"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



31/05/2019

Informação (253)

Alteração ao CPC



4. Foi aprovado o decreto-lei que procede à alteração do Código de Processo Civil (CPC), no que respeita ao regime de tramitação eletrónica dos processos judiciais. 

O presente diploma visa, desde logo, fazer refletir no CPC o conceito de "digital por definição", ou seja, a ideia de que o processo judicial, a respetiva tramitação e a prática de atos têm natureza eletrónica, ao mesmo tempo que prevê um conjunto de medidas que contribuem para processos mais ágeis, eficientes, céleres, transparentes e próximos do cidadão. 

Entre essas alterações, destaque para medidas Simplex que vão permitir simplificar a comunicação entre os tribunais e entidades públicas, a aplicação do princípio de utilização de linguagem clara nas comunicações dirigidas a cidadãos e empresas, e a possibilidade de os cidadãos entregarem documentos e consultarem processos em qualquer tribunal judicial. As testemunhas passam também a poder ser ouvidas por videoconferência a partir de instalações das autarquias locais, dispensando a deslocação a um tribunal.



Papers (416)


-- Mamo, Andrew, Three Ways of Looking at Dispute Resolution (SSRN 04.2019)



Bibliografia (816)


-- Nieva Fenoll, Jordi / Ferrer Beltrán, Jordi / Giannini, Leandro J., Contra la carga de la prueba (Marcial Pons: Madrid 2019)



Jurisprudência 2018 (223)

 
Citação; nulidade;
acto processual; convolação
 

1. O sumário de RP 18/12/2018 (736/18.0T8PRT-B.P1) é o seguinte:

I - A alegação de que a citação não foi acompanhada de cópia fidedigna e integral do título executivo não é fundamento de embargos de executado, mas antes fundamento de arguição da nulidade da citação.

II - Devendo a nulidade da citação ser arguida no prazo para a dedução dos embargos de executado, estes deverão ser convolados em reclamação da nulidade de citação.

2. Na fundamentação do acórdão (aliás, adequadamente curta) escreveu-se o seguinte:

"Quanto ao indeferimento liminar dos embargos por terem sido deduzidos fora de prazo, defende o recorrente que foi citado no dia 02/02/2018, facto reconhecido pela decisão recorrida. Sendo o prazo para oposição de embargos, nos termos do artigo 728.° do Código de Processo Civil, de 20 dias, o prazo terminou no dia 22/02/2018.

Mas podia ainda apresentar os seus embargos nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, de acordo com o n.° 5 do artigo 139.° do Código Civil, cuja aplicação é extensível ao procedimento em causa.

Facto que ocorreu, porquanto os embargos foram apresentados a 27/02/2018, ficando obrigado ao pagamento da multa prevista na alínea c) do mesmo normativo. E, em caso de não pagamento imediato da multa, ficando sujeito à penalização prevista do n.° 6 do mesmo normativo.

Atentemos.

Nesta parte, de acordo com os dispositivos legais e elementos descritos, tem de conceder-se que o requerimento de embargos deu entrada dentro prazo que a lei prevê a prática do acto com pagamento com multa.

Só que a extemporaneidade foi apenas um fundamento acessório da rejeição dos embargos.

O fundamento primordial foi a falta de fundamento para a dedução de embargos pois o alegado facto de o requerimento executivo não ter sido acompanhado de cópia fidedigna e integral do título executivo, aquando da citação, é antes fundamento de nulidade.

Na verdade, os embargos de executado são liminarmente indeferidos, quando, entre outras causas, o respectivo fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º ex vi artigo 732.º,nº 1 al. b), todos do CPC.

Como se explica no Ac. do STJ, de 12-11-09, em www.dgsi.pt: “a função primacial dos embargos de executado não é a de dirimir um litígio entre as partes em aspectos que possam extravasar o andamento e tramitação da acção executiva, mas apenas, como decorre do seu carácter incidental, resolver uma questão, substantiva ou adjectiva, na estrita medida em que esta se projecte no destino do processo de que os embargos são dependência” Alega ainda o recorrente que a cópia apresentada da livrança não reproduz a totalidade do documento, que se encontra obliterado em cerca de metade do seu conteúdo, designadamente quanto ao valor pelo qual se encontra preenchida e que invocou, como questão prévia, a nulidade da citação, requerendo ser notificado do conteúdo integral da livrança apresentada em juízo pela exequente, nos termos do n.° 3 do artigo 725.° do Código de Processo Civil, correndo aquando dessa notificação novo prazo para deduzir embargos de executado.

Vejamos.

O artigo 726.º,nº 6 do CPC determina que o juiz profere despacho de citação do executado para, no prazo de 20 dias, pagar ou opor-se à execução.

A citação obedece às formalidades previstas no artigo 219º do CPC, estipulando o nº 3 deste normativo que a citação é sempre acompanhada de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto.

E o artigo 191º ex vi artigo 851º do CPC estipula que, sem prejuízo dos casos de falta de citação (artigo 188º), esta é nula quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.

Não existe dúvida que a alegação do recorrente consubstancia não um fundamento de embargos de executado, mas antes a arguição da nulidade da citação.

Cabe ao autor indicar a forma de processo mas se este não escolher a forma adequada, o Juiz pode, agora mesmo oficiosamente, corrigi-la, não se anulando os actos processuais anteriormente praticados que puderem ser aproveitados (artigo 193º n.ºs 1 e 3).

A doutrina e a jurisprudência maioritárias vêm entendendo que a convolação só pode ser admitida se o acto tiver sido praticado dentro do prazo que a parte teria para praticar o acto para o qual ele seria convolado.

Ora, de acordo com o disposto no artigo 191º, nº 2 do CPC o prazo para a arguição da nulidade da citação é o que tiver sido indicado para a contestação.

Já se disse que os embargos (vistos como uma contestação à execução) foram apresentados dentro do prazo atento o disposto no artigo 139º, nº 3 do CPC:” Praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se trate de ato praticado por manda.”

Assim, assiste razão ao recorrente neste aspecto da convolação dos embargos em reclamação para arguição da nulidade da citação.

Pelo exposto, delibera-se julgar procedente a apelação e, em consequência, notificado o recorrente para pagamento da multa a que alude o citado nº 3 do artigo 139º do CPC e paga esta, deverá convolar-se o requerimento de embargos de executado em reclamação de arguição de nulidade da citação."

