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Instituto Português de Processo Civil
"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))
17/01/2025
Jurisprudência 2024 (86)
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16/01/2025
Jurisprudência 2024 (85)
Ora, no que concerne ao invocado desrespeito, pelos AA, ao intentarem a presente acção – e pelo Tribunal “a quo”, ao julgar procedentes os respectivos pedidos - da autoridade do caso julgado formado pela sentença de 13.10.2020, transitada em julgado em 18/11/2020, proferida na acção nº 4440/19...., com processo especial, de Liquidação de Herança Vaga a favor do Estado, que declarou a herança de EE vaga para o Estado Português, escreveu-se na sentença recorrida:
«[…] Apreciando os elementos constantes dos autos, mormente, relativamente ao processo especial de declaração da herança vaga a favor do Estado, e subsequente liquidação da herança declarada vaga a favor do Estado a correr termos com o n° 4440/19...., do Juízo Local Cível - Juíz ... (cf. certidão sob doc. n°3 junto com a petição inicial), é notório que a acção especial, em causa, foi instaurada pelo Ministério Público em representação do autor Estado Português contra os réus Herdeiros desconhecidos/incertos; os herdeiros desconhecidos foram citados editalmente para os termos da causa, e por não intervirem na causa, subsequentemente, foi aí citado o defensor oficioso nomeado nos termos do art. 22°, do CPC, em representação dos réus herdeiros desconhecidos, e a acção correu termos contra os réus desconhecidos, representados pelo Defensor Oficioso nomeado (ou seja, sem que algum herdeiro desconhecido, nomeadamente, algum dos aqui autores, haja intervindo pessoalmente nos autos).
Por ser, assim, e na esteira da jurisprudência pacifica dos tribunais superiores - cf. entre outros, a título exemplificativo, Ac. da Relação de Lisboa, de 29/06/2006, Relator Desembargador Salazar Casanova, disponível in www.dgsi.pt. - e na esteira dos ensinamentos de Marta Susana Duarte de Figueiredo Lobo, na Dissertação sobre “Os Incertos no Processo Civil” apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Civilísticas com Menção em Direito Processual Civil, págs. 50 a 52, disponível no sitio https://estudo geral.uc.pt. - é notório que a acção de declaração da herança vaga a favor do estado português instaurada contra os réus/herdeiros desconhecidos/incertos não constitui caso julgado material/autoridade de caso julgado em relação aos réus/herdeiros desconhecidos, pelas razões aí indicadas no citado acórdão e na citada doutrina, às quais aderimos. […]».
Como se salientou no Acórdão desta Relação, de 17/3/2020 (Apelação nº 3745/15.7T8PBL.C2) [Que se saiba, não publicado.], «[…] há que distinguir a excepção de caso julgado, da autoridade do caso julgado, sendo até já dominante o entendimento de que a imposição dos efeitos da autoridade do caso julgado não pressupõe a coexistência das três identidades dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir que se exige para a verificação da excepção de caso julgado. – Vide, neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24.11.2015, proferido no processo n.º 346/14.0T8PVZ.PT (…) A esse propósito, ensina Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado”, Cbra. Ed., pág. 325), que enquanto pela excepção se visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão (...), assentando esse efeito positivo numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida. […]».
Rui Pinto no texto epigrafado “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, “in” “JULGAR Online, novembro de 2018, pag. 1 e ss., escreve:
«[…] O efeito positivo externo consiste na vinculação de uma decisão posterior a uma decisão já transitada em razão de uma relação de prejudicialidade ou de concurso entre os respetivos objetos processuais, ou, em termos mais simples, em razão de objetos processuais conexos. (…)
A jurisprudência costuma designar este efeito como autoridade de caso julgado stricto sensu.
Esta autoridade de caso julgado não se cinge apenas às decisões que, por conhecerem do mérito, fazem caso julgado material. Se é certo que as decisões sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo (cf. Artigo 620.º, n.º 1), não deixam, porém, de ser dotadas de efeito positivo externo dentro desse processo.
