penhora do bem, mas antes da sua venda no processo executivo, não tendo necessariamente e sempre que exercer o seu direito no âmbito da execução promovida pelo credor do promitente vendedor. 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"7. [...] Podemos antecipar já que nos parece ter sido correcta a decisão tomada pelo Tribunal da Relação, o que justificaremos de seguida.

Vem questionado no recurso se seria admissível efectuar a alienação do imóvel penhorado fora do processo executivo e do âmbito do art.º 901.º CPC (art.º 831.º actual).

A resposta é positiva. Nada obsta a que o verdadeiro proprietário de um imóvel disponha do seu bem, porque não existe uma norma legal que determine a sua intransmissibilidade ou qualquer limitação à mesma: assim, o bem podia ser alienado por acto de vontade do seu titular.

Mas pode este acto de alienação prejudicar uma acção executiva pendente em que o bem havia sido penhorado? Pode a alienação do bem obstar à sua execução? A lei permite a saída deste bem do património do devedor sem que ocorra a sua substituição por outro (valor), tudo em prejuízo do credor?

Em regra a resposta a estas questões é negativa. Admitir tais soluções seria comprometer a garantia patrimonial com que os credores contam ao conceder crédito. Essa garantia é formada pelo património do devedor – todo o património, se se tratar de dívida não especialmente garantida, ou certos bens, se se tratar de uma garantia especial de tipo real. No património do devedor incluem-se assim bens em relação aos quais o devedor se comprometeu já - através de contrato-promessa – a alienar, mas cuja alienação ainda não foi concretizada na data em que o credor executa o património.

Parece ser esta a situação dos autos: o promitente vendedor figurava no registo predial como proprietário do imóvel sobre o qual vem a incidir uma penhora.

De acordo com o disposto no art.º 755.º, n.º 1 do CPC, a penhora de imóveis realiza-se por comunicação electrónica do agente de execução ao serviço de registo competente, a qual vale como pedido de registo, ou com a apresentação naquele serviço de declaração por ele subscrita, seguindo-se a inscrição da penhora, com a subsequente elaboração do auto de penhora (n.º 3). Com a apresentação do pedido de registo fixa-se a data da inscrição registal.

No caso dos autos, conforme vem provado, pode confirmar-se que a penhora precedeu o registo da transmissão da titularidade do imóvel efectuada por via da celebração do contrato de alienação do imóvel entre embargante e executado [...].

Porém, a situação dos autos oferece uma particularidade, face à situação jurídica até aqui descrita, por estarmos perante uma promessa de alienação dotada de eficácia real, eficácia que decorre do registo (ainda que pressuponha outros requisitos).

O registo da eficácia real da promessa de alienação sobre o imóvel penhorado, que data de 2007, foi realizado para conferir à obrigação de contratar a eficácia própria dos direitos reais, dita oponibilidade erga omnes, ou, se se preferir, a criar um direito real de aquisição em benefício do promitente comprador (consoante a posição a que se adira, no sentido de aqui ver um direito obrigacional reforçado ou um direito real).

Trata-se assim de um registo que conferindo publicidade à promessa realizada dá a conhecer a eventuais interessados a posição jurídica reforçada do promitente adquirente, em termos de lhe estar assegurada uma forte tutela da aquisição do direito de propriedade sobre o bem.

Ao ser colocada a questão levantada neste recurso (já indicada) está a perguntar-se se tal tutela pode ser levada ao extremo de a considerar equivalente à inscrição de facto aquisitivo do direito de propriedade, embora reportada à data do registo da eficácia real da promessa (e não já à data da aquisição da propriedade).

Qualificando-se a promessa com eficácia real como um direito real de aquisição, sabendo que a mesma está inscrita no registo – e consequentemente publicitada – não poderá deixar de se retirar destes dois elementos a necessária consequência: este direito, que é oponível erga omnes, tem de ter um conteúdo útil, o que terá motivado o legislador a conferir lhe tão grande protecção. Esse conteúdo consiste em o seu titular poder “perseguir” o bem a que se reporta a promessa – em linha com a característica da inerência e sequela própria dos direitos reais –, mesmo que ele já não se encontre na esfera jurídica do “devedor da promessa”, perseguição essa em que a prevalência do direito do promissário o é em termos de um direito pleno sobre o referido bem (uma vez que se acordou a transmissão da propriedade do bem livre de ónus ou encargos, que tal acordo se encontra registado através da promessa de alienação com eficácia real, os actos do promitente alienante que pudesse pôr em causa a concretização da referida promessa não podem colocar em causa o direito do promissário). Esse conteúdo consiste em o seu titular poder “perseguir” o bem onde quer que ele esteja, mesmo que a sua titularidade tenha, entretanto, sido transmitida para terceiro ou objecto de oneração, voluntária ou forçada. Por maioria de razão, esse conteúdo há-de consistir em o seu titular poder “perseguir” o bem invocando o direito de o adquirir livre de ónus ou encargos contra um credor do proprietário/promitente vendedor que reclama direitos de crédito e goza de alguma garantia sobre o bem, desde que este direito tenha sido constituído em data posterior à data da promessa com eficácia real registada.

Na verdade, na hipótese de uma oneração em virtude de acto de terceiro, como sucede com a penhora posterior à promessa, não se pode verdadeiramente considerar que o credor fica prejudicado por ter um direito real de garantia que cede perante um direito real de aquisição. Porque o direito real de aquisição se encontra registado, ele está publicitado de forma a que um credor diligente não pudesse conceder crédito esperando que na falta do seu cumprimento pontual tal bem pudesse ser chamado a responder pela dívida.

Com o registo da eficácia real, apesar de não ter havido transmissão do direito, a situação é tratada como praticamente equivalente à da transmissão do bem. [...]

Assim, o promissário goza de um direito real de aquisição e o exequente tem um direito real de garantia – senão pela sua natureza, pelo menos por força do seu regime, uma vez que a lei atribui ao beneficiário da penhora o direito de se fazer pagar pelo valor do bem penhorado com preferência em relação aos credores comuns.

Ambos os direitos estão registados. O primeiro foi registado em 2007, provisoriamente, e depois foi convertido em definitivo. O segundo tem o seu registo em data posterior - 2011/02/21.

Com este quadro-base a solução terá de advir das regras do registo e da natureza dos direitos envolvidos.

Em termos de regime registal, parece-nos importante chamar aqui a atenção para a regra da prioridade do registo que se encontra definida no art.º 6.º do CRP, com o seguinte teor:

“1 - O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes.

2 - [Revogado].

3 - O registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório.

4 - Em caso de recusa, o registo feito na sequência de recurso julgado procedente conserva a prioridade correspondente à apresentação do ato recusado.”

Do artigo citado resulta claramente uma ideia de definição de prioridades de registo, em função das datas dos factos levados a registo e em face dos direitos que resultarem desses factos.

