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Blog do IPPC
Instituto Português de Processo Civil
"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))
20/11/2024
Jurisprudência 2024 (52)
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19/11/2024
Jurisprudência 2024 (51)
II – O que significa – correspondendo a reconvenção à introdução num processo pendente dum novo objeto constituído por uma causa de pedir própria e por uma pretensão autónoma – que nem todas as pretensões formuladas por um R. na contestação revestem natureza reconvencional, pois que, para que tal ocorra, tem a pretensão do R. de gozar de autonomia relativamente à pretensão do A..
III – É relativamente comum vermos contestações em que o R. termina/conclui a pedir a sua absolvição do pedido ou a pedir que sejam julgadas procedentes as exceções alegadas/invocadas, mas tais “pedidos” não constituem “pedidos reconvencionais”, uma vez que só há um verdadeiro “pedido” quando o mesmo corresponde a uma pretensão autónoma.
IV – E um pedido reconvencional é desprovido da indispensável autonomia – e, por isso, não deve ser admitido por força do art. 266.º/1 do CPC – se o efeito desejado pelo R. for a consequência da improcedência da ação: um pedido reconvencional destina-se a obter a declaração positiva de um direito, tem que acrescentar um benefício à simples improcedência da ação.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O Acórdão recorrido confirmou a decisão da 1.ª Instância que não admitiu o pedido reconvencional, sendo pois a solução dada a tal questão – respeitante à admissibilidade ou não da reconvenção – que suscita a presente revista e que preenche todo o seu objeto.
Segundo o Acórdão recorrido, o pedido reconvencional é uma mera decorrência da defesa, sem autonomia em relação à pretensão da A., razão pela qual é inadmissível enquanto pedido reconvencional.
Com o que, desde já se antecipa, se concorda totalmente.
Vejamos porquê:
Estamos, fora de qualquer dúvida, perante uma ação fundada em responsabilidade civil contratual: segundo a A., o R., no exercício da sua atividade profissional de advogado e no âmbito de um contrato de prestação de serviço (de mandato) celebrado com a A., cometeu um erro/falta – não procedeu ao oportuno registo de hipotecas que visavam garantir o crédito da A. sobre o seu ex-marido (crédito esse emergente da partilha entre ambos) – que, ainda segundo a A., não lhe permitiu/te receber a totalidade do crédito que tinha sobre o seu ex-marido (terão ficado por receber as 4 últimas prestações anuais, no montante global de € 275.200,00).
Significa isto, muito claramente, que a A., na presente ação, peticiona uma indemnização civil pelos danos decorrentes do erro/falta (no cumprimento dos seus deveres profissionais) do R., o que também significa que são requisitos constitutivos de tal indemnização (e da responsabilidade civil do R.) o facto ilícito por parte deste, a sua culpa, a existência de dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano1.
E dá-se o caso de o R. admitir o seu referido erro/falta, com o que, abreviando, ficam demonstrados os requisitos do facto ilícito e da culpa, centrando-se a controvérsia/discussão, quanto à constituição do direito indemnizatório da A., no âmbito dos requisitos do dano e do nexo causal.
Sendo justamente aqui, na qualificação jurídico-processual do que o R. alegou/invocou no perímetro de tal controvérsia/discussão, que começa todo o equívoco do R..
O R., como havia feito na apelação, insiste que o que alegou/invocou na contestação visa impedir/modificar/extinguir o direito indemnizatório da A. e que configura defesa por exceção perentória.
Mas, claramente, o que alegou/invocou na contestação configura defesa por impugnação.
A defesa por impugnação, como resulta do art. 571.º/2/1.ª parte do CPC, compreende duas modalidades: a defesa direta, em que o demandado nega de frente os factos alegados pelo autor, em que ataca direta e frontalmente a realidade dos factos constitutivos alegados pelo autor; e a chamada negação “indireta ou motivada” dos factos, em que o demandado reconhece a realidade dos factos (ou de parte deles) alegados pelo autor, mas contradiz o efeito jurídico que o autor pretende extrair deles, ou seja, dá-lhes uma versão diferente (diz que as coisas se passaram de modo parcialmente diferente), contrariando assim a verificação dos factos constitutivos do direito do autor.
