"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



29/12/2023

Legislação (227)


OE;
custas processuais


1. L 82/2023, de 29/12: Orçamento do Estado para 2024.

2. Os art. 121.º e 122.º L 82/2023 têm a seguinte redacção:

Artigo 121.º
Valor das custas processuais

Mantém-se a suspensão da atualização automática da unidade de conta processual prevista no n.º 2 do artigo 5.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, mantendo-se em vigor o valor das custas vigente em 2023, até à entrada em vigor do novo Regulamento das Custas Judiciais.

Artigo 122.º
Custas de parte de entidades e serviços públicos

As quantias arrecadadas pelas entidades e serviços públicos ao abrigo da alínea d) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 25.º e da alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais, que sejam devidas pela respetiva representação em juízo por licenciado em Direito ou em Solicitadoria com funções de apoio jurídico, constituem receita própria para os efeitos previstos nos respetivos diplomas orgânicos.


27/12/2023

Legislação europeia (Processo Civil Europeu) (30)


Processo Civil Europeu

-- Regulamento (UE) 2023/2844 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2023, relativo à digitalização da cooperação judiciária e do acesso à justiça em matéria civil, comercial e penal com incidência transfronteiriça, e que altera determinados atos no domínio da cooperação judiciária (JO L de 27/12/2023)


Bibliografia (1098)


-- Giesen, L., Die Nebenintervention im selbständigen Beweisverfahren (Duncker & Humblot: Berlin 2023)


23/12/2023

Apoio à investigação (26)


RFDUL


A RFDUL encontra-se totalmente digitalizada desde o seu primeiro número.

A colecção completa da RFDUL pode ser consultada, em regime de open accessaqui.


22/12/2023

Bibliografia (1097)


-- Valls Genovard, M. A., La prueba de detective privado en los procesos de familia (Bosch: Barcelona 2023)


21/12/2023

Jurisprudência uniformizada (66)


Recurso de revisão;
falsidade de depoimento


Ac. STJ 15/2023, de 21/12, fixou jurisprudência no seguinte sentido:

"A admissibilidade de recurso extraordinário de revisão fundado na falsidade de um depoimento não exige que a falsidade tenha sido previamente declarada por sentença transitada em julgado".

 

Informação (299)


Interrupção natalícia


Como é habitual, o Blog interrompe as publicações regulares durante a época natalícia.

O Blog voltará ao contacto regular com os seus Leitores no início de Janeiro.

MTS


20/12/2023

Jurisprudência 2023 (76)


Providência cautelar; finalidade;
indeferimento liminar*


1. O sumário de RP 13/3/2023 (2521/22.5T8AVR.P1) é o seguinte:

I – Não se podem introduzir providências cautelares com o fim de obviar/impedir a produção dos efeitos normais das decisões que são proferidas pelos tribunais;

II – As providências cautelares têm por finalidade acautelar o efeito útil da acção (art. 2º, nº2, CPC), isto é, assegurar a utilidade da tutela que venha a ser obtida numa acção; não a de obstar à utilidade de uma tutela já concedida;

III – Se o fim visado com o procedimento cautelar for reagir contra uma decisão judicial, para impedir a sua execução ou para obstar a que aquela produza os seus efeitos normais, deve o mesmo ser indeferido liminarmente.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Como resulta alegado no requerimento inicial da providência (artigos 7º a 11º) e desde logo se circunscreve no primeiro parágrafo da fundamentação da decisão recorrida, a entrega de imóvel sobre que os Requerentes pretendem reagir com a presente providência teve lugar na sequência de decisão judicial naquele sentido proferida no âmbito da acção executiva que corre termos no Juízo de Execução de Águeda sob o nº 1336/20.0T8AGD (pensamos que será este o número correcto, face aos documentos direccionados a tal processo e a um seu apenso constantes de fls. 36-verso e fls. 56, e não o nº13320/20.0T8AGD, referido na sentença recorrida por ter sido assim referido no requerimento inicial, com certeza por lapso de escrita), que retirou tal imóvel aos Requerentes e determinou a sua entrega aos Requeridos.

Tendo aquela entrega sido ali judicialmente ordenada – e ainda que os Requerentes entendam que ocorre, nos termos que defendem, violação do contrato-promessa celebrado entre si e os Requeridos e da posse do imóvel que por via de tal contrato lhes foi conferida –, a reacção contra a mesma deveria ter tido lugar naqueles mesmos autos.
  
Efectivamente, conjecturando, se se admitisse que a presente providência pudesse ser proposta e decidida noutro tribunal que não aquele onde corre aquele processo e por apenso a ele, estava-se a frustrar a decisão judicial de entrega do imóvel aos Requeridos ali proferida, o que traduziria a violação de uma decisão judicial por um tribunal da mesma hierarquia.

Além disso, e agora considerando também a pretensão defendida pelo Recorrentes no sentido de os presentes autos serem remetidos para aquele processo de execução, servindo como apenso de tal acção em curso [conclusões F) e NN)], há que referir que, quer autonomamente quer por apenso a outro processo, “não se podem introduzir providências cautelares com o fim de obviar/impedir a produção dos efeitos normais das decisões que são proferidas pelos tribunais” [Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6/10/2016, proferido no processo nº 921/08.2TBMTR-C.E1, relator Canelas Brás, disponível em www.dgsi.pt.].

Efectivamente, parafraseando o Prof. Miguel Teixeira de Sousa em comentário ao Acórdão da Relação de Évora de 23/2/2016, onde se trata de questão idêntica (proc. nº 1106/13.1TBMTR-A.E1, disponível em www.dgsi.pt) [---], publicado na internet no Blog do IPPC em 10/5/2016 (sob a etiqueta Jurisprudência (344), “As providências cautelares têm por finalidade acautelar o efeito útil da acção (cf. art. 2º, nº 2, CPC), isto é, assegurar a utilidade da tutela que venha a ser obtida numa acção”. Os requerentes da providência pretendiam “que essa providência cumprisse uma finalidade exactamente oposta: a de obstar à utilidade de uma tutela já concedida”.

Assim, e como se sintetiza no Acórdão também da Relação de Évora, agora de 25/5/2017 [Proferido no proc. nº 406/17.6T8FAR.E1, relator Bernardo Domingos, disponível em www.dgsi.pt, e onde também se cita aquele comentário do Prof. Miguel Teixeira de Sousa.], “Os procedimentos cautelares não são o meio idóneo e processualmente adequado para reagir contra uma decisão judicial, para impedir a sua execução, ou para obstar a que aquela produza os seus efeitos normais. Se o fim visado com o procedimento for um daqueles, deve o mesmo ser indeferido liminarmente”.

Pelo que se vem de expor, é de julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida."

*3. [Comentário] Naturalmente, seria desnecessária tanta citação (própria...), tão evidente é a inadmissibilidade dos procedimentos cautelares para obstar à produção de efeitos por sentenças.

Não deixa, em todo o caso, de se ficar um pouco perplexo com a multiplicação das tentativas de utilização de procedimentos cautelares com aquela finalidade.

MTS


19/12/2023

Jurisprudência 2023 (75)


Honorários forenses;
prescrição presuntiva


1. O sumário de RP 23/3/2023 (21749/03.0TJPRT-A.P1) é o seguinte:

I - O prazo de prescrição presuntiva de um crédito de honorários relativos a um mandato forense e de reembolso de despesas realizadas na execução desse mandato, inicia a sua contagem quando, por qualquer causa, cessa a prestação do mandatário.

II - A partir desse momento e durante um prazo de dois anos, presume a lei que o credor procurou obter o pagamento, e o devedor pagou a retribuição dos serviços prestados e o reembolso das despesas efectuadas.

III - A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão judicial ou extrajudicial do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"No caso das acções de honorários a prescrição presuntiva prevista no artigo 317 alínea c) do CCivil inicia-se com a data da cessação dos serviços prestados.

No contexto das prescrições presuntivas o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.

No que respeita ao crédito de honorários relativos a um mandato forense e de reembolso de despesas realizadas na execução desse mandato, não se mostrando acordado um outro prazo para a sua satisfação, deve esta ocorrer apenas após ter cessado a prestação do mandatário, devendo para o efeito este apresentar ao mandante a respectiva conta de honorários com descriminação dos serviços prestados (art.º 100º, n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados).

Assim, o prazo de prescrição deste tipo de crédito inicia a sua contagem quando, por qualquer causa, cessa a prestação do mandatário, sendo que, a partir desse momento e durante um prazo de dois anos, presume a lei que o credor procurou obter e o devedor pagou a retribuição dos serviços prestados e o reembolso das despesas efectuadas.

Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. I, 2ª ed., pág.284), de harmonia com o critério fixado no artigo 306 nº1, o prazo de dois anos quanto aos créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais só começará normalmente a correr no momento em que cessa a relação estabelecida entre credor e devedor (patrocínio judiciário de certa causa; tratamento de certa doença, etc.). Mas começará a correr antes, se o credor usualmente exigir a satisfação do seu direito antes desse momento e não tiver havido estipulação em contrário com o devedor “ (Código Civil Anotado, vol.I, 2ª ed., pág. 284).

Na realidade, a prescrição presuntiva é um benefício para o devedor que – parte-se do princípio – pagou, pois que apenas o dispensa do ónus que sobre ele impende de provar o pagamento (nº 2 do artigo 342º do Código Civil).

Assim, provado o decurso do prazo (bem como os demais factos descritos nos artigos 316º e 317º do Código Civil, relativos nomeadamente à natureza do crédito, à qualidade dos contraentes e à ligação entre o crédito e as respectivas actividades profissionais), presume-se o cumprimento, recaindo sobre o credor o ónus de ilidir a presunção.

Esse afastamento, todavia, só pode resultar de confissão, expressa (artigo 311º) ou tácita (artigo 314º) do “devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão”, entendendo-se que há confissão tácita “se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento”.

Assim, em resumo o prazo (2 anos) da prescrição (presuntiva), previsto no art.317 c) CC, inicia-se, em regra, com o momento da cessação dos serviços prestados pelo profissional liberal e cabe ao réu o ónus de alegação dos factos constitutivos da excepção peremptória, designadamente do momento em que se inicia o prazo de prescrição.

Sobre a importância da determinação do momento da cessação do mandato a fim de se contabilizar o prazo vide o Ac do Supremo Tribunal de Justiça (Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA ) de 12-03-2009 :«Sumário : 1. Na falta de convenção em contrário, o mandato judicial inclui o poder de substabelecer (nº 2 do artigo 36º do Código de Processo Civil), poder que se não confunde com o de renunciar ao mandato (artigo 39º do mesmo Código); o que significa que o substabelecimento puro e simples não faz cessar o mandato de quem substabelece.

2. Também não faz cessar os poderes de representação conferidos ao primeiro advogado. 3. O mandato forense é, necessariamente, um mandato com representação. 4. A falta de prova do momento da cessação dos serviços pelo mandatário impede que se saiba quando começaria a contar o prazo de prescrição (presuntiva) previsto na alínea c) do artigo 317º do Código Civil. 5. As prescrições presuntivas apenas têm como efeito a presunção de pagamento; dispensando o devedor de provar o pagamento da quantia reclamada ».

E igualmente vide o Ac da RP (Relator: LEONEL SERÔDIO) de 18-10-2001 *«Sumário: I - A prescrição dos créditos por serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes é uma prescrição presuntiva, fundando-se numa prescrição de cumprimento.

II - A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão judicial ou extrajudicial do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.

III - Considera-se confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.

IV - São exemplos de actos daquela natureza negar o devedor a existência da dívida, discutir o seu montante, invocar contra ela compensação ou remissão, invocar a gratuitidade dos serviços. ».

A prescrição (presuntiva), traduzindo-se num facto extintivo do direito do autor, é uma excepção peremptória, impendendo sobre o réu o ónus de alegar e provar (art.342 nº2 CC) os factos constitutivos da excepção, pois “assim como o autor tem de provar os factos constitutivos do direito alegado, também o demandado tem de convencer o juiz da existência da causa excipiendi, ou seja, dos factos constitutivos da excepção“ - (MIGUEL MESQUITA, Reconvenção e Excepção no Processo Civil, pág. 49).

A sentença recorrida considerou ter ocorrido a prescrição presuntiva dado que os serviços forenses cessaram a 7/12/2007 e a acçao foi proposta a 26/12/2018 e a ré citada a 10/12/2018.

Considera o recorrente que não seria aplicável neste caso o regime da prescrição presuntiva porque a ré é uma sociedade e tendo contabilidade organizada teria de provar o pagamento.

Entendemos que no caso a ré pode invocar a aplicabilidade da prescrição presuntiva dado que o alegado crédito resulta de serviços decorrente de profissional liberal, e nessa medida para se aplicar o artigo 317 alínea c) do Ccivil, é indiferente se os serviços foram prestados quer por um advogado ou uma sociedade de advogados, e também é indiferente que os serviços tenham sido prestados a um sociedade ou a uma pessoa singular dado estar apenas em causa a natureza dos serviços.

Assim, os créditos reclamados pelo Autor, porque prestados por este no exercício de profissão liberal, são enquadráveis na alª c) do art. 317 do C.Civivil.

Neste sentido vide o Ac da RC Processo: 309674/11.7YIPRT. C1, Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO, 21-10-2014: «Sumário: 1- O que releva para o efeito de aplicação do art. 317 alª c) do C.C. é a natureza dos serviços em causa e não a qualidade da pessoa (singular ou sociedade), que presta, ou a quem os serviços são prestados.

2.-Sendo o crédito derivado de serviços que substancialmente se enquadram no exercício duma profissão liberal, resulta indiferente que, no caso, estes tenham sido prestados a uma sociedade ou a uma pessoa singular, pois que, quer da letra quer do espírito da norma resulta que o critério de subsunção ao preceito em análise se define unicamente pela natureza dos serviços em causa, e não da entidade que os recebe, ou da entidade que os presta.».

Pelo exposto, e aderindo-se ao referido na sentença recorrida, considera-se que ocorreu a prescrição presuntiva estabelecida no artigo 317º c) do Ccivil e nessa medida a acção será integralmente improcedente.

Pelo exposto, e quanto á fundamentação jurídica, conclui-se que o presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de improceder in totum."

[MTS]


18/12/2023

Jurisprudência 2023 (74)


Processo de inventário;
redução por inoficiosidade; litisconsórcio necessário


1. O sumário de RE 30/3/2023 (339/21.1T8CTX-B.E1) é o seguinte:

I – No incidente a que se reporta o artigo 1118º do Cód. Proc. Civ., prevê-se a intervenção do donatário e de todos os herdeiros legitimários, essencial para assegurar que a decisão a proferir produza o seu efeito útil.

II – Se um dos herdeiros legitimários deduzir tal incidente, é aí que qualquer outro herdeiro legitimário que também pretenda ver reduzida a doação em seu benefício deve manifestar a sua vontade, não podendo deduzir segundo incidente.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Diz-se legítima a porção de bens que o legislador assegura aos herdeiros legitimários (artigo 2156º do Cód. Civ.). Essa porção é calculada tendo em conta o valor dos bens existentes no património do autor da sucessão, o valor dos bens doados, as despesas sujeitas a colação e as dívidas da herança (artigo 2162º do Cód. Civ.), variando consoante a categoria e o número dos herdeiros legitimários (artigos 2157º a 2161º do mesmo diploma).

As disposições de bens, a título gratuito, a que o autor da sucessão procedeu, em vida ou por morte, consideram-se inoficiosas se afectarem a legítima dos herdeiros legitimários (artigo 2168º do Cód. Civ.). E, se assim for, tem o/s herdeiro/s legitimário/s afectado/s o direito potestativo de ver a/s liberalidade/s reduzida/s na medida do necessário (artigo 2169º do Cód. Civ.).

Para obter esse desiderato e encontrando-se pendente inventário, poderá/ão deduzir o incidente previsto no artigo 1118º do Cód. Proc. Civ..

Se apenas existir um herdeiro legitimário afectado ou se, existindo mais, apenas um deles pretende a redução da liberalidade inoficiosa, naturalmente apenas esse deduzirá o incidente no confronto com o donatário/legatário visado (artigo 1118º nº 1 do Cód. Proc. Civ.). Trata-se, naturalmente, de estabelecer o contraditório entre quem tem interesse em demandar e quem tem interesse em contradizer (artigo 3º nº 1 e 30º do Cód. Proc. Civ.). Todavia, porque a decisão do incidente implica o cálculo da legítima (sendo indispensável ter por assente, como cima dissemos, o valor dos bens existentes no património do autor da sucessão, o valor dos bens doados, as despesas sujeitas a colação e as dívidas da herança) e porque é evidente que todos esses valores não podem ser diferentes consoante se esteja no âmbito do inventário ou em sede incidental, aqui se prevê, também, a intervenção dos restantes herdeiros legitimários (artigo 1118º nº 2 do Cód. Proc. Civ.). No fundo – e ainda que não se possa falar numa típica situação de litisconsórcio necessário – está em causa assegurar a participação de todos os interessados na definição de aspectos essenciais à partilha, ou seja, está em causa assegurar que a decisão a proferir produza o seu efeito útil, ao vincular todos os interessados (artigo 33º do Cód. Proc. Civ.).

