"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



27/10/2025

A nova redacção do n.º 2 do art. 137.º CPC: mais incerteza que clareza


1. O art. 2.º L 56/2025, de 24/7, deu uma nova redacção ao art. 137.º, n.º 2, CPC, acrescentando uma referência aos "atos de distribuição". A nova redacção do preceito passou a ser a seguinte:

"2 - Excetuam-se do disposto no número anterior os atos de distribuição, as citações e notificações, os registos de penhora e os atos que se destinem a evitar dano irreparável."

Por sua vez, o n.º 1 do art. 137.º CPC (que permaneceu inalterado) estabelece o seguinte:

"1 - Sem prejuízo de atos realizados de forma automática, não se praticam atos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais".

Destas redacções é possível concluir o seguinte:

-- O n.º 1 do art. 137.º CPC enuncia uma excepção (para os actos realizados de forma automática) e uma regra (para os outros actos);

-- O n.º 2 do art. 137.º CPC contém uma regra excepcional ao disposto no n.º 1 do mesmo preceito.

2. Dado que a distribuição é um acto que é realizado de forma automática (art. 204.º, n.º 1, CPC) e, por isso, já está incluída na excepção constante do n.º 1 do art. 137.º CPC, parece que a inclusão da distribuição na regra excepcional que consta do n.º 2 do art. 137.º CPC se destina a criar uma "excepção à excepção". Procurando explicar:

-- O n.º 1 do art. 137.º CPC excepciona dos actos que não se praticam quando os tribunais estão encerrados ou durante o período de férias judiciais os "atos realizados de forma automática";

-- A distribuição é um acto que se realiza de forma automática (art. 204.º, n.º 1, CPC);

-- O n.º 2 do art. 137.º CPC excepciona do "disposto no artigo anterior os actos de distribuição";

-- Logo, o n.º 2 do art. 137.º CPC excepciona os actos de distribuição da excepção que consta do n.º 1 do mesmo preceito.

3. Parece evidente que este resultado não é aceitável, dado que não tem nenhum sentido que a distribuição não possa ser realizada quando os tribunais estiverem encerrados ou, principalmente, durante o período de férias judiciais.

Em boa verdade, não era necessário acrescentar os actos de distribuição ao n.º 2 do art. 137.º CPC para se concluir que a distribuição pode ser realizada quando os tribunais se encontrem encerrados ou durante as férias judiciais, dado que isso já resulta, com toda clareza, da excepção que consta do n.º 1 do art. 137.º CPC. Aliás, cabe salientar que as outras excepções que constam do n.º 2 do art. 137.º CPC nada têm a ver com actos realizados de forma automática, pelo que a referência aos actos de distribuição nem sequer se enquadra na lógica do preceito.

Poder-se-ia argumentar que a desnecessidade do acrescento respeitante aos actos de distribuição no n.º 2 do art. 137.º CPC origina apenas uma redundância inútil. A verdade é que não é assim, porque, como o n.º 2 do art. 137.º CPC contém uma norma excepcional ao disposto no n.º 1 do mesmo preceito e este mesmo n.º 1 já contém uma excepção para os actos praticados de forma automática, a inclusão dos actos de distribuição naquele preceito só pode ter o sentido de excluir esses actos da excepção que consta deste n.º 1. Quer dizer: os actos que são praticados de forma automática estão excepcionados no n.º 1 do art. 137.º CPC, pelo que -- como acima se referiu -- o sentido do novo o n.º 2 do mesmo preceito só pode ser o de excepcionar os actos de distribuição da excepção que consta daquele n.º 1.

Como é claro, isto não faz qualquer sentido, pelo que há que aplicar o n.º 2 do art. 137.º CPC como se a referência aos actos de distribuição dele não constasse. Isto possibilita que a esses actos se aplique, não a excepção à excepção estatuída no n.º 2 do art. 137.º CPC, mas apenas a excepção que consta do n.º 1 do mesmo preceito e que, por isso, a distribuição possa ser realizada quer quando os tribunais se encontrem encerrados, quer durante o período de férias. 

4. Em conclusão: a nova redacção do art. 137.º, n.º 2, CPC cria, quanto à realização da distribuição quando os tribunais estão encerrados ou durante as férias judiciais, mais incerteza que clareza.

MTS 


Nota de actualização

Contra o referido no post pode objectar-se que, como se refere no art. 204.º, n.º 1, CPC (red. L 56/2025, de 24/7), a distribuição não é automática, mas (apenas) electrónica.

Isto pressupõe que se distinga entre os actos que são realizados de forma electrónica e automática e os actos que são realizados de forma electrónica mas não automática. Segundo se pode imaginar, os actos que são realizados de forma automática são apenas aqueles que são gerados automaticamente por um sistema informático (como, por exemplo, o Citius).

Não será esse o caso da distribuição, porque ela tem de ser "carregada" pelo oficial de justiça.

Se as coisas são realmente assim, então há que ter presente a distinção entre actos automáticos e actos electrónicos e passar a operar com ela.

MTS