[MTS]


30/05/2019

Bibliografia (815)


-- Mandrioli, C. / Carrata, A., Corso diritto processuale civile, 16.ª ed. (Giappichelli: Torino 2019)


Revogação pela Relação da sentença recorrida sem custas




[Para aceder ao texto clicar em Salvador da Costa]


 

Jurisprudência 2018 (222)


Título executivo;
sentença condicional*


1. O sumário de RP 18/12/2018 (14097/15.5T8PRT-A.P1) é o seguinte:

I – Toda a execução tem por base um título que define o conteúdo e os limites da obrigação exequenda.

II – Sendo oferecido à execução como título executivo uma sentença condenatória, transitada em julgado, cuja obrigação nela incorporada se revele, por interpretação do título, segundo os cânones interpretativos previstos no art.º 236.º n.º1 do C.P.C., sujeita a posterior confirmação, será em razão do caso julgado formado pela sentença, de admitir ao executado discutir, em sede de embargos de executado, não só o montante, como ainda, a própria existência dessa obrigação.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A questão central reconduz-se [...] a saber se a execução deve ser julgada extinta, nada tendo a exequente/ora apelada a receber do executado/embargante C... ou, a assim não se entender, se, de todo o modo, deve sempre proceder a oposição à penhora, sendo levantada a penhora sobre o saldo bancário de € 5.000,00 (titulado pelo embargante C...) e restringindo-se a penhora ao direito de crédito que o mesmo recebeu na partilha do activo societário da extinta sociedade “F..., Lda.”.

Trata-se, pois, das mesmas questões que já tinham sido suscitadas no âmbito da petição de embargos deduzida pelo executado C..., ora apelante.

Feitas estas referências prévias, importa, pois, analisar a fundamentação da oposição deduzida pelo embargante, começando pelas questões atinentes à inexequibilidade do título, à certeza, liquidez e exigibilidade. [...]


[...] cumpre agora conhecer dos fundamentos da oposição deduzida pelo embargante, não deixando de assinalar que a presente execução se funda em sentença proferida em acção de condenação, qual seja a acção que correu termos entre a ora exequente e os ora executados, estes últimos na qualidade de ex-sócios da sociedade “F...“, sociedade esta que foi dissolvida e liquidada, conforme acta lavrada a 21.01.2011 (vide documento a fls. 11/13 dos autos), facto que foi levado a registo a 09.02.2011 (vide certidão do registo comercial a fls. 62/66 destes autos). [...]
 
[...] em nosso ver, a solução do litígio ter-se-á de colocar sobre outros termos e, em particular, quanto à existência da própria obrigação exequenda incorporada no título, ou seja, se a exequente possui título, entendido este em sentido substantivo, para exigir do executado C... a quantia que do mesmo reclama na presente execução. 

Na verdade, como resulta dos embargos de executado deduzidos e das conclusões do presente recurso, o embargante sustenta que não recebeu quaisquer bens ou valores do património ou activo da sociedade liquidada e extinta e, consequentemente, à luz do próprio título executivo dado à execução (sentença), nada lhe pode ser exigido, sendo certo que a sentença consignou expressamente no seu dispositivo que o montante a pagar à Autora/ora exequente dependeria do que tivesse sido por si auferido na partilha do activo societário.

Dito de outra forma, excepcionalmente, a obrigação exequenda teria que ser definida em momento ulterior e esta só existiria se e na medida do que o réu/ora executado, demandado na sua qualidade de ex-sócio da sociedade liquidada e extinta, tivesse obtido na partilha do activo societário da dita sociedade. [...]

Delimitados [...] à luz da jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal, os termos aplicáveis à interpretação da sentença que ora constitui título executivo, dela resulta, na perspectiva de um declaratário normalmente atento e sagaz, em particular de um declaratário com formação jurídica, em face da sua fundamentação e do próprio segmento dispositivo final, que nela pretendeu o julgador (mal ou bem é questão que extravasa o âmbito do poderes de reapreciação desta instância, atento o caso julgado formado pela sentença) salvaguardar o posterior apuramento dos montantes que os ali RR., enquanto ex-sócios da sociedade “F..., Lda.”, receberam no âmbito da partilha do activo societário desta última.

Com efeito, para além de na fundamentação da sentença proferida na acção declarativa (que por nós foi analisada por consulta aos autos) nenhuma referência ou pronúncia existir quanto à questão dos valores que foram recebidos pelos ex-sócios (ali RR.) na partilha do activo societário (abordando-se apenas a temática dos pressupostos da responsabilidade civil da sociedade extinta e dos danos causados pelos factos ilícitos invocados) – sinal, pois, de que essa matéria não foi dirimida na sentença e, logicamente, não faz parte do respectivo caso julgado da sentença -, certo é, ainda, que, de forma expressa, no dispositivo final se previu que a condenação ali decretada teria como fundamento e medida o valor que os ex-sócios receberam na partilha do activo societário.

De facto, na fundamentação jurídica da dita sentença escreveu-se, a dado passo, já na sua parte final, o seguinte: “Tudo exposto, deverão os RR ser condenados, na qualidade de liquidatários da sociedade F..., Lda.”, até ao montante que receberam na partilha do activo societário (cfr. Art. 162º do Código das Sociedades Comerciais), a pagar à Autora a quantia de € 6.481,66, referente ao IVA cobrado indevidamente, e a quantia de € 2.431,73, referente aos juros remuneratórios do empréstimo contraído, tudo acrescido de juros vencidos e vincendos, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.”

Por conseguinte, como já antes se referiu, a condenação dos RR. nos valores dos danos sofridos pela Autora dependia, segundo o raciocínio expendido pelo julgador tal qual ele resulta da interpretação do acto decisório, dos valores que cada um dos RR., enquanto liquidatários da sociedade em causa, teria recebido na distribuição/partilha do activo societário, sendo certo que, à luz dos elementos disponíveis nos autos de acção declarativa, não existiam (pois não foram alegados) elementos para determinar o valor que cada um dos sócios recebeu desse activo.

Ora, sendo assim, a questão, tal como a mesma resulta do título executivo e dos presentes embargos executado é, ao fim e ao cabo, saber-se se, de facto, o executado C... recebeu na partilha do activo societário algum valor e, em caso afirmativo, qual foi esse valor, sendo certo que, como se expôs, a obrigação exequenda, tal qual como definida pelo título executivo, depende desse elemento (que não foi apurado na acção declarativa).

