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Instituto Português de Processo Civil
[...] Julgar inconstitucional a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 166.º da Constituição [...]
a) o abate «de pelo menos dois arbustos/árvores»;b) a retirada de oito tubos de rega;c) a remoção de duas redes existentes no início e no fim do caminho de servidão.
-- Versão (23) do CPC online
-- MTS, CPC online, NP-Ab-IG; L 41/2013 (vs. 2025.09)
-- MTS, CPC online, Art. 1.º a 129.º (vs. 2025.09)
-- MTS, CPC online, Art. 130.º a 361.º (vs. 2025.09)
-- MTS, CPC online, Art. 362.º a 409.º (vs. 2025.09)
-- MTS, CPC online, Art. 410.º a 489.º (vs. 2025.09)
Analisando.
Neste aresto foi uniformizada a jurisprudência assim:
“Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”
A norma do art.º 287.º, al. e) do C.P.C para este AUJ corresponde actualmente ao art.º 277.º, al. e) do CPC.
A situação que despoletou a prolação deste AUJ reportava-se a uma acção intentada por credor contra uma empresa, que veio a ser declarada insolvente, já depois da entrada em juízo da acção.
E o tribunal disse:
“Em síntese, aproximando a conclusão:
- Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência;
- A partir daí, os direitos/créditos que a A. pretendeu exercitar com a instauração da acção declarativa só podem ser exercidos durante a pendência do processo de insolvência e em conformidade com os preceitos do CIRE - cujos momentos mais marcantes da respectiva disciplina deixámos dilucidados -, seja por via da reclamação deduzida no prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência (...e, no caso, a A. não deixou de o fazer), seja pela sua inclusão na listagem/relação subsequentemente apresentada pelo administrador da insolvência, não subsistindo qualquer utilidade, efeito ou alcance (dos concretamente peticionados naquela acção (13), que justifiquem, enquanto fundado suporte do interesse processual, a prossecução da lide, assim tornada supervenientemente inútil.
O Acórdão sub judicio elegeu a solução consentânea, que não pode, por isso, deixar de ser sufragada, soçobrando, pois, todas as razões que enformam as asserções conclusivas que resumem a motivação do recurso.
E, com todo o respeito por diverso entendimento, não vemos qualquer razão, técnico-juridicamente ponderosa, que aponte no sentido de que a solução deva ser diversa no Foro comum.”
Em que medida a jurisprudência deste AUJ é aplicável aos presentes autos?
Interpretando o acórdão em causa e as considerações já realizadas sobre a distinção entre “compensação/excepção” e “reconvenção”, o AUJ aplica-se à reconvenção na parte em que a mesma excede a compensação invocada claramente.
É relativamente a este crédito que alguém se pretenda fazer reconhecer como credor contra o insolvente que se diz que o mesmo terá de ser deduzido no processo de insolvência, pelas vias aí indicadas, nomeadamente a reclamação de créditos.
E, por isso, a acção que o alegado credor tenha intentado contra a Ré que venha a ser considerada insolvente deve ter como desfecho a inutidade superveniente da lide – regra que se aplicará ao crédito que excede a compensação invocado a título de reconvenção apresentada por R. em defesa no âmbito de acção intentada por quem como credor vem depois a ser declarada a insolvência do devedor, visto que a posição de invocação desse crédito em reconvenção é equivalente a fazer valer em juízo um crédito por via de uma acção.
Do exposto resulta que a recorrente tem parcialmente razão.
Tem razão na parte em que pretende ver admitida a sua defesa por excepção, em que invoca a compensação com os créditos da A. – e até ao valor daqueles;
Não tem razão quando pretende que nesta acção se possa decretar ser credora da A. no remanescente (e até ao valor total do seu pedido reconvencional), por esta invocação ser equivalente à posição de A. em acção contra insolvente posteriormente assim declarado, tomando por referência a data da propositura da acção.
Nessa parte – e quantia – há inutilidade superveniente da lide e a R. deverá, nos termos legais, deduzir reclamação do crédito a que se arroga no processo de insolvência.