Assim sendo, deduzido o incidente por um dos herdeiros legitimários, os demais podem, quando forem ouvidos, manifestar, também eles, a intenção de que a liberalidade seja reduzida em seu benefício, isto é, em ordem ao preenchimento da legítima a que têm direito, acompanhando a alegação do requerente do incidente ou invocando circunstancialismo fáctico diverso ou complementar. O que importa é que, quer os herdeiros legitimários, quer o/s donatário/s/legatário/s visados esgrimam, no mesmo processo, as suas posições, só assim se alcançando uma decisão que resolva em definitivo e perante todos (pois que todos por ela são afectados) o litígio.

Daqui decorre que, deduzido o incidente por um dos herdeiros legitimários, não pode outro herdeiro legitimário deduzir segundo incidente, havendo, como dissemos, de expressar a sua posição no incidente pendente.

Tal conclusão parece-nos expressivamente ilustrada pelo presente caso.

Com efeito, estando a ser tramitados paralelamente dois incidentes de inoficiosidade, verifica-se que, no Apenso A, a interessada DD deduziu oposição, mas, no presente Apenso B, nada disse. Mais: não tendo neste Apenso sido oficiosamente determinada avaliação dos bens (artigo 1118º nº 3 do Cód. Proc. Civ.) – dando-se por assente a factualidade invocada pela cabeça-de-casal no requerimento inicial – no Apenso A veio a reconhecer-se a importância de tal avaliação, entretanto determinada no âmbito dos autos de inventário. Por último, neste Apenso foi proferida sentença (embora sem definição do real valor de cada bem à data da abertura da sucessão), ao passo que no Apenso A foi determinada a suspensão da instância até à avaliação dos bens no inventário, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 272º do Cód. Proc. Civ..

É manifesto que não pode ser e que o presente incidente não pode existir.

Ao optar por deduzir incidente de inoficiosidade – quando, aliás, decorria o prazo para se pronunciar no âmbito do Apenso A (cfr. pontos 13. e 15. do Relatório) – a cabeça-de-casal lançou mão de uma via processual inadequada. Não obstante a situação não ter sido imediatamente atalhada, como se imporia, pode/deve, ainda, ser oficiosamente corrigida (artigo 193º nº 3 do Cód. Proc. Civ.). Assim, sendo o requerimento inicial apresentado pela cabeça-de-casal aproveitável enquanto manifestação da sua vontade no âmbito do Apenso A, para aí deverá transitar. Consequentemente, desaparecendo o impulso que levou à constituição e tramitação do Apenso B, não podemos deixar de concluir pela nulidade de todo o processado (artigo 186º nº 1 e nº 2-a) do Cód. Proc. Civ., por maioria de razão)."

[MTS]


15/12/2023

Jurisprudência 2023 (73)


AECOP;
compensação; reconvenção*


1. O sumário de RP 13/3/2023 (109593/21.1YIPRT-A.P1) é o seguinte:

I - Na ação especial regulada pelo DL 269/98 de 01/09 de valor não superior a €15.000,00, a qual permite apenas dois articulados, baseada no modelo da (antiga) ação sumaríssima e cujo escopo foi o de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção de forma célere e simplificada de título executivo, não é admissível o pedido reconvencional.

II - Por força do previsto no artigo 266º nº 2 al. c) do CPC a exceção de compensação tem de ser obrigatoriamente deduzida por via reconvencional.
Não sendo esta última admissível, tão pouco pode aquela ser apreciada por via de exceção no âmbito desta ação especial.

III - O princípio da adequação formal previsto no artigo 547º do CPC tão pouco será de utilizar como meio de alterar uma especial tramitação processual pensada pelo legislador com a específica finalidade indicada em 1.

IV - Este entendimento não viola o direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20º da CRP, porquanto ao credor é facultado o recurso aos tribunais para fazer valer em ação própria o seu direito.


2. Na fundamentação do acórdão (que tem um voto de vencida) escreveu-se o seguinte:

"[...] cumpre apreciar se a decisão recorrida padece de erro na aplicação do direito.

Para tanto argumenta a recorrente:

- que a aplicação e interpretação que o tribunal a quo faz do direito é errada e inconstitucional, “transformando um obstáculo processual facilmente ultrapassável, numa denegação de justiça impossibilitando a Ré de lançar mão de pelo menos 2 instrumentos (a dedução de reconvenção e a invocação da compensação como exceção perentória) para a defesa dos seus direitos o que configura uma violação incomportável dos princípios da igualdade substancial das partes (artigo 4.º do Código do Processo Civil), do contraditório e da justa composição do litígio, princípios que são matriciais de qualquer processo judicial.”;

- impondo a norma contida no artigo 547º do CPC decisão diversa – cabendo ao juiz adequar o processo - nomeadamente a de admissão da reconvenção e da exceção de compensação deduzida pela recorrente, não obstante a AECOP de valor inferior a €15.000,00 só comportar dois articulados.

A questão que a recorrente apresenta à nossa apreciação é questão de há muito debatida nos tribunais e na doutrina, não merecendo entendimento unânime, como aliás de tal dá nota o próprio Acórdão convocado pela recorrente.

Em suma três entendimentos têm vindo a ser defendidos, assim enunciados no Ac. TRL de 23/02/2021, nº de processo 72269/19.0YIPRT.L1-7 in www.dgsi.pt:

“a) A da inadmissibilidade da reconvenção uma vez que tal não se coaduna com a simplicidade de tramitação e celeridade que o legislador pretendeu imprimir a esta forma processual;

b) A da admissibilidade da dedução da compensação, mas como exceção perentória sob pena de ser coartado um meio de defesa ao requerido;

c) A da invocação da compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, devendo o juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respetiva tramitação à dedução do pedido reconvencional [---].

No âmbito do Ac. proferido por este tribunal em 21/06/2021, nº de processo 83857/20.1YIPRT-A.P1, no qual a ora relatora e a 1ª adjunta intervieram, respetivamente, como 1ª e 2ª adjuntas e em que se discutiu precisamente a mesma questão, foi assumida já posição sobre o assunto, concluindo, pelos argumentos que então foram expostos, pela inadmissibilidade da dedução do pedido reconvencional nos termos do artigo 266º nº 2 do CPC em face: “do escopo dos procedimentos especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias ser o de conferir força executiva aos requerimentos iniciais (art. 7º e 2º do anexo do diploma); da ação especial apenas dispor de dois articulados, seguidos da audiência de julgamento (arts. 3º e 4º do anexo do diploma), que exclui a possibilidade de apresentação de réplica, nos termos do art. 584º do CPC da ação comum.”

Não sendo admissível nestas ações especiais a dedução da reconvenção “nem pela via da norma remissiva do art. 549º, nº 1 do CPC, uma vez que não existe lacuna da lei na tipificação do regime processual da ação especial; nem por força da adequação formal, nos termos dos arts. 6º e 547º do CPC, uma vez que a referida adequação não serve para resolver de forma estrutural a possibilidade de dedução de pedidos reconvencionais nas ações especiais limitadas a dois articulados, sempre que os réus nas mesmas tivessem vontade e fundamento para formular um pedido reconvencional, nos termos do art. 266º, nº 2 do CPC”.

A argumentação que então foi apresentada [estando ali em causa procedimento de injunção também com valor inferior a €15.000,00] aplica-se nos exatos termos ao caso dos autos, pelo que e com a mesma se concordar e subscrever aqui a reiteramos, reproduzindo-a (com salvaguarda do que é específico de tal processo e sem relevo para os autos):

Este procedimento de injunção “alicerça-se no decreto-lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias, cuja finalidade é conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de montante não superior ao valor de 15.000,00€, salvo quando esteja em causa transação comercial para os efeitos do decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, caso em que inexiste limite quanto ao montante do crédito, para permitir, de modo mais célere, a obtenção de um título executivo que faculte o acesso direto à ação executiva.

O decreto-lei n.º 62/2013, de 10 de maio (artigo 2º, nº 1), define o seu âmbito de aplicação a “pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais” e exclui “a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros”.

Por seu turno, a alínea b) do artigo 3º desse mesmo diploma, conforma a transação comercial, como “uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração”. E o seu art. 10º prevê o regime de “Procedimentos especiais” para “O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida” (nº 1), sendo que “ Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum” (nº 2). Caso em que “Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais”(n.º 3). E acrescenta que “As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação” (nº 4).

Decorre do exposto que o procedimento de injunção apenas é utilizável quando se destina a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 ou, independentemente desse valor, de obrigações emergentes de transações comerciais que não integrem as exceções previstas nas enunciadas alíneas a), b) e c) do predito decreto-lei 62/2013 (artigo 2º, nº 2).

Estando em causa um pedido inferior a 15.000,00€, a decisão recorrida considerou convocável o regime especial de procedimento e, portanto, a inviabilidade processual da reconvenção.

Contudo, o procedimento de injunção, após ser deduzida oposição, transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma especial ou comum, em função do valor.

Se estiver em causa uma injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transação comercial com valor superior a 15.000,00€, em que tenha sido deduzida oposição, ela segue os termos do processo comum (artigo 10º, nº 2 do identificado decreto-lei n.º 62/2013).

