"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



02/04/2025

Jurisprudência europeia (TJ) (317)


Reenvio prejudicial — Diretiva 2011/7/UE — Luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais — Transações entre empresas — Contrato de arrendamento comercial — Artigo 2.º, ponto 8 — Conceito de “montante devido” — Refaturação de encargos locativos e de outras despesas associadas à renda


TJ 12/12/2024 (C‑725/23, M. sp. z o.o. I. S.K.A. / R. W.) decidiu o seguinte:

O artigo 2.º, ponto 8, da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais,

deve ser interpretado no sentido de que:

o conceito de «montante devido» aí previsto abrange, além do montante que o devedor é obrigado a pagar como contrapartida do serviço principal que lhe foi prestado pelo credor em execução do contrato celebrado entre eles, os montantes que o devedor se comprometeu, por força desse contrato, a reembolsar ao credor a título dos custos suportados por este último e associados à execução do referido contrato.

 

Jurisprudência europeia (TJ) (316)


Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Procedimento europeu de injunção de pagamento — Regulamento (CE) n.º 1896/2006 — Injunção de pagamento europeia declarada executória — Citação ou notificação de atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial — Regulamento (CE) n.º 1393/2007 — Falta de citação ou de notificação válida constatada aquando da execução — Legislação nacional que prevê uma via de recurso que permite ao requerido pedir a anulação de uma injunção de pagamento europeia — Consequências jurídicas — Obrigação de o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se declarar a nulidade da injunção de pagamento europeia


TJ 5/12/2024 (C‑389/23, Bulgarfrukt / Oranzherii Gimel) decidiu o seguinte:

As disposições do Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção de pagamento, lidas em conjugação com as do Regulamento (CE) n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros,

devem ser interpretadas no sentido de que:

não se opõem a uma disposição legal nacional por força da qual, se uma injunção de pagamento europeia não tiver sido citada ou notificada ao requerido ou o tiver sido em violação das normas mínimas previstas nos artigos 13.º a 15.º do Regulamento n.º 1896/2006, o órgão jurisdicional que conhece do recurso desta injunção está obrigado a declarar a nulidade da mesma.

 

Bibliografia (1184)


-- Fink, J., Die Schiedsvereinbarung in der Insolvenz (Duncker & Humblot: Berlin, 2025)


Jurisprudência 2024 (139)


Sigilo profissional;
pedido de levantamento; requisitos


1. O sumário de RP 3/6/2024 (9746/22.1T8VNG.A.P1) é o seguinte:

I - Em incidente de levantamento do sigilo profissional de solicitador, a apreciação pelo tribunal superior do critério da prevalência do interesse preponderante pressupõe a indicação da factualidade controvertida que se pretende demonstrar com recurso ao depoimento em causa, cujo conhecimento pela testemunha se encontra abrangido pelo sigilo profissional invocado, bem como a relevância de tal depoimento, designadamente decorrente da eventual inexistência de outros meios de prova de tal factualidade;

II - Não tendo sido indicada a matéria que se pretende provar com o depoimento em causa, nem a eventual inexistência de outros meios probatórios ou qualquer elemento relativo à relevância do depoimento abrangido pelo sigilo profissional, não poderá a Relação considerar verificados os critérios dos quais faz a lei depender o levantamento do sigilo profissional.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Como supra se referiu a única questão que importa apreciar e decidir consiste em apreciar se no caso concreto que os autos evidenciam deve (ou não) ser determinada a quebra do sigilo profissional da testemunha DD arrolada pelos Autores.

Nos termos do artigo 417.º, nº 1, do CPCivil "Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados"

Nos termos do preceituado no nº 3 do artigo 497.º do CPCivil, "Devem escusar-se a depor os que estejam adstritos ao segredo profissional, ao segredo de funcionários públicos e ao segredo de Estado, relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo, aplicando-se neste caso o disposto no nº 4 do artº 417.º."

Neste caso, a testemunha, identificando-se como solicitador/agente de execução chamada a depor, recusou-se a prestar depoimento, invocando para tal a violação do segredo profissional para o que já tinha solicitado a sua dispensa.

Dúvidas não existem de que o estatuto dos solicitadores/agentes de execução salvaguarda de forma inquestionável o segredo profissional dos seus membros, conforme decorre dos arts. 127.º e 141.º e 168.º da Lei 154/2015, de 14/09.

O já citado artigo 417,º n.º 4, remete o levantamento do sigilo profissional para o disposto no processo penal, que no seu artigo 135.º regula regime de quebra estabelecendo o princípio da prevalência do interesse preponderante.

De um modo geral e como refere Fernando Eloy [Da inviolabilidade das correspondências e do sigilo profissional dos funcionários telégrafo-postais", em "O Direito", ano LXXXVI, 1954, pág. 81.], o segredo profissional deverá ser entendido como a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício.

Na verdade, o exercício de certas profissões exige, pela própria natureza das necessidades que visam satisfazer, que as pessoas que a elas tenham de recorrer revelem factos que interessam à sua esfera íntima (quer física, quer jurídica).

Sempre que estejam em causa profissões (como é o caso do exercício da solicitadoria) de fundamental importância colectiva [---], designadamente porque todas as pessoas carecem de as utilizar, a inviolabilidade dos segredos conhecidos através do seu exercício constitui condição indispensável de confiança nessas imprescindíveis actividades e, nessa medida, reveste-se de um elevado interesse público.

Como assim, a violação da obrigação a que ficam adstritos certos profissionais de não revelarem factos confidenciais conhecidos através da sua actividade é punível não só disciplinarmente, mas também criminalmente.

Ora, a solução nesses casos não pode deixar de passar pela tentativa de realizar a máxima concordância prática entre princípios e valores em conflito, mostrando-se fulcral para o efeito a definição dos respectivos contornos que apenas poderá ser convenientemente levada a cabo pelo tratamento jurídico-criminal dado à violação do segredo, ao qual não pode ser alheio as regras deontológicas da respectiva profissão. [---]

Isto dito, decorre do disposto no citado artigo 135.º do CPP, ao qual cumpre atender por força do n.º 4 no artigo 417.º do CPC, que é de admitir o levantamento do segredo profissional sempre que tal se mostre justificado, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do meio de prova em causa para a descoberta da verdade.

Afirmam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa [In Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 492]  o seguinte: "Cabe ao tribunal superior decidir se poderá justificar-se a quebra de sigilo, face ao princípio da prevalência do interesse preponderante, parametrizado pela imprescindibilidade do depoimento /informação para a descoberta da verdade e pela necessidade de proteção de bens jurídicos".

Explica Luís Filipe Pires de Sousa [In Prova Testemunhal, 2016, reimpressão, Coimbra, Almedina, pág. 246] o seguinte: "A decisão final sobre a justificação da escusa invocada pela testemunha pautar-se-á sempre pelo princípio da proibição do excesso. O segmento da norma do Artigo 135.º, n.º 3, do CPP, que apela à imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, constitui, de per si, uma concretização do princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade em sentido amplo".