Efetivamente, o mesmo tribunal que julgou certa questão processual continua vinculado a ela quando julga questão processual conexa, por estar em relação de prejudicialidade ou de concurso. Por ex., se o tribunal julgou improcedente a exceção de incapacidade judiciária do réu por menoridade, não pode, depois, julgar procedente uma exceção de falta de representante judiciário do mesmo. (…)
devemos acrescentar uma condição subjetiva para que haja uma tal força vinculativa do caso julgado fora do seu objeto processual: a autoridade de caso julgado apenas pode ser oposta a quem seja tido como parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica como definido pelo artigo 581.º, n.º 2. Seria absolutamente inconstitucional, por contrário à proibição de indefesa, prevista no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição e no artigo 3.º do Código de Processo Civil, que uma decisão vinculasse quem foi terceiro à causa(…). Daqui decorre que a autoridade de caso julgado (i) pode ser oposta pelas concretas partes entre si e (ii) não pode ser oposta a quem é terceiro. Em termos práticos, serão julgadas improcedentes (em maior ou menor grau) as pretensões processuais das partes entre si que sejam lógica ou juridicamente incompatíveis com o teor da primeira decisão; mas já idêntica pretensão deduzida por terceiro será apreciada sem consideração pelo sentido decisório alheio.
Nesta linha de entendimento, o citado Ac. do TRP de 21-112016/Proc.1677/15.8T8VNG.P1 (JORGE SEABRA) decidiu que a “parte que em acção de reivindicação obtém sentença declaratória do seu direito de propriedade sobre determinado imóvel não pode, regra geral, em confronto com um terceiro (que não interveio sob qualquer titulo na aludida acção prévia) [sic] invocar a seu favor a autoridade de caso julgado e para efeitos de impor a este ultimo, de forma reflexa, um certo conteúdo do direito de propriedade (não concretamente esgrimido e decidido na acção anterior) excludente do direito invocado pelo terceiro em posterior acção contra si interposta”. […]».
Como se pode ler no Acórdão do STJ, de 18/06/2014 (proc. nº 209/09.1TBPTL.G1.S1), «[…] O cuidado com que é tratada a eficácia externa do caso julgado também é bem visível em Antunes Varela que, depois de abordar a problemática dos efeitos da sentença relativamente a terceiros juridicamente indiferentes, acrescentou, relativamente aos terceiros titulares de uma relação jurídica incompatível com a litigada, que “nenhuma razão há, de acordo com o espírito da norma que prescreve a eficácia relativa do caso julgado, para impor a sentença ao terceiro, titular da posição incompatível com a declarada na sentença transitada” (Manual de Processo Civil, 2ª ed. pág. 727). Nas demais situações cobertas pelas regras gerais, a invocação da “autoridade de caso julgado” formado num processo não pode conduzir a que se produzam na esfera de terceiros efeitos com que este não poderia contar, pelo facto de emergirem de um processo em que não teve qualquer intervenção. […]». [...]
No Acórdão da Relação de Lisboa, de 29/06/2006, citado na sentença recorrida,5 diz-se: «[…] no caso de ausência do citando em parte incerta, a lei manda, antes de se ordenar a citação edital, efectuar diligências no sentido de se determinar o seu paradeiro (artigos 244.º e 247.º, n.º4 do Código de Processo Civil); tratando-se de citação contra incertos não há necessidade de efectivar quaisquer diligências.
12. A razão está em que a acção contra incertos (artigo 16.º do Código de Processo Civil) tal como a habilitação no caso de incerteza de pessoas, não faz caso julgado em relação àqueles que não foram demandados, ou seja, a sentença é, quanto a eles, res inter alios acta. […]».
Também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre - Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, pág. 593 – citando Alberto dos Reis, referem “Na acção contra incertos, o caso julgado só se forma em face daqueles que nela intervenham como réus”.
Decisivamente, escreve Augusto Lopes Cardoso (Partilhas Litigiosas, vol. III, págs. 242 e 243):
«[…] A sentença que julga vaga a herança para o Estado é, na sua essência, meramente declarativa (…).
