Blog do IPPC
Instituto Português de Processo Civil
"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))
26/03/2025
Bibliografia (1182)
Jurisprudência 2024 (134)
A decisão recorrida estribou-se na seguinte afirmação: “Nos termos do art. 59.º do CPC, por regra, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando ocorram os fatores de conexão dos arts. 62.º e 63.º do CPC ou quando lhes seja atribuída convencionalmente competência para dirimir o conflito nos termos do art. 94.º do CPC.
“Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.”
O Recorrente alega em sede de recurso que os factos que servem de causa de pedir foram praticados em diferentes países (Equador, Estados Unidos e Venezuela) e que o “facto que integra a causa de pedir tem única e exclusivamente ligação à Venezuela, nacionalidade de ambas as partes e lugar de residência do autor e do réu à data dos factos. Assim sendo, os tribunais competentes seriam os tribunais Venezuelanos.
Contudo, o direito do autor não pode ser exercido, pelo mesmo, naquele território em virtude da conjuntura do sistema judicial.
Destarte, a Venezuela tem vindo a passar por uma longa e difícil crise política que tem resultado em dificuldades evidentes no acesso a uma justiça efetiva, que permita aos cidadãos daquele país efetivarem os seus direitos.”.
Defende, assim, a aplicação da alínea c) do artigo 62º do Código de Processo Civil acima transcrito.
Apenas em sede de recurso, contudo, foram alegados os factos em que o Autor pretende suportar a aplicabilidade da referida alínea c) do artigo 62º do Código de Processo Civil. [...]
O argumento ora esgrimido pelo Recorrente suporta-se na alegação de dificuldades de acesso/funcionamento do sistema judicial Venezuelano que não só não estão demonstradas como não foram alegadas no momento próprio: aquando da apresentação da petição inicial.
A causa de pedir da ação não se define pela qualificação jurídica que dela faz o autor, mas pelo conjunto de factos que alega com vista à procedência da sua pretensão [---] Cabe ao Tribunal decidir, em face dos factos que foram alegados e se venham a provar, qual o enquadramento jurídico da questão que lhe é posta.
Para conhecimento da exceção de incompetência em razão da matéria deve partir-se, assim, da relação jurídica que está controvertida.
Neste caso, a Autora alega que em virtude de negócio celebrado com o Réu este se apropriou:
- de $ 27 467, 50 provenientes da parte dos lucros que cabia ao Réu entregar ao Autor pela venda de automóveis na Venezuela, valor que o mesmo aceitou que aquele investisse com o fito de aumentar o seu valor e lho devolver;
- de $ 82 509 que também lhe entregou com vista a que ele investisse tal valor e lho devolvesse;
- de $ 22 704 que o Réu recebeu de clientes pela venda de mercadoria que ambos adquiriram no Equador para exportar e comercializar na Venezuela; e, ainda,
- alega que desconhece se o mesmo já recebeu o valor de $ 33 756 de mercadorias vendidas e não pagas já que, desde outubro de 2021, o Réu deixou de lhe prestar contas do negócio em comum que mantinham.
Pede que o Réu seja condenando a devolver-lhe a soma destas parcelas alegando que o mesmo, entretanto, se mudou para Portugal e que teve e mantém a intenção de se apropriar dessas quantias eximindo-se da responsabilidade de as entregar ao Autor.
Pede ainda o ressarcimento dos danos não patrimoniais que diz ter sofrido com estas condutas, liquidando tal indemnização em 10 000 €
b) A latere: não se transcreveu a nota 3, dado que na mesma há uma confusão entre autor e obra.
MTS
25/03/2025
Jurisprudência uniformizada (73)
-- Ac. STJ 4/2025, de 25/3, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido:
A indemnização atribuída ao trabalhador ilicitamente despedido, em substituição da reintegração, é parcialmente impenhorável, nos termos do n.º 1 do artigo 738.º do Código de Processo Civil.