Ora, a apreciação pelo tribunal superior do critério da prevalência do interesse preponderante pressupõe a indicação da factualidade controvertida que se pretende demonstrar com recurso ao depoimento em causa, cujo conhecimento pela testemunha se encontra abrangido pelo sigilo profissional invocado, bem como a relevância de tal depoimento, designadamente decorrente da eventual inexistência de outros meios de prova de tal factualidade.

No caso presente, desconhece-se a matéria que se pretende provar com o depoimento em causa, considerando que não foi indicada a factualidade previsivelmente do conhecimento da testemunha e abrangida pelo sigilo profissional, nem qualquer elemento relativo à relevância do depoimento em causa [Neste sentido, cf. o acórdão da RE de 09/11/2017 proferido no processo n.º 842/11.1TBVNO-B.E1, consultável em www.dgsi.pt, no qual se entendeu o seguinte: "o dever de segredo deve ceder, por prevalência do interesse do acesso ao direito e da descoberta da verdade material, com vista à realização da justiça, desde que se apure que a pretendida informação é instrumentalmente determinante, necessária e imprescindível para demonstrar a factualidade controvertida"].

Efetivamente, no requerimento do incidente de quebra de sigilo apresentado pelos Autores em 30/10/2023, apenas se alega que a testemunha em causa "foi perentória em audiência de julgamento, referindo que teria algo a narrar aos autos, com relevância e que não constava (...) no auto por si elaborado" (artigo 7º), que a própria testemunha indicou em julgamento "ter algo a dizer" (artigo 16º), que os factos por si apreendidos no âmbito da referida diligência são importantes (artigo 13º) e que as informações a transmitir aos autos por parte do Srº AE são pertinentes para a boa decisão da causa (artigo 14º).

Portanto, não foram invocados quaisquer factos concretos do conhecimento da testemunha em causa, para que, face ao objeto de litígio nos presentes autos, se pudesse percecionar o interesse do seu depoimento que justificasse a quebra do sigilo profissional[Neste sentido, cf. o acórdão da Relação de Coimbra de 04/03/2015 proferido no processo n.º 60/10.6TAMGR-A.C1, consultável em www.dgsi.pt), no qual se concluiu o seguinte: "A imprescindibilidade do depoimento de testemunha sujeita a segredo profissional é elemento essencial à densificação do princípio da prevalência do interesse preponderante a atuar pelo tribunal com vista à decisão sobre a quebra do segredo; - No requerimento que deu origem ao presente incidente não foram indicados os factos, eventualmente conhecidos pela testemunha e cobertos pelo segredo profissional de Advogado, suscetíveis de demonstrarem a absoluta necessidade ou imprescindibilidade do seu depoimento; - Por isso, não existe razão objetiva para que, feita a ponderação dos interesses conflituantes com os elementos disponíveis, deva ser quebrado aquele segredo".]

[MTS]

01/04/2025

Bibliografia (1183)


-- Clopton, Z. D. / Wood, D. P., Managerial Judging in the Courts of Appeals, Review of Litigation 43 (2023), 87

Jurisprudência 2024 (138)


Recurso ordinário;
conclusões


1. O sumário de RG 12/6/2024 (2541/22.0T8VCT-A.G1) é o seguinte:

I. Com as conclusões do recurso pretende-se que o recorrente indique de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão; e é precisamente essa forma sintética que permite, quer ao tribunal ad quem delimitar o objecto da sindicância de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (potencializando uma maior eficácia na realização da justiça), quer ao recorrido responder-lhe de modo adequado (no cabal exercício do contraditório).

II. A falta de conclusões a que se refere o art.º 641.º, n.º 2, al. b), in fine, do CPC, como fundamento de rejeição do recurso, deve ser interpretada num sentido essencialmente formal e objectivo (isto é, independentemente do conteúdo das conclusões formuladas, sob pena de se abrir caminho a interpretações de pendor subjectivo); e, por isso, a mera reprodução nas conclusões do corpo das alegações não se traduz na falta destas, impondo-se antes o convite ao seu aperfeiçoamento, ao abrigo do disposto no art.º 639.º, n.º 3, do CPC.

III. Perante um prévio despacho de aperfeiçoamento, a eventual e posterior gravosa cominação do art.º 639.º, n.º 3, do CPC (não conhecimento do objecto do recurso) será justificada se as circunstâncias concretas do comportamento processual quanto ao ónus recursivo revelarem um juízo de especial censura à parte inadimplente, de acordo com os princípios processuais pertinentes para tal regime (a tutela da igualdade das partes, a protecção do exercício do contraditório, a cooperação e a boa fé processual, e o princípio da auto-responsabilidade das partes); e esse juízo implica, por um lado, a apreciação do conteúdo das conclusões (não obstante o incumprimento, ou o cumprimento defeituoso, do convite ao aperfeiçoamento) e, por outro, saber se a conduta processual em face do convite ao aperfeiçoamento revela uma particular indiferença para com o comando legal em sede de ónus de alegação recursiva (apreciação da forma de cumprimento no exercício do meio de impugnação da decisão recorrida).

IV. Tendo a parte recorrente sido convidada a aperfeiçoar as complexas e prolixas conclusões do seu recurso, com a expressa cominação de que, de outro modo, não se conheceria do seu teor, cabia-lhe cumprir diligentemente esse convite (e só depois, face à nova peça que apresentasse, poderia vir a discutir a respectiva idoneidade e/ou suficiência para os fins a que se destinava); e, não o tendo feito, antes permanecendo absolutamente inerte e silente, não poderá essa sua manifesta e particular indiferença deixar de ser sancionada com o não conhecimento do objecto do recurso.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.1. Convite ao aperfeiçoamento

Concretizando, tendo a Autora (AA) vindo recorrer do saneador-sentença proferido nos autos (que julgou a «ação manifestamente improcedente» e absolveu «os Réus, integralmente, dos pedidos»), fê-lo ao longo de trinta e quatro artigos; e terminou com apelidadas «Conclusões», as quais se estendem por XXXI pontos.

Mais se verifica que nas mesmas apelidadas «Conclusões» se reafirma a linha argumentativa expressa nas prévias alegações, sem que a Recorrente (AA) o faça por meio de proposições sintéticas, de forma resumida e concisa, limitando-se a repetir o já ali vertido.

Com efeito, compulsados os trinta e quatro artigos do corpo das alegações e os XXXI pontos das epigrafadas «Conclusões», verifica-se que nestes últimos a Recorrente (AA) se limitou a copiar e colar os parágrafos reproduzidos naqueles primeiros (v.g. 2 a 26), desta feita apresentando-os sob numeração romana (e não árabe); e suprimindo apenas a transcrição das passagens relativas ao seu pedido (artigo 6.º) e os segmentos decisórios constantes do saneador-sentença sob pretendida sindicância (artigos 7.º a 9.º e 16.º).