Mas o seu trânsito em julgado não implica que fique definitivamente assegurada ao Estado a titularidade dela. Tal trânsito só opera em relação aos que intervieram no processo em que proferida, jamais aos que lhe foram estranhos. Trata-se, de resto, de sentença contra incertos chamados à lide editalmente, o que desde logo lhe retira força de caso julgado erga omnes(…). Este ponto de vista tem fundas raízes jurisprudenciais(…) e doutrinais(…) e, que se conste, não tem sofrido contradição alguma.
É, assim, de concluir que «em qualquer altura pode, pois, o herdeiro vir reclamar a herança, sem prejuízo, é claro, da prescrição [usucapião] que se tenha verificado. Para esse efeito há-de propor acção de processo comum.
E pode dirigi-la, ou contra o Estado, a pedir a entrega do que este haja recebido, ou contra os adquirentes dos bens, a reivindicá-los, ou contra aquele e estes […]».
E é claro que, e na acção anterior, cujo caso julgado é invocado pelo Apelante, foi intentada contra incertos e não contra os ora AA., estes não estão vinculados pela sentença que aí julgou vaga a herança para o Estado, e podem intentar acção em que reivindiquem a herança, justificando a respectiva qualidade de herdeiros, sem que se lhes impute, por não instaurarem recurso de revisão da referida sentença, quer a excepção da autoridade do caso julgado, quer a nulidade do erro na forma de processo, ou no meio processual empregue. O Apelante invoca, mas sem relevância para o presente caso, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 21/12/2021 (Apelação n.° 131/21.3T8PDL.L1-7).
Sem relevância, porque nesse aresto – que não versava, uma situação de demanda de incertos na acção cujo trânsito em julgado se invocava - para a afirmação da autoridade do caso julgado, também não se dispensou a existência de identidade de sujeitos, afirmando-se que a mesma existia porque a acção posterior fora proposta pelo autor da anterior acção e pelos sucessores da sua mulher, também autora na 1ª acção, mas, entretanto, falecida. É a hipótese que também se refere no item “II” do sumário do Acórdão do STJ, de 30/11/2021, acima citado, mas que aqui não se verifica, da consideração de identidade das partes, não só, quando estas, no novo processo, forem as próprias pessoas que pleitearam no outro, como, também, forem “…sucessores delas (entre vivos ou mortis causa), na relação controvertida: herdeiros, legatários, donatários, compradores, cessionários.” (Manuel de Andrade, “in” Noções Elementares de Processo Civil, 1979, págs. 309 e 310).
Do exposto resulta, que, na sentença recorrida, julgando-se improcedentes, quer a excepção da violação da autoridade do caso julgado, quer a nulidade, por erro na forma de processo, decidiu-se correctamente.
Parece-se-nos claro que, não se estando em sede de recurso de revisão, desinteressa saber se o mesmo seria, ou não, tempestivo, v.g., à luz do fundamento previsto no artº 696, c), do NCPC.
«[…] Por outro lado, em ultima ratio, a prática de tal acto sempre consubstanciará uma excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos dos artigos 576.°, 577.° no segmento “entre outras” e 278.°, n° 1, alínea e), todos do Código de Processo Civil, o que aqui também se invoca. […]».
Ora, tomando a expressão “tal acto”, como a dedução da presente acção em lugar da interposição de recurso de revisão da sentença de 13/10/2020, apenas cumpre observar que, tendo-se concluído que não cabia aos AA interpor o dito recurso, a instauração da presente acção e o processamento subsequente, com términus na prolação da sentença recorrida, não configura nulidade, v.g., a prevista no artº 195.°, n.° 1, do NCPC, nem qualquer “excepção dilatória inominada”.
A acção de petição de herança, em que a causa de pedir “…consiste na sucessão “mortis causa” e na subsequente apropriação por outrem da massa hereditária…”6, caracteriza-se pelos pedidos do reconhecimento do direito da qualidade sucessória, e o da consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou, por outro título, ou mesmo sem título (artº 2075º, do CC).
A cumulação de outros pedidos – como os que os AA. fizeram - que sejam consequentes daqueles, ou que lhes dêem utilidade, não descaracteriza uma tal acção.
