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Instituto Português de Processo Civil
"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))
01/07/2025
Bibliografia (1208)
Jurisprudência 2024 (199)
Afirma a RE:
"Na[...] ação de demarcação, donde resultou o título dado à execução, o tribunal, ao definir as linhas divisórias dos prédios pertencentes a cada uma das partes (prédios confinantes), não fixou qualquer outra obrigação para a aqui apelada senão a de consentir ou contribuir para a demarcação nos termos decididos. Ou seja, a única mudança jurídica operada pela sentença foi a fixação das linhas divisórias entre os dois prédios confinantes, não se podendo considerar que aquela decisão judicial impõe, implicitamente, a qualquer das partes (in casu à aqui executada) uma obrigação de se absterem da prática de atos lesivos do direito de propriedade da contra-parte e, em consequência, de uma obrigação de eliminação dos efeitos decorrentes de tal violação."
Noutros termos: a RE entende que da sentença proferida na acção de demarcação resultou apenas a condenação da demandada numa obrigação de facto: em concreto, na obrigação de "consentir ou contribuir para a demarcação nos termos decididos". Ora, não é este o objecto da acção de demarcação -- que é uma acção real, não uma acção obrigacional. É por isso que também não se pode acompanhar a RE na irrelevância prática a que, na segunda parte da afirmação acima transcrita, condena a acção e a sentença de demarcação.
É certo que o art. 1353.º CC define o conteúdo do direito de demarcação como correspondendo a uma obrigação dos "donos dos prédios confinantes concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles". No entanto, o objecto da acção de demarcação é aquele que consta do art. 1354.º CC, como resulta da circunstância de se estabelecer que um non liquet ocorrido nessa acção pode vir a ser ultrapassado, em última análise, pela distribuição do terreno em litígio por partes iguais. Disto decorre que o objecto da acção de demarcação não é nenhuma obrigação de facto do dono do prédio confinante, mas antes, a delimitação recíproca e com eficácia real das estremas de dois prédios confinantes.
30/06/2025
Jurisprudência 2024 (198)
[MTS]
29/06/2025
Bibliografia (1207)
-- Della Torre, J., Taking the Evolution of the Standards of Proof for a Criminal Conviction Seriously, Qf 8 (2025), 155
-- Garlati, L., Prove legali e intimo convincimento. Strade parallele o inevitabile intreccio? Note a margine di Taking the Evolution of the Standards of Proof for a Criminal Conviction Seriously di Jacopo Della Torre, Qf 9 (2025), 1
27/06/2025
Jurisprudência constitucional (241)
[...] Julgar inconstitucional, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 26.º e do n.º 1 do artigo 36.º da Constituição, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação da paternidade, por força do artigo 1873.º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante [...].
Bibliografia (1206)
Jurisprudência 2024 (197)
Na conclusão n.º 4, os recorrentes referem: “(d)iz-se que uma decisão não anula a outra, mas a presente sentença anula a sentença do processo de inventário, cujo trânsito em julgado já ocorreu em 2015”.
Pese embora o seu teor algo equívoco, em nossa opinião, esta conclusão, se complementada com o conteúdo das alegações de recurso [---], é suscetível de ser interpretada como uma pretensão de recurso sobre o segmento decisório (da sentença) que julgou improcedente a exceção de autoridade de caso julgado.
Vejamos, então.
Como decorre da factualidade enunciada, o imóvel em discussão foi integrado na relação de bens do inventário para partilha das heranças (cumuladas) de FF - avó e bisavó do primeiro e segundo autor, respetivamente - e do primeiro e pré-falecido marido desta, nele intervindo como interessados a mãe e avó dos aqui autores e os descendentes daquele primeiro casamento.
Tal imóvel, correspondente à verba n.º 55 daquela relação de bens da inventariada FF, foi, em conferência de interessados, licitado pelas rés e adjudicado às mesmas por sentença homologatória de partilha, transitada em julgado em 24 de abril de 2015, não tendo havido emenda da partilha, nem ação destinada a obter a anulação da partilha.
Pretendem as recorrentes que, perante esta factualidade, ocorre caso julgado inibidor da propositura da presente ação, entendimento que não foi acolhido na sentença recorrida.
Vejamos.
A expressão caso julgado quer retratar a realidade jurídica de uma situação já jurisdicionalmente apurada, já julgada.
A doutrina tem chamado a atenção para as diversas perspetivas - e concernente alcance - com que o instituto pode ser equacionado.