Logo, nas ditas «Conclusões» reproduzem-se integralmente as prévias alegações de recurso, à excepção dos artigos 6.º a 9.º e 16.º das mesmas (afectos exclusivamente a transcrições, da sua petição inicial e do saneador-sentença).

O exposto ocorre numa acção em que está em causa a (in)validade de actos jurídicos (v.g. procuração, doação, testamento); e em que, não obstante tenha sido deduzida reconvenção, a mesma não está em causa no recurso sub judice (limitada unicamente à dita validade, ou invalidade, de actos jurídicos, já que os autos prosseguiram para conhecimento da dita reconvenção).

Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária: esta matéria não se reveste de especial complexidade técnica, face nomeadamente ao extenso debate já realizado na doutrina e na jurisprudência; pese embora tenha sido deduzida reconvenção, a mesma não está em causa no recurso sub judice, uma vez que a pretensão da Autora (AA) foi conhecida em sede de saneador, prosseguindo os autos apenas para julgamento da dita reconvenção; e a sentença recorrida foi proferida em 06 páginas.

Logo, a respectiva sindicância também se afigura poder ser resumida de forma precisa e assertiva.

Compreende-se, assim, que em 18 de Março de 2024 tenha sido proferido despacho a convidar a Recorrente (AA) a aperfeiçoar as respectivas conclusões; e que o mesmo tenha sido proferido com a expressa cominação de que, não o fazendo, não se conheceria de todo o seu recurso [---].

*
4.2.2. Inércia da Autora

Concretizando novamente, verifica-se que, regular e devidamente notificada para o efeito, a Autora (AA) recorrente permaneceu absolutamente inerte e silente, isto é, nem respondeu ao convite de aperfeiçoamento das conclusões do recurso que interpusera, nem justificou a sua inação.

Reitera-se, de forma conforme com o que se referiu supra, que, perante um despacho de aperfeiçoamento de conclusões e da subsequente aplicação, ou não, da cominação de não conhecimento (total ou parcial) do recurso, há que ponderar «se a conduta processual em face do convite ao aperfeiçoamento revela uma particular indiferença para com o comando legal em sede de ónus de alegação recursiva (apreciação da forma de cumprimento no exercício do meio de impugnação da decisão recorrida)».

Com efeito, se «esta apreciação formal, concreta e referida aos princípios processuais aplicáveis, conduzir positivamente a uma imputação de censura à parte, funcionará o princípio da preclusão do exercício de direitos ou da satisfação de pretensões adjectivas, em particular quando inerente ao não cumprimento do ónus da prática de certos actos processuais dentro dos prazos (considerados) peremptórios ou resolutivos cominados por lei, também plasmado no art. 639º, 3, do CPC».

Dir-se-á, então, que visando o prévio despacho de aperfeiçoamento proferido pela Relatora «evitar o efeito cominatório de rejeição do recurso de apelação com o fundamento na falta de conclusões», incidia sobre a Autora (AA) recorrente «uma diligência particularmente qualificada no cumprimento» respectivo, «à luz da cooperação (e, complementarmente, da boa fé) processual e da auto-responsabilidade (…) no processo. Não só no conteúdo da peça - no que toca, maxime, ao ponto decisivo da capacidade de síntese nas Conclusões a reformular -, mas também no preenchimento formalmente rigoroso do art. 639º, 3, do CPC, desde logo do seu prazo resolutivo. Neste se demonstraria o cumprimento minimamente diligente da resposta de aperfeiçoamento das Conclusões no âmbito do procedimento impugnatório.

Ora, quando «as partes recorrentes apresentam nesse circunstancialismo processual a peça de aperfeiçoamento fora do prazo peremptório imposto pelo art. 639º, 3 CPC, não se comportam processualmente com esse mínimo de diligência e essa extemporaneidade por omissão justifica, numa situação extrema de aplicação da sanção do art. 639º, 3, CPC, a preclusão do conhecimento do mérito do recurso» (Ac. do STJ, de 29.10.2019, Ricardo Costa, Processo n.º 738/03.0TBSTR.E1.S3, com bold apócrifo). Sendo assim (como o é) no mesmo sentido, e reforçadamente, ter-se-á que decidir (pelo não conhecimento do recurso) quando nada sequer apresentam.

Dito por outras palavras, tendo a Relatora considerado ser de convidar a Autora (AA) recorrente a aperfeiçoar as conclusões do seu recurso (em vez de o rejeitar imediatamente), com a expressa cominação de que, de outro modo, não conheceria do seu teor, cabia-lhe cumprir diligentemente esse convite, tanto mais que essa decisão era irrecorrível [Neste sentido, Ac. da RG, de 15.11.2018, Jorge Teixeira, Processo n.º 7144/16.T8BRG-I.G1, onde se lê que no «despacho de aperfeiçoamento as considerações expendidas encerram um juízo de valoração juridicamente relevante apenas enquanto fundamento da decisão de convidar ao aperfeiçoamento, ou seja, como justificação das consideradas insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada que justificam o convite formulado»; e, por não encerrar «uma decisão definitiva sobre a valoração jurídica de tais factos, será em momento ulterior que os mesmos serão valorizados para esse efeito aquilatando-se então da sua suficiência e adequação como fundamento do incidente que com fundamento neles se pretendeu deduzir».] Logo, e por «decorrência, não constituindo uma decisão definitiva quanto à relação processual, o despacho de convite ao aperfeiçoamento é irrecorrível».]; e só depois, face à nova peça que apresentasse, poderia vir a discutir a respectiva (in)idoneidade e/ou (in)suficiência para os fins a que se destinava. Não o tendo, porém, feito, antes permanecendo absolutamente inerte e silente, não poderá essa sua manifesta e particular indiferença deixar de ser sancionada.

Logo, e por falta de adequadas (legais) conclusões, não se poderá conhecer de todo do recurso interposto [Neste sentido, Ac. da RG, de 10.10.2019, Vera Sottomayor, Processo n.º 3002/18.7T8BCL-A.G1, onde se lê que o «não acatamento tempestivo do convite ao aperfeiçoamento das conclusões de recurso, implica o não conhecimento do recurso, quando seja manifesta a falha processual em que incorreu a recorrente relativamente ao ónus de formulação de conclusões, relacionadas com a necessidade de circunscrever o objecto do recurso de apelação através da apresentação de uma efectiva síntese conclusiva em que se inscrevam as questões que pretendia submeter à reapreciação da Relação».]"

[MTS]


31/03/2025

Jurisprudência 2024 (137)


Ineptidão da petição inicial;
autoridade de caso julgado


1. O sumário de STJ 18/6/2024 (27130/21.2T8LSB.L1.S1) é o seguinte:

I. Quando o autor refere, na petição inicial, o(s) facto(s) constitutivo(s) da situação jurídica material que quer fazer valer não pode considerar-se que haja falta de indicação da causa de pedir nem, consequentemente, que haja ineptidão da petição inicial nos termos do artigo 186.º, n.º 2, al. a), do CPC.