O Apelante não discordou da factualidade provada, nem da subsunção dos factos ao direito, sendo nosso entendimento que, na sentença “sub judice” - para a qual aqui se remete - enunciando-se devidamente as questões a resolver, foram estas, sem infracção das normas que o Apelante diz terem sido violadas, solucionadas correctamente e com fundamentação adequada.
A conclusão a extrair daquilo que ficou dito, é a de que se decidiu acertadamente na sentença recorrida, nada mais restando, senão, confirmando tal decisão, negar procedência à Apelação."
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15/01/2025
Jurisprudência 2024 (84)
Artigo 1106.ºVerificação do passivo1 - As dívidas relacionadas que não hajam sido impugnadas pelos interessados diretos consideram-se reconhecidas, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 574.º, devendo a sentença homologatória da partilha condenar no respetivo pagamento.2 - Se houver interessados menores, maiores acompanhados ou ausentes, o Ministério Público pode opor-se ao seu reconhecimento vinculante para os referidos interessados. (…).4 - Se houver divergências entre os interessados acerca do reconhecimento da dívida, aplica-se o disposto nos n.ºs 1 e 2 relativamente à quota-parte dos interessados que a não impugnem e quanto à parte restante observa-se o disposto no número anterior. (…).
- Uma fase dos articulados na qual as partes, para além de requererem instauração do processo, têm de suscitar e discutir todas as questões que condicionam a partilha, alegando e sustentando quem são os interessados e respectivas quotas ideais e qual o acervo patrimonial, activo e passivo, que constitui objecto da sucessão. Esta fase abrange a subfase inicial (art.ºs 1097º a 1002º) e a subfase da oposição (art.ºs 1104º a 1107º). No articulado de oposição devem os interessados impugnar concentradamente todas as questões que podem condicionar a partilha, nomeadamente, apresentar reclamação à relação de bens (vd. art.º 1104º).- A fase de saneamento, na qual o juiz, após a realização das diligências necessárias – entre as quais se inclui a possibilidade de realizar uma audiência prévia – deve decidir, em princípio, todas as questões ou matérias litigiosas que condicionam a partilha e a definição do património a partilhar e também proferir despacho sobre a forma da partilha.- A fase da partilha onde ocorrerá a conferência de interessados na qual se devem realizar todas as diligências que culminam na realização da partilha.
I - O artigo 1106º do Código de Processo Civil enuncia de forma expressa o efeito cominatório da não impugnação pelos interessados directos das dívidas relacionadas, que é o de estas serem reconhecidas, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 574º.II - Se um dos interessados impugnar a dívida, a não impugnação das dívidas relacionadas pelos demais interessados só importa reconhecimento se não estiverem em oposição com a pronúncia considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre as mesmas ou se só puderem ser provadas por documentos escrito, nos termos do disposto no artigo 574 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do n.º 1 do artigo 1106, 2ª parte."
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14/01/2025
Paper (520)
Jurisprudência 2024 (83)
13/01/2025
A importância da determinação adequada do objecto da prova
1. O sumário de um acórdão de uma das Relações é o seguinte:
I - Numa ação de alimentos, o autor/alimentando pode exercer o seu direito perante qualquer dos obrigados, não lhe competindo provar a impossibilidade económica daqueles que precedem o demandado na ordem legalmente estabelecida (art. 2009º, n.ºs 1 e 3, do Cód. Civil).II - Nada obsta, por isso, que aquele demande apenas os filhos, para deles exigir a prestação dos alimentos de que carece.III - Cabe aos demandados invocar (e provar) a excepção da existência de um obrigado anterior e a subsidiariedade da sua obrigação, designadamente que o ex-cônjuge do autor possui meios para lhe prestar alimentos.
"[...] pretendendo o Autor recorrente exercer o seu direito de alimentos e tendo diretamente demandado os seus dois filhos, abstendo-se de demandar o seu-ex-cônjuge, competirá aos demandados invocar – e demonstrar – a excepção da existência de um obrigado anterior e a sua subsidiariedade da sua obrigação, ou seja, de que o ex-cônjuge do autor está em condições de lhe poder prestar alimentos. Só assim se tornará inviável aferir a capacidade económica dos demandados para prestar alimentos ao seu progenitor. E não como fez o Tribunal recorrido, que erigiu como prevalecente a alegação (e prova) de que o ex-cônjuge do autor não tinha meios económicos suficientes para satisfazer a peticionada prestação de alimentos.De resto, nenhum sentido faria que o autor demandasse o ex-cônjuge quando reconhece que o mesmo está impossibilitado de prestar alimentos".