Ao invés, na defesa por exceção perentória, como resulta do art 571.º/2/2.ª parte e 576.º do CPC, o demandado – sem negar propriamente a realidade dos factos alegados pelo autor, nem atacar o efeito jurídico que deles se pretende extrair – procede à alegação de factos novos (contra-factos) tendentes a repelir a pretensão do autor, ou seja, é uma defesa indireta, que assenta num ataque de flanco/lateral contra a pretensão formulada pelo autor (o demandado aceita a alegação apresentada pelo autor, mas alega novos factos capazes de gerar a sua absolvição).
Há, reconhece-se, alguma proximidade entre a defesa por impugnação e a defesa por exceção perentória, na estrita medida em que em ambos os casos o propósito do demandado é ser absolvido do pedido, porém, a defesa por impugnação assenta no entendimento de que não assiste razão ao autor, seja de facto, seja de direito, enquanto na defesa por exceção perentória o demandado opõe contra-factos que têm por efeito impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pelo autor, o qual, não fora a eficácia da exceção perentória, seria reconhecido.
Assim, os exemplos típicos de exceções perentórias são os factos que, em face da lei substantiva, configuram causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do autor (como o pagamento, a remissão, a novação, a prescrição, a caducidade, o erro, a coação, a simulação, ou quaisquer outros factos que determinam a invalidade do negócio jurídico).
Pelo que, perante isto, o alinhado no relatório inicial – ou seja, o que o R. alegou/invocou na contestação – tem que ser qualificado, repete-se, como impugnação, na modalidade da negação “indireta ou motivada”.
Tudo o que o R. alegou/invocou tem em vista diminuir o dano indemnizável, não por ter um efeito impeditivo, modificativo ou extintivo do direito indemnizatório da A., mas sim por, face ao alegado/invocado pelo R., o dano indemnizável se ter que considerar constituído em montante inferior ao pretendido pela A..
Efetivamente:
quando o R. alega que, além das prestações anuais confessadamente recebidas, a A. recebeu ainda em dinheiro, do seu ex-marido, € 19.000, está a impugnar/negar o montante ainda não recebido pela A. e, em consequência, o montante do dano;
quando o R. alega que havia outro património do ex-marido da A. que, por opção desta, não foi penhorado, está a dizer que houve montante não recebido pela A. (através de tal outro património) que não decorre – que não foi causado – pela sua falta/erro e, em consequência, a impugnar/negar o montante do dano;
quando o R. alega que, antes da constituição das hipotecas a favor da A., já quatro dos imóveis tinham sido hipotecados pela A. e pelo seu ex-marido, em 1996, está também a dizer que parte do montante não recebido pela A. (através de tais imóveis) não foi causado pela sua falta/erro e a impugnar/negar, em consequência, o montante do dano;
quando o R. alega que uma das hipotecas posteriormente constituída e inscrita sobre um dos imóveis que também foi hipotecado em garantia do crédito da A. visava garantir um mútuo contraído pelo seu ex-marido para pagamento de outra dívida comum do casal, está ainda a dizer que parte do montante não recebido pela A. (através de tal imóvel) não foi causado pela sua falta/erro e, em consequência, a impugnar/negar o montante do dano;
quando o R. alega que sobre um outro dos imóveis hipotecados já existia registo de hipoteca anterior à que fora constituída para garantia do crédito da A., está mais uma vez a dizer que parte do montante não recebido pela A. (através de tal imóvel) não foi causado pela sua falta/erro e, em consequência, a impugnar/negar o montante do dano.
Enfim, como corretamente se observa no Acórdão recorrido, o R. tão só “visa a fixação do montante da indemnização em valor inferior ao pedido”, para o que alega/invoca factos que – não contrariam os factos alegados pela A., dando-lhes, isso sim, uma “versão parcialmente diferente” – colocam em causa o montante do dano invocado pela A. e o nexo causal entre a sua conduta ilícita/omissiva e o dano invocado pela A..
Sendo a partir daqui, deste equívoco inicial – da configuração da sua impugnação motivada como defesa por exceção perentória – que o R. constrói e sustenta a admissibilidade, com base em tais alegações/invocações, da dedução da sua reconvenção.