II. Quando o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão da petição inicial por falta de indicação da causa de pedir, e se verifique que interpretou convenientemente a petição inicial, aquela arguição não pode ser julgada procedente, por força do artigo 186.º, n.º 3, do CPC.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"O Tribunal de 1.ª instância decidiu julgar inepta a petição inicial apresentada pela autora, ao abrigo do artigo 186.º, n.º 2, al. a), do CPC, com fundamento em falta de indicação da causa de pedir, e, consequentemente, absolveu a ré da instância.

Confirmando esta decisão, o Tribunal recorrido reafirmou a ineptidão da petição inicial e a absolvição da ré da instância.

No Acórdão recorrido pode ler-se, a titulo de fundamentação, na parte mais relevante:

Apenas a falta dos factos essenciais na petição inicial determina a inviabilidade da ação por ineptidão daquela. Ao invés, em regra, se se formula um pedido com fundamento em facto aduzido e inteligível, mas que não pode ser subsumido no normativo invocado, o caso será de improcedência e não de ineptidão da petição.

A jurisprudência tem vindo a defender, uniformemente, que a insuficiência ou incompletude do concreto factualismo consubstanciador da causa de pedir, não fulmina, em termos apriorísticos, a petição de inepta, apenas podendo contender, em termos substanciais, com a procedência ou a atendibilidade do pedido.

Nesta conformidade, só haverá falta de indicação da causa de pedir determinante da ineptidão quando, de todo em todo, falte a indicação dos factos invocados para sustentar a pretensão submetida a juízo, ou tais factos sejam expostos de modo tal que, seja impossível, ou, pelo menos, razoavelmente inexigível, determinar, qual o pedido e a causa de pedir ([...] cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/11/2022, proferido no proc. 118395/21.4YIPRT.L1-2, versão integral em www.dsgi.pt).

No que diz respeito à fonte da obrigação invocada pela autora - contrato de empreitada celebrado com a ré -, há que entrar em linha de conta com o instituto do caso julgado, o qual implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma acção posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa e abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado (cfr. Acórdão do STJ, de 22.02.2018 (revista nº 3747/13.8T2SNT.L1.S1).

Como é sublinhado na sentença recorrida, a autoridade do caso julgado decorrente da sentença proferida que correu termos sob o n.º 17670/20.6T8LSB, no Juízo Central Cível de Lisboa, J... torna processualmente inadmissível que a autora funde a obrigação de prestação de informação por parte da Ré no âmbito de um contrato de empreitada celebrado entre as partes quando, naqueloutra acção, defendeu que tal contrato nunca chegou a entrar em vigor por não se terem verificado as condições suspensivas nele apostas.

Excluído o contrato de empreitada, enquanto fonte da obrigação jurídica que a autora entende ter sido violada, não se vislumbram factos dos quais se possa extrair a existência de outra fonte susceptível de enquadrar a pretensão da recorrente ser indemnizada pela ré. [...]

De todo o exposto, resulta que tanto a ausência de factos, como da forma como são apresentados os factos alegados na petição inicial, não permite razoavelmente determinar a causa de pedir, pelo que estamos perante vícios geradores de ineptidão da petição inicial, com a consequente absolvição da Réu da instância (arts. 186.º, n.º 2, al. b), 278.º, n.º 1, al. b), 576.º, nº 2, e 577.º, al. b)”.

A recorrente insurge-se contra esta decisão, pondo em causa, no essencial, por um lado, que o caso julgado formado naquela anterior acção (Proc. 17670/20.6T8LSB) torne processualmente inadmissível que a recorrente funde a obrigação da ré no contrato de empreitada e, por outro lado, que os factos por ela apresentados não permitam determinar a causa de pedir da presente acção.

Aprecie-se. [...]

Não pode [...] com o devido respeito, acompanhar-se o Tribunal recorrido nesta sua conclusão. Explique-se por que razão.

Lendo a petição inicial logo se conclui que não há falta a indicação de factos concretos dirigidos a sustentar o direito alegado ou constitutivos do direito alegado, portanto, integrantes da causa de pedir.

Alega aí a autora, para sustentar a titularidade de um direito de indemnização contra a ré, os seguintes factos:

- que celebrou um contrato de empreitada com a ré em 29.01.2019, visando, em suma, a construção de um hotel (cfr. artigo 2.º da p.i.);

- que a execução dos trabalhos dependia da desocupação de certa área, o que era da responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa (cfr. artigos 4.º, 5.º, 6.º e 7.º), do que a ré estava ciente (cfr. artigos 9.º a 12.º da p.i.);

- que, por razões não imputáveis a nenhuma das partes, não se reuniram as condições para a consignação da obra na data aprazada (até 30.03.2019 (cfr. artigo 20.º da p.i.) e, face a isto, ficou acordado que a ré apresentaria novo orçamento (cfr. artigos 23.º a 25.º da p.i.);

- que o novo orçamento não respeitava o contratualmente acordado para o caso de adiamento da obra (o preço era bastante superior) (cfr. artigo 27.º a 30.º da p.i.), razão pela qual a autora não o aceitou (cfr. artigo 31.º da p.i.);

- que a ré, “intermediária” / “representante” da autora junto da Câmara Municipal para efeitos de comunicações respeitantes ao alvará de obra (cfr. artigos 37.º e 45.º da p.i.), não cumpriu o seu dever de informar a autora do facto de as taxas para prorrogação do alvará estarem para pagamento, tendo com isso impossibilitado aquela prorrogação e o início das obras (cfr. artigos 41.º a 48.º da p.i.) e, consequentemente, causado à autora danos resultantes quer da falta de rentabilidade da exploração do hotel, quer do acréscimo dos custos da empreitada, quer da desvalorização do imóvel (cfr. artigos 49.º a 63.º).

Também da resposta da autora à arguição de ineptidão da petição inicial apresentada em 14.02.2022 resultam alguns dados relevantes, nomeadamente que, segundo a autora:

[a] causa do pedido da presente ação decorre, como é bom de ver e foi devidamente interpretado pela R., do impedimento da prorrogação da construção do edifício em causa por única e exclusiva atuação da Ré, pois o DOC. 2 junto com a contestação reflecte e demonstra preexistente a decisão que antes inexistia sobre a validade do Alvará de Construção” (cfr. 7.) [---]

É possível concluir que, não obstante nem sempre rigorosamente formulados, o pedido é a indemnização pelos danos relacionados com a impossibilidade de construir e a causa de pedir é o incumprimento / a omissão do cumprimento de um dever de informação por parte da ré, dever que não pode deixar de se relacionar, na visão da autora, com o contrato de empreitada referido logo no princípio da p.i.

