"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



25/11/2025

Jurisprudência 2025 (39)


Pedidos condicionais:
inadmissibilidade*


1. O sumário de RL 20/2/2025 (30416/22.5T8LSB.L1-6) é o seguinte

I. O condomínio constitui um centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos, razão pela qual o legislador o dotou de organicidade e, embora não lhe tenha atribuído personalidade jurídica (ao contrário do que acontece noutros países), admite que o mesmo possa ser parte em acções judiciais.

II. A concessão de personalidade judiciária ao condomínio não é lata e irrestrita: a medida da mesma coincide com as funções do administrador. Fora deste âmbito (dos poderes do administrador) o condomínio não tem personalidade judiciária, o que determina que - em tudo o que se situe fora daquele âmbito – os condóminos agirão em juízo em nome próprio, com a personalidade judiciária que a personalidade jurídica lhes confere.

III. O artigo 12.º, al. e), do CPC tem necessariamente de ser conjugado com os artigos 1436.º e 1437.º do CC, onde se regula sobre as funções e legitimidade do administrador.

IV. Os actos conservatórios previstos na al. g) do art.º 1436.º do CC, quer sejam de natureza material e/ou judicial, são os que nada resolvem em definitivo, que não comprometem o futuro, visando apenas manter uma coisa ou um direito numa determinada situação, isto é aqueles que são adequados a evitar a degradação ou destruição do conjunto de elementos que integram as partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal.

V. Quando a questão se centra na ausência de deliberação, estamos já no âmbito da capacidade judiciária e da falta de deliberação, tal como a mesma vem regulada no art.º 29.º do CPC, e não no campo da falta de personalidade judiciária.

VI. Numa acção judicial, a formulação do pedido é uma necessidade que resulta da consagração do princípio do dispositivo; mas a lei não se basta com a formulação do pedido, antes impondo que o mesmo seja formulado de modo claro e inteligível e que seja preciso e determinado – art.º 186.º do CPC.

VII. Por força do princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais, a lei processual não admite, por via de regra, a condenação condicional, isto é, aquela em que o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto.

VIII. À semelhança das situações de ineptidão da petição inicial, a formulação de pedidos condicionais, vagos e genéricos consubstancia uma excepção dilatória, geradora de absolvição da instância, sendo inquestionável, em face do artigo 577º do CPC (onde consta expressamente a referência a “entre outras”) o carácter exemplificativo das excepções ali tipificadas.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"c) Da excepção dilatória inominada de formulação de pedidos genéricos

O Autor intentou a presente acção formulando os seguintes pedidos:

a) Serem os 1º, 2º e 3º RR. condenados a usar a fracção “C” para fins exclusivamente habitacionais, bem como, na sanção pecuniária compulsória de 100€ por cada dia de atraso no cumprimento ou em situação de incumprimento deste dever.
 
b) Todos os RR. solidariamente condenados a:
i) Custear os estudos que o A. mandará elaborar demonstrativos do impacto que a remoção das lajes, alteração dos vãos e reposição em diferente local, tiveram, ou podem vir a ter, na estabilidade e segurança de todo o prédio;
ii) Em função das conclusões técnicas obtidas, custear todas as obras necessárias para reconstruir uma situação idêntica à preexistente relativamente às remoções por si realizadas, com garantia de plena estabilidade do prédio;
iii) Apresentar à Câmara Municipal de Lisboa os projectos necessários, tendo em vista a regularização formal do processo do edifício e reduzir, até onde for possível, o risco de ofensa as suas estruturas;
iv) Garantir por meio de inscrição sobre as fracções B e C, na Conservatória do Registo predial, sem limite de capital e como encargo em espécie, sem prazo determinado os riscos que, mesmo com a execução dos trabalhos que sejam recomendados pelos estudos a efectuar, sempre subsistirão;
v) Reembolsar todas as despesas suportadas, em resultado da sua conduta, em causa nestes autos. Designadamente a título de honorários, encargos e taxas de justiça, custas judiciais e pareceres técnicos que se venham a apurar em sede de execução de sentença.

Apreciando a admissibilidade dos pedidos formulados, consta da fundamentação da decisão recorrida o seguinte:

“É nos articulados, enquanto peças processuais em que as partes expõem os fundamentos da acção e da defesa e formulam os pedidos correspondentes, que as partes definem as suas pretensões jurisdicionais - cfr. art.º 147º do Código de Processo Civil.

