1. - Tendo o recorrente interposto recurso de apelação autónoma com referência a despacho só recorrível no recurso da sentença (de acordo com o disposto no art.º 644.º, n.º 3, do NCPCiv.), só a si é imputável o erro na determinação do tempo e do regime do recurso.2. - Admitido o recurso de apelação autónoma pelo Tribunal de 1.ª instância, não estava a Relação vinculada a essa admissão, podendo o relator rejeitar o recurso ou alterar o seu regime, ao abrigo do disposto nos art.ºs 652.º, n.º 1, al.ªs a), b) e h), e 655.º, n.º 1, ambos do NCPCiv., razão pela qual a parte recorrente não pode invocar, perante a rejeição pelo Tribunal superior, a proteção da confiança gerada pela errónea decisão de acolhimento da 1.ª instância.3. - A decisão de rejeição do relator na Relação, não sendo objeto de reclamação/impugnação, torna-se definitiva, transitando em julgado, assim operando caso julgado formal, que se impõe às partes e ao Tribunal.4. - Sendo o recurso da sentença interposto antes da prolação daquela decisão singular de rejeição, mas depois de o relator, observando o princípio do contraditório, ter notificado as partes da iminência de decisão de rejeição, cabia à parte recorrente, por elementar cautela, impugnar, subsidiariamente, a decisão objeto da apelação autónoma no (âmbito do) recurso da sentença, não sendo aproveitável, nesse quadro, o anterior recurso, sobre que recaiu decisão de rejeição transitada em julgado.5. - Doutro modo, incidindo o recurso da sentença apenas sobre a matéria nesta decidida, improcede a reclamação que pretendia ver também admitido a final o (mesmo) recurso que havia sido rejeitado.
No decurso da produção de prova em audiência final, no quadro da inquirição de testemunhas, insurgiram-se os AA. contra despacho que “lhes indeferiu um meio de prova – contradita”.
Por isso, logo interpuseram recurso de apelação autónoma – para subida imediata e em separado –, recurso esse admitido pela 1.ª instância (Ap. n.º 1185/23.3T8LRA-A.C1), mas depois rejeitado pelo Relator no TRC, em cuja decisão sumária se fundamentou assim:
«É de considerar que:
Os AA (…) recorreram de despacho que, dizem, lhes indeferiu um meio de prova – contradita, com base documento. E assim delimitaram o objecto do recurso. (…).
Temos por certo que o recurso de decisão que não admite contradita, não é susceptível de integrar a previsão da dita alínea, por a contradita não ser um meio de prova, mas sim uma vicissitude processual que se desencadeia no âmbito de produção de meio de prova. Meios de prova são a documental, a por confissão/declarações de parte, a pericial, inspecção judicial e testemunhal (…).
Mantém-se a posição inicialmente tomada, pelo que o recurso não é admissível, por enquanto. Se foi proferida sentença final e os ora recorrentes vão recorrer devem impugnar a decisão de que discordam nesse recurso (…).
Pelo exposto, nos termos dos arts. 652º, nº 1, b), e 655º, nº 1, do NCPC, não se admite o recurso interposto pelos AA.» [...].
2. - Ora, apreciando, cabe dizer que as conclusões recursórias da apelação da sentença não dão guarida, salvo o devido respeito, à questão da rejeição/indeferimento da dita “contradita”, vista pelos Recorrentes como “um meio de prova”. Com efeito, o recurso da sentença é inexpressivo sobre essa matéria, confinando-se à estrita matéria da sentença, e não ao modo de produção da prova testemunhal em audiência final, mormente quanto àquela “contradita”.
Perante tal manifesta omissão é que se ajuizou na decisão sob reclamação no sentido de indeferir «(…), por falta de fundamento legal, a pretendida inclusão da admissão daquele primeiro recurso».
Ora, voltando atrás, se não foi admitido – na anterior decisão singular do TRC – aqueloutro recurso de decisão interlocutória (a intentada apelação autónoma), então trata-se de recurso rejeitado.
Por isso, rejeitado o primeiro recurso, teria de ser interposto, a final, um segundo, embora voltando a versar sobre a (mesma) decisão interlocutória (ou seja, a matéria da “contradita”).
