"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



11/02/2020

Jurisprudência 2019 (172)


Execução;
juros compulsórios; liquidação


1. O sumário de STJ 12/9/2019 (8052/11.1TBVNG-B.P1.S1) é o seguinte:

I. O artigo 829.º-A do CC estabelece duas espécies de sanção pecuniária compulsória: uma prevista no n.º 1, de natureza subsidiária, destinada a compelir o devedor à execução específica da generalidade das obrigações de prestação de facto infungível; outra prevista no n.º 4, tendente a incentivar e pressionar o devedor ao cumprimento célere de obrigações pecuniárias de quantia certa, decorrentes de fonte seja negocial seja extranegocial com determinação judicial, que tenham sido, em qualquer dos casos, objeto de sentença condenatória transitada em julgado.

II. Daqueles normativos resulta que a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 tem de ser determinada e concretizada nos seus termos, de forma casuística e equitativa, mediante decisão judicial, sendo designada de sanção pecuniária compulsória judicial; já a sanção pecuniária compulsória prescrita no n.º 4 emerge da própria lei, de modo taxativo e automático, em virtude do trânsito em julgado de sentença que condene o devedor no cumprimento de obrigação pecuniária, sem necessidade de intermediação judicial, tomando a designação de sanção pecuniária compulsória legal ou de juros legais compulsórios.

III. Porém, ambas essas modalidades de sanção pecuniária compulsória comungam da mesma finalidade, que é a de servir de reforço das decisões judiciais que condenem o devedor no cumprimento das obrigações tidas em vista, contribuindo para o respeito dessas decisões e para o inerente prestígio da justiça com o correspondente benefício para os credores em particular.

IV. Em sede de execução de sentença transitada em julgado que condene o devedor no pagamento de prestação pecuniária, pelo menos a partir da alteração do artigo 805.º, n.º 3, do CPC, dada pelo Dec.-Lei n.º 226/2008, de 20-11, atualmente constante do artigo 716.º, n.º 3, do CPC, a correspondente sanção pecuniária compulsória devida por imposição do n.º 4 do artigo 829.º do CC deve ser liquidada a final pelo agente de execução, independentemente de tal ser requerido pelo exequente, nomeadamente no requerimento executivo.

V. A norma especial constante do artigo 868.º, n.º 1, parte final, do CPC a determinar o impulso processual do exequente para a aplicação de sanção pecuniária compulsória pelo incumprimento de obrigação de prestação de facto infungível, mesmo quando já tenha sido objeto de anterior condenação, não é extensível à cobrança da sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC, sujeita, como está, à norma geral prescrita no artigo 716.º, n.º 3, do CPC.

VI. A natureza específica da sanção pecuniária compulsória pelo incumprimento da prestação de facto infungível prescrita no n.º 1 do art.º 829.º, do CC, atentos o casuísmo e as razões de equidade com que é fixada, é de molde a gerar controvérsia em sede da sua própria execução, o que bem justifica sujeitá-la ao impulso processual do exequente, de modo a permitir o exercício inicial do contraditório por parte do executado. Porém, tais razões já não militam em sede de aplicação da sanção compulsória legal, que é de fixação taxativa e automática.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Como já acima se deixou enunciado, a questão a decidir consiste tão só em saber se a cobrança da sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC, em sede de ação executiva baseada em sentença de condenação no cumprimento de prestação pecuniária, carece ou não de formulação petitória específica, por parte do exequente, no requerimento executivo.

Trata-se de questão que tem merecido posições divergentes na doutrina e na jurisprudência, bem espelhadas nas soluções adotadas no acórdão recorrido e no acórdão-fundamento.

Assim, no acórdão recorrido, foi considerado, além do mais, o seguinte:

«Ora, a acção executiva, cujos limites e fins são determinados pelo título que, necessariamente, lhe serve de base, é aquela "em que o autor requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado" (art°s 10.º, n.º 4, e 703.º, ambos do Código de Processo Civil).

"O objecto da acção executiva é uma pretensão, pelo que esta acção é um instrumento concedido pela ordem jurídica para obter a realização efectiva das pretensões materiais que se encontram incorporadas num título executivo" (Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, pág. 21).

Na verdade, o processo executivo tem a configuração geral de toda a acção, no que diz respeito à sua dependência de um pedido que assinará os limites do poder do juiz e o âmbito da sua actividade, e está também subordinado ao princípio do dispositivo (art.º 3.º do Código de Processo Civil), pelo que ao tribunal, relegado, em certa medida, para árbitro do conflito, apenas compete proceder às diligências adequadas à reparação do direito violado, com o conteúdo concretamente indicado pelo exequente no pedido formulado.

Para que possa instaurar-se uma execução é também, aliás, indispensável, que haja um título executivo, como dispõe o citado art.º 703.º, através do qual se conhece, com precisão, o conteúdo da obrigação do devedor, sendo certo que os limites dessa obrigação comandam os limites da execução.