Para que o tribunal possa dirimir um concreto litígio submetido à sua apreciação, indispensável se torna que as partes fixem com precisão os termos exactos da controvérsia.

A Petição inicial, como articulado onde o demandante propõe a acção, deduzindo certa pretensão de tutela jurisdicional, com a menção do direito a tutelar e dos fundamentos respectivos, e que é levada ao conhecimento do R. é a base do processo. É aí que se formula o pedido e se invoca a causa de pedir, ou seja, o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido pelo A., isto é, no acto ou facto jurídico em que o A. se baseia para formular o seu pedido (art.º 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil).

Nos termos do art.º 552º, n.º 1 do Código de Processo Civil na P.I. deve o autor:

a) (…)
e) Formular o pedido;(…)

O pedido é, conforme decorre do n.º 3 do art.º 498º do Código de Processo Civil o efeito jurídico que se pretende obter com a acção. É este que delimita o círculo dentro do qual o Tribunal tem de mover-se para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir (cfr. Art.º 615º, n.º 1 al. e) do Código de Processo Civil).

Assim o pedido deve ser claro e inteligível; coerente com a causa de pedir; e legalmente possível.

Para que tal ocorra, o pedido deve ser formulado com toda a precisão, especificando nitidamente tanto o objecto jurídico da acção (o efeito que o A. pretende obter) como o seu objecto material.

A precisão do pedido resulta da necessidade de criar a certeza jurídica que é um atributo da própria essência da decisão sendo também o elemento definidor do caso julgado.

Daí que a lei estatua os casos excepcionais em que é permitido formular pedidos genéricos (cfr. Art.º 556º do CPC) referindo que a mesma só pode ocorrer quando o objecto mediato da acção seja uma universalidade de facto ou de direito; quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito de o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o art.º 569º do Código Civil, ou quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro acto que deva ser praticado pelo Réu.

Atentando nos pedidos formulados nos autos, é manifesto que os mesmos padecem de vícios que determinam a impossibilidade de prosseguimento dos autos.

Efectivamente peticiona o A.

a) Ser os 1º, 2º e 3º RR. condenados a usar a fracção “C” para fins exclusivamente habitacionais, bem como, na sanção pecuniária compulsória de 100€ por cada dia de atraso no cumprimento ou em situação de incumprimento deste dever.
b) Todos os RR. solidariamente condenados a:
i. Custear os estudos que o A. mandará elaborar demonstrativos do impacto que a remoção das lajes, alteração dos vãos e reposição em diferente local, tiveram, ou podem vir a ter, na estabilidade e segurança de todo o prédio;
ii. Em função das conclusões técnicas obtidas, custear todas as obras necessárias para reconstruir uma situação idêntica à preexistente relativamente às remoções por si realizadas, com garantia de plena estabilidade do prédio;
iii. Apresentar à Câmara Municipal de Lisboa os projectos necessários, tendo em vista a regularização formal do processo do edifício e reduzir, até onde for possível, o risco de ofensa as suas estruturas;
iv. Garantir por meio de inscrição sobre as fracções B e C, na Conservatória do Registo predial, sem limite de capital e como encargo em espécie, sem prazo determinado os riscos que, mesmo com a execução dos trabalhos que sejam recomendados pelos estudos a efectuar, sempre subsistirão;
v. Reembolsar todas as despesas suportadas, em resultado da sua conduta, em causa nestes autos. Designadamente a título de honorários, encargos e taxas de justiça, custas judiciais e pareceres técnicos que se venham a apurar em sede de execução de sentença.

Ora, relativamente ao primeiro pedido, coloca-se desde logo a questão de saber se o mesmo é idóneo. O A. pretende a condenação dos RR. a usar a fracção “C” para fins exclusivamente habitacionais. O fim a que uma fracção autónoma é destinada constitui uma limitação ao exercício do direito de propriedade de cada condómino sobre a sua fracção, e encontra-se definido no título constitutivo da propriedade horizontal.

Assim, utilizar a fracção para o fim a que se destina é uma decorrência da lei, não cabendo ao Tribunal condenar a cumprir a lei, obrigação que se impõe a todos os cidadãos.

Acresce que, nos termos alegados pelo A., a referida fracção encontra-se ligada, por via das obras efectuadas, à loja sita no R/C do mesmo prédio. Logo, afigura-se que este pedido apenas faria sentido após o pedido de realização de obras de reposição da individualização das fracções, o que, em verdade, não é peticionado.