O registo de uma promessa de aquisição com eficácia real confere prioridade sobre uma penhora do bem porque se reporta ao mesmo objecto em termos de incompatibilidade estando protegido pela prioridade registal. No confronto dos dois direitos, o direito real de garantia vai ceder perante o direito real de aquisição – assim o determina o regime de prioridade do registo, uma vez que os dois direitos, no caso concreto, são incompatíveis (a plena propriedade e a penhora não podem coexistir na plenitude dos seus efeitos, já que a penhora pressupõe o direito a ver-se pago através do produto da venda/ alienação do bem sobre o qual incide, e o direito de propriedade pleno não pode ser exercido se o bem estiver sujeito a tal “vinculação”).

8. A situação indicada pode oferecer algumas dúvidas em termos de saber se é esta a melhor solução jurídica, do ponto de vista do direito constituído e do direito constituendo.

Expliquemos o ponto.

Nos termos do art.º 2º, nº1, al. f) do CRP é facto sujeito a registo a promessa de alienação ou oneração se lhe tiver sido atribuída eficácia real – o que confirma que a promessa de alienação descrita nos pontos da matéria de facto 1 a 3 estava dentro do conjunto dos factos registáveis. Na inscrição da promessa de alienação deve ser indicado o prazo da validade da sua eficácia, segundo a regra do art.º 95.º do Código do Registo Predial (alínea d) “Na de promessa de alienação ou de oneração de bens, o prazo da promessa, se estiver fixado”). A importância da indicação deste prazo prende-se com o prazo de validade do facto registrado: a lei parece ter compreendido que o direito real de aquisição não deve ser um direito com oponibilidade eterna. Dentro desta lógica, decorrido este prazo o registo caducaria – art.º 11º, n.º 1, devendo essa caducidade ser anotada ao registo, logo que verificada (n.º 4). Caducando o direito real de aquisição, cessariam os seus efeitos em termos de prevalência sobre outros direitos incompatíveis.

Este seria o sistema ideal, tal como resulta das regras de interpretação do texto legal (art.º 9.º CC).

Porém a lei parece não ter conseguido regulamentar a solução na sua plenitude, deixando-a incompleta, por duas razões:

i) Ao indicar como elemento a inscrever no registo o “prazo da promessa, se estiver fixado” deixa margem para que a promessa possa ser realizada sem prazo, caso em que o registo manteria a sua eficácia em conformidade.

ii) Por outro lado, quando o legislador indica que se deve inscrever no registo o “prazo da promessa” também esta referência tem de ser interpretada. A que prazo se reporta o legislador? O prazo para o cumprimento voluntário do contrato-promessa? O prazo para exigir o cumprimento forçado, através da execução específica?

Esta questão foi colocada nos presentes autos: tendo sido invocada a caducidade do registo, o tribunal veio a decidir que o mesmo não havia caducado. Sinteticamente: o tribunal (1ª instancia) analisou a questão e considerou que não havia caducidade porque essa teria de se reportar ao contrato-promessa…e no contrato dos autos só se diz que a promessa seria cumprida no prazo de 3 anos…logo daqui não se inferiria que o contrato fosse um contrato com prazo…até porque a execução específica seria um instrumento a usar apenas depois desse prazo. Em apoio da sua posição invocou jurisprudência deste Supremo Tribunal.

Como esta decisão não vem impugnada no recurso, este tribunal não pode agora sobre ela pronunciar-se em termos de modificar o decidido sem violar o “caso julgado” formado por essa decisão. Por esse motivo, não pode agora contestar-se a validade do registo da promessa com eficácia real, nem o prazo da sua vigência.

Se o registo é válido e eficaz tem de produzir os efeitos para os quais a lei o pensou e regulou: o de ser um registo que goza de oponibilidade, quer contra os actos do promitente vendedor que o violem, quer contra os “ataques” que possam advir de credores. O que significa dizer que o direito em causa prevalece sobre a penhora.

9. Em termos doutrinais a solução acima referida não merece grandes dúvidas nem a Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, pp. 389 e 373, nem a Rui Pinto in A acção executiva depois da reforma, JVS, Lisboa, 2004, conforme citações detalhadas constantes dos autos.

Esta é também a posição que colheu apoio em Antunes Varela e Jorge de Sousa, ao considerarem que o registo da eficácia real confere uma protecção equivalente a uma aquisição em que tudo se passa como se a alienação prometida houvesse sido realizado na data em que a promessa foi registada”.

No mesmo sentido Mónica Jardim ao afirmar: “Após o registo definitivo do contrato promessa (dotado de eficácia real) o direito de crédito do promitente adquirente prevalece em face dos actos dispositivos conflituantes que não beneficiem de prioridade registal, quer assentem ou não num acto de vontade do titular registal (ou de um seu subadquirente) e, ainda, quer tenham ocorrido antes ou depois do registo definitivo do contrato promessa dotado de eficácia real”.

10. Dizem, no entanto, os recorridos que a doutrina portuguesa (alguma da citada) não trata do problema dos autos. Vejamos.

Começando por Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, pp. 389 e 373, basta consultar a obra para verificar que o autor nem sequer aborda a questão da possibilidade ou não do promitente-comprador, em contrato promessa de compra e venda dotado de eficácia real, que viu registada penhora depois do registo daquele contrato promessa, outorgar escritura pública com o promitente vendedor referente à compra e venda prometida e deduzir embargos de terceiro; o mesmo vale para Rui Pinto, in A acção executiva depois da reforma, JVS, Lisboa, 2004, quando este Autor se refere a que a expressão «quem queira exercer o direito de execução específica» utilizada no art.º 903º deve ser entendida também como «quem possa exercer o direito de execução específica», concluindo que «assim não pode ser feita a venda direta a quem tenha renunciado expressamente a esse direito, nem se houver convenção em contrário».

Tem razão o recorrido.

A única hipótese considerada pelo 1.º autor é a do promitente-comprador, em contrato promessa de compra e venda dotado de eficácia real que viu registada penhora depois do registo daquele contrato promessa, não tendo sido outorgado ainda, à data da venda executiva, a escritura pública com o promitente vendedor referente à compra e venda prometida, nem tendo sido deduzidos embargos de terceiro. O Autor refere que, nesta hipótese, o promissário tem a faculdade de adquirir o imóvel através da venda direta. Não diz que está vedado aos intervenientes no contrato promessa cumprir o contrato antes de na execução se chegar à fase da venda!

Ou seja, os autores não chegam a pronunciar-se sobre a questão suscitada pelo recorrente: a de saber se o promitente comprador pode celebrar o contrato definitivo com o promitente vendedor depois de realizada a penhora do bem, mas antes da sua venda no processo executivo.

Quando a doutrina analisa a promessa com eficácia real no âmbito da acção executiva fá-lo quase exclusivamente na perspectiva de conferir protecção ao promitente comprador, no âmbito do regime constante do art.º 903.º CPC, norma que nos indica quem pode participar na venda directa. A norma está pensada para abranger a perspetiva da legitimidade para solicitar a venda, por não ter ocorrido renúncia ou convenção contrária.

Outros autores tratam ainda de problema diferente do suscitado nos autos: o de saber em que casos é possível usar embargos de terceiro contra a execução – assim Marco Gonçalves, in Embargos de terceiro na ação executiva, Universidade do Minho, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 204 e ss.

