Pode ler-se, a este propósito, no acórdão recorrido:
“Apreciemos, então, a questão da violação do caso julgado.
Para tal importará apreciar se o despacho recorrido conheceu de questão previamente apreciada e decidida em anterior decisão, transitada em julgado, mais precisamente, se ao decidir que ficassem nos autos as notas justificativas e discriminativas apresentadas em Julho de 2023, após o acórdão da Relação mas antes do seu trânsito, o tribunal violou o caso julgado formal da decisão transitada em julgado, proferida em 25 de abril de 2022, que decidira que as notas apresentadas após sentença, mas antes do seu trânsito, não eram admissíveis por extemporâneas.
Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, o caso julgado consubstancia-se “na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário” – in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª edição, 1997, p. 567.
Seguindo o ensinamento de Rui Pinto, o caso julgado tanto designa a qualidade de imutabilidade da decisão judicial que transitou em julgado, como o conjunto dos efeitos jurídicos que têm o transito em julgado da decisão judicial por condição. A decisão transitou em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (cf. artigo 628.º, nº1, do CPC). Trata-se, por conseguinte, de uma qualidade formal ou externa ao próprio teor da decisão. Por outro lado, a imutabilidade da decisão permite que esta alcance uma estabilidade, ou seja, uma continuidade, na emissão dos respetivos efeitos jurídicos. O trânsito em julgado constitui uma técnica de estabilização dos resultados do processo, mas que não é única, integrando-se numa linha gradual de estabilização. Efetivamente, decorre, desde logo, do artigo 613.º, n.º 1, que, prolatada a sentença ou despacho, o tribunal não os pode revogar, por perda de poder jurisdicional. Trata-se, pois, de uma regra de proibição do livre arbítrio e discricionariedade na estabilidade das decisões judiciais- In Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, revista Julgar Online, Novembro de 2018, p. 2/3.
O caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, restringe-se às decisões que apreciam matéria de direito adjetivo, produzindo efeitos limitados ao próprio processo – Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 745.
As decisões de forma que incidem sobre aspetos processuais, adquirindo, em regra, valor de caso julgado formal, são vinculativas no processo, produzindo efeitos processuais: enquanto efeito negativo, resulta da decisão transitada a insusceptibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que a proferiu, se voltar a pronunciar sobre ela; como efeito positivo, resulta da decisão transitada a vinculação do tribunal que a proferiu (e de outros) ao que nela foi definido ou estabelecido - Miguel Teixeira de Sousa, ob cit. p. 572.
Assim, qualquer despacho proferido sobre questão processual, uma vez transitado em julgado, adquire valor de imutabilidade, sendo no processo inadmissível (e por isso ineficaz – art. 625º, nº 2 do CPC) decisão posterior sobre a mesma questão que dele tenha sido objeto – não sendo respeitados os efeitos processuais resultantes de decisão transitada em julgado, ocorrerá situação de contraditoriedade, a solucionar de acordo com a regra prescrita no art. 625º do CPC, valendo aquela que primeiro transitou em julgado (princípio da prioridade do trânsito em julgado que vale também para as decisões de natureza adjetiva proferidas no processo, como resulta do nº 2 do art. 625º do CPC) –Ac. da Relação do Porto de 17/05/2022 (João Ramos Lopes), proc. 1320/14.2TMPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
Porque assim, o caso julgado formal duma decisão obsta a que no processo seja tomada nova decisão (seja renovando, seja modificando a anterior) e, como referido no acórdão do STJ de 8/03/2018 (Fonseca Ramos), uma pretensão já decidida, em contexto meramente processual, e não recorrida, seja objeto de repetida decisão (se tal acontecer, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão - disponível em www.dgsi.pt.
O pressuposto nuclear do instituto consiste em a pretensão - ao nível da relação meramente processual - constituir a renovação, alteração ou repetição duma anteriormente decidida.
Determinar quando tal ocorre, remete-nos para o âmbito objetivo do caso julgado, isto é, para a determinação do seu objeto, do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal na decisão transitada.
Esse quantum definidor dos limites objetivos respeita, no caso julgado formal, à questão processual concretamente apreciada e decidida.
