"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/06/2025

Jurisprudência 2024 (198)


Apoio judiciário;
requerimento; prazo de condescendência


I. O sumário de RG 24/10/2024 (612/17.3T8VLN-A.G1) é o seguinte:

1 - Quando o pedido de apoio judiciário tendente à nomeação de patrono é apresentado na pendência de uma ação judicial, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.

2 – Se é certo que o decurso de um prazo perentório extingue o direito de praticar o ato, o próprio artigo 139.º do CPC prevê duas situações em que os efeitos preclusivos resultantes do esgotamento de um prazo perentório podem ser evitados: a prática do ato dentro dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo ou a ocorrência de justo impedimento.

3 - A possibilidade da junção do documento comprovativo do requerimento de apoio judiciário poder ocorrer num dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, é a única que protege a ideia de um processo justo e equitativo, corolário do princípio da igualdade das partes, que o tribunal deve assegurar nos termos do disposto no artigo 4.º do CPC.

4 – Caso contrário, correr-se-ia o risco de o interessado não poder defender de forma efetiva e eficaz os seus direitos e interesses legalmente protegidos, podendo ficar numa posição juridicamente desigual quanto à possibilidade do uso dos meios processuais a praticar dentro do prazo em relação aos demais interessados que não carecessem economicamente de socorrer-se do apoio judiciário por poderem contratar um patrono para defender as suas posições na ação.

II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Entendeu-se na decisão recorrida que a informação e/ou junção do requerimento de pedido de apoio judiciário apenas terão virtualidade interruptiva se ocorrer dentro do prazo normal para contestar ou deduzir oposição, não constituindo prazo, para esse efeito, os três dias em que se pode praticar o ato pagando uma penalidade, pelo que, quando foi junto aos autos o comprovativo do pedido de apoio judiciário no dia 08/02/20204, o prazo para serem deduzidos os embargos já havia terminado no dia 06/02/2024.

Não podemos concordar com este entendimento.

Como é sabido, o apoio judiciário compreende diversas modalidades, entre elas, a nomeação e pagamento da compensação de patrono (artigo 16º, nº 1, alínea b) da Lei nº 34/2004 de 29/7).

O artigo 24º, nºs 4 e 5 da mencionada Lei prescreve que, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo e inicia-se a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação (sendo inconstitucional a interpretação com o sentido de que o prazo interrompido se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado – Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 515/2020, publicado no DR 1.ª Série, n.º 225, de 18/11/2020).

A interrupção inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir da cessação do facto com eficácia interruptiva - cfr. artigo 326.º do Código Civil.

Com efeito, enquanto na suspensão os prazos são contados até à data do facto suspensivo e quando voltam a correr a contagem é retomada onde parou, na interrupção os prazos são contados até à data em que ocorre o facto interruptivo e depois a contagem começa do início, inutilizando-se o prazo já decorrido.

Ora, conforme se diz na decisão recorrida e resulta do n.º 3 do artigo 139.º do CPC (quanto às modalidades do prazo), o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato. Tendo o executado o prazo de 20 dias a contar da citação para se opor à execução (artigo 728.º, n.º 1 do CPC), não poderia ter junto o requerimento comprovativo do pedido de apoio judiciário, com a virtualidade de interrupção do prazo em curso, após o términus desse prazo.
Contudo, o próprio artigo 139.º do CPC prevê duas situações em que os efeitos preclusivos resultantes do esgotamento de um prazo perentório podem ser evitados: a prática do ato dentro dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo ou a ocorrência de justo impedimento – n.ºs 4 e 5 do artigo 139.º - sendo certo que se a primeira está dependente do pagamento imediato de uma multa, mesmo aqui há um mecanismo suplementar destinado a salvar o ato que tiver sido praticado sem o pagamento da multa, que é a notificação da secretaria, logo que a falta seja verificada (n.º 6).

Ou seja, o legislador, mesmo sendo perentório o prazo, quis expressamente consentir na prática do ato nos três dias úteis após o seu decurso.

Este regime tem de abranger a prática de qualquer ato que a parte tenha a faculdade de praticar. “Se a parte tem essa faculdade porque está dentro do prazo ou porque beneficia do prazo de complacência estabelecido no artigo 139.º, n.º 5, isso tem de ser indiferente” – Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa, Código Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 164, citando Teixeira de Sousa (https//blogippc.bçogspot.pt).