Na mais das vezes os autores e a jurisprudência apenas tratam da questão de saber se o promitente comprador pode exigir a concretização do negócio prometido, mesmo contra a vontade do promitente-vendedor, para responderem afirmativamente, na hipótese de o contrato ter eficácia real e estar registado. Tal cumprimento forçado sobrepor-se-ia mesmo a actos de disposição do direito ou onerações posteriores ao registo feitas pelo seu titular, como por exemplo uma venda ou a constituição de hipoteca.

Em síntese, não se conseguiu identificar nenhum autor que expressamente aborde a questão suscitada pelos recorrentes. Fica a dúvida de saber porquê? Será porque os autores nunca pensaram sobre a questão? Ou, ao invés, tendo pensado consideraram que a mesma não tinha sentido dentro do espírito e princípios do sistema jurídico? Não se sabe.

De qualquer forma pensamos que deve ser dada aqui indicação das coordenadas gerais do sistema jurídico contratual, que certamente são importantes no esclarecimento da dúvida em análise. [...]

12. De qualquer forma, não se pode ficar indiferente à argumentação do recorrente sobre a possibilidade de o entendimento sufragado pelo Tribunal da Relação do Porto abrir as portas a um regime de intangibilidade dos bens do promitente vendedor, permitindo a este, em conluio com um alegado promitente-comprador, dispor de um meio eficaz de subtrair os seus bens à execução, pois sabemos que o legislador não aceitaria tal resultado em circunstância alguma.

Se a penhora incide sobre um bem imóvel, está registada, mas sobre esse mesmo bem existe um direito real de aquisição, também registado, e porque na generalidade dos casos a promessa é onerosa, o legislador procurou um equilíbrio entre os dois direitos em causa. Fê-lo, nomeadamente, através da regulação do processo executivo ao tratar da venda – 901.º CPC (actual 831.º). O que resulta desta norma é precisamente a justa ponderação dos interesses indicados: o do credor exequente em ver satisfeita uma dívida com um valor monetário; o do beneficiário da promessa, com o direito de pedir ao tribunal que se substitua na emissão da declaração de venda pelo promitente alienante. A intervenção do tribunal assegurará o correcto exercício do direito de cada um dos referidos sujeitos, controlando os termos em que cada um pode vir a beneficiar pelo aproveitamento do bem concreto envolvido na execução e na promessa. O tribunal assegurará que, se o preço da aquisição não se encontrar já pago, o seu pagamento seja feito à ordem do tribunal, “substituindo” esse valor monetário o bem concreto que deixará de estar afecto à execução. A regularidade desta “substituição” patrimonial assegurará que o credor beneficiário da penhora sobre o bem “vendido” passará a ter o seu direito assegurado pela contrapartida da saída patrimonial agora sob controlo do tribunal. Naturalmente que se o promitente alienante, que havia celebrado contrato com eficácia real em favor do promitente comprador, estando já instaurada a execução e tendo sido nomeado o mesmo bem à penhora, o vem a alienar ao promitente comprador por acto voluntário, não há forma de controlar a “substituição patrimonial” que normalmente está associada à contratação. Mas também não se pode afirmar que a concretização do negócio definitivo foi efectuada com intuito de defraudar o exequente-credor. Há uma causa legítima para a celebração do contrato-definitivo e ela reside no compromisso assumido no contrato-promessa que cria a obrigação de celebrar o contrato prometido.

Deve essa impossibilidade reflectir-se sobre os credores do promitente-vendedor que, tendo nomeado o concreto bem à penhora, vêm a sua garantia patrimonial desaparecer?

O que seria justo era dizer que o promitente-comprador pode celebrar o contrato definitivo com o vendedor e ter assegurada a transmissão da propriedade do bem, mas a contrapartida dessa transmissão não poderia ser paga ao vendedor, porquanto esse pagamento conduziria a uma via fácil de impedir a cobrança do crédito dos credores que tiverem promovido a execução ou reclamado créditos nela. Tanto faria que o contrato fosse cumprido dentro ou fora da execução, para o credor o que relevaria seria a possibilidade de ter um “objecto” sobre o qual fazer incidir a sua penhora – fosse ele o imóvel penhorado ou o valor obtido com a sua venda extra-judicial. Não obstante se considerar que esta seria a solução mais justa, não se pode decidir com base nesse critério se não existir um apoio legal mínimo.

A nosso ver a principal norma jurídica onde a situação se pode enquadrar é o art.º 819.º do CC, ao tratar da inoponibilidade, em relação à execução, de actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados – ou seja, consagrando uma solução em que o titular do bem penhorado o pode alienar, onerar ou arrendar, mas sem que estes actos possam ser opostos à execução (e ao tribunal), tudo fazendo para salvaguardar a autonomia privada do executado, sem limitar as garantias dos credores que recorrem aos meios judiciais para cobrar os seus créditos.

Inoponibilidade - que não invalidade ou ineficácia - porquanto a penhora pode cessar a qualquer momento e o acto inoponível passará a produzir todos os seus efeitos.

Inoponibilidade porquanto apenas se pretende que um acto que possa ser prejudicial aos interesses presentes na execução fique paralisado na relação com o prejudicado.

Inoponibilidade que pode, na conjugação com o art.º 822.º, n.º 1, permitir a satisfação do interesse de vários sujeitos, com posições jurídicas que poderiam parecer incompatíveis, mas se vêm a revelar possíveis de tutela conjunta.

Naturalmente que o art.º 819.º também diz que essa inoponibilidade ocorre “sem prejuízo das regras de registo”, o que nos deve levar a indagar o que quis o legislador dizer com esta restrição.

Lido o preceito pode deduzir-se que os actos de disposição, oneração ou arrendamento que são oponíveis à penhora são os que tiverem registo anterior, pois só eles ficam ressalvados da inoponibilidade.

Conforme nos indica o artigo 819.º são actos de disposição, oneração ou arrendamento, aos quais pensamos ser correcto equiparar as promessas de actos (de disposição ou oneração) quando dotadas de eficácia real e com registo anterior, pois essas promessas podem vir a “transformar-se” em actos de disposição – seja através da celebração do contrato definitivo, seja através da execução específica do contrato promessa (mesmo contra a vontade do promitente alienante).

Daqui resulta que tais promessas são oponíveis à execução, não entrando no âmbito de aplicação do art.º 819.º CC, do que se conclui que o negócio de transmissão da propriedade do bem objecto da promessa de alienação com eficácia real é válido e oponível ao credor exequente e à execução.

13. Em abono da posição acolhida pelo tribunal recorrido, aqui em análise, vem referido o acórdão do TRL, de 22/09/2016, proferido no âmbito do Proc. 26980/15.3T8LSB.L1.-2, disponível in www.dgsi.pt, onde se lê:

«quando o promitente-comprador, pese embora a penhora registada (…) se consiga entender com o promitente vendedor para outorgarem conjuntamente em escritura de compra e venda do imóvel – como sucedeu nos autos – não restará outra alternativa que não a de levantar a penhora e ordenar o cancelamento do respetivo registo (…) sem que se possa objetar, no referente à penhora (…) com a disciplina constante do art. 819º CC, pois que a mesma, se bem que refira serem «inoponíveis em relação à execução os atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados», se inicia com a expressão «sem prejuízo das regras do registo». Ora, estas regras, na situação de prévio registo do contrato promessa com eficácia real, só podem significar que o direito do promitente comprador é oponível á penhora, tudo se passando, no que se refere à prevalência em relação a terceiros, como se a compra e venda prometida tivesse sido efetuada na data em que a promessa foi registada».