E assim, por exemplo, se vem distinguindo o caso julgado como exceção dilatória da figura da autoridade do caso julgado ou ainda do alcance ou efeito preclusivo do caso julgado.
Como exceção dilatória, o caso julgado visa obstar à repetição de uma causa e evitar que o tribunal se veja na contingência de ter de reproduzir ou contrariar a anterior decisão (art.º 580º, nº 1 e nº 2, do CPC), definindo a lei a noção de repetição da causa através dos consabidos critérios de identidade de sujeito, de pedido e de causa de pedir (art.º 581º do CPC).
Por seu turno, como autoridade, o alcance do julgado recorta-se, já não como obstáculo processual a uma causa seguinte mas, mais positivamente, pela afirmação do que já antes foi decidido como objeto e que, por isso, já se não pode discutir - de uma outra (e precedente) causa. [...]
Importa ainda fazer referência ao designado efeito preclusivo do caso julgado [Na doutrina não tem obtido resposta unânime a questão de saber se o efeito preclusivo deverá ser integrado no caso julgado ou, por outro lado, tratado com autonomia (neste sentido cf. o Ac. do STJ, de 17 de janeiro de 2017, processo n.º 3844/15.5T8PRT.S1, in www.dgsi.pt)]
Dentro do processo, a definitividade da decisão impede que nele ela seja contraditada ou repetida (o designado caso julgado formal).
“Fora do processo, produz-se um efeito preclusivo material: não só precludem todos os possíveis meios de defesa do réu vencido e todas as possíveis razões do autor que perde a ação, mas também, com maior amplitude, toda a indagação sobre a relação controvertida, delimitada pela pretensão substantivada (pedido fundado numa causa de pedir) deduzida em juízo” [Lebre de Freitas, “Um polvo chamado autoridade de caso julgado”, in Revista da Ordem dos Advogados, III-IV, 2019, pag. 692].
Feitas estas breves considerações, que entendemos necessárias a um adequado enquadramento que a apreciação deste concreto fundamento do recurso demanda, desde já adiantamos, tal como a sentença recorrida, ser concluir que o trânsito em julgado da sentença homologatória proferida no sobredito inventário não inibe os autores da propositura desta ação onde reclamam o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel ali partilhado e adjudicado às rés, com fundamento na aquisição originária do mesmo por usucapião.
Tal como refere a Mmª Juíza a quo, a sentença homologatória de partilhas, na expressão de Lopes Cardoso [In "Partilhas Judiciais", II, 3ª ed., pág 495, 506 e 547.], limita-se a "chancelar", "autenticar" uma dada partilha, mediante a qual se atribui aos respetivos interessados o direito de propriedade sobre certos e determinados bens; tal decisão só surtirá, contudo, eficácia de caso julgado no tocante às questões que, "ex professo", hajam sido discutidas e dirimidas no correspondente processo de inventário.
Se bem que os autores devam ser considerados os únicos herdeiros de HH, que interveio como interessada naquele inventario (sendo, por isso, inquestionável, para efeitos de apreciação deste exceção, a verificação do referido pressuposto da identidade jurídica de sujeitos), a verdade é que, no aludido inventário, não houve qualquer incidente de reclamação contra a relação de bens na parte atinente ao imóvel descrito sob a verba n.º 55, pelo que a sentença homologatória do inventário não apreciou nem se pronunciou sobre o direito de propriedade relativo ao bem imóvel em causa nestes autos, antes aceitou como bom o pressuposto de que tal bem integrava a herança aberta por óbito de FF, procedendo à respetiva partilha, de acordo com os quinhões hereditários de cada um dos herdeiros de cada um dos inventariados.
Acresce que o efeito preclusivo do julgado se relaciona essencialmente com a posição passiva na ação judicial e resulta de dois mecanismos processuais distintos. “Efectivamente, o princípio de concentração da defesa na contestação (art. 573º do CPC), incluído na defesa superveniente (como se deduz da conjugação dos artigos 588º, n.º 1, e 729º, al. g)) determina a preclusão de toda a defesa que haja oportunamente feito valer contra a concreta causa de pedir invocada pelo autor. Assim, o réu que perdeu já não pode, depois, na oposição à execução (cf. artigos 729º, al. g), a contrario, e 860º, n.º 3) invocar as exceções que não usara, como por ex. a nulidade do contrato invocado pelo autor, para se negar ao pagamento. Mas, por outro lado, tampouco o pode fazer em (i) ação autónoma ou em (ii) reconvenção, porque lhe vai ser oposta a autoridade de caso julgado decorrente da vinculação positiva externa do caso julgado assente no art.º 619º do CPC, em sede e objetos em relação de prejudicialidade” [Rui Pinto, “Exceção e Autoridade de Caso Julgado, Revista Julgar online, Novembro de 2018, pag. 42.]