Relativamente aos pedidos formulados na alínea b), pontos i) e ii) os mesmos encontram-se formulados em termos absolutamente condicionais.

Pretende-se que os RR. sejam condenados a custear os estudos que o A. mandará elaborar demonstrativos do impacto que a remoção das lajes, alteração dos vãos e reposição em diferente local, tiveram, ou podem vir a ter, na estabilidade e segurança de todo o prédio.; e, em função das conclusões técnicas obtidas, custear todas as obras necessárias para reconstruir uma situação idêntica à preexistente relativamente às remoções por si realizadas, com garantia de plena estabilidade do prédio.

Nunca o tribunal poderá concluir nos termos peticionados, sob pena de nulidade da decisão. Não pode o tribunal condenar os RR. a custear um estudo que não se sabe quando e se o A. mandará elaborar, a quem e por que valor.

Acresce que, o tribunal não pode também condenar a efectuar obras apenas se o estudo concluir que as mesmas são necessárias.

Já o pedido formulado em b.iv) é, para além de condicional, um pedido indeterminado.

Pretende o A. que os RR. sejam condenados a “Garantir por meio de inscrição sobre as fracções B e C, na Conservatória do Registo predial, sem limite de capital e como encargo em espécie, sem prazo determinado os riscos que, mesmo com a execução dos trabalhos que sejam recomendados pelos estudos a efectuar, sempre subsistirão”. Ora, a procedência deste pedido estaria dependente da realização de um estudo, de esse estudo concluir pela existência de danos e necessidade de execução de trabalhos, de executados esses trabalhos subsistirem riscos de danos. Tudo isto são eventos futuros e incertos, que, logicamente, não podem ser garantidos por uma quantia incerta e por tempo indeterminado!

Conforme se refere no Ac STJ de 07.04.2011 (relator Lopes do rego) in www.dgsi.pt, a lei não admite a figura da condenação condicional. A sentença judicial em que o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, ainda não ocorrido à data do encerramento da discussão da causa, não é possível.

Também o Acórdão de 15/10/2020 do TRG (relator António Boavida) que, pela clareza de exposição, seguimos de perto refere “Por um lado, o artigo 610º do CPC permite o julgamento no caso de inexigibilidade da obrigação no momento em que a acção é proposta, mas trata-se de uma possibilidade restrita, não ampla. O artigo versa somente sobre situações em que a obrigação é inexigível (por exemplo, por não se encontrar ainda vencida, não ter decorrido o prazo certo a que está sujeita, o prazo ser incerto e a fixar pelo tribunal) e não sobre casos em que está em causa a própria constituição da obrigação. Admite-se a condenação do réu no cumprimento de uma obrigação ainda não exigível, mas que o réu (v. nº 2 do art.º 610º) ou o tribunal (v. nº 1 do art.º 610º) reconhece existir. Já não é admissível a condenação do réu numa prestação que pode nunca vir a constituir-se ou em que o facto condicionante da sua constituição sempre exigiria ulterior verificação judicial. E é assim por imposição do artigo 610º, que restringe os casos em que é lícita a condenação do réu in futurum (apenas em situações de inexigibilidade da obrigação), e por força do princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais. Isto porque uma condenação condicional compromete a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na acção, além de a tutela alcançada pelo demandante não ser dotada de efectividade; são decisões boomerang ou de “ida e volta”, que acabam por não solucionar definitivamente o litígio, que em maior ou menor grau subsiste entre as partes, tendendo a necessitar de ser resolvido através de nova acção.”

Donde se impõe concluir que estes pedidos, por condicionais, não são legalmente admissíveis.

No ponto b.iii) do pedido peticiona o A. a condenação dos RR. a apresentar Câmara Municipal de Lisboa os projectos necessários, tendo em vista a regularização formal do processo do edifício e reduzir, até onde for possível, o risco de ofensa as suas estruturas.

Ora o processo camarário é um procedimento administrativo a que os Tribunais civis são alheios, não cabendo a este tribunal apreciar a existência/inexistência/invalidade do processo camarário.

Afigura-se assim que os pedidos formulados não preenchem os requisitos do pedido, sendo vagos, indeterminados e condicionais e, por isso, inadmissíveis.

A lei não determina expressamente qual a consequência para a formulação ilegal de pedidos genéricos e condicionais, sendo diversas as soluções que tem vindo a ser apontadas pela doutrina e pela jurisprudência.