Não há, em suma, falta de indicação dos factos em que a autora funda o seu pedido, pelo que não há fundamento para a ineptidão da petição inicial.

A terminar, fazem-se dois esclarecimentos.

Primeiro, entende-se que, como se observa na declaração de voto de vencida da Exma. Senhora Desembargadora 2.ª Adjunta, ainda que houvesse falta de indicação da causa de pedir nos termos do artigo 186.º, n.º 2, al. a), do CPC, a arguição de ineptidão da petição inicial pela ré / ora recorrida não poderia ser julgada procedente, ao abrigo do artigo 186.º, n.º 3, do CPC, porque, tendo a ré contestado, se verifica que interpretou convenientemente a petição inicial.

Para confirmar isto basta olhar para o teor da contestação, em que, logo à cabeça, a ré / ora recorrida alega:

Conforme resulta da petição inicial já apresentada, são imputados vários danos emergentes de alegadas omissões alegadamente imputáveis à Ré consubstanciados num alegado incumprimento das obrigações contratuais decorrentes do contrato de empreitada” (cfr. artigo 1.º da contestação).

Segundo, não deixa de se notar que o pressuposto em que a autora apoia o seu pedido é diferente do que a autora / ora recorrente sustentou em juízo em momento anterior. A autora tentou fazer valer, então, a ideia de que o contrato de empreitada não produziu efeitos jurídicos.

Na acção que correu termos sob o n.º 1717670/20.6T8LSB, proposta pela ora ré / recorrida Tecniarte - Projetos e Construções, S.A., contra a ora autora / recorrente Sigmabilities, Lda., pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.02.2022, transitado em julgado em 16.03.2022 (cfr. certidão junta aos presentes autos a requerimento da ré / recorrida):

“TECNIARTE - PROJETOS E CONSTRUÇÕES, LDA propôs contra SIGMABILITIES, LDA esta ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a sua condenação a entregar-lhe a quantia de € 672.591,86, acrescida de juros de mora, desde a citação até efetivo e integral pagamento, com fundamento, em síntese, em que celebraram entre ambas um contrato de empreitada, de que a R desistiu, assistindo à A o direito a ser indemnizada pelos gastos com materiais e trabalho executado e pelo ganhos que esperava retirar da obra.

Citada, contestou a R dizendo, em síntese que o contrato ficou sujeito a condições suspensivas que não foram cumpridas pela A, como a assinatura do contrato e a prestação de garantia bancária on first demand a favor da R, não tendo a A entregue um exemplar do contrato de empreitada por si assinado nem a garantia bancária, pedindo a improcedência da ação e a absolvição do pedido”.

E nas alegações de apelação diz a autora / também então recorrente (cfr. conclusões de apelação 47 a 49):

A falta de verificação de duas das condições indicadas na Cláusula 30. do contrato de empreitada determinou assim a não entrada em vigor do mesmo, não podendo a Recorrida pretender, através desta acção, extrair consequências de um contrato que, por culpa sua, não chegou a entrar em vigor.

Sobre o comportamento da Recorrente ao alegar que o contrato não chegou a entrar em vigor note-se que, para além de se encontrar absolutamente sustentado no clausulado contratual, não visa eximir a Recorrente das suas responsabilidades quanto aos trabalhos prévios que a Recorrida efectivamente realizou e cujo pagamento a Recorrente sempre assumiu como devido, desde logo em sede de contestação e no doe. 3 junto com a mesma, pelo que inexiste qualquer comportamento abusivo da Recorrente.

Assim, a decisão recorrida quanto à questão da não entrada em vigor do contrato de empreitada por falta de entrega pela Recorrida do original assinado e da garantia bancária de boa execução está em contradição com o que havia sido contratualizado entre as partes e viola o disposto nos arts. 236.°, n.° 1, 270.°, 334.° e 406.° do CC”.

A verdade é que o Tribunal aderiu ao entendimento do Tribunal de 1.ª instância, no sentido de que o contrato de empreitada produziu efeitos jurídicos, reproduzindo-se, naquele Acórdão, excertos da sentença:

"Não se diga que o contrato "não existia" (por não ter sido entregue assinado pela Autora à Ré e não lhe ter sido feita chegar a garantia bancária). Tal visão é, no mínimo, abusiva e contraria frontalmente o princípio da boa fé que deve nortear todos os contratos, quando é certo que, conforme resultou demonstrado, a Autora fez saber à Ré que tinha nos seus escritórios o exemplar do contrato de empreitada por si assinado, assim como a garantia bancária, para que a mesma os pudesse ir buscar quando quisesse, em troca do cheque de 500 mil euros de adiantamento.

A postura da Autora, reconhecidamente "honesta", foi a de não exigir o pagamento do cheque de adiantamento antes da deslocalização das discotecas e a Ré, sabendo que assim era, não se preocupou em ir buscar os documentos cuja falta vem agora acusar.

Da mesma forma, não se vê que se possa concluir pela "caducidade" ou pela "impossibilidade”.

No que respeita em especial à invocada não "entrada em vigor" do contrato, a que se reporta a cláusula 30, com essa epígrafe, acima constante sob o n.° 9 dos factos provados da sentença, dispondo esta que:

"... A entrada em vigor do presente CONTRATO verifica-se com o cumprimento cumulativo das seguintes condições: a) Assinatura do CONTRATO; b) A rubrica, por ambas as partes, dos anexos que dele farão parte integrante; c) Efectivação da garantia bancária, irrevogável, "on first demand", com validade desde a assinatura do CONTRATO até 30 dias após a recepção definitiva dos trabalhos, para os efeitos do disposto na Cláusula 12", a matéria de facto acima descrita permite concluir que o contrato foi assinado (n.° 59) e que a garantia bancária foi "efectivada" (n.°s 17 e 18).

Aliás, o contrato não só foi assinado como entrou em execução a contento de ambos os contraentes, revelando esta questão da não "entrada em vigor" do contrato alguma incoerência em relação à realidade e à própria ação da apelante que a invoca (…)”.

Depois de tudo, o que se pretende sublinhar é que, sendo embora inegável que o pressuposto de que parte agora a autora (a vigência da relação contratual) é diferente ou mesmo oposto daquele de que partiu na acção que correu termos sob o n.º 1717670/20.6T8LSB (alegou ela, então, que o contrato não havia entrado em vigor), não se vê, em primeiro lugar, que aquilo que a autora alegou nestes autos esteja abrangido pela autoridade do caso julgado formado pelo Acórdão aí proferido; nem se vê, em segundo lugar, que a autoridade do caso julgado formado por esse Acórdão tenha como efeito vedar à autora invocar aqui que o contrato de empreitada produziu efeitos jurídicos.

Bem ao contrário, a autoridade do caso julgado (o efeito positivo ou vinculativo do caso julgado) formado por aquele Acórdão impõe, na presente acção, que se adopte a premissa de que o contrato de empreitada entrou em vigor e produziu efeitos jurídicos. E o que estaria vedado à autora seria tentar fazer valer, na presente acção, qualquer premissa incompatível com ela."