Se a injunção se destinar à cobrança de dívida de valor não superior a 15.000,00€, ela segue a forma de processo especial (arts. 3º a 5º do referido decreto-lei n.º 269/98, de 1 de setembro).

Entendendo que este procedimento de valor inferior a 15.000,00€ segue a forma de processo especial, vinha sendo pacífico (antes da entrada em vigor do NCPC) o entendimento que a reconvenção deveria ser liminarmente indeferida, por não ser consentida neste processo especial e ser insuscetível de adição o valor processual da reconvenção, designadamente para efeito da alteração da regra da competência ou da interposição de recurso (---).

Já quanto às injunções de valor superior a 15.000,00€, considerava-se admissível a formulação de reconvenção na oposição ao procedimento de injunção, essencialmente sob o argumento de que a tramitação processual imprimida passa a ser, após a oposição, a do processo comum (---).

De facto, esta solução não envolve qualquer óbice de índole adjetiva, porque a consequente distribuição da injunção como ação declarativa depois da oposição à injunção e a forma processual subsequente comporta a viabilidade da reconvenção e, por isso, se admite a reconvenção, sem controvérsia, nas ações de natureza comum decorrentes de injunção relativa a transação comercial de valor superior a €15.000,00 (---).

Sucede que este entendimento, após a entrada em vigor do Novo CPC, deixou de ser pacífico, mostrando-se a Jurisprudência e a Doutrina divididas, quanto a saber qual será melhor solução processual para os casos, como o concreto, em que, tendo sido intentada uma injunção de valor inferior a 15.000€, o Réu pretende deduzir a exceção de compensação (do seu alegado crédito) através de pedido reconvencional (como imporá agora o disposto no art. 266º, nº 2, al. c) do CPC).

Como decorre do exposto, no caso concreto, sendo a Injunção de valor inferior a metade da alçada do Tribunal do Tribunal da Relação, a injunção apresentada passou a seguir os termos da ação especial para cumprimento das obrigações pecuniárias, que comporta apenas dois articulados: o requerimento inicial e a oposição.

Por essa razão, entendeu o despacho recorrido não ser admissível a dedução de pedido reconvencional, invocando, o disposto no artigo 266º, nº 2, alínea c) CPC (que imporá agora que a exceção de compensação seja deduzida através de pedido reconvencional) (…).

Na verdade, segundo este normativo, a reconvenção é admissível: “Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.

No âmbito do direito processual anterior a esta alteração introduzida pelo NCPC, consolidara-se, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que a compensação deveria ser atuada pela via da exceção quando o contra crédito invocado pelo réu fosse igual ou inferior ao crédito invocado pelo autor, e pela via reconvencional, nos restantes casos, em que o réu pedia a condenação do autor no remanescente (---).

Não podendo o legislador alhear-se desta polémica, tem-se entendido maioritariamente que pretendeu afastar aquela posição, consagrando o sistema de compensação–reconvenção (7).
Independentemente da posição que se assuma sobre a nova redação do nº 2 do art. 266º do CPC, a questão que verdadeiramente se coloca no caso concreto é a de saber se numa ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior à alçada do Tribunal da Relação é possível ao réu deduzir a exceção de compensação através da dedução de pedido reconvencional (cfr. art. 266º, nº 2, al. c) do CPC).

Como já referimos, a Jurisprudência e a Doutrina tem-se dividido na resposta dada a esta questão. (…)

Em primeiro lugar, importa dizer que, como decorre do já exposto, a ação declarativa especial dos arts. 1º ss. do DL nº269/98, de 01.09., em cuja espécie é distribuída a providência de injunção quando sofre oposição, tem também como escopo principal “conferir força executiva à petição”, “com valor de decisão condenatória”, o que o juiz se limitará a realizar imediatamente, se o réu não contestar e não ocorrerem de forma evidente, exceções dilatórias ou o pedido não seja manifestamente improcedente (art.2º do DL nº269/98, de 01.09.).

Como referimos, nesta ação especial, finda a fase dos articulados (com petição inicial ou requerimento de injunção e com a oposição), se não for julgada procedente alguma exceção dilatória ou nulidade ou não for conhecido imediatamente o mérito da causa, segue-se imediatamente a realização da audiência de julgamento em 30 dias, nos termos dos arts.3º e 4º do DL nº nº269/98, de 01.09, ex vi do art.17º/1 do mesmo diploma.

Assim, esta ação especial, no contexto dos procedimentos especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias, não contempla, por força da sua finalidade e do seu regime, a dedução de um pedido reconvencional, nos termos do art. 266º, nº 2 do CPC, com vista à condenação do autor/reconvindo na pretensão do autor: quer porque esta pretensão ultrapassa o fim dos procedimentos especiais (conferir força executiva à petição inicial ou ao requerimento de injunção); quer porque a limitação expressa da forma especial à existência de dois articulados, por razões de celeridade processual, não admite a apresentação de réplica que responda à reconvenção, nos termos do art.584º do CPC. [...]

Pelos argumentos expostos no Acórdão que aqui em parte reproduzimos e que inteiramente secundamos, concluímos não assistir razão à recorrente.

Na ação especial regulada pelo DL 269/98 de 01/09 de valor não superior a €15.000,00, a qual permite apenas dois articulados, baseada no modelo da (antiga) ação sumaríssima e cujo escopo foi o de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção de forma célere e simplificada de título executivo, não é admissível o pedido reconvencional.

Por força do previsto no artigo 266º nº 2 al. c) do CPC a exceção de compensação tem de ser obrigatoriamente deduzida por via reconvencional.

Não sendo esta última admissível, tão pouco pode aquela ser apreciada por via de exceção no âmbito desta ação especial, não sendo despiciendo realçar que esta causa de extinção das obrigações ao contrário de outras - como a prescrição, caducidade, pagamento, perdão, dação em cumprimento e novação – implica para a sua apreciação a análise de uma nova relação jurídica trazida aos autos pela contra parte [---].

O princípio da adequação formal previsto no artigo 547º do CPC tão pouco será de utilizar como meio de alterar uma especial tramitação processual pensada pelo legislador com a específica finalidade de obter para o credor de obrigação pecuniária de valor não superior a €15.000,00, de forma célere e simples, um título executivo.

Por último e quanto ao argumento da inconstitucionalidade por violação do artigo 20º do CRP – ou seja por violação do direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais, é nosso entendimento não proceder o mesmo.

O Tribunal Constitucional tem vindo a esclarecer a abrangência do âmbito normativo do direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20º da CRP nos seguintes termos:

o direito de acesso aos tribunais implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente: (a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, os Acórdãos n.º 204/2015, 2.ª Secção, ponto 2.3; n.º 401/2017, da 3.ª Secção, ponto 14; n.º 675/2018, Plenário, ponto 6; n.º 687/2019, 1.ª Secção, ponto 13).

Acresce ainda que o direito de ação ou direito de agir em juízo terá de efetivar-se através de um processo equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais. A jurisprudência e a doutrina têm procurado densificar o conceito de processo equitativo essencialmente através dos seguintes princípios: (1) direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; (2) proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras; (3) direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiados exíguos; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em prazo razoável; (6) direito de conhecimento dos dados do processo (dossier); (7) direito à prova; (8) direito a um processo orientado para a justiça material (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed. revista, Coimbra Editora, 2007, vol. I, pp. 415-416).”


*3. [Comentário] O acórdão adopta, na matéria, a second best theory: não admite a solução óptima -- que seria a admissibilidade da invocação da compensação por via da reconvenção --, mas também não cai na "armadilha" de admitir a invocação da compensação por via de excepção, originando uma situação de desigualdade entre as partes quanto ao contraditório: o contraditório relativo ao crédito do autor é exercido na contestação; o contraditório referido ao crédito compensante é exercido na audiência final.

O que se pode discutir é se a solução encontrada no acórdão é compatível com a chamada "proibição de indefesa". Realmente, a que título é que se coarcta ao demandado a possibilidade de se defender através da extinção por compensação do crédito do demandante? É constitucionalmente admissível criar uma situação de desigualdade entre as partes, proibindo que uma delas utilize os meios de defesa que resultam do direito substantivo?

Note-se que esta desigualdade pode prejudicar qualquer das partes da acção. Havendo dois credores recíprocos, aquele que primeiro intentar a AECOP (ou requerer a injunção) impede o outro de invocar o crédito compensante. A solução acaba por favorecer uma muito discutível estratégia processual: precisamente a de favorecer a escolha propositada da AECOP (ou do procedimento de injunção) para impedir a defesa do demandado através da compensação.