É que, uma vez declarada a insolvência, todos os credores da insolvência têm direitos de crédito que entram em colisão entre si dada, em provável, a insuficiência da massa insolvente para satisfação de todos os créditos. Por isso, se prevê um processo de verificação e graduação de créditos a que são chamados todos os credores da insolvência a fim de aí fazerem valer os seus direitos em confronto com todos os restantes credores e a insolvente, para que os direitos verificados e as garantias ou preferências no pagamento reconhecidas sejam oponíveis a todos.
Visando a Ré, com a reconvenção, exercer direitos de crédito de natureza patrimonial sobre a Autora reconvinda constituídos antes da declaração de insolvência (que não a compensação), deve estender-se também a esta hipótese a jurisprudência fixada no referido Acórdão n.º 1/2014, pois que, também em relação à ré reconvinte, se aplica, a partir do trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência do autor reconvindo, o ónus previsto no artigo 90.º do CIRE
Por força do disposto no art. 128º, nº 3 do CIRE, a reconvenção não pode prosseguir, dado que o meio processual próprio para o reconhecimento e verificação de créditos é o aí referido.
Ainda que fosse procedente a reconvenção, nenhum efeito jurídico contra a massa insolvente retiraria a autora da decisão destes autos, pois a mesma seria inoperante perante os demais credores e massa insolvente – art. 173º do citado Código.
Declarada a insolvência deve julgar-se extinta a instância reconvencional (na parte em que não abrange a compensação) por impossibilidade superveniente da lide por o Réu/reconvinte ter de reclamar o seu crédito no competente incidente. E não obsta à conclusão estar em causa uma reconvenção pois, como é aceite unanimemente, trata-se de uma contra-ação pelo que é totalmente aplicável à dedução de reconvenção, nestas circunstâncias, o que se aplica à ação, também sendo, in casu, impossível de ser deduzida.
32.6. Invoca a recorrente que a solução configurada nos presentes autos envolve um conflito negativo de competência em relação à instância reconvencional. E a razão desse conflito negativo seria fundado na listispendência: estando já pendente a acção e a reconvenção nela deduzida no momento da apresentação da Autora à insolvência e, consequentemente, no momento da prolação da sentença de declaração da insolvência, a Ré não poderia, sob pena de incorrer em litispendência, ir reclamar na insolvência o seu contracrédito contra a Autora e a compensação parcial de créditos e muito menos propor a posteriori, na pendência desta acção, um acção de verificação ulterior de créditos prevista no artigo 146º do CIRE.
Analisando.
Não tem razão integral, mas há alguns aspectos da decisão recorrida que merecem ser ponderados, à luz da já indicada distinção entre compensação /excepção e reconvenção.
Não tem razão na parte relativa à reconvenção porque:
- A reclamação do crédito invocada na reconvenção não só é possível, sem violação do regime da litispendência, como é mesmo a solução imposta pelo legislador na situação específica da insolvência do alegado devedor, que não é dispensável nem mesmo se uma decisão judicial tiver reconhecido o crédito da Ré sobre a insolvente, com trânsito em julgado.
- A apresentação a insolvência após ter sido notificada da contestação-reconvenção contra ela deduzida pela Ré-reconvinte, não contraria o citado princípio da igualdade processual entre as partes, tao pouco corta liminarmente e cerce o direito da Ré/reconvinte ao exercício dos seus direitos de indemnização e contracréditos contra a Autora.
- A Ré não estava impedida, nem nunca esteve impedida, de, após a dedução da sua contestação- reconvenção e a posterior declaração de insolvência da Autora, ir reclamar os seus créditos indemnizatórios ao processo de insolvência ou em acção de verificação ulterior de créditos, não se verificando qualquer excepção de litispendência na reclamação de créditos ou na verificação ulterior de créditos por força do disposto nos artigos 580º, 581º e 582º do C.P.C..
