"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



20/11/2025

Jurisprudência 2025 (36)


Registo predial;
valor probatório; descrição do prédio*


1. O sumário de RP 20/2/2025 (9256/22.7T8PRT.P1) é o seguinte

I – A presunção de propriedade resultante do registo (artigo 7º do Código do Registo Predial) abarca unicamente a titularidade do prédio descrito, nos termos em que o direito aí esteja definido, não abrangendo os elementos de identificação constantes da descrição, tais como área, confrontações, estremas e precisa localização.

II – Nas situações de separação de um prédio único em dois distintos, a preocupação das partes é atribuir uma descrição ao imóvel destacado, para que o mesmo possa ter existência legal autónoma e ser inscrito no registo predial e na matriz, podendo esta não corresponder exactamente à realidade que exista no local, quer ao nível de confrontações, quer de limites e áreas.

III – Para beneficiar da presunção de propriedade decorrente do artigo 1268º, nº 1, do Código Civil, é necessário alegar e provar ser-se possuidor da parcela em litígio, alegando os factos constitutivos da posse nos termos em que a mesma se encontra definida no artigo 1251º do mesmo Código.

IV – Tendo os réus provado ser possuidores da parcela em litígio, os mesmos gozam da referida presunção de propriedade, pelo que estão dispensados da prova da propriedade, cabendo ao A. provar que tal parcela não pertence àqueles.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Passemos à terceira questão.

Assente (na primeira questão) que os recorrentes cumpriram com as exigências respeitantes à impugnação da matéria de facto no que concerne ao facto não provado “a área ocupada pelos réus encontrava-se devidamente separada dos prédios do autor por muros que já existiam aquando da compra dos réus e que delimitava as propriedades, sendo apenas acessível através da habitação dos réus por escadas com degraus em pedra que já existiam quando os réus adquiriram o prédio”, apreciemos da alteração pretendida.

Os recorrentes pretendem que este facto, constante do elenco dos factos não provados seja considerado provado.

Ora, no que a esta alteração respeita, a mesma é irrelevante para a apreciação do mérito da causa.

Na verdade, para a economia da acção e da reconvenção, relevante é saber a quem pertence a parcela de 170 m2 em litígio, quem sobre ela exerce actos de posse, como melhor se verá no tratamento da quarta questão enunciada, sendo que a factualidade relevante (da que foi alegada) já consta dos factos provados, nenhuma alteração podendo resultar da eventual consideração como provado deste facto. 

O mesmo, aliás, poderia, como facto instrumental ou mesmo complementar/concretizador, ter interesse para demonstrar a realidade de certos factos essenciais da causa de pedir, no caso, da reconvenção, mas tais factos já constam como provados, designadamente nos pontos 21 a 24 dos factos provados!

Portanto, perante o circunstancialismo descrito, e como se disse antes, a factualidade pretendida alterar não tem qualquer utilidade, sendo irrelevante, para a apreciação do mérito da causa e do presente recurso. [...]

Donde, em face do que acaba de se analisar, não se conhece da impugnação da matéria de facto apresentada pelos recorrentes na parte que restara admitida. [...]

*

Cabe agora apreciar a quarta questão.

Tendo em conta o resultado do tratamento da questão anterior, a factualidade a ter em conta para apreciação da pretensão do recorrente é a que consta dos factos dados como provados na sentença recorrida, com as alterações acabadas de efectuar, conforme se passa a descrever:

1 - Inscrito e descrito na respectiva conservatória predial em nome do autor Município ..., como dono e proprietário do mesmo, encontra-se o prédio misto sito Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...42/20080819, da freguesia ..., e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias ... e ... sob os artigos n.ºs ...28 e ...29, com a área total de 612 m 2 e área descoberta de 612 m2, composto por “terreno e construções nele existentes” (doc. nº 1 junto com a petição inicial, que se considera reproduzido).

2 - Inscrito e descrito na respectiva conservatória predial em nome do réu AA, casado com a ré BB no regime de comunhão de adquiridos, encontra-se o prédio urbano, sito na Rua ..., ..., em ..., …, composto de “casa de cave, rés-do-chão e andar com 87,50 m2, duas dependências, uma de 89 m2 e outra de 81 m2 e quintal”, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha nº ...97/20060314, da freguesia ..., que proveio da descrição nº ...74, do Livro ...13, Secção 1, inscrito na respectiva matriz predial sob o art. ...30, com a área total de 553 m2 e área descoberta de 295,5 m2 (doc. nº 4 junto com a petição inicial, que se considera reproduzido).