MTS

14/12/2023

Jurisprudência 2023 (72)


Execução; embargos de executado;
suspensão da execução; caução


1. O sumário de RP 27/3/2023 (14766/22.3T8PRT-A.P1) é o seguinte:

I - De acordo com o art. 733.º, n.º 1, al. a) CPC, com o recebimento dos embargos, suspende-se o prosseguimento da execução, se o embargante prestar caução, nos termos do incidente referido no art. 915.º e regulado nos arts. 913.º CPC e 906.º e ss. CPC.

II - Na providência cautelar, ao abrigo do disposto no art. 365.º, n.º 3, CPC, é sempre admissível, para assegurar a efetividade da providência decretada, a fixação da sanção pecuniária compulsória prevista no art. 829.º- A CC para o caso de obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo.

III - Esta sanção não tem por fim a indemnização do credor (que está salvaguardada na parte final do n.º 2 para os danos moratórios), mas compelir o devedor a prestar o facto infungível, evitando o descrédito nas instituições judiciárias, pelo que não pode ser substituída por caução, nos termos do art. 368.º, n.º CPC.

IV - Diferente é, porém, a prestação de caução, não para suspender aquela sanção, mas para suspender a execução para entrega de coisa certa e cobrança de crédito proveniente de sanção pecuniária compulsória, havendo sido apresentados embargos de executado. E essa suspensão, por via de caução, não está excluída na lei (art.733.º, n.º 1 al. a), CPC).

V - Só se impõe a prestação de caução de forma autónoma se à data do pedido de suspensão ainda não tiver sido efetuada penhora ou a dívida exequenda não se encontrar provida de garantia real cujo valor seja igual ou superior ao crédito exequendo. Nesse caso, é de admitir que os valores já depositados na execução em consequência da penhora sejam considerados no valor da prestação a caucionar para obter a suspensão da execução.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A caução surge prevista no art. 623.º CC.

Prevê o n.º 1 que, se alguém for autorizado por lei a prestar caução, sem se designar a espécie que ela deve revestir, os meios de a prestar são: depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, penhor, hipoteca ou fiança bancária. Mas também podem revestir forma de caução o contrato de seguro (art.396.º, n.º 2 CSC) e a consignação de rendimentos (art. 907.º, n.º 3, CSC), admitindo-se também o seguro de caução e a garantia autónoma (art. 650.º, n.º 3 CPC).

Na falta de acordo entre os interessados, compete ao tribunal apreciar a idoneidade da caução (n.º 3). Em tal análise tem-se em conta a depreciação dos bens e as despesas que pode acarretar (arts. 912.º, n.º 2, 913.º, n.º 3, e 915.º CPC).

No requerimento inicial de prestação de caução, a executada pediu o seguinte:

QUE SEJA ADMITIDO O PRESENTE INCIDENTE DE PRESTAÇÃO ESPONTÂNEA DE CAUÇÃO, POR MEIO DE DEPÓSITO DEVENDO CANCELAR-SE TODAS AS RESTANTES PENHORAS.

A decisão recorrida decidiu considerar idónea a caução indicada, a prestar por meio de depósito, em dez dias.

No recurso apresentado pela requerente/executada, refere-se esta a circunstâncias (cumprimento integral do decido na providência, conclusão 9, e, contraditoriamente, incumprimento definitivo, conclusão 12, e caducidade da sps, conclusão 13) que não cabem dilucidar no âmbito deste incidente, o qual se destina apenas à prestação da caução.

E diz mais: considerando que, entretanto, encontra-se já penhorada a quantia de € 212.782, 77, a que acresce o depósito de que efetuou de € 12.929,88 €, deve ser admitida a depositar apenas a diferença entre o valor da spc e o já penhorado e depositado.

A requerida não se opõe a que a caução seja efetuada por meio de depósito.

Sendo, assim, o modo de prestação de caução é o de depósito. Mais adiante veremos que tipo de depósito pode este ser.

Quanto ao valor a depositar, a sentença fixou-o em € 47.850,00, acrescido do valor diário de € 1.500 desde a data da entrada da execução em juízo até à data da realização do depósito.

A este valor opõe a exequente que a caução a fixar deve corresponder ao valor que for devido de spc na data em que for efetuado o depósito, acrescido de mais € 45.000, 00, mensais, por tanto ser o vencimento mensal da sps fixada, mais 10% sobre o valor em dívida, correspondente aos custos prováveis com a execução, com obrigação de a executada efetuar reforço de caução, de mês a mês, em € 45.000,00.

Recorde-se que a execução não visa apenas a cobrança de quantia certa. Tem em vista a entrega de coisa certa, afirmando-se no requerimento executivo não ter a executada entregue até agora toda a documentação e informação informática em causa, pelo que se admite não estar já em questão toda a condenação de prestar contida na providência cautelar, como, aliás, repete a demandante na pi da ação principal já instaurada. Esta circunstância não poderá deixar de ser valorada.

Depois, na pi da ação principal, a demandante, aqui requerida, não pretende obter qualquer indemnização pelo incumprimento da aí Ré, mantendo, de novo, o pedido de spc, além do pedido de entrega dos elementos relativos ao software.

Atribuiu à ação o valor de € 50.001,00.

Daqui deflui que o valor do interesse real da requerida – obter o acesso total a um software que diz ser já seu – corresponderá ao valor por si atribuído à ação, tendo em conta o disposto no art. 296.º CPC.

A spc, como se disse, não tem em vista indemnizar o requerente, mas tão-só compelir o requerido a cumprir a prestação devida e a respeitar a decisão do tribunal, prestação devida essa a que a exequente atribuiu o valor de € 50.001,00.

Ademais, quanto à spc fixada na providência cautelar, apenas metade é devida ao credor (art. 829.-A, n.º 3 CC), cabendo o resto ao Estado.

Assim, dos € 45.000,00, mensais, devidos a título spc, apenas € 22.500,00, cabem à exequente.

Afigura-se-nos que, no tocante ao Estado, é suficiente a caução pelo valor atribuído à ação pela demandante para sustar uma execução que tem como escopo principal a entrega de coisa, prestação a que a credora atribui o valor de € 50.001,00, acrescido dos 10% previstos no art. 735.º, n.º 1 CPC, ou seja, € 55.001,10.

A decisão que fixou a spc transitou em julgado há oito meses, o que, considerando os € 22.500,00, mensais que seriam destinados à exequente, contabilizaria nesta altura o valor de € 180.000,00, a que acresce o valor da prestação de dare, a que a embargada atribui o valor de € 50.001,00, ou seja, € 185.001,00.

Todavia, a 9.2.2022, foi proferido despacho nos embargos de executado ordenando a realização de perícia que verifique se a prestação de dare foi cumprida (ou em que termos o foi) ou se é impossível, pelo que, se nos afigura desproporcional e desadequado continuar a onerar a executada com a contabilização da spc enquanto dura essa perícia, descontando-se àqueles € 181.001,00, 25 dias (até hoje), à razão diária de € 750,00,00, num total de € € 18.780 que, descontados àqueles € 181.001,00, contabilizariam € 162.221, mais os 10% mencionados, num total de € 178.443,10.

A caução seria, assim, neste momento de € 233.444,20 (€ 55.001,10 + € 178.443,10), não considerando os valores de spc que se vão vencendo desde este dia até à data da realização integral da perícia.

Note-se que não é a spc que se suspende, mas apenas a sua contagem para efeitos de prestação de uma caução justa e equitativa.

Todavia, mesmo aquele valor afigura-se-nos absolutamente exagerado e violador do princípio da justa medida se atendermos a que, parte da prestação de dare (em extensão que ignoramos) já foi cumprida; o valor atribuído pela credora à prestação devida pela executada é de € 50.001,00; a spc, apesar de transitada em julgado e, por isso, exequível, versou sobre uma prestação de dare e não sobre uma prestação de facto infungível.

Deste modo, consideramos adequada a caução de € 180.000,00 (incluindo-se aqui as três vertentes: Estado, credora de spc – tendo em conta as vicissitudes que ficaram expostas - e valor da ação principal), a que acrescem os 10% já mencionados, num total de € 198.000,00.

Aqui chegados, importa ponderar o que está depositado, que não só pode depósito direto da requerente da caução, mas também o depósito de valores seus à ordem da execução.

Antes mesmo de notificada a executada para entregar os documentos ou opor-se à execução, estava já penhorada a quantia de € 135.128,27, e, atualmente, a quantia total de € 248.061,61.

Acresce o depósito direto de € 12.929,88 €, sendo o valor total já apreendido à requerente de € 260.993,49.

Como se refere no ac. RC, de 5.11.2029 [sic],  Proc. 3141/T8PBL-B.C1: (…) havendo garantia constituída, a caução só se justifica pela diferença presumível, eventualmente existente, entre o seu valor (do bem dado em garantia) e o do crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que, em estimativa, se preveja que venham a vencer em resultado da paragem do processo executivo (cfr. entre outros, J. Lebre de Freitas Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 327 e J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 224 e seguintes, especialmente a nota (76)).