O que, claro, sendo assim, não cumpre – de imediato se percebe – a função da reconvenção, que não é um meio de defesa do demandado, mas sim, antes, um meio de ataque (de contra-ataque), visando mais ou coisa diferente da mera improcedência do pedido do A.. [...]
Concorda-se pois com o Acórdão recorrido quando no mesmo se observa que “(…) só pode falar-se de reconvenção quando o réu formula um pedido contra o autor que não consista em mera conclusão da defesa. E tal não pode ser contornado pelo uso da fórmula que o recorrente usou em várias alíneas do pedido: “que seja o reconvindo condenado a reconhecer que…” ou “que seja declarado que”; e quando se acrescenta que, se fosse assim, não haveria “(…) nenhum meio de defesa que não pudesse, afinal, ser transmutado em “pedido”. A título meramente exemplificativo, poderá ser pedido: que seja reconhecido que o réu não teve qualquer responsabilidade pelo acidente; que seja o autor condenado a reconhecer que o réu já lhe pagou a quantia peticionada ou que sejam os reconvindos condenados a admitir que não têm direito de passagem sobre o prédio do réu. Ninguém duvidará que tais pedidos não poderiam ser considerados como reconvencionais, sequer se tratando de verdadeiros pedidos sendo, antes, meras conclusões da defesa. (…)”
Assim como com o que no Acórdão recorrido se observa, no sentido da inadmissibilidade da reconvenção, a propósito de cada uma e de todas as alíneas do pedido reconvencional deduzido pelo R./recorrente.
Insiste-se – e é um ponto decisivo – o R. não invocou qualquer exceção perentória: tudo o que ele alegou/invocou não “passa” de defesa por impugnação.
É verdade, não se contradiz, que todos os “pedidos reconvencionais” deduzidos decorrem de factos que servem de fundamento à defesa, mas isso, como acabámos de expor, não é suficiente para um pedido reconvencional ser admitido."
18/11/2024
Jurisprudência constitucional (232)
TC 10/10/2024 (710/2024) decidiu
"[...] Não julgar inconstitucional a norma do artigo 692.º, n.ºs 1 a 4, do Código de Processo Civil, interpretado no sentido de que a rejeição do recurso para uniformização de jurisprudência, após exame preliminar, incumbe ao relator do processo em que foi proferido o acórdão impugnado, sendo o acórdão que confirme tal rejeição, proferido em conferência – constituída pelo mesmo relator e por dois adjuntos, que coincidem com os subscritores do acórdão recorrido –, definitivo nas instâncias; [...].
Jurisprudência 2024 (50)
Nas conclusões do recurso de apelação os RR. apelantes não fizeram qualquer alusão aos pontos de facto que pretenderiam colocar em crise, não os identificando minimamente.
Ao invés, limitaram-se a realizar uma referência genérica ao enquadramento jurídico que, a seu ver, deveria ter sido observado (e não foi), aludindo, nesse contexto e de forma difusa, à narrativa geral dos acontecimentos que entenderam terem ficado demonstrados na sequência do julgamento, acrescentando a este propósito a alegação de que houve incorrecta valoração da matéria de facto.
Contudo, não indicaram, como se disse, um único dos pontos de factos concretos cuja modificação pretendessem ver operada pelo Tribunal da Relação.
(Note-se a este propósito que a factualidade dada como prova e não provada encontra-se descrita no elenco dos trinta e três factos dados como provados e vinte e um considerados não provados, competindo nestes termos aos impugnantes delimitarem, perante tal complexo acervo factual, os pontos de facto que pretendiam verdadeiramente colocar em crise, cumprindo relativamente a eles o ónus de síntese conclusiva – definido nos artigos 639º, nº 1, e 640º do Código de Processo Civil - que a lei especificamente lhes impõe).
É assim manifesto o incumprimento pelos impugnantes da obrigação processual prevista no artigo 640º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, segundo a qual: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: (…) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”.
Não constando das conclusões do recurso a indicação de qualquer ponto da matéria de facto que houvesse sido impugnado pelos Réus recorrentes, resta concluir que estes descuraram inteiramente o cumprimento da obrigação processual constante do artigo 640º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil e que sobre eles impendia.