Vejamos.

Segundo o disposto no artigo 163º, n.º 1, do CSC, “Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.” [...]

O fundamento da solução legalmente consagrada quanto à responsabilidade dos ex-sócios pelos créditos sociais não satisfeitos radica numa ideia de sucessão na titularidade da relação jurídica, embora de âmbito limitado pela extensão do direito de cada sócio relativamente ao antigo património social. [...]

Por isso, das duas, uma: - ou existe activo e ele foi distribuído – quando não o devia ter sido, atento o débito social não satisfeito -, respondendo, em tal circunstancialismo, cada um dos sócios pelo valor que, na partilha do activo, lhe coube; - ou não existe activo e, logicamente, não houve distribuição de quaisquer valores, caso em que o credor social não verá o seu crédito ser satisfeito à custa do património pessoal dos ex-sócios, correndo o risco (que, infelizmente, ocorre com frequência, como bem sabemos) de o devedor (pessoa singular ou a sociedade) não possuir bens ou activo que lhe permitam satisfazer esse crédito.

De facto, como resulta de forma clara do preceituado no citado artigo 163º do CSC, a responsabilidade dos ex-sócios e liquidatários só existe na medida em que da dissolução da sociedade tenha resultado um activo, isto é, um resultado positivo, e que este tenha sido distribuído pelos sócios, com o consequente incremento do seu património pessoal, sendo que a responsabilidade de cada um dos ex-sócios afere-se, precisamente, na estrita medida do incremento que cada um auferiu através da partilha.

Dito de outra forma, talvez mais clara: se na partilha o ex-sócio beneficiou de 500 (em valor ou em bens), a sua responsabilidade perante o credor social será 500, mesmo que a dívida não satisfeita ascenda a 2000; Se o ex-sócio nada recebeu na partilha, por inexistir um saldo positivo a distribuir, nada tem a pagar à custa do seu património pessoal, seja qual for o valor da dívida não satisfeita.

E esta medida da responsabilidade dos ex-sócios é, em nosso ver, perfeitamente certa e justa.

De facto, se a sociedade extinta e liquidada possuía débitos sociais, o correcto (e o justo) é que, primeiro, sejam satisfeitos os credores sociais e que só o eventual remanescente (se existir) seja, depois, distribuído pelos ex-sócios.

Ao invés, se a sociedade extinta e liquidada, não obstante possua débitos sociais, não possui activo que lhe permita responder pelos mesmos, à partida, e salvo outras hipóteses de responsabilidade dos ex-sócios (que não estão aqui em equação), o património pessoal dos sócios não responde por esses débitos, sendo certo que, como é pacífico, regra geral, o património societário não se confunde com o património pessoal dos sócios.

Ora, neste contexto, o que emerge da factualidade provada – e que não foi impugnada – é que, de facto, a nenhum dos sócios (embora nos presentes embargos só releve o executado C...) foi distribuído qualquer activo, no sentido de que nenhum viu o seu património acrescido ou enriquecido à custa do património da sociedade. [...]

Sem que este incremento resulte evidenciado não existe responsabilidade dos ex-sócios, à luz do preceituado no artigo 163º, n.º 1, do CSC.

Ora, sendo assim, à luz da sentença proferida (que se nos impõe em razão do seu trânsito em julgado e da sua consequente definitividade) e que serve de título executivo à presente execução – e que, por isso mesmo, também estabelece os limites e o conteúdo da própria obrigação exequenda – e dos factos provados, a única conclusão que se pode extrair é que, como sustenta o apelante, nada tendo recebido na partilha da extinta sociedade, também nada é devido por si à ora exequente/embargada, com a inevitável procedência dos presentes embargos de executado e consequente extinção da execução e levantamento da penhora efectuada nos autos e sobre os bens do ora embargante C...."


*3. [Comentário]  A RL decidiu bem.

O acórdão demonstra que, ao contrário do que por vezes se afirma, as chamadas sentenças condicionais são perfeitamente admissíveis no processo civil português. 

MTS


29/05/2019

Jurisprudência 2018 (221)


Indeferimento liminar;
recurso; notificação dos réus


1. O sumário de RP 18/12/2018 (2750/16.0T8VNG-A.P1) é o seguinte: 

I - Não tendo o tribunal notificado os requeridos para contestar a petição, que foi aperfeiçoada, em obediência à decisão proferida no recurso interposto da decisão que indeferiu liminarmente a petição inicial, verifica-se uma nulidade equivalente à falta de citação para contestar, por não ter sido observado o princípio do contraditório.

II - A notificação para contestar constitui um acto da competência exclusiva do tribunal, não podendo ser substituído pela notificação entre mandatários.
 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A única questão que cumpre resolver consiste em saber se é legalmente admissível considerar os Requeridos devidamente notificados para contestar, atendendo a que foi apresentado um articulado de aperfeiçoamento, em consequência de uma decisão deste Tribunal da Relação, que revogou a decisão do tribunal a quo de indeferimento liminar do requerimento inicial.

Nos presentes autos, a petição inicial foi indeferida liminarmente.

Nos termos do artigo 590.º, n.º 1 do C.P.Civil, a petição é indeferida, nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente.

O Requerente, inconformado com esta decisão, recorreu, tendo os Requeridos sido citados, para os termos da causa e do recurso, em obediência às disposições conjugadas dos arts. 641.º, n.º 7 e 629.º, n.º 3, al. c) do C.P.Civil.

Sobre esta específica situação de impugnação do despacho de indeferimento liminar da petição inicial, A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora [V. Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 260 e segs.] esclarecem que o demandado, para além de ser citado para a defesa na acção é igualmente citado para os termos do recurso por forma a ser ouvido quanto ao fundamento do recurso.

E, acrescentam que na hipótese de o recurso ter provimento, determinando a decisão final a revogação do despacho de indeferimento liminar, a acção prosseguirá, mandando-se notificar o réu (que já fora citado) para contestar, oferecendo a sua defesa. [V. ob. cit., pág. 262].

Esta solução jurídica foi mantida no artigo 569.º, n.º 1, parte final, do C.P.Civil, ao dispor que no caso de revogação de despacho de indeferimento liminar da petição, o prazo para a contestação inicia-se com a notificação em 1.ª instância daquela decisão.