Assim, existindo garantia real anterior, nem sempre será necessário prestar uma nova e distinta caução e, muito menos, que o deva ser pela totalidade do crédito exequendo, porquanto não se justificará tal duplicação e sobrecarga para o executado (a garantia será idónea para o efeito de suspender a execução quando o valor do bem sobre que recai a garantia é suficiente para cobrir o crédito exequendo e os demais acréscimos e danos que resultem dessa suspensão). A nova caução já será necessária, no entanto, em caso de insuficiência do valor do bem dado em garantia, se este nada cobre para além do crédito exequendo. (cfr. os citados acórdãos da Relação do Porto de 31.10.2013, proc.º n.º 5025/12.0YYPRT-B.P1, relatado por Pinto de Almeida, da Relação de Coimbra de 05.5.2015, proc.º n.º 505/13.3TBMMV-B.C1, relatado por Manuel Capelo, da mesma Relação, de 17.01.2017, proc.º n.º 5211/15.1T8PBL-B.C1, relatado por Fonte Ramos e da Rel. de Évora de 6/11/ 2014 – proc.º n.º 53/14.4TBFAL-B.E1, relatado por Mata Ribeiro.

A particular função da caução prevista na al. a) do n.º 1 do artº 733º do CPC é de garantir o cumprimento da obrigação exequenda acautelando ou prevenindo os riscos que possam resultar da suspensão do processo executivo apresentando-se como requisitos essenciais, a sua prestação por meio adequado e que seja suficiente para assegurar a satisfação da obrigação exequenda, devendo por isso garantir o capital, bem como os juros vencidos e vincendos (v. Ac. do STJ de 04/03/2004 no processo 04B211 disponível in www.dgsi.pt).

Assim, não podemos deixar de advogar no sentido de estar com aqueles que não vêem objeção legal a que uma hipoteca já prestada a favor do exequente como garantia da obrigação exequenda possa ser oferecida e considerada idónea em ordem a servir como caução tendo em vista a suspensão da execução. (…)

Também Lebre de Freitas parece perfilhar de tal posição quando afirma (in A Ação Executiva, 6ª edição, 2014, 225) que “havendo garantia constituída, a caução só se justifica pela diferença presumível, eventualmente existente, entre o seu valor e o do crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que, em estimativa, se preveja que venham a vencer em resultado da paragem do processo executivo”

O mesmo entendimento parece defender Rui Pinto quando refere “havendo penhora ou garantia real, a caução cobrirá apenas o eventual diferencial estimado entre o valor garantido pela penhora e o estimado, após a mora processual, se necessário reforçando ou substituindo a penhora nos termos do artº 818º n.º 2 in fine, não se duplicando as garantias na parte já coberta. Mas também por isso mesmo se não houver diferencial, pode ser dispensada a prestação de caução por já haver penhora ou garantia real suficientes mesmo para a mora processual” (in Manual da Execução e Despejo, 2013, 434-435).

Por sua vez Lopes do Rego também parece dispensar a constituição de uma nova garantia aceitando como caução a pré existente ao afirmar que “é evidente que, se, se tratar de execução de débito provido de garantia real que assegure integralmente aquele interesse do credor, não haverá (demonstrada tal circunstância no procedimento de prestação de caução) lugar à constituição de nova garantia, julgando-se, …“prestada” a caução através da mera subsistência da garantia real pré-existente (cfr. Comentário ao CPC, 1999, 543).

Na mesma linha de entendimento Remédio Marques salienta que só se impõe a prestação de caução se à data do pedido de suspensão ainda não tiver sido efetuada a penhora ou a dívida exequenda não se encontrar provida de garantia real cujo valor seja igual ou superior ao crédito exequendo (cfr. Curso de Processo Executivo Comum, 2000, 163-164).

Da mesma opinião parece comungar F. Amâncio Ferreira quando refere “sendo função estrita da caução a mera garantia da dívida exequenda, e não também a de cobrir os prejuízos resultantes da demora no prosseguimento da ação executiva, não se torna necessária a prestação de caução se o crédito tiver garantia real (v.g., hipoteca) constituída anteriormente à ação executiva, ou se ulteriormente se efetuar penhora, desde que uma e outra garantam o crédito exequendo e acessórios, incluindo os juros que se vençam em consequência da paragem do processo”(cfr. Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., 196).”

No mesmo sentido, ac. RC, de 6.6.2015, Proc. 505/13.3 T8TBMMV-B.C1, em cujo sumário se lê: A existência de garantia real não impõe automaticamente a suspensão da execução mas também não é irrelevante para determinar se deve ou não ser prestada caução. Pelo que, existindo garantia real, uma nova caução para suspender a execução só será necessária em caso de insuficiência do valor do bem dado em garantia e se este nada cobre para além do crédito exequendo.

No caso dos autos, foram já efetuadas diversas penhoras sobre o património da executada (art. 601.º CPC).

A penhora é o ato executivo pelo qual se apreendem judicialmente os bens a ela sujeitos, privando-se o executado do pleno exercício dos poderes sobre esses bens.

Nos termos do art. 735.º, n.º1, CPC, a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.

Apela a lei a um princípio geral de proporcionalidade e adequação a que também faz referência a doutrina. Brandão Proença (Lições de Cumprimento e não Cumprimento da Obrigação, 2017, p. 504 e ss.) alude aqui a um princípio “atinente à adequação ou proporcionalidade entre o montante do crédito reclamado e a medida da garantia, da penhora ou do meio conservatório”.

Idêntico raciocínio vale para a prestação de caução que tem em vista sustar a execução no âmbito da qual apenas se levam a efeito medidas adequadas e proporcionais.

No caso dos autos, avultam as penhoras sobre direitos: depósitos bancários (art. 780.º CPC) e créditos da executada sobre terceiros (as penhoras de créditos – art. 773.º CPC). Resulta das informações da AE prestadas na execução (a 4.1.2023), estar depositada à ordem dos autos a quantia de € 148.063,51; mais € 83.356,61, conforme informação de 28.1.2023; estando, ainda penhorado crédito de € 16.643, 49, conforme informação de 20.2.2023. Acresce o depósito efetuado pela requerente, de € 12.929,88 €.

Sendo assim, é de admitir a prestação de caução pela embargante, com vista à suspensão da execução em curso, nos termos referidos, em valor que se fixa em € 198.000,00, já depositado nos autos, quer por via de depósito autónomo da executada, quer por via de depósito resultante das penhoras efetuadas."

[MTS]

13/12/2023

A transposição da Diret. 2020/1828 pelo DL 114-A/2023, de 5/12: dúvidas e perplexidades

 

[Para aceder ao texto clicar em M. Teixeira de Sousa]

Nota: versão actualizada em 17/2/2024.


Jurisprudência 2023 (71)


Ineptidão da petição inicial;
petição deficiente


I. O sumário de RG 30/3/2023 (1082/23. 2T8BRG.G1) é o seguinte:

1) Na providência cautelar de arresto é imprescindível, independentemente do grau de prova exigida, a alegação inteligível da factualidade integrante dos respectivos pressupostos exigidos no artº 392º, nº 1, do CPC.

2) Uma petição diz-se inepta – imprestável para viabilizar o prosseguimento da acção, inconsequente para alcançar a pretensão e até para proporcionar uma pronúncia cabal eficaz sobre esta e seus fundamentos no sentido da procedência ou improcedência – tanto quando, pura e simplesmente, faltar o pedido e a causa de pedir, como quando esta ou aquele forem ininteligíveis, impercetíveis, indecifráveis, inalcançáveis, o que obviamente sucederá perante alegações enevoadas e labirínticas onde não conseguem descortinar-se, nem depreender-se, os termos claros, precisos e concretos e os sujeitos certos de uma relação jurídica definida.

3) Da petição inepta deve distinguir-se a apenas deficiente.

4) Só esta e não aquela é susceptível de aperfeiçoamento e merecedora de convite para tal.


II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Da petição inepta deve distinguir-se a petição deficiente.

Ela sê-lo-á quando, apesar de se perceberem, com nitidez e coerência, o pedido e a causa de pedir, todavia se apresentar incompleta, eivada de incorrecções, traduzidas em imprecisões e insuficiências na exposição e concretização da matéria de factodesajeitada ou mesmo difusaprolixa ou com laivos de impertinência.

O ponto é que os elementos subjectivos da instância (os sujeitos) e os definidores nesta do objecto do processo (o pedido e a causa de pedir) se evidenciem ou se depreendem com nitidez suficiente, ainda que a petição careça de ser aprimorada de modo a não empecilhar a tramitação e a apreciação subsequentes.

petição congenitamente inepta, nos termos referidos, não pode ser, nem faz sentido que seja, alvo de convite ao aperfeiçoamento. A nulidade por isso implicada é insuprível. Não se lhe aplicam as disposições dos artºs 6º, nº 2, 278º, nº 2, e 590º, nºs 2 a 4, CPC.