O que é por si suficiente para determinar a imediata rejeição dessa mesma impugnação da matéria de facto, assim deficientemente apresentada.
Constitui aliás entendimento firme e consolidado, tanto na jurisprudência como na doutrina, que a impugnação da matéria de facto pressupõe, para ser admissível, a inclusão nas conclusões de recurso (e não apenas no corpo das alegações) dos pontos de facto impugnados.
(Neste sentido, vide Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2022, 7ª edição, a página197; José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre in “Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, Artigos 627º a 877º”, Almedina 2022, 3ª edição, a pagina 95; Rui Pinto in “Manual do Recurso Civil”, AAFDL, Editora, 2020, a página 301; na jurisprudência, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2022 (relator Pedro Branquinho Dias), proferido no processo nº 330/14.4TTCLD.C1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Junho de 2021 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 10300/18.8SNT.L1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 2023 (relator Cura Mariano), proferido no processo nº 4696/15.0T8BRG.G1.S1); o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2023 (relator Luís Espírito Santo), proferido no processo nº 203/18.1T8GDL.E1.S1); o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Fevereiro de 2024 (relator Lino Ribeiro), proferido no processo nº 7146/20.7T8PRT.P1.S1); o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2023 (relator Ferreira Lopes), proferido no processo nº 7146/20.7T8PRT.P1.S1); o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2023 (relator Moreira Alves), proferido no processo nº 1727/07.1TBSTS-L.P1.S1), todos publicados in www.dgsi.pt.
Pelo que o acórdão do Tribunal da Relação agiu com absoluto acerto, inteira correcção e plena conformidade com a lei ao rejeitar, como se impunha, a impugnação da matéria de facto por incumprimento do disposto no artigo 640º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, o que neste caso é claro, ostensivo e incontornável.
Mas se refira que não podem ser aqui avocados, com pertinência e sucesso, os princípios moderadores da proporcionalidade, razoabilidade e adequação, na medida em que estes, enquanto filtro do sistema para obviar ao exacerbado formalismo da análise na análise dos citados requisitos legais, pressupõem que o impugnante tenha cumprido minimamente os ónus processuais que sobre si impendiam, o que, como se viu, não sucedeu na situação sub judice.
3 – Inadmissibilidade da prolação de despacho de aperfeiçoamento perante o incumprimento dos deveres processuais consignados no artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil.
O artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, é claro, inequívoco e peremptório ao estabelecer a imediata rejeição da impugnação de facto no caso de incumprimento pelo impugnante dos ónus previstos nessa disposição legal.
O que significa que inexiste cabimento para a prévia prolação pelo juiz desembargador de qualquer convite ao aperfeiçoando das conclusões de recurso de revista nestas circunstâncias.
Nesse mesmo sentido, constitui entendimento uniforme da jurisprudência e da doutrina que a rejeição da impugnação de facto por incumprimento das exigências previstas no nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil não tem de ser antecedida de um prévio despacho de aperfeiçoamento.
Neste sentido, vide, na doutrina, José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre in “Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º. Artigos 627º a 877º”, Almedina 2022, 3ª edição, a página 95; António Abrantes Geraldes in obra citada supra, a página 199; Rui Pinto in “Manual do Recurso Civil”, AAFDL, Editora, 2020, a página 304; na jurisprudência, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Setembro de 2021 (relator José Rainho), proferido no processo nº 5404/11.0TBVFX.L1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 2022 (relator Fernando Batista), proferido no processo nº 556/19.4T8PNF.P1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 2024 (relator Nelson Borges Carneiro), proferido no processo nº 18321/21.7T8PRT.P1.S1; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Janeiro de 2024 (relator Pedro Lima Gonçalves), proferido no processo nº 2605/20.4T8LRS.L1.S1; todos publicados in www.dgsi.pt.
A revista é, por conseguinte, negada."