Mas já tem razão quando lhe está a ser vedada a possibilidade de defesa da presente acção na parte em que invoca a compensação com o alegado crédito da A., impondo-se, em princípio, ao tribunal que conheça da defesa que apresenta.
Essa permissão encontra-se no art.º 99.º do CIRE, que funciona como norma que permite não reclamar todos os créditos na insolvência, porque “não emergindo do disposto no art.º 90º do CIRE um princípio absoluto no sentido de todas as situações relativas a créditos da insolvência e créditos sobre a insolvência deverem ser verificadas em sede do processo de insolvência e dos seus incidentes (desde logo o incidente de verificação de créditos), mas admitindo-se que as questões relativas à compensação de créditos se apresentam como uma excepção a esse princípio, nada impede que as mesmas possam ser discutidas no processo onde foram suscitadas, a título de excepção peremptória.”
32.7. Diz a recorrente ainda: “O douto Acórdão recorrido é manifestamente violador do princípio da igualdade processual entre as partes ao considerar que, declarada a insolvência da Autora na presente acção, em processo de insolvência por ela própria instaurado por apresentação já após ter sido notificada da contestação-reconvenção contra ela deduzida pela Ré-reconvinte, a mesma acção pode prosseguir apenas para apreciação dos pedidos nela formulado pela Autora na p.i., para eventual reconhecimento dos direitos de crédito que nela a Autora reclama sobre a Ré, sem a concomitante apreciação dos pedidos reconvencionais oportunamente deduzidos pela Ré contra a Autora e dos contracréditos daquela contra esta que de tais pedidos reconvencionais são objecto, para, na hipótese do seu procedimento, serem objecto de compensação parcial com parte ou a totalidade dos créditos invocados e que venham a ser reconhecidos à Autora na presente acção…O entendimento do Acórdão recorrido corta liminarmente e cerce o direito da Ré-reconvinte ao exercício dos seus direitos de indemnização e contracréditos contra a Autora com base no incumprimento contratual do mesmo contrato com base no qual a Autora formula na p.i. os seus pedidos contra a Ré, não tendo tido em conta que, na pendência da presente acção e da instância reconvencional, a Ré estava impedida de, após a dedução da sua contestação-reconvenção e a posterior declaração de insolvência da Autora…
Analisando.
Não tem razão integral, mas há alguns aspectos da decisão recorrida que merecem ser ponderados, à luz da já indicada distinção entre compensação /excepção e reconvenção.
Tem razão quando lhe está a ser vedada a possibilidade de defesa da presente acção na parte em que invoca a compensação com o alegado crédito da A., impondo-se ao tribunal que conheça da defesa que apresenta. [...]
33. Quanto à questão de saber se estão reunidos os requisitos legais para invocar a compensação, recorda-se que a questão foi colocada na apelação – e vem suscitada na revista pela via da ampliação do objecto do recurso –, mas a mesma foi considerada prejudicada pelo tribunal recorrido:
1. Foi elencada como questão b) do recurso
“b) – caso assim se não entenda, se a reconvenção, por falta dos requisitos da compensação, não deve ser admitida [conclusões J) a T) do recurso].”
2. Teve a seguinte resposta do tribunal:
“Face ao ora decidido, fica prejudicado o tratamento da segunda questão enunciada (arts. 663º nº2 e 608º nº2 do CPC).”
Na medida em que se impõe revogar a decisão do tribunal da Relação na parte que considerou toda a reconvenção abrangida pela inutilidade superveniente da lide, também antes de saber se o processo deve mesmo seguir os seus termos, impõe-se determinar que o TR aprecie a questão prejudicada (no contexto da nova decisão que este STJ adoptou), após o que aquele tribunal decidirá do recurso de apelação.
É que o apelante havia colocado a questão de saber se o pedido seria admissível por referência ao fundamento de ser uma compensação judiciária ou compensação reconvenção, ao abrigo do art.º 266.º, n.º2, al. c) do CPC, por entender que não estariam reunidos os requisitos do 847.º do CPC – e o tribunal não conheceu (legitimamente, à época) da questão, tendo a 1ª instância decidido que a questão seria de conhecer em momento próprio, quando houvesse prolação de decisão de mérito sobre a acção interposta."