Sucede que, no processo inventário, as partes interessadas não têm a qualidade de demandantes e demandados.
Como bem se refere na sentença recorrida, “o processo de inventário é um processo complexo, podendo ele configurar-se como um processo de jurisdição voluntária ou já de feição contenciosa, tudo dependendo da circunstância de, no seu decurso, surgirem questões entre os interessados que provoque ou não a actividade jurisdicional para decidir controvérsias. Se o juiz for chamado e forçado a decidir, a administrar justiça, transformando-se o processo em contencioso, deixando a jurisdição de ser voluntária e provocando a apreciação de prova produzida e do direito aplicável e subsequente decisão de mérito, aí nenhuma dúvida oferece que, em sede de julgamento de questões de índole contenciosa, a consequência será o funcionamento da excepção de caso julgado e da autoridade do caso julgado. Será o caso de questão incidental suscitada em sede de reclamação contra a relação de bens e julgada em processo de inventário se impor à subsequente demanda em acção declarativa comum, nomeadamente em acção de reivindicação, já que, à semelhança desta, o incidente de reclamação contra a relação de bens visa também ele a inclusão ou restituição de um bem em falta a um património comum e não meramente a apreciação acerca da titularidade de um direito. Ora, no inventário em causa, não houve qualquer incidente de reclamação contra a relação de bens atinente à dita verba n.º 55, sendo que só nessa sede se poderia aferir se decisão ali proferida se repetiria aqui quanto à causa de pedir e pedido ou se este tribunal ficaria colocado em posição de possível contradição com o decidido e que se impunha, visto que com o inventário sem mais tais coincidências de causa de pedir e pedido nunca se poderiam verificar”.
Quer isto dizer que não vislumbramos in casu qualquer decisão prejudicial que haja sido tomada naquele inventário que possa ser contraditada por uma (posterior) decisão judicial que, com fundamento na aquisição originária (usucapião) do imóvel ali relacionado e adjudicado às rés, reconheça aos autores do direito de propriedade sobre esse mesmo imóvel.
De facto, como nos diz o sumário do Acórdão da RG de 6.02.2020, “(a) a sentença homologatória da partilha não constitui caso julgado numa acção de reivindicação da propriedade de uma verba quando no inventário, não tendo corrido qualquer incidente declarativo, não se apreciou nem a titularidade do bem, nem se definiu a sua área, configuração concreta e limites” [Processo n.º 26/18.tT8MDR.G1, in www.dgsi.pt. De referir, contudo, que pese embora o teor do sumário supra transcrito, a situação subjacente àquele aresto não é inteiramente coincidente com a destes autos, na medida em que ali não estava em causa uma questão que contendesse com a titularidade dos bens da herança objeto da partilha homologada por sentença transitada em julgado, mas somente (posteriores) questões atinentes a ónus ou encargos desses bens ou à configuração exata das verbas.]
O art. 1127.º, n.º 1, CPC regula a anulação da partilha, definindo os casos em que a partilha confirmada por sentença homologatória pode ser anulada. Já se alcança o argumento que pode ser invocado: se há condições específicas para a anulação da partilha homologada é porque essa partilha é vinculativa para as partes e não pode ser questionada a não ser se for anulada.
No caso concreto, não tendo sido requerida a anulação da partilha homologada, era indiscutível que os recorrentes estavam vinculados ao que dela resultou.
MTS
26/06/2025
Anulação de decisão sobre matéria de facto e “custas da apelação pela parte vencida”
Jurisprudência 2024 (196)
1. O sumário de RC 8/10/2024 (313/23.3T8VIS-A.C1) é o seguinte:
Com interesse para a decisão do recurso, importa levar em consideração o despacho recorrido, que contém toda a tramitação relevante para apreciar as questões que o embargante/recorrente suscitou, despacho esse que apresenta o seguinte teor:
“DA OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO:
a) Das Ineptidões do Requerimento de Injunção Europeu e do Requerimento Executivo:
Nos presentes embargos o executado invoca, num primeiro momento, a ineptidão do requerimento de injunção europeu, dizendo para tanto que a exequente se limitou a preencher os campos, fazendo constar na “Nota Explicativa” “INCUMPRIMENTO DE PAGAMENTO DE UM EMPRÉSTIMO”, nada expondo no campo referente a informações adicionais/relevantes, aí tendo junto, para sustentar a sua pretensão, os dois contratos que identificou em 32º, afirmando de seguida a ausência de alegação de quaisquer factos essenciais da causa de pedir complexa, que não se considera suficientemente exposta, vícios que igualmente ocorrem quanto ao valor peticionado, data de vencimento ou data do contrato.
