1. O art. 369.º, n.º 1, nCPC
permite que o requerente de uma providência cautelar solicite que o juiz, na decisão
que decrete a providência, o dispense do ónus de propositura da ação principal: para tal é necessário
que a matéria adquirida no procedimento permita a esse juiz formar convicção
segura acerca da existência do direito acautelado e que a natureza da
providência decretada seja adequada a realizar a composição definitiva do
litígio.
Se o
procedimento cautelar comportar um elemento de estraneidade – isto é, se
possuir uma relação (objectiva ou subjectiva) com várias ordens jurídicas –, há
que averiguar a competência internacional dos tribunais portugueses para
decretar essa providência. Isso é realizado nos seguintes moldes:
– Se o
requerido tiver o seu domicílio (ou sede) num Estado-membro do Reg. 1215/2012,
há que aplicar este instrumento europeu (cf. art. 6.º, n.º 1, Reg. 1215/2012);
– Se o
requerido não tiver domicílio (ou sede) num Estado-membro do Reg. 1215/2012, a
competência internacional dos tribunais portugueses é aferida por uma convenção
internacional, ou, na maior parte dos casos, pelo direito interno português.
2. Se
o requerido não tiver o seu domicílio (ou sede) num Estado-membro do Reg. 1215/2012
e não for aplicável nenhuma convenção internacional de que Portugal seja parte,
a competência internacional dos tribunais portugueses para o decretamento da
providência cautelar e da inversão do contencioso é aferida nos termos do
princípio da coincidência (art. 62.º, al. a), nCPC). Em concreto, há que
conjugar esse princípio com o disposto no art. 78.º nCPC, assim se
determinando, em simultâneo, a competência territorial de um tribunal português
e a sua competência internacional.
O
reconhecimento e a execução da providência proferida pelo tribunal português num
outro Estado fica dependente do que se encontre estabelecido numa convenção
internacional de que Portugal e esse Estado sejam partes ou no direito interno
desse Estado.
3. Na
hipótese de o requerido ter domicílio (ou sede) num Estado-membro do Reg.
1215/2012, há que aplicar o estabelecido no art. 35.º Reg. 1215/2012
(equivalente ao art. 31.º Reg. 44/2001) na determinação da competência
internacional do tribunal português. Aquele preceito atribui ao requerente da
providência uma opção:
– O
requerente pode solicitar uma providência cautelar prevista na lei de um
Estado-membro nos tribunais deste mesmo Estado, ainda que os tribunais de outro
Estado-Membro sejam competentes para conhecer do mérito da causa, isto é, para
a correspondente acção principal;
– O
requerente também pode solicitar a providência no tribunal que seja competente
para apreciar o mérito, isto é, no tribunal que seja competente para apreciar a
acção principal segundo um dos vários critérios estabelecidos no art. 1215/2012.
4. Se, nos termos descritos, o
Reg. 1215/2012 dever ser aplicado na determinação da competência internacional,
há que considerar, quanto ao reconhecimento e execução da medida que decreta a
providência cautelar, uma importante especificidade. De acordo com a definição constante
do art. 2.º, al. a) § 2,º 1.ª parte, Reg. 1215/2012, só são reconhecidas nos
demais Estado-membros as providências que tenham sido decretadas num tribunal
que (também) seja competente para apreciar o mérito. Esta solução não retira
eficácia à decisão que decreta a providência quando a mesma tenha sido proferida
por um tribunal que não seja competente, segundo o Reg. 1215/2012, para
apreciar o mérito, mas restringe o âmbito dessa providência: esta fica
confinada, em termos territoriais, ao Estado em que a providência tenha sido
decretada.
Posto isto, importa determinar qual
a consequência desta territorialidade da providência cautelar para a inversão
do contencioso. Teoricamente, são possíveis duas soluções (sempre tendo
presente que se trata de um caso em que deve ser aplicado o Reg. 1215/2012):
– Segundo uma delas, a
territorialidade da providência estende-se à própria decisão de inversão do
contencioso; de acordo com esta solução, a inversão do contencioso que seja
decretada num tribunal português que não seja competente segundo o disposto no
Reg. 1215/2012 não pode ser reconhecida em nenhum outro Estado-membro, ou seja,
só pode ser executada em Portugal;
– Segundo uma outra solução
possível, não é admissível solicitar a inversão do contencioso num tribunal português
que não seja competente segundo o Reg. 1215/2012; isto significa que, mesmo que,
nos termos do art. 35.º Reg. 1215/2012, a providência cautelar possa ser
decretada em Portugal por ser uma providência prevista na legislação
portuguesa, a inversão do contencioso só pode ser requerida num tribunal português
que seja competente segundo algum dos critérios estabelecidos no Reg.
1215/2012.
Esta última solução é a que
parece preferível. O decretamento da inversão do contencioso implica que a
tutela provisória se consolida como tutela definitiva, se o requerido não
instaurar uma acção de impugnação (cf. art. 371.º, n.º 1, nCPC). Seria
contrário às finalidades do Reg. 1215/2012, e, em especial, ao princípio da
liberdade de circulação das decisões no espaço europeu, admitir que pudesse
existir, nesse mesmo espaço, uma decisão sobre uma tutela definitiva que, à
partida, estivesse limitada quanto ao âmbito da sua eficácia (em concreto,
estivesse restringida ao território português). O Reg. 1215/2012 pode admitir
uma providência cautelar que não pode circular no espaço europeu, dado que, em
última análise, essa tutela provisória se destina a ser confirmada ou
substituída por uma tutela definitiva obtida num tribunal competente segundo
esse acto europeu; mas o Reg. 1215/2012 não pode aceitar uma tutela definitiva
que, por possuir uma restrição geográfica, não possa circular nesse espaço.
Disto decorre que, se o
requerido tiver domicílio (ou sede) num Estado-membro do Reg. 1215/2012 – e se,
portanto, este acto europeu dever ser aplicado na determinação da competência
internacional dos tribunais portugueses –, a inversão do contencioso só pode
ser solicitada num tribunal português que seja competente segundo um dos
critérios enunciados no Reg. 1215/2012.
MTS