"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



27/02/2014

Dupla conforme; condenação mais favorável do recorrente na 2.ª instância

 
1. Num acórdão de 13/2/2014 -- disponível em
 
"Verifica-se a dupla conforme quando a decisão de 1.ª instância condena o réu em determinado montante [...] e, em recurso por este interposto, a Relação reduz tal condenação [...], caso em que o âmbito da decisão da Relação já se encontra compreendido na condenação prolatada em 1.ª instância". 
 
Esta decisão surge na sequência de outros arestos do STJ que decidiram no mesmo sentido. Por exemplo:
-- STJ de 30/10/2012
-- STJ de 16/11/2011
 
2. O que está em causa é a seguinte situação: numa acção em que o autor pede a condenação do réu na quantia x, em 1.ª instância a acção é considerada procedente na quantia x ou na quantia x-1; o réu recorre da decisão condenatória para a Relação; a Relação mantém a condenação do recorrente, mas reduz o montante da condenação para x-2; a decisão da Relação (x-2) não coincide com a decisão da 1.ª instância (x ou x-1), pelo que, aparentemente, essa circunstância obsta ao funcionamento da dupla conforme. Lembre-se que a proibição da reformatio in peius impede que se considere qualquer outra hipótese, nomeadamente a de a Relação condenar em x+1.
Uma análise mais cuidada do regime legal mostra, no entanto, que não pode deixar de se verificar a dupla conforme no caso em análise. O fundamento é o seguinte: se as decisões das instâncias forem totalmente idênticas -- isto é, se o réu for condenado na mesma quantia em ambas as instâncias --, o réu duplamente condenado não pode interpor recurso de revista para o STJ; logo, seria incoerente que, tendo o réu recorrente obtido na 2.ª instância uma decisão mais favorável do que na 1.ª instância, fosse admitida a interposição de revista para o STJ por essa parte. Se, voltando ao exemplo anterior, o réu que é condenado em x ou em x-1 não pode interpor revista para o STJ se a Relação o condenar no mesmo x ou x-1, então não se pode admitir que o réu que é condenado na 2.ª instância em x-2 possa recorrer para o STJ. O recorrente que é favorecido, em relação à decisão da 1.ª instância, pelo acórdão da Relação não pode interpor revista para o STJ, porque, de acordo com o regime da dupla conforme, também o não poderia fazer se o acórdão da Relação lhe tivesse sido tão desfavorável quanto o foi a decisão da 1.ª instância.
Esta solução é a única que se mostra compatível com a coerência do regime da dupla conforme. Outra coisa é a bondade deste regime, embora se deva acrescentar que a orientação defendida nos referidos acórdãos do STJ amplia o âmbito de aplicação do regime da dupla conforme e torna-o menos aleatório e mais justo.
 
3. No sentido da orientação defendida nos acórdãos acima citados, cf. M. Teixeira de Sousa, "Dupla conforme": critério e âmbito da conformidade, CDP 21 (2008), 21 ss.; A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil (2013), 289 e 289 n. 370.
 
MTS