[MTS]


28/03/2025

Jurisprudência 2024 (136)


Revisão de sentença estrangeira;
parte activa; parte passiva*


1. O sumário de RL 6/6/2024 (819/24.7YRLSB-8) é o seguinte:

I. Apenas podem ser partes no processo de revisão de sentença estrangeira as partes que figurarem como tal na decisão objeto de revisão.

II. Podem as mesmas propor em conjunto o processo de revisão de sentença estrangeira, caso em que não existem requeridos, ou pode apenas uma delas intentar o processo, caso em que têm que constar como requeridas todas as demais.

III. O Estado Português é parte ilegítima no processo de revisão de sentença estrangeira, por não ter sido parte no processo onde foi proferida a decisão cujo reconhecimento se pretende.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"A decisão reclamada indeferiu liminarmente a petição inicial por ilegitimidade de quem foi demandado – o Estado Português –, considerando que o mesmo não foi parte no processo onde foi proferida a decisão cuja revisão se requer.

Os requerentes discordam de tal decisão, referindo que da simples leitura da Petição Inicial, percebe-se que em nenhum momento os AA indicaram o Estado Português como polo passivo da demanda, mas que, por equívoco, ao preencher o formulário eletrónico do Citius, a mandatária apontou o Estado Português como demandado, entendendo que pode o Tribunal suprir a exceção dilatória acima assinalada, permitindo a correção no que tange à legitimidade passiva neste processo especial, suprimindo o Estado Português.

Mais referem que pretendiam o reconhecimento da situação definida na sentença revidenda, sem que se fizesse valer contra quem quer que fosse em concreto, dispensando-se a indicação de demandados. No entanto, não prevalecendo este entendimento, indicaram o Estado Português - Ministério Público como requerido enquanto defensor da legalidade e dos princípios da ordem pública nos termos do artigo 219.º n.º1 da Constituição da República Portuguesa.

Cumpre apreciar.

O processo de revisão de sentença estrangeira não implica qualquer reexame do mérito da causa onde foi proferida tal sentença, visando apenas sindicar determinados requisitos formais previstos nas alíneas do art. 980º do CPC, de forma a que referida sentença possa produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa (cf art. 978º nº1 do CPC).

E, tal como se refere no Acórdão do TRG de 08.11.2018 proferido no Proc. 84/18.5YRGMR (disponível in www.dgsi.pt), “apenas podem ser partes no processo de revisão de sentença estrangeira relativa a direitos privados as partes que figurarem como tal nessa decisão objeto de revisão”.

Podem as mesmas propor em conjunto o processo de revisão de sentença estrangeira, caso em que não existem requeridos, ou pode apenas uma delas intentar o processo, caso em que têm que constar como requeridas todas as demais.

Deverão, pois, ser partes no processo de revisão de sentença estrangeira as pessoas visadas nessa sentença, ou seja, aquelas para as quais decorrem da sentença efeitos jurídicos.

No caso dos autos os requerentes são as pessoas diretamente visadas na decisão a rever, a qual se reporta ao reconhecimento da paternidade de uma relativamente à outra.

Não obstante, no formulário eletrónico que integra a p.i. indicaram como requerido o Estado Português, o qual não é parte no processo de reconhecimento de paternidade onde foi proferida a decisão a rever.

É certo que na própria P.I. não consta tal indicação do Estado Português como parte.

Todavia, nos termos do art. 7º nºs 1 e 2 da Portaria 280/2013 de 29/08, prevalece a informação que consta no formulário eletrónico, do que resulta que o Estado Português é requerido nos presentes autos.

Ainda assim, porque o próprio nº 3 do mesmo artigo 7º permite que a informação constante do formulário possa ser corrigida, a requerimento da parte, sem prejuízo de a questão poder ser suscitada oficiosamente, foi proferido despacho que determinou a notificação dos requerentes para em dez dias esclarecerem a que titulo indicam como requerido o Estado Português (cf. formulário eletrónico).

E na resposta não se invocou qualquer lapso; pelo contrário, indicaram os requerentes que: “(..) atribuem ao Estado Português o papel de requerido por entenderem que, nesses casos, a ação de revisão de sentença estrangeira não estabelece numa relação processual antagónica, em termos de autor/réu, requerente/requerido, já que pai e filha requerem em conjunto a Revisão e Confirmação de Sentença Estrangeira de Reconhecimento de Paternidade, mas numa simples demanda ao Estado Português para atribuição de eficácia à sentença estrangeira e ao reconhecimento da situação por ela definida.”

Acrescentam que: “(…) pretendem ver reconhecida a referida relação de pai e filha, perante o Estado Português – Ministério Público - enquanto defensor da legalidade e dos princípios da ordem pública nos termos do artigo 219.º n.º1 da Constituição da República Portuguesa.”

Ou seja, defendem claramente que atribuem ao Estado Português o papel de requerido, invocando o Ministério Público enquanto defensor da legalidade e dos princípios da ordem pública.

Não podem, pois, ora referir que a indicação do Estado Português como requerido decorreu de lapso, quando já tiveram oportunidade para o referir e não fizeram, e, pelo contrário, defenderam o papel de requerido que lhe atribuíram.

Portanto, quem consta dos autos como parte requerida (o Estado Português) é parte ilegítima, por não ter sido parte no processo onde foi proferida a decisão cujo reconhecimento se pretende.

Não deve, pois, constar como requerido no processo de revisão de sentença estrangeira, até porque a lei processual já prevê uma intervenção especifica do Ministério Público nesse processo. Efetivamente, o art. 982º do CPC concede ao Ministério Público bem como às partes a faculdade de alegar, do que resulta claramente que o Ministério Público, embora tenha a mesma prorrogativa de alegar, não é parte no processo nem representa qualquer parte.

A ilegitimidade constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso que implica a absolvição da instância, ou o indeferimento liminar quando a petição seja apresentada a despacho liminar (arts. 577 al e), 578, 278 nº1 al d), e 590 nº1 do CPC todos aplicáveis ex vi do art 549º, nº 1 do CPC). Não se trata de mera irregularidade suscetível de sanação após despacho de aperfeiçoamento, mas antes de exceção dilatória cuja consequência legal é o indeferimento liminar. Isto porque, a ilegitimidade singular é insanável - cf Acs do TRG de 16.05.2019 proferido no Proc. 819/15.8T8BGC.G2, de 10.09.2020 proferido no Proc. 559/20.2T8GMR.G1, e Ac. do TRL de 06.02.2020 proferido no Proc. 13034/18.0T8LRS.L1-2.
É, pois, de manter o indeferimento liminar."

*3. [Comentário] A RL aceita que o pedido de revisão de uma sentença estrangeira possa ser formulado em conjunto pelas partes da acção na qual foi proferida a decisão a rever, "caso em que não existem requeridos" nessa acção. 