No caso em apreço constata-se que a decisão recorrida (despacho de 12/09/2022) apreciou e decidiu que a apresentação da nota de custas de parte após a prolação do acórdão pelo Tribunal da Relação, mas antes do seu trânsito em julgado, apenas pecava por prematura, pelo que em nome do princípio da economia processual, determinou que a mesma ficasse nos autos.
Por sua vez, o despacho proferido em momento anterior, 25/04/2022, decidiu que as notas discriminativas e justificativas das custas de parte, apresentadas após a sentença, mas antes do respetivo trânsito, eram extemporâneas e, por isso, não foram admitidas.
A questão suscitada e apreciada pelo despacho de 12/09/2022, admitindo-se a similitude, não é a mesma que a conhecida e decidida no despacho transitado de 25/04/2022 – o objeto mediato é o mesmo, pois que em causa estão as consequências da apresentação prematura da nota justificativa e discriminativa das custas de parte, mas o momento e as circunstâncias são diversas, possibilitando, em abstrato, o entendimento adotando pelo tribunal de não admitir antes do trânsito da sentença, mas considerar que devem ficar nos autos após a prolação do acórdão pelo tribunal superior.
Discordar deste entendimento, é fundamento de recurso (caso seja admissível), já não de violação de caso julgado.
Incidindo o cerne da questão no momento temporal, estamos no caso em presença de dois tempos distintos do processo, de duas notas distintas, tendo em comum a sua apresentação prematura.
Não há identidade objetiva da questão apreciada em ambos os despachos. O caso julgado formal apenas se forma relativamente a questões que tenham sido concretamente apreciadas e nos limites dessa apreciação.
Não pode ser afirmado que os efeitos processuais do caso julgado formal formado com o despacho de 25/04/2022 se mantinham, e que a situação que determinou a prolação de tal despacho permanece inalterada. Não, houve uma alteração.
Haverá, assim, de reconhecer-se que não foi renovada questão que já havia sido decidida, não estamos perante uma repetição, antes de apresentação de uma nova e diferente nota de custas de parte, que sempre o tribunal teria de apreciar e decidir, precisamente, porque a situação que determinou a prolação do despacho recorrido se alterou.
Nunca poderia o tribunal decidir não conhecer deste requerimento, com a invocação de já ter apreciado a questão anteriormente.
Assentando a segunda decisão em alterações consentidas pela lei, inerentes à própria dinâmica do processo, a diferença na interpretação não consubstancia violação do caso julgado.
As decisões apresentadas pelo recorrente não são conflituantes, pois as bases factuais em que assentam, por serem distintas, inviabilizam considerar-se que a segunda é uma repetição da primeira.
Para a compreensão do alcance da figura, a questão de direito tem de derivar ou promanar de um similar quadro lógico-factual. À similitude lógico-factual não pode deixar de corresponder uma teleologia de sentido funcional-processual, ou seja, uma inferência de alcance e dimensão compreensiva que se contém no momento em que se coloca em tela de juízo a questão jurídico-normativa que se aprecia e decide. Daí que, a oposição de decisões tem de se inserir e integrar num quadro teleológico similar e idêntico para ambas as decisões. Vale por dizer que o pressuposto discursivo e lógico-funcional em que as decisões, tomadas como contraditórias, assentam têm de servir o mesmo fim correlativo de análise e sentido teleológico – Ac. do STJ de 07/03/2018 (Gabriel Catarino), processo n.º 98/17.2YFLSB, disponível em www.dgsi.pt.
Porque assim, o tribunal a quo não desrespeitou o caso julgado formal”.
Vejamos:
Dispõe o artigo 620º do Código de Processo Civil: “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”.
Acrescenta o artigo 621º do Código de Processo Civil “A sentença constitui caso julgado nos precisos termos e limites em que julga (…)”.
(Sobre ao recorte técnico-jurídico da figura do caso julgado, formal e material, vide, entre muitos outros, os recentes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 2024 (relator Nelson Borges Carneiro), proferido no processo nº 888/22.4T8PTG.E1.S1; de 10 de Abril de 2024 (relator Nelson Borges Carneiro), proferido no processo nº 1610/19.8VNG.P1.S1; de 10 de Abril de 2024 (relator Luís Correia de Mendonça), proferido no processo nº 2551/18.1T8VCT.3.G1.S1; de 27 de Fevereiro de 2024 (relator Pedro Lima Gonçalves), proferido no processo nº 400/20.0T8CHV-B.G1.S1; de 30 de Abril de 2024 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 5765/03.5TVLSB-A.L2.S1, todos publicados in www.dgsi.pt).