Se os AA./Recorrentes não interpuseram nova impugnação/recurso da decisão interlocutória, apenas tendo recorrido da sentença (sem mais), então terá, salvo o devido respeito, de conferir-se razão à 1.ª instância, na sua decisão aqui reclamada.
Não pode aproveitar-se, a final, um anterior recurso (de decisão interlocutória) que foi rejeitado, com trânsito em julgado (a decisão sumária do TRC, por não ter sido impugnada/reclamada, assumiu caso julgado formal, que não pode ser violado).
Ou seja, nos termos do disposto nos art.ºs 652.º, n.º 1, al.ª b), e 655.º, n.º 1, do NCPC, não foi admitido o anterior recurso interposto pelos AA., rejeição coberta pelo trânsito em julgado formal, que impede a repristinação desse pretérito recurso (a pretendida apelação autónoma).
Por isso, os AA. teriam de formular nova impugnação da decisão intercalar ao interpor (novo) recurso, o da decisão final, ou seja, “no recurso” a que alude o n.º 3 do art.º 644.º do NCPCiv. (Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 160, aludindo a impugnação “no âmbito do recurso que eventualmente venha a ser interposto (…) da decisão final do processo (…)”, bem como p. 218.).
Perguntar-se-á: E formularam?
Como visto, a resposta tem de ser negativa (não formularam).
Olhando para a peça recursiva interposta da sentença, nota-se que:
- os AA./Recorrentes afirmam pretender recorrer da sentença (---);
- aludindo a “ter sido indeferido meio de prova requerida pelos Autores, durante a audiência de julgamento – despacho do qual já foi apresentado recurso-.”;
- mas deixando claro que só impugnam, nesse recurso, a própria sentença;
- nas (atuais) conclusões do recurso, a parte recorrente incorreu, de algum modo, se não num equívoco, ao menos numa imprevisão, a de que o anterior recurso se encontra pendente (---), quando o mesmo agora está, indubitavelmente, findo (por não ter sido admitido, ou seja, foi rejeitada essa apelação autónoma, que, por isso, findou, extinguindo-se).
É certo que, quando foi interposto o recurso da sentença (em 03/10/2024), ainda não havia decisão singular do TRC (decisão singular esta de 14/10/2024).
Por isso, ao tempo da interposição do recurso da sentença, a apelação autónoma estava (ainda) pendente, mas foi, entretanto, objeto de decisão, termos em que ao tempo do despacho referente à admissão do recurso da sentença essa instância recursiva já estava extinta, o que não poderia ser ignorado pelo Tribunal recorrido.
No atual recurso, os Apelantes limitam-se a concluir pela «procedência da apelação ordenando-se a revogação da decisão recorrida», ou seja, a sentença.
Com o que não cumpriram o ónus de (nova) impugnação da decisão interlocutória, a que alude o art.º 644.º, n.º 3, do NCPCiv..
Assim, o novo recurso (da decisão final) não tem por objeto essa decisão interlocutória.
E o anterior recurso – que a tinha por objeto – está findo, por não ter sido admitido e essa decisão de não admissão ter formado caso julgado (intraprocessual), que se impõe no âmbito destes autos (às partes e ao Tribunal).
Em suma, a reclamação teria, nesta perspetiva, de improceder.
Porém, como chamam a atenção os Reclamantes, a sentença (de 04/07/2024) é anterior à decisão de rejeição da apelação autónoma, pelo que, quando foi interposto o recurso da sentença (03/10/2024), ainda não havia decisão singular do TRC (decisão singular somente de 14/10/2024).
Por isso, ao tempo do recurso da sentença (03/10) estava, de facto, pendente ainda a apelação autónoma.
Se estava pendente no TRC – depois de admitida pela 1.ª instância – poderia pensar-se, como terão pensado os AA./Recorrentes, que não se justificava, então, cumprir o disposto no n.º 3 do art.º 644.º do NCPCiv..
Os AA. sabiam que o recurso estava no TRC, que ainda nada tinha sido decidido e que tinham de recorrer da sentença.
Numa tal situação, poderiam colocar-se na posição confortável de apenas confiar que a apelação autónoma – se admissível – seria efetivamente admitida e substancialmente decidida pela Relação.