2-A - Por escritura pública de 18/04/2001, intitulada de “compra e venda e mútuo com hipoteca”, EE e mulher, FF declararam vender ao ora R. marido “o prédio urbano, composto de casa de três pavimentos e quintal, sito na Rua ..., ..., em ..., …, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..., do Livro B-cento e treze, (…) inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...30 (doc. nº 12 junto com a contestação, que se considera reproduzido).

«3- O imóvel acima referido em 1- adveio à titularidade do Município ... através do processo de aquisição .../68, ao qual corresponde o processo de cadastro n.º ...05/2, encontrando-se registado a seu favor desde 28.12.1978;»

3-A - Por escritura pública de 17/05/1968, intitulada de “escritura de aquisição que a Câmara Municipal ... faz a GG e outros”, HH, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal ... declarou que “a Câmara Municipal ... em sua reunião de dezasseis do mês findo, deliberou adquirir aos segundos outorgantes (…) uma parcela de terreno e construções nela existentes, que constituem os prédios urbanos situados na Rua ... com os números ... a ... e ..., respectivamente, com a área aproximada de 612 m2, delimitada a carmim na planta do processo ..., a confrontar do norte com o prédio número ... da Rua ..., do sul com GG e outros, do nascente com a Viela ... e do poente com a Rua ...”, e que, “em cumprimento do deliberado vem, por esta escritura adquirir aos segundos outorgantes os referidos prédios”.

3-B - Nessa mesma escritura pública, II, na qualidade de segundo outorgante, por si e em representação de GG, JJ, KK, LL, e MM e esposa NN, declarou que “vende, de hoje para sempre à Câmara Municipal ... os prédios urbanos com os números ... a ... e ..., respectivamente, da Rua ..., e os respectivos logradouros”, “os quais fazem parte da descrição constante na Terceira Secção da Segunda Conservatória do Registo Predial ..., no Livro B cento e treze, a folhas quarenta e cinco verso, sob o número ... e tem na matriz urbana de ... os artigos ...”.

3-C - A planta referida no ponto 3-A, que se encontra no processo de aquisição aludido no ponto 3 é aquela cuja cópia se encontra junta, a preto e branco, no documento 1 junto com a réplica, cujo teor se dá aqui como reproduzido. [...]

Os recorrentes pretendem que o segundo pedido formulado pelo A. deveria ser considerado improcedente e que deveria ser procedente o pedido reconvencional.

Vejamos.

Efectivamente, da matéria de facto (pontos 3, 3-A e 3-B) resulta que o A. (rectius o seu órgão executivo, a Câmara Municipal) adquiriu, por escritura pública de compra e venda, o prédio identificado no ponto 1 da matéria de facto, o que significa que adquiriu sob a forma derivada o direito de propriedade sobre tal prédio.

E de qualquer forma, sempre tal prédio tem a sua aquisição registada a favor do A. (rectius em nome do seu órgão executivo, a Câmara Municipal), conforme referido no ponto 1, gozando aquele, assim, da presunção de titularidade decorrente do art. 7º do C.R.Pr., a qual não foi ilidida.

Verifica-se, pois, que o A. é titular do direito de propriedade sobre o prédio em questão, como decidido na alínea A) do dispositivo da sentença recorrida, facto este que os RR. têm de reconhecer (e que estes não põem em causa, como desde logo decorre do teor da contestação), uma vez que o direito de propriedade é um direito com eficácia erga omnes, oponível perante todos os terceiros.

Por seu turno, da matéria de facto (pontos 2 e 2-A) resulta também que o R. marido, casado com a R. mulher segundo o regime de comunhão de adquiridos, adquiriu, por escritura pública de compra e venda, o prédio descrito no ponto 2 da matéria de facto.

Desta forma, e desde logo, adquiriram os RR. sob a forma derivada o direito de propriedade sobre tal prédio, sendo por contrato no caso do R. marido e em consequência da comunhão conjugal no caso da R. mulher (cfr. arts. 1316º e 1724º, al. b) do C.C.), beneficiando ainda da presunção resultante do art. 7º do C.R.Pr., atento o referido no ponto 2 da matéria de facto, a qual não foi ilidida.

Ademais, ficou igualmente demonstrado que os RR. são possuidores deste prédio, como decorre do ponto 24 da matéria de facto, gozando também da presunção de titularidade do prédio resultante do art. 1268º, nº 1, do Código Civil (à qual nos iremos referir de forma mais detalhada infra), a qual não foi ilidida.