No caso em apreço, o tribunal não notificou os Requeridos que havia dado cumprimento à determinação do Tribunal da Relação do Porto no sentido de o Requerente ser convidado a aperfeiçoar a petição.

Mas, a omissão relevante, e que verdadeiramente constitui uma nulidade equivalente à falta de citação para contestar, consubstanciou-se na falta de notificação para contestar.

Considera a lei esse acto uma notificação e não citação porquanto já tinha sido dado conhecimento aos Requeridos da propositura da presente acção judicial.

Após a decisão do Tribunal da Relação do Porto que determinou o convite ao aperfeiçoamento da petição, o que foi cumprido pelo Requerente, faltava observar o art. 219.º, n.º 1 do C.P.Civil na parte que impõe chamar ao processo o réu para se defender, e este acto é da competência do tribunal (cfr. art. 220.º, n.º 2 do CPC).

Com efeito, ao ser apresentado novo requerimento aperfeiçoado, o tribunal devia ter notificado os Requeridos para, no prazo legal, contestarem, o que não aconteceu.

Aliás, em conformidade com o artigo 590.º, n.º 5 e artigo 3.º, n.º 1 e 3 do C.P.Civil, os factos objecto de aditamento ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade.

Por outro lado, o regime das notificações entre mandatários, estabelecido no art. 221.º, n.º 1 do C.P.Civil, só se aplica a partir da contestação, competindo sempre ao tribunal citar/notificar o réu para deduzir oposição.

Verificando-se falta de citação/notificação para contestar, o que constitui uma nulidade principal, de conhecimento oficioso, é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial (cfr. arts. 188.º, n.º 1, al. a), 187.º, 196.º e 200.º do C.PC).

Pelas razões aduzidas, e salvo o muito respeito, cremos que os argumentos aduzidos pelo Recorrido já foram esclarecidos, com recurso às normas legais aplicáveis.

Ou seja, os Requeridos foram citados apenas nos termos das disposições conjugadas dos arts. 641.º, n.º 7 e 629.º, n.º 3, al. c) do C.P.Civil, não foram notificados para contestar o articulado aperfeiçoado (tendo a Mma. Juíza declarado que responderam ao convite de aperfeiçoamento) e a notificação entre mandatários só é válida depois da contestação, o que não se verifica.

Não é despiciendo acrescentarmos que o princípio do contraditório é estruturante e basilar do direito processual civil e criminal, e só é plenamente cumprido quando se assegura à parte a possibilidade de se pronunciar, contrariando e discutindo, os factos que a afectem."


[MTS]


28/05/2019

O disposto no artigo 748.º, n.º 1 do nCPC aplica-se à execução na forma sumária do processo comum para pagamento de quantia certa? Claro que sim.



[Para aceder ao texto clicar em J. H. Delgado de Carvalho]



Jurisprudência 2018 (220)


Desistência do pedido;
interpretação; retractação*


1. O sumário de RP 18/12/2018 (1950/16.8T8MAI-A.P1) é o seguinte:
 
I - Não constitui “erro de escrita” rectificável ao abrigo do disposto no art. 146º do C.P.C., a declaração unilateral dos autores em que estes expressamente declaram desistir dos pedidos, vindo posteriormente a dizer que pretendiam desistir da instância, quando no requerimento de desistência identificam expressamente os pedidos de que pretendem desistir e identificam o pedido que mantêm formulado, nada dizendo quanto aos motivos da desistência, que permitissem outra interpretação do declarado.

II - Os princípios da aquisição processual e da estabilidade da instância não obstariam, no caso em que a desistência (do pedido ou da instância) se encontram na livre disponibilidade do autor, que o autor pudesse vir a substituir a primitiva declaração de “desistência do pedido”, por uma declaração posterior de “desistência da instância”, desde que a primeira declaração feita no processo não tivesse chegado ao conhecimento da parte contrária, ou, tendo chegado, esta não a tivesse “aceite especificadamente”, por aplicação analógica do art. 465º nº 2 do CPC.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Os AA, após ter sido proferido despacho saneador, juntaram aos autos um requerimento com os seguintes dizeres:
 
Os AA (…) vêm junto de V exa declarar que:
 
- Desistem do pedido formulado nos presentes autos quanto ao contrato de cessão de exploração, nomeadamente do pedido de declaração de resolução do contrato, da fixação de prazo para entrega do estabelecimento e da sanção pecuniária compulsória peticionada quanto à mora na entrega do estabelecimento. (matéria de facto dos arts. 29 a 539 da p.i).
 
- Mantêm o pedido formulado quanto à apreciação do contrato promessa de compra e venda, mantendo-se assim como objecto do processo a apreciação da “resolução do contrato de promessa de compra e venda e correspondente pedido indemnizatório dos AAs, enquanto cedentes, por incumprimento definitivo da Ré, enquanto cessionária”. 
 
A instância é a relação jurídica processual e inicia-se com a propositura da acção (cfr. art. 259º nº 1 do C.P.C.). [...]
 
A desistência da instância consiste na declaração expressa da parte de querer renunciar á acção proposta, mas sem renunciar ao direito que através dela pretendeu fazer valer. A desistência da instância faz por isso cessar o processo, sem contudo extinguir o direito do existente.
 
É um ato unilateral, que apenas depende da aceitação do réu, se este já tiver tido intervenção no processo com oferecimento da contestação (cfr. art. 286º nº 1 do CPC).
 
A desistência do pedido, segundo Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil, págs. 205 e 206), é o negócio unilateral através do qual o autor reconhece a falta de fundamento do pedido formulado.
 
Com efeito, a desistência do pedido representa o reconhecimento pelo autor de que a situação jurídica alegada não existe ou se extinguiu, arrastando consigo a extinção da situação jurídica que pretendia tutelar (artigo 295º, nº 1), ou constitui a situação que o autor negava. A mesma pode ser total ou parcial (artigo 293º, nº 1).
 