Jurisprudência 2024 (133)
1. O sumário de STJ 25/6/2024 (3619/22.5T8LLE.E1.S1) é o seguinte:
«AA interpôs recurso de revista normal para este Supremo Tribunal, alegando inexistir dupla conforme, e, subsidiariamente, recurso excepcional.Afirmou que no caso inexiste “dupla conforme”, porquanto a fundamentação expressa na sentença é essencialmente diversa daquela exarada no acórdão recorrido.Não tem razão.Na sentença diz-se que «Por último, no que diz respeito às despesas aprovadas para a manutenção dos elevadores o n.º 4 do artigo 1424.º do Código Civil é claro “Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.” (sublinhado nosso). Como tal, as fracções A, B e C, situadas na cave e no rés-do-chão do prédio, não sendo servidas pelos elevadores não têm que participar nas ditas despesas, devendo estas ser apenas suportadas pelas fracções que por eles possam ser servidas, in casu, as fracções D, E, F, G, H, I, J e L, e em igual proporção, uma vez que todas têm a mesma permilagem (cfr. factos 2 e 3)».Por sua vez, o douto acórdão recorrido consigna que «Na verdade, situando-se as frações A, B e C na cave e no rés-do-chão do prédio, não são servidas pelos elevadores, e não sendo o terraço de cobertura e casa das máquinas locais de utilização comum, devem os respetivos condóminos beneficiar de isenção de participar nas despesas de manutenção dos elevadores, como bem se decidiu no sanador-sentença recorrido. Só assim não seria se houvesse algum arrumo no último piso, ou se houvesse neste uma sala de reuniões ou de convívio que pudesse ser usada por todos os condóminos, o que não é o caso».
Sabido é que o requisito de recorribilidade previsto no artigo 671.º, 3 CPC obstativo da dupla conformidade não decorre do facto da decisão confirmatória do segundo grau conter fundamentação diferente; exige-se que seja «essencialmente diferente».
Importa distinguir fundamentação essencialmente diferente de fundamentação diversa.Uma fundamentação essencialmente diferente pressupõe novidade argumentativa e a consideração de um enquadramento factual e/ou jurídico diferente e decisivo, que se afaste distintivamente da fundamentação da decisão apelada.Não se verifica esta modalidade de fundamentação quando o tribunal da Relação, mantendo-se no quadro jurídico da decisão recorrida acrescenta argumentos relacionados com a questão decidida que apenas lhe emprestam uma maior solidez.Foi o que aconteceu no caso sujeito. [...]
[MTS]
24/03/2025
Citações e notificações eletrónicas no âmbito de processos judiciais
Jurisprudência 2024 (132)
«1 – Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.(…)4 – Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo» [...].
[MTS]
21/03/2025
Bibliografia (1181)
-- Marino, S., Cross border private enforcement of EU competition law: in quest of localisation, Freedom, Security & Justice 2025/1, 111
Jurisprudência 2024 (131)
«São fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:a) A separação de facto por um ano consecutivo;b) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum;c) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano;d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a rutura definitiva do casamento.»
«Entende-se que há separação de facto, para efeitos da alínea a) do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer».
- A inexistência de comunhão de vida entre os cônjuges durante um ano seguido (elemento objetivo);
- A intenção, de ambos ou de um dos cônjuges, durante tal lapso de tempo, em não restabelecer a comunhão (elemento subjetivo).
A presente ação foi proposta em 30-04-2022.Na mesma, a Autora alegou a separação de facto.A Autora e o Réu vivem respetivamente em Sintra e Loulé.A audiência de julgamento ocorreu em 25-10-2023.Ainda que demonstrado não esteja outro período temporal, antecedente, a separação de facto entre os cônjuges perdurou ininterruptamente durante mais de um ano à data do julgamento, tendo a Autora/recorrente o propósito de não restabelecer a comunhão conjugal com o Réu/recorrido.Em consequência, está demonstrado o fundamento de divórcio previsto na alínea a) do artigo 1781.º do Código Civil: a) A separação de facto por um ano consecutivo.
*3. [Comentário] Com a devida consideração, discorda-se completamente do entendimento de que o prazo de separação de um ano entre os cônjuges se pode completar durante a pendência da acção de divórcio. Como é claro, a causa de pedir de qualquer acção nunca se pode constituir durante a pendência da acção; certamente nunca ninguém pensou que o prazo de usucapião se pode completar durante a pendência da acção de reivindicação. Para maiores desenvolvimentos clicar aqui.