Assim, Castro Mendes considera que deve haver indeferimento liminar da PI por verificação de excepção dilatório atípica (DPC, III, 330), Anselmo de Castro entende que tal vicio determina o indeferimento liminar da petição por ineptidão (DPC, vol. II, p. 250).

A jurisprudência maioritária, com a qual tendemos a concordar, defende a absolvição da instância por verificação de uma excepção dilatória atípica (AC RP de 13/4/1978, CJ, tomo III, pág. 812 e Ac. STJ de 8/2/1994, CJSTJ, tomo I, pág. 95).”

Apreciando:

A noção de pedido encontra-se consagrada no art.º 581.º, n.º 3, do CPC e corresponde ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da acção interposta, traduzindo-se, em concreto, na providência que aquele solicita ao Tribunal.

Segundo os ensinamentos de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio da Nora (in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 245) o pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, sendo que nos mesmo sentido são os dizeres de Miguel Teixeira de Sousa no seu livro Introdução ao Processo Civil, pág. 23.

Trata-se de um elemento fundamental que emerge da circunstância de se ter colocado nas mãos dos interessados o accionamento dos mecanismos jurisdicionais e a escolha das providências que os invocados direitos garantem. [...]

Dito isto, urge analisar os diversos pedidos formulados pelo Autor:

a) Serem os 1º, 2º e 3º RR. condenados a usar a fracção “C” para fins exclusivamente habitacionais, bem como, na sanção pecuniária compulsória de 100€ por cada dia de atraso no cumprimento ou em situação de incumprimento deste dever.

Concordamos com a decisão recorrida quando refere que “o fim a que uma fração se destina constitui uma limitação ao exercício do direito de propriedade de cada condómino sobre a sua fração, encontrando-se definido no título constitutivo da propriedade horizontal”.

Assim, condenar os Réu a utilizar a fração para fins exclusivamente habitacionais equivale a condená-los a cumprir a lei…. Ora, a lei impõe-se por si, não cabendo ao Tribunal condenar ninguém a cumprir aquilo que resulta da lei.

O Tribunal existe para dar resposta a situações em que a lei é violada. E nessa conformidade o pedido é deduzido e aferida a sua viabilidade.

Num caso como o dos autos, a lógica e a viabilidade, ditariam que o pedido formulado fosse “serem os Réus condenados a absterem-se de usar a fracção C para outros fins que não exclusivamente habitacionais e no pagamento de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento deste dever.”

Só que não foi esse o pedido formulado! E o pedido formulado pelo Autor não tem viabilidade não sendo a sentença o meio idóneo para condenar alguém a dar a uma fracção o uso que resulta da sua própria natureza.

O pedido há-de ser encarado e formulado como destinando-se a repor a legalidade de uma determinada situação concreta (desconforme ou ilícita) - prestação de non facere – e não de condenação ….

Pelo que partilhamos das mesmas reservas em relação ao pedido formulado sob a al. a) que o Tribunal a quo.

Poder-se-ia argumentar que estaríamos perante um pedido implícito. Mas entendemos que não e que a situação é exactamente a inversa! Implícito à condenação dos Réus a absterem-se de dar à fracção um uso distinto daquele a que está destinado (pedido omitido) é que está a condenação no cumprimento da lei (pedido expresso).

Sem prejuízo da desformalização do processo civil, e da aplicação de eventuais regras da hermenêutica, não poderá o Tribunal converter um pedido formulado na positiva, para um pedido na sua vertente negativa, sob pena de violação do art.º 3.º e 609.º do CPC, sendo certo que o Autor nunca pediu a condenação dos Réus a absterem-se de dar à fracção o uso que, hipoteticamente, estarão a dar e que não é será o definido no título constitutivo da propriedade horizontal.

Conforme se referiu no Ac. do STJ de 22-03-2007 (Relator Sousa Peixoto, proc. 06S3961) “O pedido constitui, pois, uma parte da petição absolutamente distinta da sua parte narrativa e há-de ser formulado em separado e de forma inequívoca. E compreende-se que assim seja, uma vez que a exposição das razões de facto e de direito não podem ser confundidas com o pedido. Com efeito, nada obsta a que o autor na parte narrativa da petição afirme ter direito a determinada importância e depois acabe por formular um pedido de quantia inferior àquela.