Trata-se de manifestações do princípio do dispositivo, mas a desistência da instância e a desistência do pedido, que se encontram na disponibilidade do autor (ou do réu reconvinte), dependendo da sua vontade, (cfr. arts. 279º e 283º do C.P.C.), e obedecendo a idêntico formalismo (cfr. art. 290º do C.P.C.), implicando ambas um efeito comum que é a extinção da instância (cfr. art. 277º al d) do CPC), são, porém, também eles conceitos que não se confundem, sendo diversos os seus pressupostos (cfr. arts. 283º e 286º do C.P.C. – a desistência do pedido é livre, apenas não prejudicando a reconvenção, a não ser que o pedido reconvencional dependa do pedido formulado pelo A, e a desistência da instância depende da aceitação do Réu, se requerida depois do oferecimento da contestação), nem quanto aos seus efeitos (cfr. art. 285º do C.P.C- a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer (nº 1) e a desistência da instância apenas faz cessar o processo que se instaurara, sem obstar que o A possa propor nova acção com o mesmo objecto (cfr. art. 279º nº 1 do CPC). [...]
 
Tendo presente que os conceitos de “pedido” e de “instância” se não confundem, assim como não são confundíveis no âmbito da conformação da instância, a desistência da instância e a desistência do pedido, vejamos agora se é admissível a rectificação do invocado erro de escrita dos AA quando escreveram que “desistem do pedido formulado nos presentes autos quanto ao contrato de cessão de exploração (…)” e afinal queriam dizer que “desistiam da instância quanto ao pedido formulado quanto ao contrato de cessão de exploração”.
 
Estamos perante um erro de escrita rectificável?
 
O Tribunal a quo entendeu que sim, afigurando-se-nos porém “algo forçados” os argumentos utilizados, no sentido de tentar descortinar nas expressões utilizadas pelos AA, através da sua mandatária, uma vontade daqueles e um contexto (relacionado com outra acção judicial pendente noutro tribunal) apenas revelados no processo em momento posterior, que não no requerimento apresentado, onde a declaração de desistência é feita.
 
Como vimos, a rectificação de tal “erro de escrita” apenas é admissível no contexto do art. 146º do C.P.C. citado, ou seja se for revelado no contexto da peça processual apresentada.
Não podemos também esquecer, que em sede de interpretação da vontade rege ainda o art. 236º do C.C que nos fornece critérios de interpretação da vontade negocial.
 
No art. 236º e ss. do C.C. são estabelecidos critérios de interpretação da vontade negocial, em ordem a fixar o alcance ou sentido juridicamente decisivo da declaração negocial.
 
Esta valerá assim e de acordo com o citado art. 236º, com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, não podendo nos negócios formais a declaração, valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238º do mesmo código).
 
Foi estabelecido o chamado critério da Impressão do Destinatário, entendendo-se por declaratário uma pessoal normal, razoavelmente instruída, diligente e sagaz em face dos termos da declaração (a este respeito ver Pires de lima e Antunes Varela in CC Anotado, I, pg. 207 e Mota Pinto, Teoria Geral, pg. 624 e ss.).
 
De acordo com os ensinamentos de Manuel de Andrade in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol II pg. 30, “interpretar um negócio jurídico, isto é a declaração ou as declarações de vontade que o integram - equivale a determinar o sentido com que ele há-de valer, se valer puder. Trata-se de saber quais os efeitos a que ele tende conforme tal declaração e que realmente produzirá se e na medida em que for válido; qual o conteúdo decisivo dessa declaração de vontade”. 
 
A regra geral manda apurar o sentido normal da declaração (art. 236.º do C.Civil), através da procura do sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ela. Quanto aos negócios formais há também que ter em conta que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238.ºnº 1 do C.C.), ressalvando a lei os casos em que esse sentido corresponda à vontade das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não oponham a essa validade (art. 238.º nº 2 do C.C.).
 
A doutrina da impressão do destinatário, reconduzível ao âmbito do princípio da protecção da confiança, impõe ao declarante um ónus de clareza na manifestação do seu pensamento, desta forma se concedendo primazia ao ponto de vista do destinatário da declaração, a partir de quem tal declaração deve ser focada (ver P. Mota Pinto, in Declaração Tácita, pg.206).
 
Todavia, a lei não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário, significando o entendimento subjectivo deste, mas apenas concede relevância ao sentido que apreenderia o declaratário normal, colocado na posição do real declaratário – a pessoa com capacidade, razoabilidade, conhecimento e diligência medianos (mesmo autor, ob. cit., pg. 208).
 
Uma pessoa “razoavelmente instruída, diligente e sagaz” poderá entender em face dos termos das declarações negociais contida na aludida clausula contratual que, verificado o acontecimento incerto e futuro do encerramento doe estabelecimento o contrato cessa imediatamente a produção dos seus efeitos, independentemente de qualquer declaração de vontade duma parte à outra.
 
O art. 238º do C.C dispõe ainda que nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
 
Voltando a nossa atenção para o caso em apreço, relembramos a expressão dos AA, com respeito ao sublinhado utilizado por aqueles no requerimento que apresentaram no tribunal:
- desistem do pedido formulado nos presentes autos quanto ao contrato de cessão de exploração, nomeadamente do pedido de declaração de resolução do contrato, da fixação de prazo para entrega do estabelecimento e da sanção pecuniária compulsória peticionada quanto à mora na entrega do estabelecimento. (matéria de facto dos arts. 29 a 539 da p.i).
 
Mantêm o pedido formulado quanto à apreciação do contrato promessa de compra e venda, mantendo-se assim como objecto do processo a apreciação da “resolução do contrato de promessa de compra e venda e correspondente pedido indemnizatório dos AAs, enquanto cedentes, por incumprimento definitivo da Ré, enquanto cessionária”.
 
A forma como a declaração se mostra expressa não deixa dúvidas de interpretação que os AA pretendem desistir dos pedidos que identificam devidamente, através da expressão “nomeadamente”:
 
-“pedido de declaração de resolução do contrato”;
 
-pedido“ da fixação de prazo para entrega do estabelecimento”;
 
-pedido “da sanção pecuniária compulsória peticionada quanto à mora na entrega do estabelecimento”, que correspondem aos pedidos supra nºs 5, 6 e 7 da p.i.
 
E reforçam este entendimento dizendo que mantêm o pedido formulado quanto à apreciação do contrato promessa de compra e venda, (eu corresponde aos pedidos 1 a 4 da p.i), mantendo-se assim como objecto do processo a apreciação da “resolução do contrato de promessa de compra e venda e correspondente pedido indemnizatório dos AAs, enquanto cedentes, por incumprimento definitivo da Ré, enquanto cessionária.
 