Trata-se de acórdão similar ao recorrido, em que se alude ao regime da prioridade registal e se analisam e rebatem os argumentos do recorrente, em termos quase iguais aos do acórdão recorrido (que parece ter sido por aquele bastante influenciado).

É, em consequência, um argumento adicional em favor da tese aqui defendida da prevalência do direito real de aquisição e da possibilidade de os outorgantes da promessa poderem dar-lhe cumprimento fora da execução.

14. Para melhor justificar este ponto, vejamos ainda o que dispõe o art.º 901º do CPC, (actual 831.º).

Trata-se de disposição pensada para regular o modo de “transformação” do bem penhorado em dinheiro, para com o produto dessa “transformação” pagar ao credor exequente (e eventualmente a outros reclamantes que mereçam protecção legal neste processo).

É uma norma pensada para o concreto problema de saber a quem deve ser atribuído o bem. Porque se insere na disposição sobre a venda directa, está implícita a realização de um acto oneroso, em que aquele a quem vai ser atribuído o bem tem de desembolsar um certo valor para poder ser tutelado. Compreende-se que assim seja.

O que não se compreende é que se diga que a venda só poderia ser feita através deste mecanismo na acção executiva. A lei não restringiu os poderes de disposição do alienante, como se viu, porque não lhe é aplicável sequer a restrição do art.º 819.º do CC. Se o alienante conserva a plenitude desse poder de disposição na sua relação com o promissário, deve poder cumprir o contrato fora do mecanismo judicial.

15. Mas pode este cumprimento voluntário ser uma forma de ludibriar os direitos dos credores do alienante?

Abstractamente falando, existe esse risco. Há sempre uma margem de utilização dos mecanismos legais para obtenção de efeitos não pretendidos pelo legislador. Por isso a lei contém meios de tutela contra a fraude e até contra actos de dissipação patrimonial intencionais com o intuito de lesar os credores. Esses mecanismos – abstractamente falando – podem ser convocados para as situações concretas. Mas para que o sejam os interessados têm de lançar mãos dos mecanismos jurídicos próprios colocados à sua disposição – v. g. a impugnação pauliana – não ficando excluída a possibilidade de o credor nomear à penhora a contrapartida do negócio de venda do imóvel objecto da promessa dotada de eficácia real. Incumbe ao credor encontrar, no universo do ordenamento jurídico, os mecanismos que sejam mais adequados e/ou convenientes para a tutela da sua pretensão, se entender que a situação concreta em que se viu colocado enferma de alguma ilegalidade ou fraude.

No caso dos autos, não pode este Supremo Tribunal verificar se foi adoptado algum comportamento fraudulento por parte do recorrido. O STJ é um tribunal de aplicação do direito aos factos provados e uma instância de recurso, que apenas conhece das questões jurídicas que lhe foram colocadas pelos interessados.

Não há elementos no processo que permitam conhecer de possível fraude, ou abuso de direito. Os factos demonstrados (conforme transcrição supra) não apontam também nesse sentido.

Por isso, mesmo sendo o abuso de direito um instituto de conhecimento oficioso, não cremos que possa ser aplicado ao caso dos autos.

Atentas as razões apresentadas, está justificada a decisão do Tribunal da Relação, que se considera não ter violado os art.ºs 9.º, 601.º, 817.º e 819.º do Código Civil (CC), nem os artigos 831.º e 735.º do Código de Processo Civil (CC), não merecendo censura."


[MTS]

26/07/2018

Jurisprudência 2018 (62)


Processo executivo; liquidação;
cálculo aritmético


1. O sumário de RL 27/2/2018 (17684/16.0T8LSB.L1-7) é o seguinte:

I – A liquidação do montante condenatório quando do que se trata, essencialmente, é destrinçar a parte do capital de cada uma das prestações relativamente à parte de juros incorporada; multiplicá-lo pelas que são devidas (da 7ª à 72ª); sobre este montante fazem incidir os juros de mora à taxa contratual acordada; seguidamente, cumpre diminuir-lhe a verba de € 6.429,61, depende de simples cálculo aritmético.

II – Basicamente, tudo isto não passa de um mero conjunto de operações matemáticas, que não exige, nem comporta, a discussão de qualquer outro tipo de matérias, não havendo cabimento para nenhum acto prévio de escolha, determinação ou concertação da prestação devida ou para o apuramento de qualquer factualidade não discriminada na sentença proferida na acção declarativa respectiva.

III – Importa, ainda, não confundir a eventual incorrecta liquidação a que o exequente terá procedido (e sobre a qual a executada exercerá o competente contraditório), da natureza da prestação que foi objecto da sentença condenatória e que, tal como se encontra definida e expressa no aresto em causa, depende efectivamente de simples cálculo aritmético.

IV – Assim sendo, tal liquidação deverá ser feita no presente requerimento executivo, prosseguindo a execução os seus normais trâmites, em conformidade com o regime que resulta, conjugadamente, do disposto nos artigos 704º, nº 6 e 716º, nº 1, 4 e 5, do Código de Processo Civil.
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

A condenação da Ré teve lugar nos seguintes termos:

“…condeno a Ré Dália Maria Nascimento Brito Gonçalves a pagar ao A. o montante correspondente às prestações 7.ª a 72.ª, compostas por capital fraccionado, juros de mora à taxa contratual acordada e respectivo imposto de selo, desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento, reduzido a tal valor o de €6.429,61.”.

Ora, não se nos afigura que possa subsistir qualquer tipo de dúvida séria de que a liquidação do montante condenatório em apreço é apurável através de simples cálculo aritmético.

Ou seja, através da análise dos elementos constantes dos autos e mais propriamente da sentença exequenda, e respeitando os limites objectivos da condenação judicial proferida, haverá apenas que destrinçar a parte do capital de cada uma das prestações relativamente à parte de juros incorporada; multiplicá-lo pelas que são devidas (da 7ª à 72ª); sobre este montante fazem incidir os juros de mora à taxa contratual acordada; seguidamente, cumpre diminuir-lhe a verba de € 6.429,61.

Basicamente, tudo isto não passa de um mero conjunto de operações matemáticas, que não exige, nem comporta, a discussão de qualquer outro tipo de matérias, não havendo cabimento para nenhum acto prévio de escolha, determinação ou concertação da prestação devida ou para o apuramento de qualquer factualidade não discriminada na sentença proferida na acção declarativa respectiva.

Cumpre, a este propósito, salientar que não nos encontramos aqui perante a necessidade de tornar líquidos pedidos genéricos, referentes a uma universalidade de facto ou de direito ou às consequências de um facto ilícito, tal como prevenido no artigo 358º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Nenhum dos acórdãos referenciados nos autos, quer pelo juiz a quo, quer pela apelante – acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Dezembro de 2015 (relator Jorge Loureiro) e acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de Março de 2013 (relatora Rita Romeira), ambos publicados in www.dgsi.pt - versa sobre situações minimamente comparáveis à presente, nada relevando para a ponderação a realizar no âmbito do conhecimento do mérito da causa.