O recorrente entende que o pedido formulado na conclusão da petição inicial deve ser integrado com o que havia sido alegado na parte narrativa da petição, mas isso implicaria que o juiz procedesse a uma interpretação da vontade do autor, o que a estrutura formal da petição não consente, uma vez que dessa interpretação poderia resultar um pedido diferente daquele que o autor realmente quis, o que constituiria uma violação do princípio dispositivo (art.º 3.º, n.º 1, do CPC).”

Pelo que entendemos que o elemento literal do pedido formulado não comporta a interpretação com a formulação que, outro sim, o segmento do pedido deveria conter.

b) Serem todos os RR. solidariamente condenados a:
i. Custear os estudos que o A. mandará elaborar demonstrativos do impacto que a remoção das lajes, alteração dos vãos e reposição em diferente local, tiveram, ou podem vir a ter, na estabilidade e segurança de todo o prédio;
ii. Em função das conclusões técnicas obtidas, custear todas as obras necessárias para reconstruir uma situação idêntica à preexistente relativamente às remoções por si realizadas, com garantia de plena estabilidade do prédio;
iii. Apresentar à Câmara Municipal de Lisboa os projectos necessários, tendo em vista a regularização formal do processo do edifício e reduzir, até onde for possível, o risco de ofensa as suas estruturas;
iv. Garantir por meio de inscrição sobre as fracções B e C, na Conservatória do Registo predial, sem limite de capital e como encargo em espécie, sem prazo determinado os riscos que, mesmo com a execução dos trabalhos que sejam recomendados pelos estudos a efectuar, sempre subsistirão;
v. Reembolsar todas as despesas suportadas, em resultado da sua conduta, em causa nestes autos. Designadamente a título de honorários, encargos e taxas de justiça, custas judiciais e pareceres técnicos que se venham a apurar em sede de execução de sentença.

Alegou a 4.ª Ré, em sede de contestação, que estaríamos perante a formulação de pedidos genéricos e que tal consubstanciaria uma excepção dilatória inominada, conducente à absolvição da instância.

Não nos diz a lei o que é um pedido genérico.

Limita-se a admitir a sua formulação apenas e tão só nos casos taxativamente referidos nas als. a) a c) do n.º 1 do art.º 556.º do CPC.

Segundo A. Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 3.º Coimbra Editora, 1946, p. 170), o pedido diz-se genérico quando é indeterminado no seu quantitativo e como essa indeterminação implica iliquidez, podendo-se considerar expressões equivalentes as de “pedido genérico” e “pedido ilíquido”. E no dizer de Anselmo de Castro (Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil coligidas por Abílio Neto, Livraria Almedina, 1970, Vol. I, p. 274)., o pedido genérico contrapõe-se ao pedido específico e vem a significar o mesmo que pedido ilíquido.

Entendemos por bem separar os diversos pedidos formulados nas várias alíneas.

- Alíneas b.i), b.ii) e b.iii) ( i. Custear os estudos que o A. mandará elaborar demonstrativos do impacto que a remoção das lajes, alteração dos vãos e reposição em diferente local, tiveram, ou podem vir a ter, na estabilidade e segurança de todo o prédio;
ii. Em função das conclusões técnicas obtidas, custear todas as obras necessárias para reconstruir uma situação idêntica à preexistente relativamente às remoções por si realizadas, com garantia de plena estabilidade do prédio;
iii. Apresentar à Câmara Municipal de Lisboa os projectos necessários, tendo em vista a regularização formal do processo do edifício e reduzir, até onde for possível, o risco de ofensa as suas estruturas;

Da formulação dos pedidos ressalta à evidencia o carácter condicional dos mesmos (custear os estudos que a Autora MANDARÁ elaborar e em função desse estudo e do seu resultado serem os Réus condenados a custear as obras necessárias a repor a situação anterior). Todos eles (i, ii e iii) estão dependentes da ocorrência de um facto futuro e incerto: um estudo que a Autora mandará efectuar. [...]

Que estudo é esse? Não se sabe.

Que obras são essas? Também não se sabe…

Na medida em que:

(i) a Autora ainda não encomendou o estudo;
(ii) não se sabe se e quando o mandará elaborar;
(iii) a quem e
(iv) qual grandeza de valores inerentes ao custo desse estudo.

Por outro lado, qual o sentido de condenar os Réus a efectuarem as obras que esse hipotético estudo venha a fixar como necessárias, se ainda nem sabemos se esse estudo vai concluir pela necessidade das obras?