Verifica-se, pois, que os RR. são titulares do direito de propriedade sobre o prédio identificado no ponto 2 da matéria de facto, o que o A. tem de reconhecer (e que este não põe em causa, como desde logo decorre do teor dos seus articulados), uma vez que, repete-se, o direito de propriedade é um direito com eficácia erga omnes, oponível perante todos os terceiros.

Porém, o que verdadeiramente está em causa na acção é uma concreta parcela, relativamente à qual existe litígio, posto que quer A., quer RR. alegam ser seus proprietários, cada um deles invocando que tal parcela integra os seus respectivos prédios, qual seja a parcela aludida nos pontos 21 e 24 da matéria de facto.

A propriedade da parcela por parte do A., sendo um facto constitutivo do seu direito, a ele incumbia provar, nos termos do art. 342º, nº 1, do Código Civil, a não ser que beneficiasse de presunção legal a seu favor, caso em que competiria aos RR. provar que o A. não era proprietário (art. 344º, nº 1, do C.C.).

No caso, o A. limitou-se a alegar ser proprietário do prédio identificado no ponto 1 da matéria de facto e que a parcela em litígio (que nem sequer identificou correcta e completamente na petição inicial, vindo a complementar tal alegação apenas na resposta na sequência da identificação feita pelos RR. na contestação, ainda que com divergência quanto às áreas por cada um invocadas) pertence a este prédio, baseando-se no facto de a confrontação nascente daquele prédio estar indicada como sendo com a Viela ... (cfr. pontos 3-A e 4 da matéria de facto).

Porém, este facto nada permite concluir quanto a essa integração, posto que o prédio do A. e o prédio dos RR. eram inicialmente um único prédio, cujo domínio foi separado aquando da venda de uma parte deste ao A., que passou a ser o prédio identificado no ponto 1, sendo aquele único prédio composto por três artigos matriciais diferentes, dois que passaram a integrar o prédio do A. e o terceiro que ficou no prédio original, agora dos RR., não se sabendo exactamente qual a primitiva configuração do prédio, nem o que constava inscrito na descrição predial originária, nomeadamente ao nível de confrontações (as certidões registrais que constam dos autos todas elas se referem apenas aos prédios já depois da separação, não constando qualquer histórico das descrições de onde se verificasse o teor original destas), nem o que constava de cada um dos referidos artigos matriciais originariamente (dos autos não constam certidões matriciais dos artigos a que respeita o prédio do A. – as que foram juntas pelo Serviço de Finanças em 20/10/2022, seguramente por lapso, respeitam a prédios diferentes, sitos noutros locais, correspondendo aos actuais arts. ...28 e ...29, quando os arts. ...28 e ...29 do prédio do A. são os artigos antigos, que actualmente corresponderão a outros artigos, como o antigo art. ...30 do prédio dos RR. actualmente é o art. ...57 – e as do prédio do R. respeitam já à actual configuração do prédio, não se sabendo se já era essa a que constava da matriz em 1968, pois mesmo a caderneta predial junta na contestação, ainda referida ao art. ...30, é do ano de 2001).

Ora, nestas situações é sabido que a preocupação das partes é atribuir uma descrição ao imóvel destacado, para que o mesmo possa ter existência legal autónoma e ser inscrito no registo predial e na matriz, podendo esta não corresponder exactamente à realidade que exista no local, quer ao nível de confrontações, quer de limites e áreas.

Anote-se que, no caso, o imóvel adquirido pelo A. foi uma “parcela de terreno e construções nela existentes”, “com a área aproximada de 612 m2”, não se sabendo a área exacta, nem que construções eram aquelas, que área da totalidade ocupavam, qual a área descoberta sobrante (e desde logo se anota uma incorrecção no registo predial, pois que, se a área total era 612 m2 e se havia construções, uma parte dessa área era área coberta, logo a área descoberta nunca poderia ser de 612 m2, igual à totalidade). [...]

Ora, a presunção resultante do registo (art. 7º do C.R.Pr.) abarca unicamente a titularidade do prédio descrito, nos termos em que o direito aí esteja definido, não abrangendo “os elementos de identificação do prédio constantes da descrição”, tais como área, confrontações, estremas e precisa localização, “que continuam sujeitas a uma eventual rectificação ou actualização e, portanto, dependentes de prova da coincidência entre a realidade física e a descrição registral”, como é jurisprudência pacífica desde há mais de 20 anos (a título de exemplo, cfr. Acs. da R.P. de 18/01/99, com o nº de proc. 9851262, e de 03/02/2003, com o nº de proc. 0151576, este o citado, ambos sumariados em www.dgsi.pt/jtrp, e Acs. da R.C. de 15/12/2016, com o nº de proc. 6358/15.0T8VIS.C1, do S.T.J. de 12/01/2021, com o nº de proc. 2999/08.0TBLLE.E2.S1, da R.L. de 23/03/2023, com o nº de proc. 2029/20.3T8PDL.L1-6, da R.P. de 07/03/2024, com o nº de proc. 856/21.3T8ALB.P1, e da R.P. de 09/01/2025, com o nº de proc. 3633/23.3T8AVR.P1, todos publicados no mesmo sítio da Internet). [...]