Importa, ainda, não confundir a eventual incorrecta liquidação a que o exequente terá procedido (e sobre a qual a executada exercerá o competente contraditório), da natureza da prestação que foi objecto da sentença condenatória e que, tal como se encontra definida e expressa no aresto em causa, depende efectivamente de simples cálculo aritmético."
 
[MTS]
 

25/07/2018

Jurisprudência (847)


Presunções judiciais; venda executiva;
invalidade; terceiros subadquirentes


1. O sumário de STJ 20/12/2017 (3018/14.2TBVFX.L1.S1) é o seguinte: 

I. No domínio do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, segundo o n.º 3 do artigo 674.º do CPC, a revista só pode ter por fundamento “a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova.”

II. No que respeita às presunções judiciais, segundo entendimento corrente, o STJ, como tribunal de revista, “só pode sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofende qualquer norma legal, se padece de evidente ilogicidade ou se parte de factos não provados.”

III. Assim, não cabe ao tribunal de revista proceder a uma análise cirúrgica dos elementos de prova indiciários em que o tribunal
a quo baseou o seu juízo presuntivo nem muito menos indagar de pontuais incongruências entre esses elementos ou sopesar as respetivas coerências; como também não lhe cabe ajuizar sobre os elementos indiciários respeitantes à credibilidades dos depoimentos tidos em conta para efeitos da convicção do julgador. Uma tal atividade traduzir-se-ia em valoração da prova livre, que lhe está vedada.

IV. Compete ao tribunal de revista simplesmente verificar se os juízos probatórios presuntivos em causa se revelam desprovidos de factos indiciários de base ou se as ilações deles extraídas padecem de manifesta ilogicidade, com ofensa do disposto no artigo 349.º do CC. Ou então se tais presunções se inscrevem no domínio de uma factualidade para a qual não seja admitida essa espécie de prova, nos termos genericamente prescritos no artigo 351.º do mesmo Código, ou ainda se os factos dados como judicialmente presumidos colidem com factos dotados de eficácia probatória legal plena.

V. O procedimento para obter a restituição dos bens decorrente da ineficácia da venda executiva, nos termos dos artigos 909.º, n.º 1, alínea c), e n.º 3, correspondente ao atual art.º 839.º do CPC, encontra-se configurado no quadro da relação processual entre as partes na ação executiva e o comprador que interveio na venda entretanto anulada, o qual fica vinculado à respetiva decisão anulatória.

VI. Tal procedimento reveste natureza executiva, devendo ser deduzido contra o comprador na própria execução, tendo como condição o prévio embolso do preço e das despesas de compra àquele comprador.

VII. Já a pretensão de restituição dos bens contra terceiro adquirente sucessivo, em relação à venda executiva, deverá ser deduzida por via de ação declarativa própria, de modo a estender o efeito anulatório da venda executiva àquele terceiro que não interveio na execução para, nessa base, obter a sua condenação na restituição do bem, não se afigurando que o exíguo prazo de caducidade estabelecido no indicado artigo 909.º, n.º 3, do CPC se coadune com as garantias inerentes à propositura dessa ação.

VIII. Além disso, nos casos em que, como o dos autos, no momento da decisão anulatória definitiva da venda executiva, o comprador já tenha alienado a terceiro os bens que lhe foram vendidos, este comprador nem sequer se encontrará em condições de proceder à restituição desses bens, não se sendo lícito que as partes com direito àquela restituição, por motivo que lhes não é imputável, fiquem limitadas ao direito ao preço e obrigadas, desse modo, à convalidação da venda, nos termos do art.º 909.º, n.º 3, do CPC.

IX. No âmbito de uma ação em que o vendedor pretenda obter contra terceiro adquirente a declaração de nulidade ou a anulação de um contrato de compra e venda de bens imóveis celebrado com quem depois os vendeu a esse terceiro, incumbe a este provar a sua boa fé na respetiva aquisição sucessiva, nos termos e para os efeitos do artigo 291.º, n.º 1 e 3, do CC.
 
X. Não tendo o terceiro adquirente sequer provado a sua boa fé, torna-se desnecessário apreciar a verificação dos demais requisitos previstos nos n.º 1 e 2 do referido art.º 291.º
 


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Os R.R. deduziram a exceção de caducidade do direito de restituição dos imóveis ajuizados peticionado pelos A.A. a coberto do preceituado no artigo 909.º, n.º 3, com referência à alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo, correspondente ao atual artigo 839.º do CPC.

O acórdão recorrido pronunciou-se sobre essa questão nos seguintes termos:

«Dispunha o art.º 909.º al c) a CPC – nos exactos termos hoje utilizados no art 839º/3 do actual CPC – que sendo anulado o acto da venda, nos termos do art 201º (hoje 195º), «a restituição dos bens tem de ser pedida no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço».

A doutrina mostra-se unânime quanto ao carácter extintivo do direito à restituição do bem cuja venda foi anulada, caso o executado não peça a restituição do bem objecto da venda anulada no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva («sobre o recurso, os embargos ou a anulação», assim se pronuncia Lebre de Feitas, caso em que apenas terá direito ao preço. O não procedimento do executado, na execução, nos termos e prazo referidos, implicará a extinção do direito do mesmo à restituição do bem vendido, e, nessa medida, verificando-se, por hipótese, subsequente interposição de acção de reivindicação pelo mesmo, o comprador – que se ache na posse do bem que lhe foi vendido – poderá impor com êxito ao “
dominus” a excepção peremptória em causa, que implicará a extinção do direito do reivindicante.

Mas esse procedimento, e a analisada consequência em função da sua não adopção pelo executado, vista a respectiva finalidade – necessidade de assegurar a protecção e a estabilidade das vendas em execução, bem como a protecção da confiança, da segurança jurídica e da boa fé dos terceiros adquirentes, nas palavras do Ac STJ 12/4/2012, citado pelos 1º e 2º RR. – só se poderão impor, por definição, quando, antes do decurso daquele brevíssimo prazo de 30 dias, não tenha ocorrido por parte do respectivo comprador – como será normal que não ocorra - negócio deste com terceiro que implique a perda da posse do bem vendido na execução. A preclusão do direito do executado à restituição do bem vendido na execução na base do estabelecimento de um tão curto prazo destinar-se-á, justamente, a evitar situações como a dos autos – em que o comprador do bem na execução proceda a negócios com terceiros que tenham aquele como objecto,
maxime, realizando a respectiva venda - e que obstaculizem a restituição do bem ao executado.