Qual o sentido de se condenarem os Réus a apresentar projectos à Câmara Municipal para realização de obras que não se sabem quais são, nem se terão se terão de ser efectuadas?

Nunca poderá por isso o Tribunal condenar os Réus a efectuarem obras, nem a apresentarem os respectivos projectos camarários, sem se saber se as/os mesmas(os) são ou não necessárias(os)!

Por força do princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais, a lei processual não admite, por via de regra, a condenação condicional, isto é, aquela em que o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, ainda não ocorrido à data do encerramento da discussão, particularmente nos casos em que o facto condicionante requer ulterior verificação judicial.

No caso dos autos, os pedidos formulados assentam no prognóstico de que os estudos a realizar determinarão o reconhecimento da posição assumida pela Autora quanto às intervenções efectuadas pela 1.ª Ré, no sentido de as mesmas afectarem a estrutura do prédioEsse estudo não existe e ainda não foi pedido. Terá existência se e quando a Autora o solicitar.

Essa condicionalidade afeta a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na ação e a efectividade da tutela alcançada pelo demandante ( neste sentido Ac. do S.T.J de 27-09-2012, proc. n.º 663/09.1TVLSB.L1.S1, Lopes do Rego).

Conforme se refere no Ac. da Relação de Coimbra de 22-1-2015 (proc. 1331/12.2TVLSB.L1-8, Catarina Manso - disponível para consulta in www.jurisprudência.pt), o juiz há de dizer o direito de uma forma real e manifesta, isto é, com exatidão e firmeza, de forma a trazer a quietude social preconizada por um Estado de Direito; e a permissividade de uma sentença condicional, tal e qual a entendemos, porque eivada de um estímulo a congeminar um buscado estado de incerteza, não pode obter refúgio numa legislação que se concebe deveras afastada desta desaconselhada peculiaridade. [...]

Segundo Antunes Varela e Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 1984, Coimbra editora, p. 665, nota 1), importa, porém, não confundir a sentença de condenação condicional, em que condicionado é o direito reconhecido na sentença, com as sentenças condicionais, em que a incerteza recai sobre o sentido da própria decisão e que, em princípio não são admitidas no nosso sistema.

Estes autores (ibidem, pp. 664/665) consideram admissível a sentença de condenação condicional nos casos em que a obrigação seja incerta nessa data ou em que sendo certa a obrigação, seja ainda incerta ou ilíquida a prestação.

Ora, não é manifestamente esse o caso dos presentes autos.

- Quanto ao pedido formulado em b.iv (iv. Garantir por meio de inscrição sobre as fracções B e C, na Conservatória do Registo predial, sem limite de capital e como encargo em espécie, sem prazo determinado os riscos que, mesmo com a execução dos trabalhos que sejam recomendados pelos estudos a efectuar, sempre subsistirão). [...]

Mais uma vez o pedido está condicionado aos estudos a efectuar, pelo que – nos termos em que é formulado – é não só condicional como ainda é vago e genérico na sua formulação.

Conforme é ensinamento de Oliveira Ascensão (in Direito Civil, Reais, 4ª Ed., p. 149), “Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei;”.

Ora, não indica o Autor na sua petição qual a concreta figura através da qual pretende que se onere a propriedade sobre as fracções B e C, aludindo de forma genérica a “garantia” e “encargo em espécie”.

Pelo que, para além de condicional, o pedido formulado é vago e indeterminado, a menos que pretenda o Autor criar um direito real inominado o que, como se referiu supra, lhe está vedado.

Para além de que qualquer garantia constituída nos termos peticionados pelo Autor caracterizar-se-ia sempre como uma garantia genérica ou omnibus, carecida de elementos que permitissem inferir, com segurança, a origem, o prazo, os possíveis montantes.

Embora nos presentes autos a Autora pretenda uma garantia real, poderíamos sempre, por identidade de argumentos, fazer um paralelismo com a situação decidida no AUJ 4/2011, da nulidade da fiança por indeterminabilidade do objecto.

A pretensão do Autor iria no mesmo sentido, colocando o Tribunal na posição confrontar com a situação de ele próprio condenar os Réus na constituição de uma garantia/encargo indeterminado e indeterminável, no momento da prolação da sentença!

Dito isto, concordamos com a decisão recorrida quando afirma que os pedidos formulados pelo Autor “não preenchem os requisitos do pedido, sendo vagos, indeterminados e condicionais e, por isso, inadmissíveis.”