Seja como for, não parece muito razoável que se entenda que o credor de alimentos pode demandar um dos obrigados que constam da escala definida no art. 2009.º, n.º 1, CC e que na acção se apure se é necessário "subir" nessa escala e procurar um responsável "prioritário". A "ordem indicada" no art. 2009.º, n.º 1, CC é relevante para determinar quem é que tem legitimidade para ser demandado na acção de alimentos, pelo que há que respeitá-la.
É, aliás, muito discutível que a insuficiência económica seja um critério a considerar na aferição da legitimidade processual. O melhor entendimento parece ser o de que se demanda quem tem legitimidade para ser demandado segundo a escala definida no art. 2009.º, n.º 1, CC e que se determina depois, na apreciação do mérito, se essa parte tem capacidade económica para satisfazer o crédito de alimentos. Isto é: a capacidade económica do demandado não é um factor determinante para a aferição da legitimidade processual (esta é aferida pela ordem estabelecida no art. 2009.º, n.º 1, CC), mas antes para a procedência ou improcedência do pedido de alimentos contra a parte demandada.
Também não parece muito feliz o argumento avançado no acórdão de que, no caso concreto, não valia a pena demandar o ex-cônjuge, porque o próprio credor "reconhece que o mesmo está impossibilitado de prestar alimentos". O "reconhecimento" pelo autor fora da acção do que quer que seja nunca pode ser relevante para a determinação da legitimidade passiva em qualquer acção.
3. a) Para além das razões legais acima aduzidas, há uma razão ligada ao objecto da prova que também infirma a solução defendida no acórdão. A razão é a seguinte: é muito mais razoável que a parte demandada tenha de provar a sua incapacidade económica para satisfazer o direito de alimentos do demandante do que provar que um responsável não demandado tem condições económicas para satisfazer aquele direito do demandante. Não está em causa que o ónus da prova pertence ao demandado (distribuição do ónus da prova); o que está em causa é saber o que esse demandado tem o ónus de provar (objecto da prova).
O que é lógico é que a parte demandada faça prova de um facto pessoal ("eu não tenho capacidade económica para satisfazer o crédito de alimentos"), não que essa parte tenha de provar um facto alheio ("quem tem capacidade económica para satisfazer o crédito de alimentos é outra pessoa"). Logo, quem deve ser demandado é quem tem de provar um facto pessoal, não quem tem de provar um facto alheio. Isto confirma que, no plano da legitimidade processual, se deve seguir a ordem estabelecida no art. 2009.º, n.º 1, CC e conduz a que cabe ao demandado provar que não tem condições económicas para satisfazer o crédito de alimentos e que, por isso, a acção não pode proceder contra ele.
Aliás, nem se vê muito bem como é que os demandados na acção de alimentos conseguiriam provar que um não demandado (ou seja, um terceiro em relação à acção) tem condições económicas para cumprir a obrigação de alimentos. Note-se que não se trata de provar, por exemplo, que, ao contrário do que o demandante invoca, um devedor "prioritário" ainda não faleceu; trata-se de demonstrar que um terceiro tem possibilidade de satisfazer um crédito de alimentos. Para isso é necessário conhecer, entre muitos outros aspectos, não só as fontes de rendimento do terceiro, mas também a sua situação familiar e respectivos encargos e ainda a eventual prestação de alimentos a outrem.
Mesmo o disposto no art. 432.º CPC quanto à entrega de documentos em poder de terceiro é certamente inaplicável quando se trata de determinar se esse terceiro é titular de uma dívida perante o demandante; para isso, o terceiro tem de ser parte numa acção. Quer dizer: aceitar que possa ser demandado um alegado devedor que fica com o ónus de provar que um terceiro, porque tem para tal capacidade económica, é o verdadeiro responsável pela dívida alimentícia é fazer depender a improcedência da acção contra esse demandado de uma probatio diabolica.