Ora, na situação dos autos o que se verificou foi que, muito antes da primeira sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa da anulação da venda - sentença essa de 6/12/2000, decorrente do pedido de anulação provindo do então Fundo de Turismo feito em 5/7/1996 – e que se veio a verificar não ser, afinal, a decisão definitiva referente a essa anulação, que apenas veio a ser obtida mais de oito anos depois, pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23/4/ 2008, transitada em julgado em 12/5/2008 – já os aqui 1º e 2º RR., compradores dos quatro imóveis na execução fiscal, os haviam vendido aos 3º, 4 º e 5º RR, por escrituras que tiveram lugar em 9/6/1999, mostrando-se essas aquisições então já registadas a seu favor. Acresce que a posse dos quatro prédios em referência já teria, inclusivamente, sido adquirida, pelo menos pelo 5º R., antes da data daquela escritura.

Como é evidente, o procedimento – e a respectiva consequência no caso da sua não adopção – previsto na norma do referido nº 3 do art 909º aCPC, não faziam já qualquer sentido.

Um requerimento dos aqui AA. na execução fiscal após a obtenção da decisão que definitivamente teve como nula a venda dos quatro prédios na execução, apenas embaraçaria - mais ainda - tais autos, não podendo, já, por definição, postular o resultado a que a exigência em causa se destinava, devendo manifestamente ser indeferido e os executados remetidos para uma acção de reivindicação.

Assim, as pertinentes considerações dos RR. a respeito do procedimento em questão previsto nº 3 do art 909º a CPC – de que a sentença de anulação proferida nos casos de nulidade consequente de nulidade processual não faz renascer automaticamente o direito de propriedade na titularidade de quem era proprietário antes da venda, antes se imporá, por parte do executado, que promova a execução do julgado anulatório, pedindo a restituição dos bens nos termos e prazo previsto no art 909º/3 – apenas se justificam se, nos 30 dias pressupostos na norma em causa, os bens vendidos se mantiverem na propriedade (e posse) do comprador dos mesmos na execução.

O que, evidentemente, sucederá em grande parte dos casos em que a decisão de anulação da venda logo transite, mas não em situações com a tortuosidade ocorrida nos presentes.

Assim, nos presentes, a exigência em causa, não podendo desempenhar qualquer utilidade, não faz qualquer sentido, antes emergindo e se impondo a natureza imprescritível do direito de propriedade e da acção de reivindicação.

Por assim ser, improcede a excepção em causa.
»

Todavia, os Recorrentes persistem na tese de que o referido normativo é aplicável também aos 3.º, 4.ª e 5.ª R.R., na qualidade de subadquirentes do comprador na venda executiva.

Não sofre dúvida de que, nos termos do referido artigo 909.º, n.º 3, do CPC, em caso de anulação da venda executiva, designadamente por virtude da anulação do ato da venda nos termos do artigo 201.º do mesmo Código, o direito à restituição dos bens vendidos, por banda das partes na ação executiva, contra o comprador deverá ser exercido no prazo de 30 dias a contar da decisão anulatória definitiva, sob pena de só lhes assistir o direito a receber o respetivo preço, com o que, dessa forma, se convalida aquela venda.

Como é sabido, a brevidade do referido prazo tem em vista assegurar a estabilidade das vendas em execução e assim proteger a confiança e a boa-fé de terceiros.

Resta saber se esse prazo de caducidade aproveita também aos terceiros subadquirentes, que não intervieram na venda executiva.

Tal não resulta expressamente daquele normativo nem se encontra na doutrina e jurisprudência citadas pelos Recorrentes uma referência explícita à situação específica dos subadquirentes.

Com efeito, a generalidade dos Autores [Vide Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987, p. 644.645; Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. IV, Lisboa, 1984, p. 146, notas 1 e 3; Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, LEX, Lisboa, 1998, p. 402; Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Almedina, 2000, pp. 420-422; Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 11.ª Edição, 2009, p. 411; Lebre de Freitas, A Acção Executiva – Depois da reforma da reforma, Coimbra Editora, 5.ª Edição, 2009, pp. 344-345] que aborda o problema da anulação da venda executiva e do exercício do respetivo direito à restituição dos bens nos termos do artigo 909.º, n.º 1, alínea c), e n.º 3, do CPC, refere-se apenas ao exercício desse direito contra o comprador, sem qualquer alusão aos subadquirentes deste.

De igual modo, os acórdãos citados pelos próprios Recorrentes – o acórdão do STJ, de 18/12/2003, proferido no processo n.º 3906/03-6 e o acórdão do STA, de 12/04/2012, proferido no processo n.º 0271/12 – versaram sobre casos que envolveriam a restituição de bens, em virtude da anulação de venda executiva, contra o comprador que interviera nesta ven-da, nos termos do artigo 909.º, n.º 3, do CPC, não se afigurando que o entendimento ali seguido seja transponível, sem mais, para os casos em que a restituição seja deduzida contra os subadquirentes desse comprador.

Ainda a este propósito, Alberto dos Reis [In Processo de Execução, Vol. 2..º, Coimbra Editora, 1982, p. 446], embora com referência à hipótese de anulação da venda executiva com fundamento em falta ou nulidade de citação do executado prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 909.º do CPC de 1939 - em que não se previa então a hipótese de anulação com base em outras nulidades processuais que afetassem o ato da venda, nos termos do artigo 201.º, e que só foi introduzida na Reforma do CPC operada pelo Dec.-Lei n.º 44.129, de 28/12/1961, - considera que:

«Proferida decisão [que declara sem efeito as vendas] (…), é claro que os compradores dos bens ficam obrigados a restituí-los ao executado. (…)

A decisão que declara sem efeito as vendas constitui caso julgado em relação aos compradores, embora estes, tenham sido estranhos aos factos e ao processo de reclamação de que a decisão emana. Os compradores sofrem o efeito reflexo do caso julgado.

E tanto Alberto dos Reis [ Ob. cit. p. 435] como Eurico Lopes Cardoso [In Manual da Acção Executiva, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987, p. 644] referem que o pedido ou requerimento do executado para a restituição de bens e entrega do preço hão-de ser feitos na própria ação executiva.

Destas considerações parece resultar que o procedimento previsto no art.º 909.º, n.º 3, do CPC se encontra configurado no quadro da relação processual entre as partes na ação executiva e o comprador que interveio na venda executiva entretanto anulada, o qual fica vinculado à respetiva decisão anulatória.

Por isso mesmo, o procedimento para obter a restituição dos bens previsto no n.º 3 do indicado art.º 909.º do CPC reveste natureza executiva, devendo ser deduzido contra aquele comprador na própria execução, tendo como condição o prévio embolso do preço e das despesas de compra.

Já a pretensão de restituição dos bens contra o terceiro adquirente sucessivo, em relação à venda executiva anulada, deve ser deduzida por via de ação declarativa própria, de modo a estender o efeito anulatório dessa venda àquele terceiro adquirente que não interveio na execução para, nessa base, obter a sua condenação na restituição do bem, podendo então esse subadquirente prevalecer-se da proteção de terceiros de boa-fé nos termos do artigo 291.º do CC.

Nessa medida, não se afigura que o exíguo prazo de caducidade estabelecido no artigo 909.º, n.º 3, do CPC se coadune com as garantias inerentes à propositura daquela ação.