[MTS]
A questão a avaliar nesta acção é de natureza essencialmente jurídica, relevando, em termos fácticos, o próprio conteúdo do primeiro articulado e os contornos do pedido e da causa de pedir aí desenhados.
Ora, impõe-se desde logo avançar que intende a A. cobrar ao Réu um valor máximo diário pelos períodos de utilização de estacionamento não pago, em razão da exploração de parques de estacionamento ao abrigo de um contrato de concessão celebrado com a Câmara de Matosinhos, sendo esta quem define as regras dessa exploração.
É que a exploração e concomitante cobrança pela A., respeitando a domínio público, é feita ao abrigo do disposto no contrato de concessão celebrado com a edilidade, sendo que bem assim as tarifas cobradas aos utentes são definidas por via do Regulamento Municipal das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada no Concelho de Matosinhos publicado em DR de 8 de março de 2016 – II Série (com sucessivas alterações).
A questão a decidir foi já analisada com acerto, adequação técnica e coincidência de solução, pelo tribunal da Relação de Lisboa, nos Acórdãos de 20.10.2009 (6149/08.4YIPRT.L1-7) e 22.04.2010 (1950/09.4TBPDL.L1-2), ambos em http://www.dgsi.pt.
Aqui se convoca, desde logo, o excerto daquele primeiro citado:
«o contrato de concessão celebrado entre o Município (...) e a recorrente é um contrato de direito público, nos termos do qual o Município (...), munido de jus imperii, adjudicou àquela, a concessão, exploração, gestão e manutenção de quarenta e dois parquímetros na cidade (…). Sobre esta matéria, compete à Câmara deliberar no âmbito da organização e funcionamento dos seus serviços e no da gestão corrente, nos termos do art. 64.º n.º 1 alínea u) e n.º 6.º alínea a) da Lei n.º 169/99 de 18 de Setembro (Lei das Autarquias Locais), alterada pela Lei n.º 5-A/2002 de 11 de Janeiro.
Considerando a causa de pedir nesta acção, o que está indubitavelmente em causa envolve a relação jurídica existente entre o Município (…) e a recorrente, na medida em que tem, na sua génese, a cobrança de uma taxa sancionatória diária pelo estacionamento não pago pelo recorrido. A este direito de cobrança arroga-se a recorrente, no âmbito dos poderes que lhe foram conferidos pela concessão celebrada.
Se bem que se possa alegar que a relação estabelecida entre a recorrente e um particular difere e dispõe de uma natureza diferente daquela existente entre a recorrente e a edilidade (…), a verdade é que os actos praticados pela recorrente não revestem a natureza de actos privados susceptíveis de serem desenvolvidos por um qualquer particular, mas, ao invés, revestem-se de natureza pública, na medida em que são praticados no exercício de um poder público, isto é, na realização de funções públicas no domínio de actos de gestão pública.
Com efeito, o contrato de concessão outorgado entre a recorrente e o Município (…), rege-se pelo conteúdo das suas disposições e pelas disposições constantes do Regulamento de Estacionamento de Duração Limitada daquele Município, no qual se encontram previstos, designadamente, as taxas devidas pelo estacionamento, a possibilidade daquele Município, nos termos da lei geral, concessionar o estacionamento de duração limitada a empresa pública ou privada, bem como a fiscalização do regime previsto no aludido Regulamento e ainda as situações que configuram ilícitos de mera ordenação social e respectivas sanções.
Por outro lado, e tendo em conta que no âmbito do contrato de concessão celebrado, a ora recorrente se vinculou expressamente ao cumprimento do aludido Regulamento de Estacionamento, recai sobre esta o ónus de conformar a sua actuação com o disposto naquele diploma e agir no âmbito dos poderes que o mesmo lhe confere, nomeadamente na sua relação com os terceiros particulares que usufruem do estacionamento concessionado e como tal passam a estar sujeitos às suas respectivas regras e condições.