Os AA não contextualizam a desistência, isto é nada dizem quanto às razões da desistência, sendo que apenas em momento posterior, no requerimento de 30.11.2017, ou seja 23 dias após a emissão da declaração de desistência e após a parte contrária se ter já pronunciado é que os declarantes revelam que pretendiam afinal a desistência da “Instância quanto ao pedido formulado quanto ao contrato de cessão de exploração uma vez que o mesmo se encontra a ser objecto de discussão no âmbito do processo n2 2929/17.BT8MAI, em curso no Juiz 2 — Instância Local da Maia”.
 
No contexto da peça processual apresentada, tal como se encontra redigida não é possível descortinar as razões da desistência, encontrando-se expressa uma vontade clara dos AA de desistirem dos pedidos que individualizaram, reforçando inclusivamente a sua vontade de desistir do pedido, ao recorrerem ao sublinhado. A forma como os AA expressaram a sua vontade não permite, a nosso ver outra leitura que não a de que pretendem desistir daqueles concretos pedidos que devidamente identificaram.
 
Nada existe também, no contexto em que a declaração é feita que permita ao declaratário interpretar que afinal o que os AA queriam era desistir da instância relativamente àqueles pedidos.
 
Os RR por sua vez, como resulta da resposta que apresentaram a este requerimento, em lado algum mostram ter dúvidas sobre o que recaiu a desistência, demonstrando ter compreendido, sem margem para dúvidas que os AA queriam desistir dos pedidos que indicaram, dizendo o seguinte: “(…) Ora analisando a desistência do pedido, os autores declaram perentoriamente que desistem do pedido da declaração de resolução do contrato de exploração, bem como, da fixação de prazo para a entrega do estabelecimento, além do valor da sanção pecuniária compulsória e, inclusivamente, de quaisquer penalidades indemnizatórias (…)”
 
Assim sendo, ao contrário do entendimento acolhido no despacho sob recurso, não se verifica o condicionalismo do art. 146º nº 1 do C.P.C., pois que o erro invocado não é detectável no contexto em que a declaração de desistência é feita, pelo que não é “corrigível”.
 
Impõe-se, por conseguinte a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que indefira o pedido de correcção do lapso de escrita, por não se verificarem os requisitos estabelecidos no art. 146º do CPC.
 
Como é sabido porém, o tribunal na decisão a proferir não está sujeito às alegações das partes relativas à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. art. 5º nº 3 do CPC).
 
Isto para dizer que se nos afigura poder a questão objecto deste recurso ser analisada ainda numa outra perspectiva.
 
É que não se provando a existência de erro rectificável, a questão reconduz-se a saber se após a apresentação de um requerimento poderá a parte apresentar outro em sua substituição, retratando-se face às declarações inicialmente proferidas no processo.
 
Ou seja, o requerimento dos AA de 30.11.2017 onde é pedida a correção do erro, pode ser entendido como declaração da parte a dar sem efeito a primitiva declaração de desistência do pedido e a substituir tal declaração por uma declaração de desistência de instância relativamente àqueles pedidos. 
 
O processo realiza-se por meio de uma sequência ordenada de actos e desenvolvimento harmónico e célere da relação processual e este entendimento poderá pôr em causa o princípio da aquisição processual, segundo o qual “os materiais (afirmações e provas) aduzidos por uma das partes ficam adquiridos para o processo. São atendíveis mesmo que sejam favoráveis à parte contrária (enunciado de Domingues de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pg. 385). São expressões deste princípio, desde logo o art. 413º do CPC., âmbito dos meios de produção da prova, onde este princípio tem caracter absoluto.
 
E também poderia afectar a estabilidade processual, podendo protelar e comprometer a eficiência e celeridade processuais, bem como o princípio da segurança das relações jurídicas.
 
Porém, no caso em apreço, não estamos perante a prática de actos processuais preclusivos ou de actos processuais sujeitos a prazos, mas sim perante a prática de um acto resultante do funcionamento da autonomia privada da parte e da “disponibilidade da instância” que é reconhecida ao autor, na qualidade de seu impulsionador, que se traduz na possibilidade que aquele tem de poder pôr termo à causa que impulsionou ou de pôr termo ao direito que pretendia ver reconhecido.
 
Assim sendo, desde que salvaguardadas as legítimas expectativas da contraparte, destinatária da declaração de desistência, afigura-se-nos que nada impedirá que o autor se retrate.
 
Tal acontecerá se a declaração de desistência não chegou sequer ao conhecimento da parte contrária e tal poderá ainda acontecer, a nosso ver, no circunstancialismo do art. 465º do CPC, que apesar de estabelecer no seu número um o princípio da irretratabilidade da confissão, permite que as confissões expressas de factos feitas nos articulados possam ser retiradas, se a parte contrária não as tiver aceitado especificadamente.
 
Afigura-se-nos ser possível a aplicação do regime processual previsto nos arts. 46º e 465º do CPC, permitindo uma aplicação analógica.
 
Destes normativos decorre que as afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, salvo se forem rectificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente.
 
A lei permite a retirada de afirmações expressas nos articulados, (que não a retirada do próprio articulado, note-se), de molde a substituí-lo por outro ou a considerar-se como não tendo sido apresentado.
 
Resulta da factualidade provada que o pedido de correcção do “erro” por parte dos autores surge após os RR terem sido notificados e tido oportunidade de se pronunciarem sobre a desistência do pedido apresentado pelos aqui Recorrentes.
 
Haverá pois que averiguar se os RR/recorrentes, de alguma forma “aceitaram especificadamente” a desistência do pedido dos AA.
 
De notar que, tratando-se de uma declaração de desistência do pedido não era exigido aos réus que a aceitassem (cfr. art. 286º nº 2 do C.P.C.), sendo que poderiam até remeter-se ao silêncio, em nada contendo com a eficácia da declaração.
 
Porém os RR vieram responder, da seguinte forma, no que ao caso interessa: “(…) Ora analisando a desistência do pedido, os autores declaram perentoriamente que desistem do pedido da declaração de resolução do contrato de exploração, bem como, da fixação de prazo para a entrega do estabelecimento, além do valor da sanção pecuniária compulsória e, inclusivamente, de quaisquer penalidades indemnizatórias alegadas nos artigos 43º, 44º, 45º, 46º e 47º na PI, mencionando que a ré é devedora da quantia de €9.000,00 mensais.
 