E só podendo servir de base ao processo executivo os títulos taxativamente enumerados no art.º 703.º do mesmo Código - entre os quais se contam as sentenças condenatórias -, a inexistência de título executivo constitui, por conseguinte, um obstáculo intransponível à instauração de uma execução, sendo certo ainda que o processo executivo se encontra estruturado por forma a que o tribunal tome as providências adequadas à satisfação material e efectiva do direito do exequente, entretanto violado, tal como se encontra definido pelo título.

Por essa razão, o título, pressuposto indispensável da execução, não só possibilita o recurso imediato à acção executiva, como define o seu fim e fixa os seus limites.

Estabelecendo o título os limites e o fim da execução, é manifesto não se poder utilizar um título executivo para realizar coactivamente outra obrigação que não seja aquela que o título comprova ou documenta.

Ora, a sentença dada à execução não contém qualquer condenação dos réus/ executados no pagamento de sanção pecuniária compulsória.

E, face ao teor dessa decisão, não peticionou o exequente, no requerimento executivo, o pagamento de qualquer sanção pecuniária compulsória (que demandaria, também, atenta a necessidade de aplicação de uma taxa de 5%, a obrigação de liquidarem a quantia exequenda).

Depararam-se, assim, os executados com a desnecessidade de contestarem a liquidação, fim para o qual nem sequer foram (nem tinham que ser) citados – art.°s 716.º, n.º 1, e 717.º do Código de Processo Civil.

Em consequência, não somente porque ela não constava do título executivo (sentença condenatória), mas também, e sobretudo, porque não foi requerida a sanção pecuniária compulsória no requerimento executivo, ficou a instância estabilizada (art° 260.º do Código de Processo Civil), prosseguindo a execução com a realização das diligências adequadas à satisfação coerciva do direito invocado pelos exequentes.

Daí que, permitir-se que o agente de execução inclua, na nota discriminativa, determinado montante de sanção pecuniária compulsória, que nem sequer havia sido pedido no requerimento inicial, seria, admitir a subversão das regras próprias da tramitação do processo executivo, além de traduzir o sancionamento de uma actuação processual violadora, quer do princípio do contraditório (exercitável em condições normais) quer do princípio da igualdade das partes na execução.

Por isso, bem decidiu, o Juiz da 1.ª instância quando atendeu a reclamação deduzida pelos executados à nota discriminativa da agente de execução.

É que o art.° 829.o-A, n.º 1, é taxativo e muito claro “no sentido de que a sanção pecuniária compulsória só a pedido do credor pode (deve) ser decretada”.

Mas, também no que respeita ao n.º 4, quanto ao adicional de 5%, se infere essa mesma característica, já que, não obstante ser a sanção automaticamente devida desde o trânsito em julgado da sentença condenatória de pagamento em dinheiro (que, por isso, normalmente não conterá a decretação dessa sanção pecuniária), não poderá ser judicialmente exigida se o credor o não requerer ao tribunal (normalmente na execução).

Assim, mesmo aquela sanção pecuniária compulsória prevista no referido n.º 4 não pode ser oficiosamente declarada e decretada.»
 
Em síntese, segundo este argumentário, embora se atente na emergência automática, no plano substantivo, da sanção pecuniária compulsória prescrita no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC, considera-se que, não obstante isso, incumbe ao exequente o ónus de deduzir petitório para a respetiva cobrança em sede de ação executiva, mormente no requerimento executivo.

Nessa linha, este ónus seria postulado pelos princípios do dispositivo e do pedido, a que também se encontra sujeito o exercício do direito de ação executiva, como forma de delimitar, nesse particular, o objeto da pretensão satisfativa, dentro dos fins e limites constantes do título dado à execução, para mais quando deste nem sequer consta qualquer condenação no pagamento da referida sanção, e de assim proporcionar o oportuno exercício do contraditório pelos executados.

Aduz-se ainda um argumento de ordem sistemática, tendente a aplicar, por maioria de razão, a exigência de dedução de pedido prescrita para a sanção pecuniária compulsória relativa a prestação de facto infungível, conforme o preceituado nos artigos 829.º-A, n.º 1, do CC e 868.º, n.º 1, parte final, do CPC. [...]

Vejamos.

Como é sabido, o instituto da sanção pecuniária compulsória foi introduzido, no nosso ordenamento jurídico, por via do artigo 829.º-A do CC aditado pelo Dec.-Lei n.º 262/2003, de 16-06, com o seguinte teor:

1 – Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.

2 – A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.

3 – O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.

4 – Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar. [...]