Acresce que, como se refere no acórdão recorrido, nos casos, como o dos presentes autos, em que, no momento da decisão anulatória definitiva, o comprador já tenha alienado a terceiros os bens que lhe foram vendidos, este comprador nem sequer se encontrava em condições de proceder à restituição dos bens, não se mostrando lícito que as partes com direito àquela restituição, por motivo que lhes não é imputável, fiquem limitadas ao direito ao preço e obrigadas, desse modo, à convalidação da venda."


3. [Comentário] O acórdão resolve bem a questão da posição dos terceiros subadquirentes perante a invalidade (formal) da venda executiva. 

Quanto às presunção judiciais, o acórdão segue a jurisprudência habitual do STJ. Já várias vezes houve a oportunidade de mostrar discordância perante essa jurisprudência: cf. Presunções judiciais e competência (decisória) do STJ, Jurisprudência (506), Jurisprudência (522) e Jurisprudência (618). 

MTS

24/07/2018

Bibliografia (Índices de revistas) (99)


RabelsZ

-- RabelsZ 82 (2018-3)

 

Papers (369)


-- Cavallini, Cesare, On Arbitral Jurisdiction. How to Deal with the Complementarity between Arbitral Tribunals and the Courts (SSRN 06.2018) 

-- Kramer, Xandra E., Strengthening Civil Justice Cooperation: The Quest for Model Rules and Common Minimum Standards of Civil Procedure in Europe (SSRN 05.2018)



Jurisprudência (846)

 
Recorribilidade; valor da causa;
irrelevância

 
1. O sumário de STJ 20/12/2017 (2841/16.8T8LSB.L1.S1) é o seguinte:
 
I – Em matéria de acções que visem a apreciação da legalidade e licitude de despedimentos a lei processual admite sempre recurso de apelação independentemente do valor da causa (cf. art. 79º do CPT). Trata-se de uma medida que, constituindo uma excepção à regra geral que decorre do art. 629º do CPC, visa assegurar o segundo grau de jurisdição atenta a natureza e o objecto de tais acções em que está em causa essencialmente a manutenção ou a extinção da relação jurídico-laboral. Por isso, nessas acções, numa primeira fase, é relativamente indiferente o valor que seja indicado pelas partes ou que seja fixado pelo Juiz, já que seja qual for o teor da decisão proferida a mesma é sempre impugnável para o Tribunal da Relação.

II – Porém, o preceito específico do foro laboral (o citado art. 79º) não afasta a aplicação de outras normas, designadamente as que regulam o modo de interposição dos recursos de revista e revista excepcional, as condições de admissibilidade do recurso e o prazo de interposição para esse efeito, nos termos dos arts. 629º, 671º, nº 3 e 672º, nº 1, todos do CPC.

III – A lei processual civil consagra, quanto à admissibilidade de recurso, um regime que o faz depender,cumulativamente, do valor da causa (alçada) e do valor da sucumbência (da perda, do decaimento relativamente ao(s) pedido(s) formulado(s)), relevando, no entanto, apenas aquele, em caso de fundada dúvida sobre este.

IV – No presente caso a Reclamante/Recorrente invoca a contradição do Acórdão recorrido com outros Acórdãos proferidos pelos Tribunais da Relação do Porto, Coimbra e Guimarães (art. 629º, nº 2, alínea d), do CPC). Sucede que, para além da existência da contradição de Acórdãos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o art. 629º, n.º 2, al. d), exige também que do Acórdão recorrido “… não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal…”. Nessa medida, a previsão do art. 629º, n.º 2, al. d), do CPC, não é aplicável ao caso
sub judice, uma vez que o Acórdão recorrido não é passível de recurso ordinário justamente por causa da alçada do Tribunal e não por qualquer outro motivo legal estranho àquele requisito.

V – O recurso de revista excepcional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista, criado pelo legislador, na reforma operada ao Código de Processo Civil, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seja admissível em face da dupla conformidade de julgados, nos termos do art. 671º, nº 3, do CPC, e desde que se verifique um dos requisitos consagrados no art. 672º, nº 1, do mesmo Código. Por conseguinte, a sua admissibilidade está igualmente dependente da verificação das condições gerais de admissão do recurso de revista, como sejam o valor da causa e o da sucumbência, exigidas nos termos enunciados pelo nº 1, do art. 629º, do CPC.
 
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte: 
 
"3. Nos termos do art. 629.º, n.º 1, do Novo Código de Processo Civil (NCPC), «(…) o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa».

Daqui decorre que a lei processual civil consagra, quanto à admissibilidade de recurso, um regime que o faz depender, cumulativa e simultaneamente, do valor da causa (alçada) e do valor da sucumbência (da perda, do decaimento relativamente ao(s) pedido(s) formulado(s), relevando, no entanto, apenas aquele, em caso de fundada dúvida sobre este. [...]

Atentos os termos em que foi fixado pela 1.ª instância (cf. fls. 418, do 2º Vol.), o valor da causa corresponde, como se disse, a € 2.000,00.

Ou seja, o valor da causa fixado nos presentes autos não é superior ao valor da alçada do Tribunal da Relação.

O que, desde logo, ponderada esta vertente, determina o não recebimento do recurso.

Sendo certo que o valor atendível para quaisquer efeitos não pode deixar de ser aquele que foi fixado por decisão judicial que, nessa parte, transitou em julgado.

Neste contexto, uma vez que o referido valor se integra na alçada da Relação e não existe qualquer norma especial que confira à parte vencida o acesso excepcional ao Supremo Tribunal de Justiça independentemente desse valor da causa, não há forma de ultrapassar aquele obstáculo e admitir o recurso que o A. interpôs e que foi rejeitado com esse fundamento.

4. E o facto de se tratar de um recurso de revista excepcional não altera a conclusão a que se chegou nos pontos anteriores.

Desde logo porque o recurso de revista excepcional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista, criado pelo legislador, na recente reforma ao Código de Processo Civil, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seja admissível por existir uma situação de dupla conformidade de julgados, nos termos dos arts. 671º, nº 3 e 672º, nº 1, ambos do CPC.

Por conseguinte, a sua admissibilidade está dependente, antes de mais, das condições gerais de admissibilidade do recurso de revista, como sejam o valor da causa e o da sucumbência, exigidas, nos termos em que se enunciou, pelo nº 1 do art. 629º do CPC.

Não dispensa, pois, a verificação desses pressupostos gerais de admissão do recurso, para além de que deve inscrever-se num dos requisitos plasmados nas três alíneas do nº 1, do citado art. 672º, cuja apreciação liminar e aferição compete à Formação constituída nos termos instituídos pelo nº 3 da mesma norma do CPC.

Neste sentido se consolidou a Jurisprudência deste Supremo Tribunal, em inúmeros Acórdãos provenientes da Formação estabelecida no nº 3, do art. 672º, do CPC, em matéria cível, que podem ser consultados em www.dgsi.pt.

Da Secção Social do STJ citam-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes Acórdãos: de 18/12/2013, processo nº 108/10.4TTALM.L1.S1; de 14/01/2015, processo nº 479/13.0TTPTM.E1.S1; e de 21/4/2016, Processo nº 332/13. 8TBHRT.L1.S1.

Fixado, in casu, o valor da causa no montante já referido, que é inferior à alçada da Relação, tem de se concluir igualmente pela inadmissibilidade do recurso de revista excepcional.