Assim, contrariamente ao que sucede no âmbito de relações contratuais entre particulares, as quais se regem pelo princípio da liberdade contratual e que dizem respeito a actividades de direito privado susceptíveis de ser desenvolvidas por particulares, no caso em apreço, a recorrente, na relação jurídica que estabelece com o recorrido, surge investida de prerrogativas próprias de um sujeito público, revestido de jus imperii, podendo cobrar-lhe uma taxa pelo estacionamento nas zonas concessionadas e aplicar-lhe as sanções especificamente previstas no Regulamento de Estacionamento de Duração Limitada e que consistem na aplicações de coimas (...).
Temos, assim, que a acção se reporta a um litígio no âmbito de uma relação jurídica materialmente administrativa, submetida, por convenção das partes, a um regime substantivo de direito público, pelo que, nos termos da alínea f) do art. 4.º do E.T.A.F, são competentes para conhecer da acção os tribunais administrativos.»
E, com referência já ao segundo Acórdão, «O que ocorre é que as relações contratuais estabelecidas entre o município, ou o concessionário, e os utentes do estacionamento de duração limitada tarifada, têm, (…) um regime substantivo parcialmente regulado por normas de direito administrativo que especificamente os têm em vista, a saber, as contidas no referido Regulamento, que dá execução ao Decreto-Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro.
Estabelecendo tal regime, inclusive, infracções de natureza contra-ordenacional, com atribuição, para além de funções gerais de fiscalização do cumprimento do Regulamento, das funções de registo e notificação nessa matéria contra-ordenacional, à concessionária, que alegou actuá-los.
Com o que se recai na previsão intermédia do art.º 4º, n.º 1, alínea f) do ETAF.»
Temos estas considerações como perfeitamente cabíveis na situação decidenda.
Confrontem-se já, nos termos do Regulamento citado, os meios coercivos e as interdições, como claras manifestações do poder do Estado, estabelecidos no quadro do ordenamento/regime do estacionamento de duração limitada, em cujo contexto a Apelante intervém e de cujo quadro nunca enjeitou aproveitar-se, como se vê, claramente, por exemplo do valor reclamado.
Tem-se assim por simplificadora e enviesada a tentativa de estreitar e converter a relações tão só de direito privado a complexa relação constituída através da concessão.
Sempre a «concessão» remete a dois domínios de intervenção: o externo, do concessionário e o interno e essencial, do concedente, já que se reconduz a uma autorização ou permissão de uma actividade “em vez de outrem”. Num tal contexto, o concessionário permanece obrigado pelos contornos e conteúdos do que lhe é atribuído. E, de entre estes, vários ultrapassam as meras intervenções privadas, reconduzindo-se: a interdições, ao exercício próprio de actividade sancionatória e à regulação unilateral e não negociada, antes exercida em nome da legitimidade democrática e de um poder de soberania de natureza executiva.
Mais incontestável se patenteia o desequilíbrio, a natureza realmente não contratual da relação com o utente, na tese doutrinal da recorrente, que convoca uma actuação de facto geradora de uma relação que tem pouco de contratual e mais de mero enquadramento da realidade ou do evento consumado, que denomina de «relação contratual de facto». Nessa medida, o utente nem estabelece um contrato comum, sendo que antes usa o espaço de estacionamento com determinados efeitos jurídicos inerentes pré-estabelecidos em Regulamento Municipal, para mais quando a entidade cobra antes que um preço uma taxa, já que tem por detrás de si um conjunto de mecanismos e regras impositivas emanadas de um órgão da administração local e não um qualquer processo de formação da vontade negocial.
Conclui-se, pois, que o objecto da presente acção se origina no quadro de uma relação jurídica materialmente administrativa, sem que a atribuição de faculdades de intervenção a empresa privada convole a relação para o domónio jus privatístico, já que o regime que regula os contornos da actividade cedida se submetem, manifestamente, a um estatuto substantivo de direito público.