Salva a devida consideração, esta conclusão não é aceitável, dado que a mesma viola o princípio (básico) da dualidade das partes processuais, dado que haveria um processo sem parte passiva. Aliás, sem parte requerida, quem poderia contestar a verificação dos requisitos enunciados no art. 980.º CPC? Essa função competiria ao tribunal?

É claro que pode não ser fácil justificar a demanda do MP na acção de revisão proposta por todas as partes do processo no qual foi proferida a decisão a rever. No entanto, a ser assim, o que isto demonstraria é que o que é discutível são as duas premissas da qual parte a RL: a admissibilidade de uma acção de revisão por todas aquelas partes e a consequente inexistência de uma parte passiva nessa acção.

MTS

27/03/2025

A taxa de justiça e as custas em sentido estrito no procedimento de reclamação previsto no artigo 643.º do CPC


[Para aceder ao texto clicar em Salvador da Costa]


Papers (523)


-- Chasse, Ken, Codifying The Law Of Evidence—From Stare Decisis Domination To Codifcation’s Innovation (SSRN 01.2025)

Jurisprudência 2024 (135)


Preclusão; excepção de caso julgado;
excepção de prescrição


1. O sumário de RP 7/5/2025 (1239/22.3T8OVR-A.P1) é o seguinte:

I - Estando suscitada a excepção da prescrição e sendo controvertido o decurso do prazo de prescrição aplicável, o tribunal tendo conhecimento no exercício das suas funções de sentença que constitua reconhecimento do direito de crédito da exequente pode socorrer-se ex officio do art. 311º do CC sem que tal constitua nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

II - Também não constitui nulidade da sentença prevista no art. 615º nº 1 al d) do CPC a condenação ultra petitum, mas violação do art. 609º nº 1 do CPC.


II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"1.1 Nulidade por excesso de pronúncia relativamente às alíneas c) e d) da parte dispositiva da sentença

Consideraram os Apelantes que relativamente às alíneas c) e d) da parte dispositiva da sentença, quer no que se refere aos juros, quer às comissões exigidas pela Apelada no requerimento executivo, não foi causa de pedir da execução, nem sequer alegada/invocada, como título executivo - ou complemento do título executivo - a sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo nº 3330/11.2T2OVR-A (rectius, não foi alegado o reconhecimento, por sentença, do direito invocado) pelo que a previsão do art. 311º do CC não podia operar nem ser avocada ex officio.

Concluíram os Apelantes que se verifica a nulidade do art. 615º nº 1 al. d) 2ª parte do CPC e a prescrição dos juros aí decretada, o mesmo valendo para as comissões.

Recordemos o que ficou decidido nas alíneas c) e d) da parte dispositiva da sentença:

c) O pagamento da quantia de capital, no montante de € 47.269, relativa à operação ...985, bem como o valor dos juros moratórios (quanto a ambas as operações) vencidos até a sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo n.º 3330/11.2T2OVR-A ter passado em julgado (19/06/2012);
 
d) O pagamento das comissões peticionadas: em relação ao contrato n.º ...985, no montante de € 908,88; e em relação ao contrato n.º ...885, no montante de € 545,13.”

Ficou reconhecida a obrigação de pagamento pelos Apelantes à Apelada do capital ali mencionado, bem como dos juros moratórios vencidos até ao trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos proferida no Proc. 3330/11.2T2OVR-A (19.06.2012), assim como as comissões peticionadas no valor global de € 1.454,01.

Efectivamente, a Apelada não apresentou como título executivo aquela sentença, nem a invocou nos autos para de algum modo considerar reconhecida a obrigação exequenda, tendo sido o tribunal a quo a recolher oficiosamente tais elementos, do que deu conta às partes na própria audiência prévia, sem que qualquer uma delas, mormente os aqui Apelantes, tenham deduzido qualquer oposição, mesmo depois de devidamente notificados da junção da referida documentação.

Convém salientar que os Apelantes não impugnaram a decisão sobre a matéria de facto e, por conseguinte ficou cristalizada a matéria de facto subjacente à decisão recorrida, constando das alíneas u), v) e w) os factos extraídos desse processo judicial, com base nos quais veio a ser conhecida oficiosamente a excepção do caso julgado.

O tribunal a quo utilizou-os na sentença recorrida, fazendo alusão ao seguinte:

3.2. A sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo n.º 3330/11.2T2OVR-A tem efeito de caso julgado em relação aos Embargantes. [...]

Na situação em apreço, repete-se o mesmo objeto processual em duas ações e os titulares da instância (lado ativo e passivo) são os mesmos nessas mesmas ações.

Deste modo, a sentença proferida no processo de reclamação de créditos n.º 3330/11.2T2OVR-A apreciou, com carácter de definitividade, a questão da existência do direito de crédito do credor “Banco 1..., S.A.”, como pressuposto lógico da verificação desse mesmo crédito e da sua graduação com os créditos ali concorrentes.

Os títulos executivos são os mesmos que agora foram dados à execução e a causa de pedir naquela reclamação de créditos funda-se nas mesmas escrituras públicas e respetivos documentos complementares.

O reconhecimento daquele crédito foi julgado com base no disposto no n.º 4 do art. 868.º do CPC/61 (correspondente ao atual n.º 4 do art. 791.º do nCPC).

O devedor demandado na qualidade de reclamado não só pode, como tem o ónus de impugnar o crédito reclamado, porque a falta dessa impugnação importa o imediato reconhecimento desse direito, bem como das respetivas garantias reais (cf. art. 868.º, n.º 4, do CPC/61 e art. 791.º, n.º 4, do NCPC), sem prejuízo das exceções ao efeito cominatório da revelia vigentes em processo declarativo e do conhecimento das questões que deviam ter implicado a rejeição liminar da reclamação.

A solução encontrada pelo legislador constitui um desvio à linha de orientação fundamental do sistema jurídico-processual português: a quase inexistência do efeito cominatório pleno, conducente ao reconhecimento do direito invocado, que só em casos contados, como este, resistiu à Reforma de 1995/1996.

A sentença de verificação e graduação de créditos proferida na reclamação de créditos deduzida por apenso a um processo de execução tem, nos termos gerais, valor de res judicata quanto à existência do crédito reclamado (cf. art. 789.º, n.º 4, CPC). 

Por conseguinte, há que entender que a sentença de verificação e de graduação de créditos proferida no apenso A do processo executivo n.º 3330/11.2T2OVR, que correu termos neste Juízo de Execução, tem força de caso julgado em relação aos Embargantes, que é, conforme as circunstâncias descritas, de exceção de caso julgado.

A exceção de caso julgado torna inadmissível a segunda ação, impedindo uma nova decisão de mérito (efeito negativo). Noutras palavras: a exceção do caso julgado obsta a qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva, dado que, a exceção de caso julgado cumpre uma função negativa: esta exceção garante, como se estabelece no art. 580.º, n.º 2, do CPC, a proibição de repetição de uma causa anterior.