Com efeito, os elementos respeitantes à identificação física do prédio “derivam quase sempre das próprias declarações dos interessados, escapando à confirmação e controle do conservador, apesar da sua intervenção oficiosa. Desta forma, o facto de constar da descrição do prédio, cujo direito de propriedade se acha registada em nome do respectivo titular, que o imóvel tem determinada área e certas confrontações não atesta por si só que a área efectiva ou as confrontações indicadas são as fisicamente reais, até porque estas últimas podem, com o decorrer do tempo, sofrer mutações – basta pensar na hipótese de a propriedade de um dos prédios confinantes mudar de titularidade – não transpostas para o documento em causa” (cfr. Ac. da R.P. de 07/03/2024, referido).

Portanto, o A. não beneficia da presunção decorrente do registo predial quanto à propriedade da parcela em litígio.

Mas também não beneficia da presunção prevista no art. 1268º, nº 1, do Código Civil, que determina que o possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.

Neste caso o facto-base da presunção é o facto da posse da coisa. Provado esse facto, presume-se a propriedade da mesma (facto presumido).

Logo, para que o A. pudesse beneficiar desta outra presunção de propriedade, teria que invocar (alegar e provar) ser possuidor da parcela em litígio, alegando os factos constitutivos da posse nos termos em que a mesma se encontra definida no art. 1251º do Código Civil (corpus e animus, sendo que provado o corpus se presume o animus, como resulta do teor das disposições dos arts. 1252º, nº 2 e 1263º, al. a), ambos do C.C.).

Todavia, o A. não invocou ser possuidor da parcela em litígio, não tendo alegado a prática de quaisquer actos materiais de posse sobre a mesma, pelo que não pode beneficiar da aludida presunção.

Sendo assim, restava-lhe apenas alegar e provar ser o proprietário de tal parcela, o que, tendo em conta que se trata de uma parcela de terreno e não da totalidade, sendo que os prédios de A. e RR. inicialmente constituíam um só prédio, apenas podia lograr invocando a aquisição originária daquela, designadamente por usucapião, o que implicava igualmente alegar (e provar) a prática de actos de posse sobre a mesma. [...]

Assim, não basta que se demonstre a aquisição derivada, devendo também provar-se que o direito já existia no transmitente – aquisição originária – pois, as formas de aquisição derivada, na medida em que o direito adquirido se funda ou filia na existência de um direito na titularidade de outra pessoa, não são suscetíveis de, por si próprias, gerarem qualquer direito real, sendo apenas um meio de transmiti-lo”.

Aqui chegados, há que concluir que o A. não provou, como lhe competia, ser o titular do direito de propriedade sobre a parcela em litígio, o que faz soçobrar o segundo pedido por si formulado na petição inicial, de condenação dos RR. a desocuparem e entregarem-lhe a mesma, merecendo acolhimento a pretensão dos recorrentes nesta parte.

Mas, verifica-se ainda que, para além de o A. não ter provado (nem alegado) a prática de actos de posse sobre a parcela em litígio, provou-se, por outro lado, que esses actos de posse são exercidos pelos RR..

Como se vem defendendo tradicionalmente e se retira da definição de posse constante do art. 1251º do Código Civil (posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real), para além do “corpus”, a posse pressupõe também a existência de um segundo elemento que é o “animus”, que corresponde à intenção de exercer o direito real correspondente àquele poder de facto e no seu próprio interesse.

E, a existência daqueles actos materiais que constituem o “corpus” faz presumir o “animus” na pessoa que pratica tais actos - conforme resulta do teor das disposições dos arts. 1252º, nº 2 e 1263º, al. a), ambos do Código Civil, como já se disse. [...]