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16/11/2024
Bibliografia (1557)
15/11/2024
Bibliografia (1156)
Jurisprudência 2024 (49)
Artigo 7.ºAs pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro:1) a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:
- no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues; (…)»
«Desde que não se coloque no âmbito da revista a violação pelo acórdão recorrido de normas respeitantes à prova tarifada, com força legalmente vinculativa, encontrando-nos, ao invés, perante prova apreciada livremente pelas instâncias, nos termos gerais do artigo 366º e 369º do Código Civil e 466º, nº 3, do Código de Processo Civil, o juízo de facto autónomo extraído pelo acórdão recorrido está fora do superior controlo por parte do Supremo Tribunal de Justiça, na sequência do que se dispõe nos artigos 662º, nº 4, e 674º, nº 3, do Código de Processo Civil.»
«No caso em apreço, tendo por base um contrato de compra e venda de bens alimentares celebrado entre A. e R, e sendo apurado que o local da entrega de tais bens à R. era nas instalações da A., situadas em (...), forçoso é concluir que o tribunal competente para conhecer do pleito é o Tribunal Judicial de Évora, mais concretamente o Juízo Central Cível e Criminal de (...), onde, aliás, os presentes autos se encontram já a correr termos.»
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14/11/2024
Jurisprudência 2024 (48)
No que toca à nulidade processual resultante da falta de notificação do Parecer do Ministério Público, apresentado no Tribunal dos Conflitos, cumpre ter presente, em primeiro lugar, que este recurso é tramitado através da plataforma Citius, como a recorrente, aliás, nos recorda, ao identificar o acórdão (embora a referência indicada se refira ao acórdão de 5 de Julho de 2023) e a acta da sessão de 22 de Novembro de 2023 pelas respectivas referências Citius e que o referido Parecer do Ministério Público conste da mesma plataforma (ref. 11549441).
Em segundo lugar, cabe frisar que o princípio do contraditório tem um significado material, que se reconduz ao princípio da igualdade das partes perante a lei e o tribunal e se traduz no reconhecimento do direito das partes a que a sua posição sobre as questões em litígio possa ser considerada pelo tribunal quando as vai decidir. Por isso se anulou o acórdão de 5 de Julho de 2023 – recorde-se que a recorrente alegou que só com a leitura deste acórdão tomou conhecimento da existência de tal Parecer, ponto 24 do requerimento de 20 de Julho de 2023.
Tendo o acórdão de 27 de Setembro de 2023, em julgamento da nulidade por falta de notificação do Parecer do Ministério Público, arguida pela recorrente, anulado o acórdão de 5 de Julho anterior “para que seja cumprido o princípio do contraditório, uma vez que o Ministério Público é recorrido no recurso que está em causa” (ponto 2 do acórdão de 27 de Setembro), acórdão que foi notificado à recorrente, e constando do Código de Processo Civil a regra geral sobre a duração e o início da contagem do prazo para as partes exercerem qualquer outro poder processual para além dos que vêm referidos na lei – cfr. artigo 149.º do Código de Processo Civil e artigo 19.º da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro – a recorrente dispôs de todos os elementos de que necessitava e do prazo para se poder pronunciar antes de ser proferido o acórdão de 22 de Novembro – cfr. ponto 4 deste acórdão de 22 de Novembro.
Recorda-se que é este sentido material do contraditório que o n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil traduz, ao revelar, na sua parte final, que o que o respeito do contraditório impõe é que, antes de o juiz decidir “questões”, as partes devem ter disposto “da possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Tendo disposto dessa possibilidade, anular o acórdão de 22 de Novembro por falta de notificação do Parecer do Ministério Público seria apenas um formalismo sem qualquer fundamento material; razão pela qual a arguição de nulidade por falta de notificação é manifestamente infundada.