Para fundamentar a ineptidão do requerimento executivo diz que a exequente se limitou a juntar o requerimento de injunção europeia com fórmula executória, nada mais tendo alegado ou invocado, para além de peticionar juros de mora à data de 01/07/2022 e sem qualquer fundamentação.
Após concluir pela nulidade do título executivo dado à presente execução, por inexistência de fundamentação dos factos que lhe servem de base, com a consequente ineptidão, sustenta que a exequente, não só não expôs tais factos no requerimento executivo, não sanando os vícios de que padece o título, como aliás invoca que a quantia de € 17.914,20 se reporta ao saldo negativo de conta corrente a descoberto em nome do executado, assim contrariando o neste particular alegado na injunção, onde fez constar que tal quantia corresponde ao incumprimento do contrato de empréstimo, o que configura distintas realidades.
A exequente contestou, pugnando pela improcedência da exceção invocada, o que fez nos termos vertidos no seu articulado, que por brevidade de exposição aqui se considera reproduzido.
Apreciando:
A injunção a que se reporta a presente execução rege-se pelo Regulamento (CE) n.º1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2006, que criou um procedimento europeu de injunção de pagamento.
O Regulamento é um ato jurídico da União, com caráter geral, é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros (art.º 288.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia).
É, pois, diretamente aplicável na ordem interna portuguesa (art. 8º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa).
Conforme consta no considerando n.º 9 do Regulamento, este tem por objetivo simplificar, acelerar e reduzir os custos dos processos judiciais em casos transfronteiriços de créditos pecuniários não contestados, através da criação de um procedimento europeu de injunção de pagamento, e permitir a livre circulação das injunções de pagamento europeias em todos os Estados-Membros, através do estabelecimento de normas mínimas cuja observância torne desnecessário qualquer procedimento intermédio no Estado-Membro de execução anterior ao reconhecimento e à execução.
O procedimento tem por base, tanto quanto possível, a utilização de formulários normalizados para todas as comunicações entre o tribunal e as partes, a fim de facilitar a sua administração e permitir o recurso ao tratamento automático de dados (considerando n.º 11 e arts. 7º, 9º, 10º, 11º, 12º, 16º e 18º do Regulamento).
No requerimento de injunção de pagamento europeia o requerente deverá fornecer informações suficientes para identificar e fundamentar claramente o pedido de modo a permitir ao requerido optar, com conhecimento de causa, entre deduzir oposição ou não contestar o crédito (considerando 13 e art. 7º).
O Tribunal analisará o requerimento, bem como a questão da competência e a descrição das provas, com base nas informações constantes do formulário de requerimento, o que deverá permitir-lhe apreciar prima facie o mérito do pedido e, nomeadamente, excluir pedidos manifestamente infundados ou requerimentos inadmissíveis (considerando 16 e art. 11º).
A injunção de pagamento europeia deverá informar o requerido das opções ao seu dispor, ou seja, pagar ao requerente o montante fixado ou apresentar uma declaração de oposição no prazo de 30 dias, caso pretenda contestar o crédito. Para além das informações completas sobre o crédito fornecidas pelo requerente, o requerido deverá ser informado do alcance jurídico da injunção de pagamento europeia e, em especial, dos efeitos da não contestação do crédito (considerando 18 e art. 12º).
O requerido poderá apresentar a sua declaração de oposição utilizando o formulário normalizado que consta do regulamento. No entanto, os tribunais deverão ter em conta qualquer outra forma escrita de oposição, caso esteja formulada claramente (considerando 23 e art. 16º).
Uma declaração de oposição apresentada no prazo fixado deverá pôr termo ao procedimento europeu de injunção de pagamento e implicar a passagem automática da ação para uma forma de processo civil comum (nos tribunais competentes do Estado de origem), a não ser que o requerente tenha solicitado expressamente o termo do processo nessa eventualidade (considerando 24 e art. 17º).