Na situação sub judice, e tal como bem enfatizou o acórdão recorrido, encontramo-nos perante vários requerimentos de teor diferente que se reportam autonomamente a distintas notas discriminativas de custas de parte, juntas aos autos em fases diversas, incidindo os últimos outrossim sobre os custos processuais que se foram, entretanto, acumulando.
Ora, no primeiro caso (o do despacho datado de 25 de Abril de 2022), o titular do processo considerou que a prematuridade da apresentação implicava o não atendimento da nota discriminativa de custas de parte; no segundo (o do despacho datado de12 de Setembro de 2022), foi entendido que a lei não reserva qualquer sanção para tal prematuridade, aceitando que a nova nota discriminativa de custas de parte – autónoma em relação à primeira – se mantivesse e assim fosse considerada, inclusive por razões de evidente economia processual e salvaguarda do equilíbrio de posições entre as partes (no momento em que o despacho foi proferido já havia sido lavrado há cerca de três meses o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 15 de Junho de 2022, que conhecera da extinção da instância e do correspondente cabimento para a apresentação da nota discriminativa de custas de parte pelas partes vencedoras).
Assim sendo, a segunda decisão, embora revista de facto uma análise jurídica que pode ser porventura perspectivada, na sua ratio, como antagónica ou oposta relativamente à primeira, o certo é que não implicou qualquer modificação da anteriormente proferida, que se consolidou inteiramente em termos processuais (a respectiva e concreta nota discriminativa de custas de parte não foi então definitivamente considerada).
Ou seja, trata-se de uma aplicação do direito processual divergente, por motivos supervenientes, em relação a um outro requerimento de teor diverso que, revestindo a mesma natureza, não é absolutamente coincidente com o anteriormente referido, e que, independentemente do seu mérito, seria recorrível (ou não) nos termos gerais.
Note-se, ainda, que as primeiras notas discriminativas das custas de parte foram apresentadas pelos ora recorridos em 20 e 23 de Dezembro de 2021, após a prolação da decisão de 1ª instância que considerou verificar-se inutilidade superveniente da lide, datada de 1 de Dezembro de 2021.
Já as segundas notas discriminativas de custas de parte foram apresentadas em 1 e 5 de Julho de 2022, após a prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15 de Junho de 2022 que, tendo sido proferido em procedimento cautelar, seria, em regra e à partida, irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 370º, nº 2, do Código de Processo Civil.
De notar igualmente que na fundamentação do despacho de 12 de Setembro de 2022, proferido em contexto processual diverso daquele que teve lugar no dia 25 de Abril de 2022, foi feita alusão ao princípio geral da economia processual, a que acrescia a circunstância de não resultar daí o menor desequilíbrio entre as posições e interesses das partes, respeitando-se neste contexto, escrupulosamente, o princípio da igualdade consignado no artigo 4º do Código de Processo Civil, o que aliás recolhe total pertinência, não só porque não há dúvida alguma de que ao requerente do procedimento cautelar incumbe o dever de suportar as custas de parte em favor da contraparte, como nos encontramos perante um processo de natureza urgente que deu entrada em juízo em 23 de Setembro de 2019 (há mais de quatro anos e meio), em que é inequívoca a consolidação do caso julgado quanto à decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (acrescente-se que, curiosamente, o ora recorrente, de forma algo contraditória com a sua actual postura, chegou inclusivamente a admitir, na oposição por si apresentada em 3 de Janeiro de 2022, que tais custas de parte pudessem perfeitamente ser consideradas no momento do trânsito em julgado da decisão final a proferir nos presentes autos – o que, como é incontestável, já aconteceu há muito).
Ordenar neste contexto o desentranhamento da nota discriminativa de custas de partes por pretensa vinculação, em termos de caso julgado formal, de um despacho anterior proferido sobre requerimento diverso e em fase processual distinta, não passa de um contra-senso inexplicável, fruto de um formalismo exacerbado, completamente infundado e não razoável, que não encontra no sistema processual o necessário respaldo ou guarida.
Logo, por todos estes motivos, não se verificou na situação sub judice qualquer violação do caso julgado formal."
MTS