Os autores dão por não alegados e sem qualquer efeito a matéria de facto vertida nos arts 29º a 53º da pi, em razão da desistência do pedido, extinguindo-se desta forma o direito que se pretendia fazer valer da instância- art. 277º e 285º nº 1, ambos do CPC.
 
Tendo desistido do pedido de resolução de exploração e do valor das indemnizações referidas, nesta ação, a sua homologação judicial determinará uma situação de caso julgado face a outra ação já proposta ou a propor pois que estamos perante a tríplice Identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido, Independentemente dos valores de indemnização reclamados, uma vez que o real pedido é o reembolso Integral a que alegadamente os autores teriam direito na causa de pedir e no pedido. (Ac. STJ, de 14.7.2009: Processo 115/06.1TBVLG.S dgsi.Net”
 
Os RR afirmam que os AA fizeram uma afirmação de desistência do pedido, perentoriamente, ou seja de forma “indiscutível”, “decisiva”, “categórica”, “irrefutável”. E retiram a consequência de tal afirmação, ao afirmar que “(…) em razão da desistência do pedido, extinguindo-se desta forma o direito que se pretendia fazer valer da instância- art. 277º e 285º nº 1, ambos do CPC.”
 
Daqui decorre, a nosso ver que os aqui Recorrentes aceitaram “especificadamente” a declaração unilateral dos AA de desistência do pedido, ao considerar aquela desistência “perentoria” e dela se apressando a retirar as legais consequências, pelo que, também por aplicação analógica do art. 465º nº 2 do CPC, não pode a declaração de desistência do pedido, aqui em análise ser substituída pela declaração de desistência da instância."
 
*3. [Comentário] A RP decidiu indiscutivelmente bem, tendo sido feliz a análise da possibilidade da revogação do primeiro requerimento apresentado pelos Autores. A solução também foi correcta: depois do conhecimento da desistência pelos Réus, essa revogação já não era possível.

Resta aos Autores procurarem obter a declaração de nulidade ou a anulação da desistência do pedido em termos substantivos (art. 291.º CPC). Se esta via tem alguma hipótese de êxito, isso é outra questão.
 
MTS 
 

27/05/2019

Jurisprudência europeia (TJ) (195)

 
Reg. 650/2012 – Artigo 3.°, n.° 1, alíneas g) e i) – Conceito de “decisão” em matéria de sucessões – Conceito de “ato autêntico” em matéria sucessória – Qualificação jurídica da habilitação de herdeiros nacional – Artigo 3.°, n.° 2 – Conceito de “órgão jurisdicional” – Falta de notificação à Comissão Europeia, pelo Estado‑Membro, dos notários que se considerem autoridades não judiciárias que exercem funções jurisdicionais como se de tribunais se tratasse

TJ 23/5/2019 (C‑658/17, WB) decidiu o seguinte:

1) O artigo 3.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento (UE) n.° 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu, deve ser interpretado no sentido de que a falta de notificação, por um Estado‑Membro, relativa ao exercício pelos notários de funções jurisdicionais, prevista nesta disposição, não é determinante para a qualificação desses notários como «órgão jurisdicional».

O artigo 3.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 650/2012 deve ser interpretado no sentido de que um notário que lavra um ato mediante pedido de comum acordo de todas as partes no processo notarial, como o que está em causa no processo principal, não constitui um «órgão jurisdicional» na aceção desta disposição e, por conseguinte, o artigo 3.°, n.° 1, alínea g), deste regulamento deve ser interpretado no sentido de que esse ato não constitui uma «decisão» na aceção dessa disposição.

2) O artigo 3.°, n.° 1, alínea i), do Regulamento n.° 650/2012 deve ser interpretado no sentido de que a habilitação de herdeiros, como a que está em causa no processo principal, emitida pelo notário mediante pedido de comum acordo de todas as partes no processo notarial, constitui um «ato autêntico» na aceção desta disposição, cuja emissão pode ser acompanhada do formulário previsto no artigo 59.°, n.° 1, segundo parágrafo, deste regulamento, que corresponde ao constante do anexo 2 do Regulamento de Execução n.° 1329/2014 da Comissão, de 9 de dezembro de 2014, que estabelece os formulários referidos no Regulamento n.° 650/2012. 
 
 
 

Jurisprudência 2019 (28)


Competência material;
excepção de caso julgado

1. O sumário de STJ 30/4/2019 (100/18.0T8MLG-A.G1.S1) é o seguinte:

I A competência do Tribunal, como pressuposto processual que é, determina-se pelos termos em que o autor estruturou o pedido e a causa de pedir.

II Dispõe o artigo 126º da Lei 62/2013, de 26 de Agostos (LOFT), no que respeita à competência cível dos tribunais de trabalho: «1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: (…) c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;».

III O exercício do direito de regresso por parte de uma seguradora – a Autora aqui Recorrida - contra uma entidade patronal – a Ré aqui Recorrrente-, por haver satisfeito uma indemnização a um trabalhador desta, vitima de um acidente de trabalho, no âmbito das obrigações existentes entre ambas em sede de contrato de seguro de acidentes de trabalho, na medida em que lhe imputa o incumprimento das normas de segurança no trabalho, com a violação de normas imperativas destinadas à protecção e segurança dos trabalhadores, não visa discutir uma situação autonomizada – o direito de crédito da Recorrida accionado em sede de regresso
, mas antes a factualidade consubstanciadora que conduziu a esse direito, isto é, o acidente de trabalho.

IV Nos termos do artigo 40º, da LOFT, os Tribunais juidiciais têm uma competência residual, apenas intervindo quando as causas não estejam atribuídas a outra ordem jurisdicional e a situação dos autos está expressamente afecta à jurisdição laboral, ex vi do artigo 126º, nº1, alínea c) do mesmo diploma, tendo em atenção o pedido e a causa de pedir.

V Seria uma incongruência concluir-se que o Tribunal de Trabalho era o competente para se aferir da responsabilidade da entidade seguradora nesta sede, por via da transferência das responsabilidades através da celebração obrigatória do contrato de seguro havido com a entidade patronal em sede de acidentes de trabalho, e, já não o seria, para averiguar, afinal das contas, se teria ou não ocorrido uma efectiva responsabilidade funcional desta na ocorrência do sinistro, por forma a desonerar aquela das obrigações assumidas, porquanto o que está em causa, a jusante e a montante, é o acidente de trabalho e as circunstâncias em que o mesmo se verificou.