5. Resulta do articulado apresentado pelo Autor Reclamante que este invocou a contradição entre o Acórdão recorrido e outros Acórdãos proferidos por diversas Relações, nos termos por nós aduzido no ponto 4. do Relatório deste Acórdão, argumentando que o recurso devia ser admitido nos termos da alínea d), do nº 2, do art. 629.º, do NCPC, porquanto considera que tendo alegado contradição entre Acórdãos são dispensáveis os requisitos quer do valor da causa, quer o valor da sucumbência, não relevando ambos para efeitos de admissibilidade do recurso.

Porém, não lhe assiste razão.

Com efeito, a previsão do art. 629º, n.º 2, al. d), do Novo Código de Processo Civil, não tem aplicação ao caso sub judice e, nessa medida, o recurso não pode ser admitido em virtude de o valor da causa não exceder o valor da alçada do Tribunal da Relação.

Explicitando.

6. Conforme já assinalámos, o valor da presente causa não é superior ao da alçada do Tribunal da Relação, pelo que o recurso só poderia ser admissível caso se verificasse alguma das situações a que alude o art. 629º, n.º 2, do NCPC, uma vez que se tem por adquirido que o caso dos autos não integra nenhuma das situações previstas no n.º 3 do mesmo normativo.

Ora, o art. 629.º, n.º 2, estabelece o seguinte:

«2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: [...]

d) Do Acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência com ele conforme. [...]

No caso em apreço, a Recorrente invoca a contradição do Acórdão recorrido com outros Acórdãos, nomeadamente, com os proferidos pelos Tribunais da Relação do Porto, de Coimbra e de Guimarães.

Sucede que, para além da existência da contradição de Acórdãos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o art. 629º, n.º 2, al. d), exige também que do Acórdão recorrido “… não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal…”.

Ora, in casu, não cabe recurso ordinário do Acórdão recorrido justamente porque o valor da acção não excede o valor da alçada do Tribunal da Relação.

O mesmo é dizer que a previsão do art. 629º, n.º 2, al. d), do Novo Código de Processo Civil, não é aplicável ao caso concreto, uma vez que o Acórdão recorrido não é passível de recurso ordinário justamente por causa da alçada do Tribunal e não por qualquer outro motivo legal estranho àquele requisito.

7. Este normativo gerou algumas dificuldades de interpretação, ab initio, aquando da aprovação do Novo Código de Processo Civil, não obstante alguns Autores terem alertado, desde a sua publicação, para o facto de que a interpretação da norma não prescindia do valor da alçada do Tribunal.

E inclusivamente não se confunde com o art. 672º, nº 1, alínea c), do CPC, que permite a interposição do recurso de revista excepcional, desde que, naturalmente estejam preenchidos os respectivos pressupostos legais, e um dos quais constitui exactamente esse: a causa deve ter valor superior ao da alçada da Relação.

A este propósito, pode ler-se, em António Abrantes Geraldes, a seguinte explicitação sobre o sentido da norma em análise [Cf. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Ano 2017, Almedina, 4ª Edição, págs. 56 e segts. [...]]:

“Ao invés do que faria supor a integração da alínea no proémio do nº 2, a admissibilidade do recurso, por esta via especial, não prescinde da verificação dos pressupostos gerais da recorribilidade em função do valor da causa ou da sucumbência, pois só assim se compreende o segmento referente ao “motivo estranho à alçada do Tribunal”.

E complementa com uma referência de igual sentido corroborada por Miguel Teixeira de Sousa:
 
"Entendimento também acolhido por Teixeira de Sousa, em comentário ao Ac. do STJ, de 2/06/2015, que pode ser consultado em blogippc.blogspot.pt., datado de 24/06//2015 (reforçado no comentário ao Ac. do STJ, de 16/06/2015, datado de 15/07/2015), onde se refere, além do mais, que “o regime instituído no art. 629º, nº 2, al. d), não se basta com uma mera contradição entre acórdãos das Relações, pelo que o preceito só é aplicável nos casos em que, apesar de a revista ser admissível nos termos gerais, se verifica uma irrecorribilidade estabelecida na lei”.

De salientar que este entendimento tem sido sufragado pelo STJ, onde ainda, recentemente, citando-se a doutrina dos referidos Autores [Ibidem, António Santos Abrantes Geraldes, bem como Amâncio Ferreira, em Manual dos Recursos em Processo Civil”, numa Edição de 2002, pág. 104, citados no Acórdão do STJ] se concluiu nos mesmos termos:

“I. A interpretação do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, mais conforme com a razão teleológica que lhe subjaz, com a unidade do sistema recursório de uniformização e como o factor histórico-evolutivo do instituto em referência é no sentido de que a admissibilidade irrestrita de recurso com o fundamento ali previsto se confina aos casos em que o recurso ordinário fosse admissível em função da alçada ou da sucumbência, se não existisse motivo a estas estranho”. [Cf. Acórdão do STJ, da 2ª Secção Cível, datado de 24/11/2016, proferido no âmbito do processo nº 1655/13.TJPRT.P1.S1, Relatado por Tomé Gomes, e disponível em www.dgsi.pt. [...]].

Por conseguinte, o recurso interposto nos autos também não pode ser admitido à luz desta norma.
 
 8. Dir-se-á também, que os argumentos que o Reclamante alinhou nesta reclamação para a Conferência, tendente a inverter a decisão proferida pela ora Relatora, não determinam uma modificação do resultado a que se chegou.

Com efeito, nem a lei ordinária nem a Constituição da República Portuguesa têm interferência decisiva para a decisão do caso, nem permitem que se conclua em sentido contrário ao aqui pugnado, nem a interpretação que se fez das normas citadas colide com qualquer princípio constitucional.

Não se contesta que a lei processual admite sempre o segundo grau de jurisdição, em sede recursória, em acções relacionadas com a apreciação da legalidade e licitude do despedimento individual – cf. art. 79º do CPT.

Mas esse preceito específico do foro laboral não afasta a aplicação de outras normas, designadamente as que regulam o modo de interposição do recurso de revista e revista excepcional, nos termos dos arts. 629º, 671º, nº 3 e 672º, nº 1, todos do CPC, as condições de admissibilidade de recurso e o prazo de interposição para esse efeito.

Daí que, no âmbito laboral, ainda que o valor da causa possa ser fixado a final pelo Juiz, nos termos do art. 98º, nº 2-P, do CPT, se se verificar que o valor foi fixado anteriormente pelo Juiz, aquando da prolação da sentença da 1ª instância, não tendo tal valor sido alterado depois disso, nem suscitada a alteração por nenhuma das partes, não pode o STJ atender, para efeitos de recurso, a outro valor que não àquele que se mostra já definitivamente fixado pelo Juiz da 1ª instância, porque transitado em julgado.

Neste sentido, vide também, o Acórdão do STJ, desta Secção, datado de 29/10/2015, proferido no âmbito do Proc. nº 478/11.7TTVRL.G1-A.S1, Relatado por Mário Belo Morgado e disponível em www.dgsi.pt. [...]."
 
[MTS]