Acresce que não se vê qual a utilidade prática de definir numa acção que um terceiro (e não o demandado) é responsável pela satisfação de um crédito de alimentos. Como é claro, qualquer decisão neste sentido sempre seria inoponível ao terceiro não demandado, pelo que numa eventual posterior acção teria de se começar tudo de novo e poder-se-ia vir a proferir uma decisão contraditória com a anterior absolvição.
4. Importa ainda resolver uma outra questão: é possível admitir a intervenção, a pedido dos demandados "subsidiários", do terceiro eventualmente responsável, como devedor "prioritário", pelo crédito de alimentos?
A admissibilidade desta intervenção (que, aliás, o acórdão não reconheceu) não se destina a permitir que o demandado inicial prove que o litisconsorte interveniente tem capacidade financeira para satisfazer o crédito de alimentos, mas antes a permitir, antes de tudo o mais, que o interveniente, como devedor "prioritário", prove que não tem capacidade financeira e que, por isso, a acção não pode proceder contra ele. Portanto, a admissibilidade da intervenção do devedor "prioritário" é totalmente compatível com o que acima se defendeu.
-- Quer o disposto no art. 2009.º, n.º 3, CC, quer uma determinação adequada do objecto da prova indicam que o demandado tem de provar que não tem capacidade económica para satisfazer o crédito alimentício; logo, deve ser demandado quem tem legitimidade processual segundo o disposto no art. 2009.º, n.º 1, CC e que, logicamente, pode provar a sua insuficiência económica;
-- A não se entender assim, desconsidera-se a ilegitimidade do demandado e impõe-se a esta parte, como condição para conseguir a improcedência da acção, uma probatio diabolica quanto à demonstração de que um terceiro tem capacidade económica para satisfazer o crédito alimentício; ainda por cima, a eventual decisão de improcedência da acção não tem nenhum efeito prático, dado que o que se decide na acção nunca será oponível ao terceiro que nela não foi demandado.
MTS
Jurisprudência 2024 (82)
“Razão doutrinal: o juiz, quando decide, cumpre um dever–o dever jurisdicional–que é a contrapartida do direito de ação e defesa. (…) E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respetivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se.A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional.(…)”
Debruçando-se sobre a questão, o STJ [Cfr. Ac. de 06-05-2010 in www.dgsi.pt.], apelando aos ensinamentos dos Srs. Profs. Paulo Cunha e Castro Mendes, entendeu que o vício aqui em causa é o da falta de poder jurisdicional de quem profere, neste caso concreto, despacho modificativo de decisão anteriormente proferida, gerando a sua inexistência jurídica.
Na verdade, como refere o Prof. Castro Mendes [In Direito Processual Civil, edição policopiada da AAFDL, vol. III, 1973, pg. 369.] embora o legislador tenha traçado um apertado numerus clausus das nulidades da sentença/acórdão, aplicáveis também, até onde seja possível, aos despachos jurisdicionais (artigo 613.º, nº 3 do CPCivil), a verdade é que outros vícios podem afetar as decisões judiciais, englobando categorias diferentes, que Castro Mendes classificava como vícios de essência, de formação, de conteúdo, de forma e de limites.
O referido Mestre denominava de vícios de essência, aqueles que, atingindo a sentença nas suas qualidades essenciais, a privam até da aparência de acto judicial e dão lugar à sua inexistência jurídica (ibidem).
Por sua vez Prof. Paulo Cunha [In Da Marcha do Processo: Processo Comum De Declaração, Tomo II, 2ª edição, pg. 360.] dava vários exemplos de casos de inexistência jurídica de sentenças, sendo um deles, quanto ao que ora nos interessa, o de a sentença (despacho) ser proferida por quem não tem poder jurisdicional para o fazer e o de, já depois de lavrada a sentença no processo, o juiz lavrar segunda sentença. [Tal posição mereceu, aliás, a discordância do Prof. Alberto dos Reis, Idem, pag. 113 e ss.]
*3. [Comentário] Sobre o assunto discutido no acórdão, pode ver-se Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil I (Lisboa 2022), 629.
MTS