Com efeito, consubstanciam pretensões procedimentais absolutamente abstractas, que não são susceptíveis de tutela jurisdicional – que se pretende certa, exacta e firme.

Em face de tal conclusão, coloca-se a questão de aferir da sorte de tais pedidos e do acerto da decisão que determinou a absolvição dos Réus da instância.

Impõe-se então concluir que os pedidos não podem ser formulados de forma vaga, imprecisa e indeterminada, e nem de forma ininteligível; antes devem ser formulados de forma clara, determinada, congruente e coerente e certa, ainda que possam ser apresentados de forma alternativa (artigo 553º), subsidiária (artigo 554º), cumulativa (artigo 555º), genérica (artigo 556º) e em prestações vincendas (artigo 557º), nas circunstâncias legalmente previstas.

Nos casos em que tal não ocorre, e à semelhança das situações de ineptidão da petição inicial, expressamente prevista como exceção dilatória, estaremos também perante uma exceção dilatória, ainda que inominada, sendo inquestionável, em face do artigo 577º do Código de Processo Civil (onde consta expressamente a referência a “entre outras”) a existência de exceções dilatórias inominadas. [...]

In casu, analisando os pedidos formulados pela Autora, temos de concordar com o entendimento perfilhado pelo tribunal a quo, concluindo que se apresentam efetivamente formulados com um caráter inconcludente, indeterminado, vago, condicional e genérico.

Se acaso o tribunal julgasse os pedidos em causa procedentes, eles sofreriam de uma indeterminação e imprecisão tal que, qualquer eventual condenação dos Réus seria uma “caixa de pandora” de incertezas e inseguranças sobre o seu efectivo objecto, alcance e latitude da condenação.

Conforme já referimos o pedido deve ser indicado e formulado de forma a que o alcance da pretensão seja perfeitamente compreendido pelo juiz e pelo réu tendo em vista possibilitar verdadeiramente o exercício do contraditório, permita a definição dos contornos do direito no caso concreto e a prolação de uma decisão que seja definidora do conflito de interesses subjacente ao mesmo. A decisão judicial a proferir não poderá, em caso algum, ser imprecisa e/ou indeterminada, antes sendo necessário saber com exactidão o que o tribunal decidiu, para que os autores e os réus, e qualquer pessoa, possam saber sem dúvidas o que foi decidido e o que deve ser cumprido pelos réus no futuro.

Os pedidos em causa, da forma como se apresentam formulados, não permitem uma condenação nesses moldes, nem mesmo são susceptíveis de ser concretizados por liquidação, nos termos em que o art.º 556.º do CPC permite a dedução de pedidos genéricos.

Pelo que, consequentemente, a decisão proferida pelo tribunal a quo, que absolveu os Réus da instância não merece censura, devendo manter-se, improcedendo nesta parte o presente recurso."

*3. [Comentário] a) Na parte respeitante aos pedidos condicionais nada há a objectar ao decido pela RL. Como é claro, não são admissíveis pedidos condicionais, embora haja que distinguir cuidadosamente pedidos de condenação in futurum (admissíveis) de pedidos condicionais (não admissíveis).

b) Apenas algumas observações a latere:

-- Era bom que fosse possível fazer uma "interpretação caridosa" do disposto no art. 1437.º CC, mas a verdade é que um representante que também é parte demandada contraria princípios elementares da dogmática processual; o sentido do preceito é, por isso, incompreensível;

-- Não são admissíveis pedidos condicionais, mas, ao contrário do que por vez se refere, nada impede que sejam proferidas sentenças condicionais; por exemplo: se o réu invocar procedentemente a excepção de não cumprimento do contrato, não tem sentido absolver tout court o réu do pedido, obrigando o autor a instaurar uma outra acção depois de ter oferecido ou cumprido a sua prestação; o que é razoável é condenar o réu a cumprir a sua contraprestação, se o autor entretanto oferecer ou cumprir a sua prestação;

-- Existe, desde há muito, uma orientação que compatibiliza, sem qualquer dificuldade, o disposto no art. 557.º CPC (art. 472.º CPC/61) e no art. 610.º CPC (art. 662.º CPC/61): o art. 557.º refere-se à hipótese da formulação de um pedido de condenação in futurum, ou seja, à hipótese em que o autor apresenta a obrigação como ainda não exigível;  o art. 610.º à hipótese de, no momento da sentença, se verifica que, ao contrário do que o autor afirma na petição inicial, a obrigação ainda não é exigível.

MTS