13/11/2024
Jurisprudência 2024 (47)
«É certo de igual forma que essa tramitação não se adequa em si mesma à tramitação inerente ao pedido reconvencional.É ainda certo que a tramitação de processo comum a seguir em atenção ao pedido reconvencional altera a tramitação prevista para o processo de divisão de coisa comum.Todavia, importa compreender que toda essa perturbação na tramitação processual é conatural à junção num só processo de pedidos que sigam uma tramitação diversa.E o que é facto é que a lei não enjeita a possibilidade dessa junção.Na perspetiva da lei, o inconveniente inerente à perturbação processual que é introduzida resolve-se através da adaptação do processado aos fins da reconvenção (n.º 3 do art. 37.º do CPCivil).Isto só não deverá ser assim quando a ação e a reconvenção devam seguir tramitação “manifestamente incompatível””.(…) incompatibilidade manifesta (intolerável, gritante) só existirá naqueles casos em que se imporia (ou, pelo menos, em que houvesse o risco disso suceder) praticar atos processuais contraditórios ou inconciliáveis. Não basta que se esteja perante tramitações desajustadas umas das outras, pois que isso sempre acontece, em maior ou menor grau, em formas processuais diferentes.(…) a introdução da reconvenção em causa é fonte de perturbação no processo de divisão da coisa comum, mas isso, na perspetiva da lei, não é suficiente para impedir a reconvenção. (…)»
«I. Na ação especial de divisão de coisa comum, em que o Requerido, apesar de deduzir contestação, confessa o pedido da Requerente, é admissível a reconvenção quando tenha sido suscitada a compensação de alegado crédito por despesas suportadas para além da quota respetiva, com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao Requerente, devendo a ação seguir os termos do processo comum, para que sejam decididas tais questões, só então se entrando na fase executiva do processo com a conferência de interessados.II. No art. 266.º, n.º 3, do CPC, o legislador salvaguarda a possibilidade de o juiz autorizar a reconvenção “quando ao pedido do Requerido corresponda uma forma de processo diferente”, nos termos previstos no art. 37.º, n.ºs 2 e 3, do mesmo corpo de ºnormas, “com as necessárias adaptações”.III. Traduzindo-se as diversas formas de processo - especial e comum - no único obstáculo formal à admissibilidade da reconvenção, mas não seguindo as mesmas uma tramitação manifestamente incompatível, tanto mais que é expressamente admissível a convolação do processo especial de divisão de coisa comum em processo comum, de acordo com o art. 37.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, o Juiz pode autorizar a reconvenção, “sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa-composição do litígio”.
IV. O poder-dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, em circunstâncias como as dos presentes autos.V. Está em causa o interesse em discutir e decidir todas as questões que, para além da divisão, envolvem os prédios dividendos. Importa evitar que o Requerido se veja compelido a propor uma outra ação para ver o seu direito reconhecido.» [Citámos agora o acórdão do STJ de 26/01/2021, proferido no proc. nº 1923/19.9T8GDM-A.P1.S1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj, onde, aliás, se faz uma resenha jurisprudencial perfilhando a mesma posição; no mesmo sentido o acórdão do STJ de 25/05/2021, proferido no proc. nº 1761/19.9T8PBL.C1.S1, este citado nas alegações recursivas; ainda no mesmo sentido e com igual resenha jurisprudencial, vide o acórdão do TRL de 24/03/2022, proferido no proc. nº 823/20.4T8CSC-A.L1-2, este acessível em www.dgsi.pt/trl]."
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12/11/2024
Jurisprudência 2024 (46)
I. O sumário de RC 20/2/2024 (1822/23.0T8CVL.C1) é o seguinte:
1. A restituição provisória de posse tem natureza antecipatória, assegurando a satisfação provisória do possuidor e deverá ter lugar quando o juiz se convença da séria probabilidade da verificação dos requisitos da posse e do esbulho violento (art.ºs 368º, n.º 1 e 378º, do CPC), dependendo, pois, da verificação cumulativa de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência.
Alegou, em síntese: é dona do referido veículo automóvel, que se encontrava na sua posse exclusiva desde 01.6.2023; terminou a relação de namoro com o requerido no dia 27.10.2023; então, este tirou-lhe a chave do veículo com recurso a força física e recusou devolver-lha; desconhece a localização da viatura, agora, já registada em nome da mãe do requerido, sem que a requerente assinasse declaração de venda.
Determinou-se a não audição prévia do requerido.