Após o termo do prazo para apresentar a declaração de oposição, o requerido terá, em certos casos excecionais, o direito de pedir a reapreciação da injunção de pagamento europeia (perante o Estado-Membro de origem). A reapreciação em casos excecionais não deverá significar a concessão ao requerido de uma segunda oportunidade para deduzir oposição. Durante o procedimento de reapreciação, o mérito do pedido não deverá ser apreciado para além dos fundamentos decorrentes das circunstâncias excecionais invocadas pelo requerido. As outras circunstâncias excecionais poderão incluir os casos em que a injunção de pagamento europeia tenha por base informações falsas fornecidas no formulário de requerimento (considerando 25 e art. 20º).
Se no prazo de 30 dias suprarreferido não for apresentada ao tribunal de origem uma declaração de oposição, este declara imediatamente executória a injunção de pagamento europeia, para tal utilizando o formulário normalizado G, constante do Anexo VII, devendo para o efeito o tribunal verificar a data da citação ou notificação (art. 18º n.º 1).
Nessa sequência o tribunal enviará ao requerente a injunção de pagamento europeia executória (art. 18º n.º 3).
Uma injunção de pagamento europeia emitida num Estado-Membro e que tenha adquirido força executiva deverá ser considerada, para efeitos de execução, como se tivesse sido emitida no Estado-Membro no qual se requer a execução.
A confiança mútua na administração da justiça nos Estados-Membros justifica que o tribunal de um Estado-Membro considere preenchidos todos os requisitos de emissão de uma injunção de pagamento europeia, a fim de permitir a execução da injunção em todos os outros Estados-Membros sem revisão jurisdicional da correta aplicação das normas processuais mínimas no Estado-Membro onde a decisão deve ser executada (considerando 27 e art. 21º).
Nos termos do art. 19º do Regulamento, a injunção de pagamento europeia que tenha adquirido força executiva no Estado-Membro de origem é reconhecida e executada nos outros Estados-Membros sem que seja necessária uma declaração de executoriedade e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento.
Acresce que o mérito da injunção não pode ser reapreciado no Estado-Membro da execução (art. 22º n.º 3).
O Regulamento prevê duas situações em que o tribunal do Estado-Membro da execução poderá, a pedido do requerido, recusar a execução:
1) se a injunção for incompatível com uma decisão anteriormente proferida em qualquer Estado-Membro ou país terceiro, desde que a decisão anterior diga respeito à mesma causa de pedir e às mesmas partes, a decisão anterior reúna as condições necessárias ao seu reconhecimento no Estado-Membro de execução e não tenha sido possível alegar a incompatibilidade durante a ação judicial no Estado-Membro de origem (art. 22º n.º 1); e
2) se e na medida em que o requerido tiver pago ao requerente o montante reconhecido na injunção de pagamento europeia (art. 22º n.º 2).
O Regulamento também admite que o Tribunal da execução limite o processo de execução a providências cautelares, ou subordine a execução à constituição de uma garantia, ou suspenda a execução, caso o requerido tenha pedido a reapreciação da injunção no Estado-Membro de origem, nos termos do art. 20º do Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2006.
Revertendo agora à situação ajuizada somos a concluir que a questão ora suscitada e relativa à ausência de causa de pedir do requerimento de injunção europeia o deveria ter sido junto do Tribunal competente do Estado-Membro de origem, nos termos do art. 20º n.º 2 do Regulamento, que prevê após o termo do prazo fixado no n.o 2 do artigo 16.o , o requerido tem também o direito de pedir a reapreciação da injunção de pagamento europeia ao tribunal competente do Estado-Membro de origem nos casos em que esta tenha sido emitida de forma claramente indevida, tendo em conta os requisitos estabelecidos no presente regulamento ou outras circunstâncias excepcionais.
Com efeito, nos termos do art. 7º n.º 2 al. d) do identificado Regulamento o requerimento de injunção de pagamento europeia deve incluir “d) A causa de pedir, incluindo uma descrição das circunstâncias invocadas como fundamento do crédito e, se necessário, dos juros reclamados;”, mais resultando do seu art. 8º que “o tribunal ao qual é apresentado um requerimento de injunção de pagamento europeia analisa, no prazo mais curto possível, com base no formulário de requerimento, se estão preenchidos os requisitos estabelecidos nos artigos 2.o , 3.o , 4.o , 6.o e 7.o e se o pedido parece fundamentado. Esta análise pode assumir a forma de um procedimento automatizado.”, podendo o requerimento ser rectificado ou complementado nos termos do art. 9º.