Ficou, portanto, demonstrado que os RR. são possuidores da parcela em causa, nos termos analisados, gozando da presunção de titularidade da mesma resultante do art. 1268º, nº 1, do Código Civil, já referido, a qual não foi ilidida (como decorre do que já se analisou), sendo a sua posse pública (1262º do C.C.), pacífica (1261º do C.C.) – note-se que a posse pacífica, nos termos do nº 1 deste artigo, é aquela que é adquirida sem violência, não tendo qualquer relevância para o efeito a oposição que mais tarde veio a existir do A. (sendo os únicos actos de oposição provados os que respeitam às interpelações de 2009 – ponto 9 da matéria de facto – e de 2011 – ponto 12 da matéria de facto –, aquela unicamente dirigida à R. mulher e esta apenas dirigida ao R. marido) – e de boa fé (art. 1260º, nºs 1 e 2, do C.C.).

Na realidade, aqueles actos que se apurou serem praticados pelos RR. traduzem o exercício de um poder de facto sobre a parcela de terreno em causa correspondente ao direito de propriedade - o que corresponde ao elemento “corpus” da posse - sendo actos próprios e normais de quem tem um direito de propriedade, idóneos a fazer presumir uma posse reportada ao direito em questão.

Ademais, provou-se efectivamente que aqueles agiram estando convencidos de que a parcela lhes pertence.

Pode assim dizer-se que os RR. são possuidores da parcela de terreno em causa, posse essa adquirida originariamente pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito (cfr. art. 1263º, al. a), do C.C.), desde 2001 - os actos aquisitivos praticados foram tendentes “ao estabelecimento de uma relação duradoura com a coisa” (cfr. P. Lima - A. Varela, Código Civil anotado, vol. III, 2ª ed., págs. 25 e 26) [nas alegações de recurso, os RR. vieram aludir à existência de posse do anterior proprietário pelo menos desde 1989 e à necessidade de somar esta posse à sua, porém, trata-se esta de matéria nova, que não alegaram na reconvenção, pelo que não consta dos autos a factualidade necessária para se concluir por tal realidade de facto, nem a mesma pode ser conhecida em sede de recurso].

Note-se que, nos termos do art. 1257º, nº 1, do Código Civil, a posse mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar.

Tal significa que “para que a posse se conserve, não é necessária a continuidade do seu exercício; basta que uma vez principiada a actuação correspondente ao exercício do direito, haja a possibilidade de a continuar” (P. Lima - A. Varela, ob. cit., pág. 15).

São, pois, os RR. possuidores da parcela em causa desde pelo menos 2001, data em que, após adquirirem o prédio referido no ponto 2, passaram a utilizar também tal parcela.

Quer dizer, no caso dos RR., ao contrário do que vimos suceder com o A., os mesmos lograram provar o facto-base da presunção decorrente do art. 1268º, nº 1, do Código Civil (a posse) e, por isso, beneficiam da presunção de verificação do facto presumido, ou seja a sua propriedade sobre a parcela em litígio, pelo que estão dispensados da prova da propriedade, cabendo ao A. provar que a parcela não lhes pertence, o que não logrou fazer.

Ademais, no caso concreto não existe qualquer registo a favor de outrem, nomeadamente do A., que fundamente uma outra presunção de titularidade sobre a parcela em causa (não existe um registo especificamente respeitante à parcela e o que existe quanto ao prédio do A., como se viu, não permite presumir limites e confrontações).

Donde, conclui-se que os RR. gozam da presunção de titularidade resultante do art. 1268º, nº 1, do Código Civil, quanto à parcela de terreno em litígio, a qual não foi ilidida. [...]

E sendo assim, torna-se desnecessário apreciar da questão da eventual aquisição da propriedade por usucapião, nomeadamente apreciando do decurso ou não do prazo para o efeito (anote-se, de todo o modo, que, sendo a posse de boa fé - ainda que a posse não titulada se presuma de má fé, nos termos do art. 1260º, nº 2, do C.C., os RR. provaram a sua boa fé, como decorre do ponto 23 da matéria de facto -, o prazo normal de aquisição por usucapião é de 15 anos (art. 1296º do C.C.), sendo de 7 anos e 6 meses o acréscimo de metade que na sentença recorrida se considerou ser aplicável ao caso, donde o prazo total em causa nunca poderia ser de 30 anos, como se entendeu naquela decisão), pois a procedência do pedido reconvencional decorrerá do funcionamento da presunção aludida no art. 1268º, nº 1, do Código Civil, nos termos analisados, e não do reconhecimento demonstrado de uma aquisição originária, por usucapião, da propriedade (prova de que os RR. estão dispensados por beneficiarem da presunção).

Merece, pois, acolhimento também nesta parte, nos termos expostos, a pretensão dos recorrentes, devendo proceder o pedido reconvencional em conformidade com o decidido supra."

[MTS]