Estatui a alínea f) do n.º 1 do art. 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, na redacção aplicável à presente acção – que é a emergente da Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro: «Artigo 4.º – Âmbito da jurisdição – 1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: […] f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público».
Nesta norma se inserem as condições relativas ao pedido e à causa de pedir da presente acção. O uso ou benefício de aparcamento concessionado cujas prestações se pretende cobrar coercivamente é regulado por normas de direito público, regras que revelam a autoridade do Estado e a sua força reguladora e impositiva.
Neste mesmo sentido decidiu já o Tribunal de Conflitos, por Acórdão de 25-11-2010, na base de dados da dgsi, com o seguinte Sumário: I -A competência material do tribunal afere-se pela relação jurídica controvertida, tal como é configurada na petição inicial. II - Nos termos do artigo 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, os tribunais administrativos são os competentes para o julgamento das acções que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas. III - Por relações jurídicas administrativas devem entender-se aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de interesse público legalmente definido. IV - Assim, compete à jurisdição administrativa conhecer de uma acção especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato, na qual a autora, concessionária da exploração e manutenção de parques de estacionamento em espaços públicos, em conformidade com determinado regulamento municipal, pede a condenação da ré no pagamento de quantias, devidas pela utilização desses parques.
Aqui nos remetemos, data venia, àquela decisão:
«Conforme ensina o Prof. Manuel de Andrade, a competência do tribunal "afere-se pelo quid disputatum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum" (in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 91).
Por sua vez, o Tribunal dos Conflitos e a Secção de Contencioso Administrativo do STA têm reiteradamente afirmado que a competência em razão da matéria se afere em função dos termos em que a acção é proposta - cfr, a título de exemplo, os acórdãos do T. Conflitos de 91.01.31 (AD 361) e de 2007.05.17 (proc. n° 5107), e, os acórdãos do STA de 93.05.13 (proc. n° 31478), de 96.05.28 (proc. nº 39911), de 99.03.03 (proc. n° 40222), de 99.03.23 (proc. n° 43973), de 99.10.13 (proc. n° 44068) e de 2000.09.26 (proc. n° 46024).
Neste caso, atentos os termos em que a acção é instaurada, julgamos ser de concluir que a competência para dela conhecer pertence aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, concretamente aos tribunais tributários.
A Autora, B…, SA, na qualidade de concessionária, por força de vários contratos de concessão celebrados com a Câmara Municipal de Ponta Delgada para fornecimento, instalação e exploração de parquímetros colectivos, em zonas de estacionamento de duração limitada, na cidade de Ponta Delgada, pretende, através da acção, que a Ré, C… Lda, seja condenada a: Pagar-lhe a importância de 421,72 euros, acrescida de juros legais, correspondente aos montantes devidos pelo estacionamento de uma viatura da Ré em zona reservada para esse efeito, abrangida pela concessão.
Funda este pedido no facto de a Ré não ter procedido, em várias datas, que indica, ao pagamento do tempo de utilização do lugar de estacionamento.
Atentos os termos da própria petição e os documentos juntos com a mesma, estamos perante a utilização, assegurada pela Câmara, de um bem do domínio público (os lugares de estacionamento), mediante o pagamento de certa prestação. A prestação patrimonial correspondente ao uso de um bem como este constitui uma taxa, em conformidade com o disposto nos art°s 30, nº 2 e 4°, n° 2, da Lei Geral Tributária aprovada pelo DL n° 398/98, de 17.12. Essa taxa encontra-se prevista na alínea g) do art° 19º da Lei n° 42/98, de 06.08 (Lei da Finanças Locais), e, no que toca a situação concreta em análise, este expressamente contemplada nos artºs 24° e 25° do Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada[1] de Ponta Delgada, publicado no DR II série, de 2004.06.01, n° 128, apêndice 71/2004 (cfr. fls. 34 a 39 dos autos).