Por outro lado, deriva do art. 11º al. a) do Regulamento em causa que o requerimento de injunção europeia é objeto de recusa se, entre outras situações, não estiverem preenchidos os requisitos previstos no seu art. 7º.
Aqui chegados não restam quaisquer dúvidas de que o pressuposto referente à alegação da causa de pedir configura um dos requisitos especialmente previstos nos normativos transcritos, pelo que, a verificar-se a arguida exceção, concluir-se-ia pela indevida emissão do título de injunção de pagamento europeia - por preterição do requisito previsto no art. 7º n.º 1 al. d) do Regulamento.
Pelo exposto, entendemos que a questão em estudo deveria ter sido oportunamente suscitada perante o Tribunal de origem, mediante a formulação de um pedido de reapreciação da injunção, tal como expressamente prevê o art. 20º n.º 2 referido, o que obsta à sua obrigação por este Tribunal. [...]
2.2. Enquadramento jurídico.
A decisão recorrida, amplamente fundamentada, é esclarecedora quanto à improcedência das excepções que o apelante arguiu em sede de embargos e, simultaneamente, no que diz respeito ao não acolhimento da tese defendida a propósito do levantamento da penhora, aderindo esta Relação aos fundamentos que o Tribunal a quo exarou na sentença impugnada.
Importa, apenas, acrescentar o seguinte.
No que concerne ao procedimento europeu de injunção de pagamento que está na origem do título que é executado nos autos principais, resulta à saciedade que o recorrente, no tempo e lugar próprios, não utilizou os mecanismos que se encontram previstos no REGULAMENTO (CE) N.o 1896/2006 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 12 de Dezembro de 2006, designadamente a oposição (art. 16º desse Regulamento) ou a reapreciação (art. 20º do mesmo Regulamento).
Significa isto que, de acordo com um conjunto de regras vigentes na União Europeia, logo, aplicáveis em Portugal, não se opôs a que se formasse um título com as características do que vem referido no presente litígio, deixando precludir, consequentemente, os meios de defesa que poderia opor à injunção.
Como se salientou no Acórdão da Relação de Lisboa de 12/5/2022 (Aresto disponível em http://www.gde.mj.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/4faf4e0887daf811802588520039dd86?OpenDocument) “Os embargos a execução que tenha como título executivo uma injunção de pagamento europeia devem sujeitar-se ao regime previsto no Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12.2006, que criou um procedimento europeu de injunção de pagamento.”.
A entender-se de forma diferente, estaríamos a violar as regras que, por força do Tratado da União, também se aplicam ao nosso Pais, pois permitir-se-ia, ao arrepio do quadro que vigora em todos Estados membros, invocar normas do direito interno para impedir ou obstaculizar a execução de um título formado com base em disposições hierarquicamente superiores [---]".
[MTS]
25/06/2025
Bibliografia (1205)
Jurisprudência 2024 (195)
I. O sumário de RL 24/10/2024 (464/20.6T8CSC-A.L1-2) é o seguinte:
“1-Sem prejuízo do disposto nas regras gerais sobre suspensão da instância, o juiz deve determinar a suspensão da instância:a) Se estiver pendente uma causa em que se aprecie uma questão com relevância para a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados diretos na partilha;b) Se, na pendência do inventário, forem suscitadas questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados diretos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas;c) Se houver um interessado nascituro, a partir do conhecimento do facto nos autos e até ao nascimento do interessado, exceto quanto aos atos que não colidam com os interesses do nascituro.2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, o juiz remete as partes para os meios comuns, logo que se mostrem relacionados os bens.3 - O tribunal pode, a requerimento de qualquer interessado direto, autorizar o prosseguimento do inventário com vista à partilha, sujeita a posterior alteração em conformidade com o que vier a ser decidido:a) Quando os inconvenientes no diferimento da partilha superem os que derivam da sua realização como provisória;b) Quando se afigure reduzida a viabilidade da causa prejudicial;c) Quando ocorra demora anormal na propositura ou julgamento da causa prejudicial.4 - À partilha, realizada nos termos do número anterior, são aplicáveis as regras previstas no artigo 1124.º relativamente à entrega aos interessados dos bens que lhes couberem.”
“1.Se a questão não respeitar à admissibilidade do processo ou à definição de direitos de interessados diretos na partilha, mas a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de a decidir e remeter os interessados para os meios comuns.2 - A suspensão da instância no caso previsto no número anterior só ocorre se, a requerimento de qualquer interessado ou oficiosamente, o juiz entender que a questão a decidir afeta, de forma significativa, a utilidade prática da partilha.
[MTS]