A exceção de caso julgado também obsta à apreciação dos factos precludidos, ou seja, dos factos não alegados tempestivamente pelo devedor como oposição ao crédito reconhecido por aquela sentença. [...]

Isto significa que, de entre as questões a solucionar, como as relativas a saber se a Embargada pode cobrar comissões e penalizações (contratualizadas) vencidas, bem como juros moratórios também vencidos, em momento posterior àquele em que o mesmo credor considerou antecipadamente vencidos os dois contratos, há que entender que aqueles meios de defesa se encontram precludidos, pela inércia dos devedores reclamados, dado que já se encontravam constituídos e, por isso, podiam ter sido alegados por aqueles como fundamento de impugnação ao crédito reclamado no âmbito dos autos sob o n.º 3330/11.2T2OVR-A.

Com efeito, o dies a quo pelo qual se afere a superveniência do fundamento de mérito da impugnação coincide com o dia a seguir ao termo do prazo (terminus ad quem) que o devedor reclamado dispôs para deduzir impugnação ao crédito reclamado. [...]

exceção de preclusão decorrente da não dedução de impugnação ao crédito reclamado pelos devedores reclamados, na sequência da sua notificação para impugnar aquele crédito realizada no âmbito do processo n.º 3330/11.2T2OVR-A, é uma exceção dilatória, não suprível, de conhecimento oficioso, podendo ser conhecida até à sentença (e mesmo na fase de recurso), por aplicação do disposto no art. 278.º, n.º 1, al. e), CPC, dado que em parte alguma deste código se estabelece que a preclusão não é de conhecimento oficioso.

Com efeito, a circunstância de a preclusão extraprocessual atuar através da exceção de caso julgado garante o seu conhecimento oficioso pelo tribunal da segunda ação (cf. art. 577.º, al. i), e 578.º, CPC).”

Com tais fundamentos considerou o tribunal a quo, sob os pontos 3.3 e 4.3 da fundamentação, que verificando-se a excepção do caso julgado, estava impedido de conhecer novamente dos juros vencidos e das comissões reclamados e verificados por sentença de verificação e graduação de créditos até ao seu trânsito, só tendo declarado prescritos os que se venceram posteriormente, nos moldes determinados sob a alínea b) da parte dispositiva da sentença.

A Apelada não apresentou a sentença de verificação do seu crédito reclamado no processo nº 3330/11.2T2OVR-A como título executivo, mas o crédito é o mesmo e decorre dos mesmos contratos que foram apresentados como títulos executivos na execução de que os presentes embargos são apenso, sendo naqueles autos exequente a aqui Apelada/exequente e executados os aqui também executados/Apelantes, os quais tiveram a oportunidade de naqueles autos contestar o direito da aqui Apelada àqueles valores reclamados a título de comissões e juros de mora sem que o tenham feito, tendo sido declarado na sentença sob recurso já não o poderem fazer relativamente ao período que decorreu até à sentença de verificação do crédito.

Já relativamente aos posteriores foi declarada a prescrição nos moldes vertidos na al. b) da parte dispositiva da sentença.

Os Apelante não se insurgem contra os fundamentos daquele segmento decisório, não lhe apontam qualquer erro de julgamento, apenas sustentam que a previsão do art. 311º do CC não podia operar nem ser avocada ao caso ex officio, radicando aí a razão do alegado excesso de pronúncia.

Refere este preceito legal sob a epígrafe “Direitos reconhecidos em sentença ou título executivo” o seguinte regime:

1. O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
2. Quando, porém, a sentença ou o outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo.

Em anotação a este preceito legal, escreve Rita Canas da Silva que, “a leitura deste preceito deve ser articulada com o disposto no nº 1 do art. 327º, que prevê a interrupção da prescrição e o recomeço do prazo prescricional “após o trânsito em julgado” da “decisão que puser termo ao processo”. Nestas situações, o novo prazo, iniciado após a interrupção, é, regra geral, de duração igual ao anterior (v. o nº 2 do art. 326º); mas poderá ser superior, conforme o nº 1 da disposição em anotação, caso o anterior tivesse uma duração inferior ao ordinário (v. art. 309º). Com o reconhecimento judicial do direito, a prescrição deixa de estar sujeita ao prazo especial, passando a ser-lhe aplicável o prazo ordinário. Esta extensão do prazo inicial justifica-se por ser natural que após decisão judicial favorável à existência do direito, seja reconhecido um prazo alargado de exercício.

O nº 2 vem, no entanto, limitar o disposto no nº 1, excluindo do seu âmbito de aplicação as prestações vincendas: a esse respeito, a prescrição continua a ser de curto prazo (v. o art. 310º).” [CC Anotado, Vol. I, 2017, Ana Prata (Coord), pág. 383]

A questão da aplicação do art. 311º nº 1 CC foi também tratada de forma autonomizada na sentença recorrida sob o ponto 4.2 pois, como não poderia deixar de ser, tendo o tribunal a quo considerado anteriormente que a sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo n.º 3330/11.2T2OVR-A tinha efeito de caso julgado em relação aos Apelantes, teria de retirar as consequências legais decorrentes da prolação daquela sentença de verificação enquanto reconhecimento do direito de crédito da aqui Apelada/exequente, nomeadamente para aferir qual o prazo de prescrição aplicável relativamente às prestações de juros vencidas após a sentença de verificação do crédito da aqui Apelada naqueloutro processo- uma vez que estava em discussão qual o prazo de prescrição aplicável, entendendo os Apelantes ser o prazo curto de 5 anos e entendendo a Apelada, por seu turno, ser o prazo ordinário.

Os Apelantes apenas colocaram em causa a possibilidade de o tribunal lançar mão oficiosamente daquele preceito legal - fundamento da nulidade da sentença por excesso de pronúncia -; porém nem o tribunal estava a conhecer oficiosamente da prescrição, a qual lhe fora suscitada nos embargos pelos Apelantes, nem estava impedido de fazer uso daquele preceito legal, porquanto estando-lhe colocada para decisão a excepção da prescrição, e incumbindo-lhe aferir qual o prazo de prescrição aplicável ao caso concreto para poder decidir se se verificava ou não a excepção suscitada, teria que ponderar a aplicabilidade do art. 311º do CC uma vez que atribuíra efeitos de caso julgado à sentença de verificação do crédito que, em seu entender, consubstanciava um reconhecimento do direito de crédito por sentença.

De todo o modo, embora com outra argumentação, a Apelada na contestação a essa excepção também invocou a aplicação do art. 311º nº 1 do CC para sustentar a improcedência da prescrição curta dos 5 anos, o que tudo nos leva a concluir que o tribunal a quo podia e devia ter aplicado o art. 311º do CC conforme o fez, não tendo existido qualquer excesso de pronúncia a censurar."

[MTS]