Como bem se refere na alegação de recurso “não fosse a necessidade de requerer o prévio apoio judiciário, o ato poderia ser praticado nos autos com inteira validade e efeitos, mesmo encontrando-se já ultrapassado o aludido prazo perentório”.

E é aqui que convocamos o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 467/2004, de 23/06/2004 (relator Benjamim Rodrigues), citado no Acórdão desta Relação de Guimarães de 23/02/2023, processo n.º 359/21.6T8GMR-A.G1 (Alcides Rodrigues), in www.dgsi.pt:

“[A] norma em causa (artigo 24.º, n.º 4 da Lei 34/2004, de 29/07) dispõe sobre os efeitos da apresentação do requerimento com que é promovido perante a competente autoridade administrativa o procedimento administrativo de concessão do apoio judiciário e da junção aos autos do documento comprovativo desse requerimento, determinando que “o prazo que estiver em curso interrompe -se” com a junção aos autos deste documento.

A ratio do preceito é evidente. Os prazos processuais são interregnos de tempo que são conferidos aos interessados para o estudo das posições a tomar no processo na defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, maxime, para virem ao processo expor os factos e as razões de direito de que estes decorrem. Uma tal decisão poderá envolver a utilização de conhecimento técnicos especializados da área do direito, sendo que a capacidade para a sua prática apenas é reconhecida às pessoas que estão legalmente habilitadas a exercer o patrocínio judiciário, em regra, os advogados. Ora, estando pendente de apreciação o pedido de concessão do apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono que há de tomar aquela posição do interessado, apreciação essa levada a cabo, no domínio da Lei n.º 30-E/2000, pelas autoridades administrativas da Segurança Social (no sistema anterior essa tarefa era levada a cabo pelo próprio tribunal), se o prazo em curso não se interrompesse com a apresentação do pedido de apoio à autoridade administrativa competente e a prova dessa apresentação perante a autoridade judiciária perante quem corre a ação, correr-se-ia o risco de o interessado não poder defender de forma efetiva e eficaz os seus direitos e interesses legalmente protegidos, quer porque o prazo entretanto se poderia ter esgotado, quer porque disporia sempre de um prazo inferior ao estabelecido na lei para prática do ato ao qual o prazo está funcionalizado. A não acontecer essa interrupção, o interessado ficaria sempre em uma posição juridicamente desigual quanto à possibilidade do uso dos meios processuais a praticar dentro do prazo em relação aos demais interessados que não carecessem economicamente de socorrer-se do apoio judiciário por poderem contratar um patrono para defender as suas posições na ação. O princípio da igualdade de armas, corolário no processo do princípio fundamental da igualdade dos cidadãos, sairia irremediavelmente afetado” - cfr. no mesmo sentido, entre outros, os Acs. Tribunal Constitucional n.º 350/2016, de 7/06/2016 (relatora Fátima Mata-Mouros) e n.º 515/2020, de 13/10/2020 (relator Fernando Vaz Ventura), in www.dgsi.pt”.

Neste Acórdão da Relação de Guimarães, aliás, fica patente entendimento semelhante ao nosso quando aí se diz “Estando assente que o executado/embargante foi citado em 21-04-2022 para os termos da execução e para, querendo e em 20 dias, oferecer embargos de executado, o referido prazo findou a 11/05/022 ou, no caso de pagamento de multa a que alude o art. 139º, n.ºs 5 e 6 do CPC, em 16/05 do mesmo ano”.

Ou seja, a interrupção do prazo judicial por efeito da apresentação, na pendência de uma ação, de um pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono foi entendida como garantia do acesso à justiça: se assim não fosse, pôr-se-iam em causa os direitos processuais dos sujeitos carecidos de meios económicos, impossibilitados de contratar um patrono para defender as suas razões em litígio durante o prazo judicial em curso.

Daí que, a possibilidade da junção de tal requerimento de apoio judiciário poder ocorrer num dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, previstos no artigo 139.º, n.º 5 do CPC, é a única que protege a ideia de um processo justo e equitativo, corolário do princípio da igualdade das partes, que o tribunal deve assegurar nos termos do disposto no artigo 4.º do CPC."

[MTS]