VI Consagra-se, assim, o princípio da absorção das competências, o que equivale a dizer que tendo os Tribunais de trabalho a competência exclusiva para a apreciação das problemáticas decorrentes dos acidentes de trabalho, a eles competirá,
mutatis mutandis, igualmente, o conhecimento de todas as questões cíveis relacionadas com aqueles que prestem apoio ou reparação aos respectivos sinistrados, já que, o cerne da discussão se concentra na ocorrência do sinistro e eventual violação por banda da entidade empregadora das regras de segurança.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Pretende a Ré/Recorrente, a sua absolvição da instância porquanto, na sua tese, face ao acordo celebrado nos autos de conciliação no Tribunal de Trabalho, homologado por decisão judicial, não pode vir agora a seguradora reclamar reembolso de pagamentos, alegando existir culpa desta, em contrário do que acordou por aquela decisão ter transitada em julgado, sob pena de violação da força e autoridade do caso julgado.

Falece a razão à Recorrente, neste conspecto e nesta precisa sede processual.

Queremos nós dizer:

No entendimento que expusemos de o Tribunal judicial não ser o competente, mas antes o Tribunal de Trabalho, de harmonia com o disposto no artigo 126º, nº1, alínea c) da LOFT, será este, e apenas este Órgão jurisdicional, o competente para aferir da existência e operância da excepção invocada pela aqui Recorrente, na sua dupla vertente, de excepção de caso julgado ou de excepção de autoridade do caso julgado.

É que, sendo esta ordem judicial incompetente em razão da matéria para conhecer da matéria controvertida posta à consideração do Tribunal, ficam prejudicadas todas as demais questões que se suscitem, ou possam vir a suscitar, no âmbito da acção.

Assim sendo, será naqueloutro Tribunal, o de Trabalho, na acção própria para a concretização do direito aqui invocado, que poderão ser conhecidas as questões, mormente as excepções preclusivas do mesmo."

*3. [Comentário] a) Salvo o devido respeito, não se pode acompanhar a orientação defendida quanto à inadmissibilidade do conhecimento da excepção de caso julgado por um tribunal materialmente incompetente, ou seja, por um tribunal que não tem competência material para se pronunciar sobre a matéria apreciada na decisão transitada em julgado.

Os efeitos do caso julgado não se restringem aos tribunais com a mesma competência material do tribunal que proferiu a decisão transitada em julgado. Pode dizer-se até mais: esses efeitos não se restringem à ordem do tribunal a que pertence o tribunal que proferiu a decisão, dado que é perfeitamente possível que uma decisão transitada de um tribunal administrativo produza efeitos num tribunal judicial, e vice-versa.

Basta atentar no disposto no art. 92.º, n.º 1, CPC: o conhecimento do objecto de uma acção pendente num tribunal judicial pode aguardar o proferimento de uma decisão prejudicial por um tribunal criminal ou administrativo. Isto só é pensável se a decisão que venha a ser proferida pelo tribunal criminal ou administrativo produzir o efeito de autoridade de caso julgado (e não, como se refere no acórdão, de "excepção de autoridade de caso julgado") no tribunal judicial.

O que vale para a autoridade de caso julgado vale necessariamente para a excepção de caso julgado. Também esta excepção produz um efeito vinculativo para o tribunal que conhece dela, dado que este tribunal não pode nem contradizer, nem reproduzir a decisão transitada (art. 580.º, n.º 2, CPC). É, aliás, por isso que esse tribunal, não podendo nem afastar-se, nem repetir a decisão transitada, só pode não conhecer do mérito e absolver o réu da instância com base na excepção de caso julgado.

É precisamente este aspecto que justifica que seja admissível a pronúncia de um tribunal materialmente incompetente sobre a excepção de caso julgado decorrente de uma decisão de um outro tribunal. Dado que afinal esse tribunal não conhece do mérito da causa, nada impede que esse tribunal se limite a verificar e a decidir que o que lhe é solicitado já foi apreciado por um outro tribunal numa outra acção.

Suponha-se que entre as partes decorreu, primeiro, uma acção num tribunal administrativo e, depois, é proposta uma acção num tribunal judicial; nesta acção, o réu invoca que, em relação a um dos pedidos formulados pelo autor, se verifica a excepção de caso julgado, dado que a matéria foi decidida pelo tribunal administrativo; na óptica do acórdão, o tribunal judicial desta segunda acção não pode conhecer dessa excepção de caso julgado. Cabe então perguntar, o que, nessa mesma óptica, o tribunal da acção deve fazer. Remeter as partes para a jurisdição administrativa para que esta analise se, no segundo processo, ocorre a excepção de caso julgado?

Pode ainda acrescentar-se que, a seguir-se a orientação propugnada no acórdão, um tribunal judicial não poderia analisar se, numa causa nele pendente, ocorre a excepção de caso julgado com base numa decisão arbitral. Ora, essa análise pode ser absolutamente necessária e completamente justificada. Admita-se, por exemplo, que, depois de uma causa ter sido apreciada (quanto ao mérito) num tribunal arbitral, é proposta, entre as mesmas partes, uma acção num tribunal judicial; se o réu invocar que o que o autor agora pede já foi apreciado pelo tribunal arbitral, é claro que o tribunal judicial tem de verificar se ocorre (ou não) a excepção de caso julgado.

O interessante é que, caso o tribunal judicial venha a concluir que ocorre a excepção de caso julgado, esse tribunal verifica ao mesmo tempo que não tem competência para apreciar a questão decidida no tribunal arbitral, dado que a apreciação dessa questão foi atribuída, por convenção de arbitragem, ao tribunal arbitral. Ainda assim, o tribunal judicial não pode deixar de apreciar a excepção de caso julgado, até para saber se perante ele foi suscitada alguma questão não decidida pelo tribunal arbitral e não abrangida pela convenção de arbitragem.

b) Em conclusão: o STJ podia (e devia) ter conhecido da excepção de caso julgado (que, segundo parece, se verifica mesmo), em vez de ter remetido as partes para um novo processo (e de ter imposto ao réu um novo processo) a correr nos tribunais de trabalho.

MTS