Se falta (não existe de todo) ou é mesmo ininteligível (não se consegue depreender) o pedido ou a causa de pedir, ainda que imperfeitamente alegados, não é possível, logicamente, aí fazer um aperfeiçoamento. Só é remediável aquilo que apenas se apresenta enfermo. Não, o que, à nascença, já não ostenta vitalidade alguma para singrar e porventura vingar no foro.

Só em uma nova petição pode sanar-se a ineptidão e consequente nulidade da anterior.

Ora, é isso que o legislador pretende: à petição inepta segue-se a absolvição a instância. O passo seguinte, para a parte interessada que falhou exercitar o seu direito de acção (artº 3º, nº 2), será o de propor uma outra acção ou providência, devidamente estruturada, sobre o objecto visado.        

É isto que resulta da Jurisprudência predominante e a que, sem reserva, pelo exposto e pelo que dela própria deflui, se adere.

Vejamos.

Acórdão da Relação de Coimbra, de 18-10-2016 [[Processo nº 203848/14.2yIPRT.C1 (Manuel Capelo).]]:

“I – Segundo o art. 186º, n.º 2, alínea a) do N.C.P.C., a petição será inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.
II - A ineptidão da petição inicial é uma excepção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição dos Réus da instância e que tal excepção é de conhecimento oficioso pelo tribunal, conforme os artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil.
III – Nos termos dos arts. 5º, nº1, e 552º, nº1, al.d) do n. Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e as excepções, sendo pois na petição inicial que devem constar os concretos e reais factos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito.
IV - Em ação em que o pedido é o pagamento de quantia referente ao incumprimento de um contrato de mútuo ou de aluguer de veículo sem condutor ou semelhante, a autora terá de alegar e provar os termos do contrato, nomeadamente o montante mutuado, o montante das prestações devidas e seu prazo de vencimento e bem assim, a data da mora e incumprimento definitivo e de onde decorre o valor que peticiona, se só de juros e capital se de outra origem, concretizando-a nesse caso;
V - Não é de convidar à correcção da petição inicial (nos termos do art. 590º, nºs 2, al.b), 3 e 4 do nCPC) quando a petição seja inepta nos termos do art. 186º do mesmo diploma, uma vez que só um articulado que não padeça dos vícios mencionados neste último preceito pode ser objecto desse convite à correcção e isto porque se a parte declinar tal convite tal comportamento de inércia não obsta a que a acção prossiga os seus termos, contrariamente à consequência para a ineptidão que é a de determinar a nulidade de todo o processo.
[…]
VII - O poder de mandar aperfeiçoar os articulados para serem supridas insuficiências ou imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada (art. 590º, nº4 do nCPC) tem de ser entendido em rigorosos limites, e isto porque este convite se realiza apenas quando existam as apontadas insuficiências ou imprecisões que possam ser resolvidas com esclarecimentos, aditamentos ou correcções. Ou seja, anomalias que não ponham em causa, em absoluto, o conhecimento da questão jurídica e a decisão do seu mérito mas que possam facilitar que este conhecimento e decisão sejam realizados de forma mais eficaz.”

Acórdão da Relação do Porto, de 14-11-2017 [[Processo nº 7034/15.9T8VIS.C1 (Fonte Ramos).]]:
                                                                                                                                                     
“1. A causa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer (legalmente idóneo para o condicionar ou produzir).
2. A petição inicial será inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (art.º 186º, n.º 2, alínea a) do CPC).
3. A figura da ineptidão da petição inicial (que implica que, por ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, o processo careça, em bom rigor, de um objecto inteligível) distingue-se e contrapõe-se à mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida.
4. Apenas nesta segunda situação a parte poderá/deverá ser convidada a completar o articulado, podendo ainda tal insuficiência ou incompletude vir a ser suprida em consequência da aquisição processual de tais factos concretizadores, se revelados no decurso da instrução - art.ºs 5º, n.º 2, alínea b) e 590º, n.º 4 do CPC.
[…].”.

Acórdão da Relação do Porto, de 10-09-2019 [[Processo nº 11226/16.5T8PRT-A.P1 (Rui Moreira).]]:

“I – Perante a alegação deficiente ou incompleta dos factos que constituem a causa de pedir, o art. 590º, nº 4 do CPC estabelece um dever legal do juiz, sob a forma de um “despacho de aperfeiçoamento vinculado”, no sentido de identificar os aspectos merecedores de complementação ou correcção.
II -Tal dever não tende à recuperação de petições ineptas, mas impõe-se para o aproveitamento de articulados minimamente aptos, mau grado insuficientes, deficientes ou imprecisos, de forma a prevenir que o curso do processo venha, sem alteração do seu conteúdo fáctico, a inviabilizar ulteriormente a completa identificação da fattispecie do instituto jurídico previamente apontado em sede de causa de pedir.
III – A omissão daquele despacho de aperfeiçoamento vinculado constitui uma vício que se projecta na sentença, por nesta se deixarem por conhecer factos que seriam essenciais para a decisão da causa e que, a ter sido proferido oportunamente aquele despacho, para a mesma teriam sido importados, determinando a anulação da sentença e a devolução do processo ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto, sem prejuízo da prévia prática dos actos processuais tidos por adequados para esse efeito.”.

Acórdão da Relação do Porto, de 07-12-2018 [[Processo nº 17055/16.9T8PRT.P1 (Fernanda Almeida).]]:

“I - O convite ao aperfeiçoamento constitui um dos objetos possíveis do chamado despacho pré-saneador (art. 590.º, n.º 2 CPC).
II - Tratando-se de pressupostos sanáveis, impende sobre o tribunal o poder-dever ou poder funcional (poder vinculado) de gestão processual e de agilização do processo, removendo oficiosamente a exceção dilatória ou convidando a parte a fazê-lo. A omissão de tal dever implica nulidade (art. 195.º, n.º 1 CPC).
III - A nulidade processual decorrente da ineptidão da petição inicial não é um pressuposto processual suprível ou que caiba nos casos de aperfeiçoamento previstos na lei.
IV - Findos os articulados, vislumbrando-se imediatamente a ineptidão da petição inicial e/ou a improcedência dos pedidos formulados, não se justifica a prática de atos como o chamamento de terceiros à acção em incidente de intervenção provocada.”.

Acórdão da Relação de Lisboa, de 24-01-2019 [[ Processo nº 573/18.1T8SXL.L1-6 (Manuel Rodrigues).]]:

“I – O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento, por iniciativa do juiz, da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir.
II - O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.
III - Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.
IV - As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).”.

Acórdão da Relação do Porto, de 21-11-2019 [[Processo nº 20935/18.3T8PRT.P1 (Paulo Duarte Teixeira).]]:

“I - A causa de pedir é a realidade concreta resultante do mundo empírico, simples ou complexa que subsumível às normas aplicáveis irá fundamentar a pretensão da parte.
II - A ineptidão da petição inicial existe quando ocorrer uma falta de exposição essencial da causa de pedir e não apenas mera deficiência ou lacuna de alegação.
III - Como critério auxiliar para determinar essa distinção pode-se utilizar a previsão do art. 5º, do CPC, por forma apurar se a causa de pedir omitida de forma parcial é ainda uma realidade/facto essencial, que não pode ser densificada ou complementada por outros factos.
IV. Quando isso ocorrer existe uma nulidade absoluta que não deve ser objecto de despacho de aperfeiçoamento nos termos do art. 590º, do CPC.”.

Acórdão da Relação de Lisboa, de 10-09-2020 [[Processo nº 17500/18.9T8LSB.L1-2 (Nelson Borges Carneiro).]]:

“I – Causa de pedir é o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido.
II – A causa de pedir é ininteligível quando há impossibilidade de compreensão da causa de pedir, isto é, dos fundamentos de facto da ação, leva a que não se perceba onde radica, afinal, a pretensão formulada.
III – A falta de formulação do pedido ou de indicação da causa de pedir, traduzindo-se na falta do objeto do processo, constitui nulidade de todo ele por ineptidão da petição inicial.                    
IV – O convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é percetível (inteligível).”.

Acórdão da Relação de Lisboa, de 27-04-2021 [[Processo nº 2725/17.2T8LRS.L1-7 (Cristina Silva Maximiano).]]:

“I– O nº 3 do art. 186º do Código de Processo Civil exige, para afastar a procedência da excepção de ineptidão da petição inicial, que, além da dedução da contestação, o réu tenha interpretado convenientemente a petição inicial, aqui entendida como pretensão processualizada integrada pelo pedido e causa de pedir.
II– A falta ou a ininteligibilidade do pedido e/ou da causa de pedir não são passíveis de suprimento, pelo que, não há lugar a aperfeiçoamento.”.

