"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/10/2024

Jurisprudência 2024 (23)

 
Transacção judicial;
sentença homologatória; título executivo

 
I. O sumário de RL 25/1/2024 (8618/23.7T8SNT.L1-2) é o seguinte:

I. A sentença homologatória de transação pela qual as partes acordam realizar determinadas prestações (entregas mútuas de coisas) em certo período de tempo, confessando-se, desde logo, a parte B devedora à parte A da quantia de €18.450, caso a parte A cumpra a sua prestação e a parte B não o faça, constitui título executivo bastante para que A execute B pelo referido valor.

II. Para tanto, A tem de, no requerimento executivo inicial:

i. alegar e provar que efetuou a sua prestação, uma das condições da efetividade da confissão (artigo 715.º do CPC – quando a obrigação esteja dependente de uma prestação por parte do credor, tem este de alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que efetuou a prestação, ou, quando a prova não possa ser feita por documentos, oferecer de imediato as respetivas provas);

ii. alegar o incumprimento de B da obrigação primária por si assumida na mesma transação (artigo 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC – no requerimento executivo, o exequente expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo).

III. Estando as condições de exigibilidade da obrigação suficientemente demonstradas, no que respeita ao cumprimento da parte A, e alegadas, no que respeita ao incumprimento da parte B, poderá esta, em sede de embargos, alegar e provar que cumpriu a sua prestação primária ou que a primeira não cumpriu a sua.
 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Não se nos oferecem quaisquer dúvidas sobre o título dado à execução – sentença homologatória proferida em 10/01/2023 que julgou válida a transação junta aos autos em 09/01/2023, e, em consequência, condenou as partes a cumpri-la nos seus precisos termos –, nem sobre a sua exequibilidade.
 
Na referida transação, as partes acordaram realizar determinadas ações em dado período de tempo; e acordaram também que, se a autora cumprisse e a ré não, que a ré se confessava desde logo devedora da autora da quantia de €12.950,00 (doze mil, novecentos e cinquenta euros), acrescida do valor da transferência bancária efetivada pela autora com o presente acordo e estatuída em 3., ou seja, do montante de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), bem como dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal até ao efetivo e integral pagamento, bem como as demais despesas.
 
Mais acordaram e foi judicialmente homologado que, no caso de incumprimento, a parte não faltosa poderia, de imediato, executar a presente transação para cobrança dos valores em dívida.
 
É o que a autora, que alegou o incumprimento da ré, justamente está a fazer.
 
A sentença homologatória da transação em causa nos autos é, pelo seu conteúdo, uma sentença condenatória, título que por excelência pode servir de base à execução (artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do CPC). A mesma sentença transitou em julgado, pelo que é dotada de exequibilidade (artigo 704.º, n.º 1, do CPC), pois não se verifica qualquer outra situação que impeça a sua imediata execução (n.ºs 2 a 6, a contrario sensu, do artigo 704.º do CPC).
 
No caso dos autos, a certeza e exigibilidade da obrigação exequenda (consubstanciada na confissão de dívida constante do n.º 9.1. da transação homologada) dependem de dois fatores:
 
Em primeiro lugar, da alegação e prova pelo credor, no próprio requerimento executivo, de que efetuou a sua prestação, uma das condições da efetividade da confissão. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 715.º do CPC, quando a obrigação esteja dependente de uma prestação por parte do credor, como era o caso, tem o credor alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que efetuou a prestação; quando a prova não possa ser feita por documentos, o credor, ao requerer a execução, oferece de imediato as respetivas provas e o juiz decide depois de apreciar sumariamente a prova produzida, a menos que entenda necessário ouvir o devedor antes de proferir decisão. A contestação do executado só pode ter lugar em oposição à execução. No caso sub judice, a exequente, nos pontos 13 e 14 do requerimento executivo inicial, alegou ter efetuado as prestações que sobre si impendiam, da seguinte forma:
 
«13. No prazo transacionado e homologado por sentença, ou seja, até dia 23.01.2023 (já aqui tendo em consideração o prazo da presunção da notificação da sentença estatuído no art.º 248 do CPC), a Exequente cumpriu os termos acordados, ou seja:
13.1. A Exequente contratou a empresa Transportes Cá Vai Sinta, Lda., pessoa coletiva n.º … e com sede sita em Rua …, Almargem do Bispo para proceder ao transporte do serrote para as instalações da Executada;
13.2. A empresa Transportes Cá Vai Sinta, Lda. no dia 18.01.2023 levantou, das instalações da Exequente, o serrote e, no dia seguinte, procedeu à entrega do mesmo na sede da Executada, tudo conforme guia de transporte emitida pela referida sociedade e assinada pelo Expedidor (Exequente), Transportador (Transportes Cá Vai Sinta, Lda.) e pelo Destinatário (Executada) que se junta como doc. n.º 2;
13.3. O transporte do serrote para as instalações da Executada ficou a cargo da Exequente, conforme tinha sido acordado e de acordo com fatura emitida pela Transportes Cá Vai Sinta, Lda. à Exequente que se anexa como doc. n.º 3; e
13.4. No dia 20.01.2023 a Exequente procedeu à transferência da quantia de €5.500,00 para o IBAN da Exequente, referente ao valor que aquela tinha pagado por conta da aquisição da ponte rolante, conforme comprovativo de transferência bancária que se junta como doc. n.º 4.
14. Os documentos ora oferecidos com a presente execução (cfr. doc. n.º 2 a 4) fazem prova de que a Exequente cumpriu, no prazo acordado, a sua prestação transacionada, sendo certo que o cumprimento da prestação da Exequente nunca foi posto em causa pela Executada
 
Juntou os aludidos documentos, comprovativos do alegado.
 
Em segundo lugar, tinha a exequente de alegar o incumprimento pela executada das obrigações por si assumidas na mesma transação, o que fez. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 724.º, n.º 1, alínea e), do CPC, no requerimento executivo, o exequente expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo.
 
O título é, pois, exequível, tendo a exequente, no seu requerimento inicial, dito e provado o necessário para tornar a obrigação exequenda (dívida confessada no ponto 9.1. da transação) certa, exigível e líquida (artigo 713.º do CPC).
 
Estando as condições de exigibilidade da obrigação suficientemente demonstradas, no que respeita ao cumprimento da exequente, e alegadas, no que respeita ao incumprimento da executada, poderia esta, em sede de embargos, alegar e provar que cumpriu as ditas condições ou que a autora não tinha cumprido as suas. Mas tanto é matéria que transcende os presentes autos (os embargos ainda não foram sequer liminarmente recebidos)."

[MTS]