Neste caso, não lhe e retirada essa natureza pelo facto de ser uma entidade privada - a Autora - que procede a respectiva cobrança. Tal cobrança só ocorre por força da referida concessão de fornecimento, instalação e exploração de vários parquímetros na cidade de Ponta Delgada, sendo que a Câmara não deixa de recolher a receita nos seus cofres, ainda que parte (cfr. fls. 25 e 26 dos autos).
A questão que aqui este em causa tem, assim, natureza fiscal, na medida em que, segundo uma tese ampliativa, a mais seguida na jurisprudência (em oposição a uma tese restritiva), para decidir o litigio há que fazer a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal sobre matéria respeitante ao exercício da função tributária da Administração Pública Cfr., a este propósito, Cons. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 2006, I volume, p. 220 e 221, onde são citados vários arestos da Secção de CA deste STA nesse sentido. E há, então, que acrescentar que, subjacente ao litígio, há uma relação jurídica tributária, entre a Câmara e a Ré (muito embora aquela não intervenha na acção), atenta a definição contida no art° 1°, n° 2, da Lei Geral Tributária, nos termos da qual consideram-se relações juridico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas.
Os Tribunais competentes para conhecer da acção, são, assim, em nosso entender, os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, concretamente, os tribunais tributários, face ao disposto no art° 1°, n° 1, do ETAF. (…)
A competência dos tribunais comuns tem natureza residual, no sentido em que, nos termos constitucionais e legais Cfr. Artigo 211º («1. Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais»), da Constituição da República Portuguesa, e art. 66 («São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outras ordem jurisdicional»), do Código de Processo Civil. Em termos idênticos a este último preceito dispõe o art. 18, nº 1, da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais., se estende a todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais (G. Canotilho/V. Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. rev., 812). Aos tribunais administrativos, por sua vez, cabe, segundo o preceito constitucional e legal, apreciar os processos «que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas» Cfr. Artigo 212º («… 3. Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais»), da Constituição da República Portuguesa; e artigo 1º («1. Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais»), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais..
E, na falta de clarificação legislativa sobre o conceito de relação jurídica administrativa, deverá esta ser entendida no sentido tradicional de relação jurídica de direito administrativo, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a Administração.
Assim, temos que os tribunais administrativos serão competentes para dirimir os litígios surgidos no âmbito das relações jurídicas públicas, devendo como tal considerar-se «aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido» [J.C.Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª ed., 57/58].
E importa notar, ainda, que, para efeito da determinação da competência material do tribunal, deve atender-se à relação jurídica, tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido), independentemente do seu mérito, e os respectivos fundamentos (causa de pedir) Neste sentido, veja-se, p. ex. o acórdão deste Tribunal dos Conflitos, de 9.6.10 (Pº 05/10), e a demais jurisprudência e a doutrina, nele citadas.»
No caso sujeito, em causa a concessão pelo Município de Matosinhos à A., para exploração, gestão e manutenção de parques de estacionamento naquela cidade, nos termos previstos no Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada já citado…
Ora, por via da concessão, ficou a A. obrigada, perante a concedente, a assegurar o funcionamento dos referidos parques de estacionamento em conformidade com o referido Regulamento, cabendo-lhe, em consequência, exigir o pagamento das “taxas”, nele previstas (cfr. artigo 4º do Regulamento) e fiscalizar essa utilização pelos interessados, como naquele igualmente se prevê (16º, última parte do regulamento), sendo certo que vem reclamado o valor integrante da taxa sancionatória prevista no artigo 19º do mesmo Regulamento.
Assim, é de concluir que, por via da concessão, a A. recorrente foi investida de um poder público, para a realização de um interesse público, legalmente definido como sendo o de solucionar o estacionamento no perímetro urbano da cidade de Matosinhos.
Donde o conflito a que respeitam os presentes autos respeita a uma relação jurídica administrativa, segundo o conceito dela acima indicado, cabendo a respectiva apreciação e decisão aos tribunais administrativos, conforme o citado art. 1, do ETAF."
[MTS]