Acórdão da Relação de Lisboa, de 28-09-2021 [[Processo nº 4357/19.1T8LSB.L1-7 (Maria da Conceição Saavedra).]]:

“I- A ineptidão da petição inicial não dá lugar ao aperfeiçoamento, constituindo, em regra, exceção dilatória insuprível;
II- A incompatibilidade substancial dos pedidos que implica a ineptidão da petição inicial (al. c) do nº 2 do art. 186 do C.P.C.) só releva no âmbito da cumulação real, pois tratando-se de pedidos subsidiários ou alternativos a cumulação é apenas aparente, na medida em que a apreciação de um excluirá o conhecimento do outro, não sendo considerados em conjunto;
III- Afigurando-se existir uma incompatibilidade substancial de pedidos, tal vício será sanável, designadamente através de um convite ao autor para que opte por um dos pedidos ou esclareça se os mesmos foram formulados em cumulação real, para serem todos eles atendidos em simultâneo (art. 555 do C.P.C.), ou, afinal, em cumulação alternativa (art. 553 do C.P.C.) ou subsidiária (art. 554 do C.P.C.);
IV- Tal convite dirigido ao autor poderá constituir uma forma de retificar, de forma expedita, um simples lapso ou uma mera deficiência na formulação dos pedidos, constituindo resposta adequada ao princípio da economia processual e ao da prevalência das decisões de mérito sobre as formais.”.

Acórdão da Relação de Guimarães, de 28-10-2021 [[ Processo nº 315/20.1T8PTB.G1 (Maria dos Anjos Nogueira).]]:

“I - A figura da ineptidão da petição inicial que implica ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, distingue-se e contrapõe-se à mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida.
II – Sendo irrefutável que a reforma processual operada pelos DL 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/09, consagrou um alargamento da possibilidade de salvar a acção inquinada por algum dos vícios impeditivos do conhecimento de mérito, o certo é que o alargamento de tal possibilidade de sanação ficou ainda reservada para aquelas situações resultantes de falhas menores que deixam intacta a estrutura fundamental da instância.”.

Acórdão da Relação do Porto, de 24-02-2022 [[Processo nº 7842/21.1T8VNG-A.P1 (Judite Pires).]]:

“I - O arresto é um meio de garantia patrimonial do credor, cuja regulamentação substantiva encontra acolhimento nos artigos 619.º e seguintes do Código Civil, sendo o seu tratamento adjectivo feito pelos artigos 391.º a 396.º do Código de Processo Civil.
II - A providência em causa depende da verificação cumulativa de dois requisitos: a probabilidade da existência do crédito do credor e a existência de justo receio de perda da garantia patrimonial do mesmo.
III - Para a configuração do “justo receio da perda da garantia patrimonial” não basta o mero receio subjectivo do credor, sustentado em simples conjecturas, antes devendo fundar-se em factos concretos que sumariamente o indiciem.
IV - O convite ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada passou a ser, no âmbito da aplicação do n.º 4 do artigo 590.º do actual Código de Processo Civil, uma incumbência do juiz, constituindo um dever seu.
V - A incumbência, agora vinculada, de formular convite ao aperfeiçoamento de articulado apenas se justifica como forma de suprimento de deficiente exposição ou concretização da matéria de facto alegada, por insuficiência ou imprecisão da mesma.”.

Acórdão da Relação de Lisboa, de 20-12-2022 [[Processo nº 20802/21.3T8LSB.L1-7 (Maria da Conceição Saavedra).]]:

“I- A ineptidão da petição inicial não dá lugar ao aperfeiçoamento, constituindo, em regra, exceção dilatória insuprível;
II- Não há contradição entre o pedido e a causa de pedir se o Condomínio A. invoca, na petição inicial, que a Ré, construtora e promotora imobiliária do prédio dos autos, executou a obra com defeitos (vícios de construção ou má opção técnica) que enumera, pelo que, conclui, lhe cumpre eliminá-los de acordo com o previsto no art.º 1225 do C.C., o que pede a final;
III- Se existe deficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, designadamente em matéria dos concretos defeitos cuja reparação se requer, é questão inteiramente distinta a justificar, quando muito, o convite ao aperfeiçoamento (art.º 590 do C.P.C.), mas que nada tem que ver com a ineptidão da petição inicial.”.

Ora, na expressão dos próprios recorrentes, estamos perante um “enredo” (item 48 da petição) – situação que está precisamente nos antípodas do que se exige no processo judicial.

Na verdade, como emerge dos aspectos destacados no despacho recorrido mas não só, lendo-se a petição e mesmo agora as alegações, confirma-se que os próprios requerentes parecem não ter noção clara e precisa da teia em que todos se envolveram nem daquilo em que se comprometeram.

Logo, também o Tribunal não pode considerar, na história contada, nem depreender desta, se existe e qual é a causa de pedir do pretenso crédito a garantir e quem são os artífices – credores e devedores – de tal obrigação, mormente os responsáveis e a que título.

Com efeito, embora apontem transferências de valores e entregas monetárias, ora aludem, para sua justificação e correspondente responsabilização, a uma compra e venda (itens 8 a 10 e 14 da pi), de carros e de uma “logística”, ora a “negócios que se foram cruzando entre as partes” mas penumbrosos (item 18), ora a “corredores” e “apaixonados” e “sonhadores” sem posses (itens 4º, 15º e 56º) por automóveis e corridas, ora a “sócios” e negócios societários (itens 17, 2º e seguintes). Da “cessão de quotas” (item 23) passa-se, num ápice, a uma “prestação de serviços” (item 30) e a uma “prestação de contas” (item 43) que teriam sido acordadas, mas termina-se ora por sugeridos incumprimentos de acordos ora por prática de ilícitos extracontratuais que terão passado por apropriação e falsificação, mesmo de índole penal (itens 48, 52e 56).

Para cúmulo, em vez de, nas alegações, se evidenciar onde se encontra alegada ou de onde se pode depreender a causa de pedir, diz-se agora nelas que nunca se tratou de compra (nºs 18, 22 e 23, aliás contraditórios entre si) mas de “investimento” (nº 32 das alegações e inusitadas conclusões 3 e 4) e de “promessa de cessão de quotas” (conclusão 5)!

Ora, se os requerentes não sabem, não entendem, não têm noção, do que fizeram, combinaram, enfim do que ocorreu e com quem, como poderia tê-la ou depreendê-la o Tribunal?

petição é inepta, por ininteligibilidade da causa de pedir e consequentemente da fonte e natureza do crédito e dos sujeitos credores e devedores, por isso falhando um requisito básico da providência requerida.

Não é remediável mediante convite ao aperfeiçoamento.

Não ocorre, enfim, a situação verificada no pelos recorrentes invocado Acórdão da Relação do Porto, de 30-04-2020, nem a solução deste pode analogamente ser transposta para aqui [[Processo nº 639/18.8T8PRD.P1 (Joaquim Moura).]].

Atente-se no que, sumariamente, nele está dito:

“I – Diversamente do que acontecia na vigência do Código de Processo Civil de 1961, agora, face ao que se dispõe no artigo 590.º, n.os 2, al. b), e 4, do CPC, não há razão para controvérsia: o poder do juiz de convidar as partes a aperfeiçoar os seus articulados quando estes revelem insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada não é um poder discricionário, mas antes um podere-dever, um poder vinculado.
II - O convite ao aperfeiçoamento (como o próprio termo inculca) supõe que os articulados revelem um conteúdo fáctico mínimo, ainda que deficientemente expresso: a petição inicial, que individualize a causa de pedir; a contestação, que identifique a(s) excepção(ões) deduzida(s) densificando-a(s) com os pertinentes elementos de facto.
III – No caso sub judicio, embora esteja, minimamente, identificada a causa de pedir, a petição inicial é, manifestamente, deficiente, já porque não descreve suficientemente actos materiais concretizadores de uma posse boa para usucapião, já porque abundam as afirmações vagas e conclusivas, pelo que se impunha que o tribunal proferisse despacho de convite ao aperfeiçoamento daquele articulado.
IV - A falta desse despacho configura omissão de um acto que a lei prescreve e a situação é especialmente ostensiva porquanto a Sra. Juiz, além de omitir a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, extraiu da deficiência da p.i. efeitos que se projectaram na improcedência da acção.
V - A omissão desse despacho, sendo uma nulidade processual, influiu no exame e decisão da causa, posto que esta julgou improcedente o pedido formulado pelo autor por insuficiência de factos que poderiam ter sido invocados em cumprimento do convite ao aperfeiçoamento, acabando por afectar com o vício da nulidade a própria sentença.”

Com efeito, neste se comunga da posição de que não é susceptível de convite ao aperfeiçoamento a petição que não contenha “conteúdo fáctico mínimo, ainda que deficientemente expresso”, que não “identifique a causa de pedir” e que, portanto, sendo ela inepta, como neste caso é, não se configura omissão daquele acto nem, consequentemente, o cometimento de qualquer nulidade.

Sucede é que, no caso sub judice, aquele mínimo individualizador não existe."

[MTS]