MTS
20/03/2025
Paper (522)
-- Garrett, Brandon L., Artificial Intelligence and Procedural Due Process (SSRN 03.2025)
Jurisprudência 2024 (130)
Nela começou por levantar a questão prévia da inexistência do certificação da tradução, nos termos devidos, e do compromisso de honra do tradutor (tendo em conta os termos da Portaria 657-B/2006 de 29/06, do DL 76-A/2006, de 29/03, dos pareceres n.ºs E-08/06 e E-13/06 da Ordem dos Advogados e 172 e seguintes do Código do Notariado), até porque a tradução ora apresentada não se encontra fielmente traduzida; depois aceitou como verdadeira a matéria alegada nos artigos 1, 2 e 5 da PI e impugnou a matéria alegada nos restantes artigos da PI, por simples desconhecimento e não ser sua obrigação de os conhecer; ou por não corresponderem à verdade; ou se encontrarem irremediavelmente desvirtuados; ou quanto aos efeitos que a requerente pretende fazer valer; ou por se tratar de matéria conclusiva ou de direito, e os documentos juntos no que respeita à matéria ora impugnada e as conclusões que deles se pretendem extrair (até porque tal versão se figura falseada e incorrecta). Por fim, diz, em síntese, que pela sentença invocada pela requerente foi decretado somente o divórcio entre ela e o requerido (demonstra o averbamento do divórcio decretado na sentença do UK ao seu assento de nascimento - docs.1 e 2), nunca foi feita a regulação das responsabilidades parentais dos menores e fixada uma pensão de alimentos. Caso assim não fosse, e admitindo que, efectivamente, tivesse a regulação sido efectuada em Inglaterra, qual seria a lógica de o requerido requerer a regulação das responsabilidades parentais, no Juízo de Família e Menores de G, como o fez? E porque é que em sede de conferência realizada nesse processo, chegaram as partes a acordo quanto a vários pontos da regulação, excepto, quanto ao valor a pagar dos alimentos devidos aos menores (conforme doc.4)? No entanto, foi acordado o pagamento das despesas extras. Se efectivamente estivesse regulado a pensão de alimentos, iria o requerido intentar uma acção para regular esse ponto e se sujeitar a acrescer despesas extras? (acrescer despesas extras, porque este benefício já comporta todas as despesas; o requerido paga esse valor e nada mais tem a pagar, com base no cálculo simulado no site oficial do governo your child maintenance). Assim, deverá a presente revisão de sentença estrangeira ser julgado totalmente improcedente. [...]
[MTS]
19/03/2025
Dívida comercial, juros civis - mas porquê?
Mantendo-se a orientação jurisprudencial do STJ, considera-se que, à falta de outros elementos interpretativos, a decisão judicial dada à execução, condenando a ora embargante a pagar à aí autora uma indemnização acrescida de juros calculados à taxa legal, deve ser interpretada como abrangendo o direito a juros de mora à taxa legal prevista para os juros civis.
"5.2. Na acção declarativa que culminou com a decisão judicial dada à execução, foi formulado o seguinte pedido:«Nestes termos, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e por via dela, ser a R. condenada a pagar à A. a quantia peticionada de (...), acrescida de juros vincendos, bem como custas e o mais legal. (...)».
Sendo que, no último artigo da petição inicial (artigo 69), a pretensão relativa ao pagamento de juros, foi assim enunciada:
«A esta quantia deverão acrescer juros, à respectiva taxa legal, desde a data da citação até à data do integral pagamento.».
Afigura-se que o segmento decisório do acórdão dado à execução se encontra em conformidade com o teor literal do pedido («condeno a Ré Petrogal a pagar à Autora a quantia de 150.000,00 €, acrescida de juros, calculados à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento»). E, uma vez que se verifica que em momento algum a petição inicial se refere à natureza (comercial ou civil) da obrigação da ré Petrogal, tampouco a utilização, no artigo 69.º da p.i., da expressão «respectiva taxa legal», permite retirar a ilação de que os juros peticionados o foram à taxa comercial.
Temos, assim, que, no caso dos autos, e diversamente do alegado pela recorrente, a directriz interpretativa assente no princípio do pedido não permite chegar a qualquer conclusão segura."
2. O acórdão optou por seguir a jurisprudência do STJ (também largamente maioritária nas instâncias, segundo se supõe): não se conseguindo retirar do pedido do credor de uma dívida comercial se os juros que pede são civis ou comerciais, deve entender-se que o demandante pede juros civis.
Quanto à opção do STJ, nada há a objectar. Na dúvida, deve seguir-se a jurisprudência consolidada, pois que uma jurisprudência flutuante origina perplexidade entre as partes e não favorece a confiabilidade do sistema processual.
O regime especial prevalece sobre o regime geral, mas a solução da jurisprudência agora em análise também parece esquecer este elementar princípio. Sem excluir que exista em alguma parte do ordenamento jurídico um regime especial cuja aplicação pelos tribunais esteja dependente da vontade das partes, não se vislumbra que exista qualquer base legal para se entender que qualquer regime comercial esteja dependente de uma expressa vontade das partes, em especial no que respeita aos juros devidos no giro comercial. Portanto, não há nenhum motivo para excluir a matéria dos juros comerciais da aplicação oficiosa pelo tribunal da acção.
Em conclusão: é verdadeiramente estranho que se entenda que, na falta de especificação pelo credor comercial de quais são os juros aplicáveis, se possa entender que o tribunal fica desvinculado de aplicar a lei e tenha de aplicar o regime geral dos juros civis em detrimento do regime especial dos juros comerciais.
Esta falta de sintonia entre a solução substantiva e a solução processual contraria tudo o que se diz e ensina sobre a função instrumental do processo civil: essa função proíbe que se construam em processo soluções que contrariam o que vale fora do processo.