Justo impedimento; prova testemunhal
1. É o seguinte o sumário de RC 30/6/2015 (39/14.9T8LMG-A.C1):
I – São requisitos cumulativos do justo impedimento: que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; que determine a impossibilidade de praticar em tempo o acto.
II - No julgamento do justo impedimento o juiz só deve deferir se verificar que a parte se apresentou a requerer logo que o impedimento cessou.
III - Não é admitida a prova testemunhal para demonstração da prática de acto processual por transmissão electrónica de dados, prova que só é admissível por documento electrónico - ou através da representação escrita de que é susceptível – i.e., através de uma declaração de validação cronológica, que ateste a data da expedição ou recepção do documento electrónico correspondente.
IV - Não integra justo impedimento a avaria do computador do Sr. Advogado subscritor da peça processual, impeditiva da expedição ou remessa da peça processual por transmissão electrónica de dados.
2. O acórdão da RC orienta-se pela única solução possível, como decorre do seguinte trecho que consta da fundamentação do acórdão:
"O facto que, no caso, se alegou como justo impedimento, consiste na avaria do computador do Exmo. Mandatário dos contestantes, avaria quer de software, provocada por vírus, quer de hardware – queima de uma peça física daquele dispositivo tecnológico.
Ora não pode, em boa verdade, dizer-se que esse facto não seja imputável ao Sr. Advogado ou que o tenha, em absoluto, privado da possibilidade de praticar o acto dentro do prazo assinado na lei.
De um aspecto, as avarias de computar – tanto do hardware, como de software – são, apesar de todos os progressos técnicos, ocorrências relativamente comuns e mesmo vulgares, pelo que um operador prudente dessas tecnologias deve adoptar todas as cautelas – que a evolução tecnológica disponibiliza a esse mesmo utilizador, como por exemplo, os sistemas de protecção antivírus, de análise e diagnóstico dos sistemas operativos, de backup e de cloud computing – de modo a preservar a integridade do computador e a recuperar o seu conteúdo em caso de avaria, seja ela física ou de software.
De outro aspecto, em face da avaria do computador, a atitude mais avisada não é, decerto, tornar indisponível esse mesmo computador tendo em vista uma sempre incerta ou duvidosa possibilidade de o reparar e de recuperar ou restaurar um qualquer ficheiro contido na unidade de processamento. Nesta hipótese – tendo em conta a iminência do completamento, mesmo do alongamento do prazo marcado na lei para a apresentação do articulado - mandava a prudência que se enviasse a peça processual através de outro computador. Sublinha-se justamente esse ponto, dado que – segundo a alegação mesma dos apelantes - foi isso que acabou por suceder: de harmonia com aquela alegação, o articulado de contestação terminou por ser expedido através do computador da colaboradora forense do Sr. Advogado – mas só no dia 6 de Novembro. Neste contexto, é pertinente perguntar por que razão é que a peça não foi expedida, utilizando aquele computador, logo no dia 4 do mesmo mês e por que motivo, havendo o pleno convencimento de que a peça tinha sido expedida no dia 4 se repetiu a expedição, no dia 6, data em que aliás foi paga a multa reclamada pela lei como condição de validade da prática do acto fora do prazo peremptório assinado nela assinado.
Portanto, de um aspecto, o facto da avaria do computador não pode considerar-se de todo estranho ou inimputável ao utilizador e, de outro – o que é mais - nem a avaria desse dispositivo constituiu facto absolutamente impeditivo de praticar o acto em tempo. Conclusão que é conforme com a orientação jurisprudencial de que a avaria de dispositivos informáticos não é susceptível de se subsumir ao conceito de justo impedimento [...].
Depois, é de todo patente que os demandados não se apresentaram a requerer logo que o impedimento alegado cessou. Convém recordar que o computador avariou no dia 4, foi reparado no dia 6 e o articulado de contestação foi expedido também no dia 6 – dia em que foi paga a multa processual – e que os apelados só no dia 12 se apresentaram a alegar o justo impedimento e oferecer a respectiva prova. Esta razão seria suficiente, se acaso outras não existissem, para lhes recusar a procedência da alegação. De resto, a alegação de que só no dia 12 de Novembro se adquiriu a percepção de que a contestação havia sido dado entrada no dia 6 mal se conjuga com esta outra – que o documento foi enviado novamente no dia 6 de Novembro."
3. Tem interesse referir que o tribunal de 1.ª instância reconheceu o justo impedimento alegado pelo réu. Esta decisão foi impugnada pela autora, que já antes requerera o indeferimento do requerimento do réu de reconhecimento do justo impedimento e que, com a decisão da RC, conseguiu obter a revelia do réu.
MTS