É possuidor esbulhado quem foi privado da posse (enquanto poder de disponibilidade fáctica ou empírica de determinado bem) que tinha e que é impedido de continuar a exercer (foi colocado em condições de não poder continuar a exercer a posse; o possuidor ficou privado do exercício ou da possibilidade de exercício dos poderes correspondentes à sua posse), e, em regra, o Réu/requerido/esbulhador terá de restituir a coisa, fazendo cessar a posse iniciada com o esbulho. [---]
A coação moral, na hipótese de esbulho, ocorre quando o possuidor da coisa é forçado à sua privação pelo receio de um mal de que foi ilicitamente ameaçado, mal esse que tanto pode respeitar à sua pessoa como à sua honra ou fazenda ou de terceiro (art.º 255º do CC), enquanto a coação física supõe a completa ausência de vontade por parte daquele a quem a posse foi usurpada. [---]
7. Não suscita qualquer dúvida que o uso de violência sobre as pessoas, quer seja pelo uso da força física, quer seja através da coação moral, pelas formas da intimação e da ameaça, é relevante para, caracterizando o esbulho como violento, fundamentar o deferimento do procedimento cautelar de restituição provisória de posse.
Considerando-se que a violência a que se refere o art.º 1261º do CC tem de exercer-se sobre as pessoas, e não apenas sobre as coisas que constituem um obstáculo à privação da posse (e a ameaça pode respeitar às pessoas ou aos bens, mas há de exercer-se sobre a pessoa do coato), as dúvidas podem-se colocar no tocante à violência sobre as coisas.
Embora estejamos perante questão não isenta de dificuldades (algumas das quais, cremos, poderão ser ultrapassadas se tivermos uma real/adequada configuração da situação controvertida), afigura-se defensável, como regra, o entendimento de que a violência contra as coisas só é relevante se com ela se pretende intimidar, direta ou indiretamente, a vítima da mesma, não devendo, por isso, qualificar-se como tal os meros atos de destruição ou danificação desprovidos de qualquer intuito de influenciar psicologicamente o possuidor - a violência sobre as coisas que estorvam a privação apenas relevará para este fim quando o agente usou, pelo menos de dolo eventual, quando previu, como normal consequência da sua conduta, que iria constranger psicologicamente o possuidor e, todavia, não se absteve de a assumir, conformando-se com o resultado. [---]
8. A referida perspetiva quanto à utilização do procedimento cautelar de restituição provisória de posse, numa interpretação restritiva dos preceitos que o preveem, justifica-se pela diminuição das garantias de defesa do requerido, que não é chamado a defender-se e a contraditar os factos e as provas do requerente previamente à decisão e pela desnecessidade da existência de qualquer prejuízo do requerente - a utilização do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, pela diminuição de garantias de defesa do requerido e pela desnecessidade de existência de qualquer prejuízo do requerente, só deve ser permitida em casos em que a violência atingiu pessoas, e não quando apenas se exerceu sobre coisas, pois só aquelas situações revestem uma gravidade que justifica a utilização daquele meio de intervenção draconiano. [---]
9. Ante o descrito enquadramento normativo e a factualidade indiciada em II. 1., supra, antolha-se evidente que a requerente não demonstrou os requisitos do presente procedimento cautelar, desde logo, que tinha a “posse” (concreta e efetiva) do veículo, a sua disponibilidade fática ou empírica, atuando “por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real” (art.º 1251º do CC) sobre o mesmo. [---]
Por outro lado, também não vemos configurado um esbulho violento, uma vez que o desapossamento, a ter existido, foi obtido através de uma ação que não incidiu sobre a requerente, já que não se verificou diretamente qualquer ofensa física à pessoa desta, nem se verificou, direta ou reflexamente, qualquer ofensa psicológica à sua liberdade de determinação, colocando-a na impossibilidade material de agir, ou inibindo-lhe qualquer capacidade de reação, por receio de algum mal.
Tendo em conta a factualidade indiciada e a previsão dos art.ºs 1282º do CC e 377º do CPC, concluiu-se, assim, pela não verificação dos pressupostos/requisitos de que depende o deferimento do procedimento cautelar de restituição provisória de posse.
III. [Comentário] Admite-se que a RC (bem como a 1.ª instância) decidiu bem, atendendo ao que foi alegado e provado no procedimento cautelar. Não se exclui que o tipo de situação que foi alegada pela requerente possa fundamentar, noutras circunstâncias, a procedência da providência de restituição provisória da posse.
MTS