Mas assim não ocorreu: a apelação autónoma foi rejeitada no TRC, por razões imputáveis aos AA. – errado juízo destes –, posto ser caso claro em que não era legalmente admissível tal recurso de apelação autónoma (como evidenciado na decisão singular do TRC).
Deveriam eles, ainda assim, confiar e esperar?
Ou – à cautela – observar no recurso da sentença, subsidiariamente, o disposto no n.º 3 do art.º 644.º do NCPCiv.?
Os AA./Reclamantes invocam o princípio da confiança (por o originário recurso ter sido admitido em 1.ª instância).
Todavia, é consabido que a Relação – através do relator – pode alterar o regime recursivo ou mesmo não conhecer do objeto do recurso [cfr. art.ºs 652.º, n.º 1, al.ªs a), b) e h), e 655.º, n.º 1, ambos do NCPCiv.].
Assim, os Recorrentes deviam contar com tal regime legal, sendo neste que deveriam confiar.
Tanto mais que está claramente apurado que foram notificados a 23/09/2024 – antes, pois, da interposição do recurso da sentença (este apenas, como visto, de 03/10/2024) – do entendimento do relator no sentido da inadmissibilidade do recurso de apelação autónoma.
Por isso, ao tempo da interposição do recurso da sentença já não era surpreendente – muito pelo contrário – a possibilidade (séria, clara) de a apelação autónoma ser rejeitada, a muito curto prazo, rejeição essa com que viriam até a conformar-se.
Não se justifica, pois, qualquer proteção da confiança processual dos AA./Reclamantes, tanto mais que em contrário do regime legal vigente.
Ao invés, deveriam os Recorrentes assumir uma posição de cautela.
Desde logo, a lei é clara num tal caso e os AA. não deviam, por isso, ter interposto a apelação autónoma, que a lei não consente.
Nesse horizonte processual, notificados, pelo TRC, da possibilidade/probabilidade (séria) de rejeição do recurso interposto de apelação autónoma (entendimento vincado do respetivo relator), restava-lhes, por elementar cautela, colocar, subsidiariamente, a respetiva matéria/impugnação no âmbito do recurso da sentença, em obediência ao disposto no n.º 3 do art.º 644.º do NCPCiv. (impugnação no recurso da decisão final).
Ou seja, os AA./Recorrentes – salvo sempre o devido respeito – é que erraram: a) ao interpor apelação autónoma, que a lei não permitia; b) ao não impugnarem no recurso da sentença, à cautela e subsidiariamente, quando, embora nada estivesse ainda decidido sobre a matéria do anterior recurso, já lhes tinha sido sinalizado (em observância do princípio do contraditório) que este seria, com toda a probabilidade, objeto de decisão de rejeição pelo relator no TRC.
Assim sendo, não podem proceder os argumentos dos Reclamantes.
Se é certo que o recurso da sentença «foi interposto antes do Tribunal da Relação decidir que afinal o recurso da decisão interlocutória não deveria ter tido subida imediata», também é certo que (i) só por errada aferição foi interposta a apelação autónoma (que a lei não consente) e que, (ii) ao tempo da interposição do recuso da sentença, os AA./Recorrentes já conheciam o despacho do relator no TRC que sinalizava, em observância do contraditório, a iminente rejeição do recurso, o que tudo aconselharia, por elementar cautela/prudência, a subsidiária impugnação da decisão intercalar no recurso da sentença, de acordo com o disposto no art.º 644.º, n.º 3, do NCPCiv., o que se mostrava, ao tempo, manifestamente aconselhável e possível.
Não se pode, por isso, concordar que a “única solução plausível de direito que se afigurava era a primeira instância acoplar o recurso da decisão interlocutória ao recurso da decisão final e ordenar a subida imediata e simultânea de ambos” (A pretendida «junção conjunta de ambos os recursos (da decisão interlocutória e decisão final)» somente poderia ocorrer a coberto do disposto no citado n.º 3 do art.º 644.º do NCPCiv. (pelo modo ali mencionado, no recurso da sentença), norma que, porém, os Recorrentes não observaram.).
Tal “acoplar”, no despacho sobre a admissão recursiva, violaria a decisão – então já proferida – do TRC de rejeição do recurso de apelação autónoma, que, como se reitera, transitou em julgado, devendo ser obedecida."
[MTS]