"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/02/2014

Dura lex sed lex?

 
 
O acórdão do STJ de 23/1/2014 -- que se encontra disponível em
 
 
entendeu, de acordo com o seu sumário, o seguinte:
  
"I - O contrato-promessa caracteriza-se especificamente pelo seu objecto, uma obrigação de contratar, a qual pode ser relativa a qualquer outro contrato.
II - A regra da livre fixação do conteúdo dos contratos está sujeita a limitações em que aflora o princípio da boa - fé, quer na preparação ou formação dos contratos (artigo 227.º, n.º 1, do CC), quer na sua execução (artigo 762.º, n.º 2, do CC). [...]
V – O desequilíbrio no exercício do direito (desproporção inadmissível entre a vantagem própria e o sacrifício que impõe aos outros) constitui uma das modalidades em que se desdobra o abuso do direito.VI - Sendo diferentes a obrigação do promitente-vendedor, que é também construtor, e do promitente-comprador, a simples estipulação de prazos diferentes para a verificação da mora e do incumprimento (cujo regime aplicável é, parcialmente, o legal, supletivo) não permite concluir pelo desequilíbrio das prestações, em termos susceptíveis de ofender o princípio da boa-fé.
VII - O direito à resolução ou modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias pressupõe (i) que a alteração a ter por relevante diga respeito a circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar, (ii) que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal, (iii) que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes, (iv) que tal manutenção do contrato ou dos seus termos afecte gravemente os princípios da boa-fé, (v) que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato, e, (vi) por último, a inexistência de mora do lesado.
VIII - Diferentemente do erro, em que a base do negócio é unilateral, respeitando exclusivamente ao errante, na alteração das circunstâncias a mesma é bilateral, respeitando simultaneamente aos dois contraentes (i.e., [é necessárioi] que se produza uma alteração anormal das circunstâncias em que ambas as partes fundaram a decisão de contratar).
IX - Nas situações de crise, a alteração relevante carece ainda de ser anormal, requisito ligado à imprevisibilidade, pois que, sendo a alteração normal, as partes poderiam tê-la previsto e acautelado, na conclusão do contrato, as suas consequências, pelo que as alterações da taxa de juro e de esforço na concessão de empréstimo bancário pagamento do preço do contrato prometido, o desemprego e a desvalorização da moeda são insusceptíveis de preencher tal requisito."