Deste quadro normativo resulta a configuração de duas espécies de sanção pecuniária compulsória: uma prevista no n.º 1 do artigo 829.º-A, de natureza subsidiária, destinada a compelir o devedor à execução específica da generalidade das obrigações de prestação de facto infungível [...]; outra prevista no n.º 4 do mesmo artigo, tendente a incentivar e pressionar o devedor ao cumprimento célere de obrigações pecuniárias de quantia certa, decorrentes de fonte seja negocial seja extranegocial com determinação judicial, que tenham sido, em qualquer dos casos, objeto de sentença condenatória transitada em julgado [...].

A primeira espécie traduz-se na fixação judicial de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso ou por cada infração no cumprimento da generalidade das prestações de facto infungível, à luz de critérios de razoabilidade, e que tem vindo a ser, por isso, designada por sanção pecuniária compulsória judicial. A segunda consiste num adicional automático (ope legis) de juros à taxa de 5% ao ano, independentemente dos juros de mora ou de outra indemnização a que haja lugar, tomando a designação de sanção pecuniária compulsória legal ou de juros legais compulsórios.

Assim, enquanto que a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 do artigo 829.º-A tem de ser determinada e concretizada nos seus termos, de forma casuística e equitativa, mediante decisão judicial, já a sanção pecuniária compulsória prescrita no n.º 4 do mesmo artigo emerge da própria lei, de modo taxativo e automático, em virtude do trânsito em julgado de sentença que condene o devedor no cumprimento de obrigação pecuniária, sem necessidade de intermediação judicial. [...]
 
Assim, o adicional de juros de 5% devido a partir do trânsito em julgado da sentença que condene o devedor em prestação pecuniária, nos termos do n.º 4 do citado artigo 829.º-A, passa a estar necessariamente compreendido, como tal, no âmbito de exequibilidade do título executivo em que essa sentença se traduz, o que torna despicienda a referência feita no acórdão recorrido ao facto de a sentença dada à execução não conter qualquer condenação dos réus/executados no pagamento de sanção pecuniária compulsória.

De facto, tal condenação não consta como nem tão pouco deve constar dessa sentença, mas a emergência da sanção pecuniária compulsória em causa constitui efeito legal do respetivo trânsito em julgado, integrando-se, sem mais, no âmbito de exequibilidade desse título.

Porém, apesar de tal integração, coloca-se a questão de saber se, para a cobrança dessa sanção compulsória legal em sede de execução, incumbe então ao credor deduzi-la na pretensão executiva, incluindo-a no respetivo petitório, e proceder à liquidação preliminar dos valores já vencidos à data da instauração da execução. [...]

[...] da versão originária do CPC resultante da Revisão introduzida pelos Decretos-Leis n.º 329-A/95, de 12-09, e n.º 180/96, de 25-09, não constava, mormente do seu artigo 805.º, qualquer norma geral sobre os trâmites do requerimento executivo relativamente à sanção pecuniária compulsória. Somente quanto à sanção compulsória relativa a prestação de facto infungível é que o então artigo 933.º, n.º 1, do CPC, prescrevia que o exequente requeresse a quantia que fosse eventualmente devida a esse título.

Nesse contexto, era perfeitamente compreensível que se entendesse que a sanção pecuniária compulsória legal prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC, traduzida nos chamados juros compulsórios, estivesse sujeita aos mesmos trâmites de dedução e liquidação dos juros.

Assim, ainda no domínio desse quadro normativo, no acórdão do STJ, de 23/01/2003, proferido no processo n.º 02B4173 [...], foi considerado que, muito embora a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC resultasse automaticamente da lei, a sua aplicação por via de execução estava sujeita ao impulso processual do exequente, à luz dos princípios do dispositivo e do pedido que regiam o exercício de qualquer ação cível, incluindo a ação executiva, o que constituiria também uma garantia do contraditório inicial.

E constata-se que foi esse precisamente o entendimento perfilhado no acórdão recorrido.

Sucede que sobrevieram sucessivas alterações legislativas, em especial, do artigo 805.º do CPC com subsequentes desenvolvimentos doutrinários e jurisprudenciais que se impunha terem, no mínimo, sido ponderados.

Desde logo, com a Reforma do CPC aprovada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08/03, foi introduzido o n.º 3 do artigo 805.º como o seguinte teor:

A secretaria liquida ainda, a final, a sanção pecuniária compulsória que seja devida.
 
Por sua vez, foi também alterada a redação do artigo 933.º, n.º 1, em sede de execução para prestação de facto, passando a constar da sua parte final, no que aqui releva, o seguinte:

(…) pode também o credor requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo. 
 
Destas alterações resulta que a sanção pecuniária compulsória devida só seria liquidada a final pela secretaria e que a fixação da sanção compulsória relativa a facto infungível poderia ser requerida na própria execução.

Apesar da linearidade do n.º 3 do artigo 805.º poderia ainda suscitar-se a questão de saber se o ali prescrito dispensava apenas a liquidação preliminar dos juros compulsórios devidos a coberto do n.º 4 do artigo 829.º-A do CC ou se também dispensava a sua dedução em sede do pedido.

Todavia, já no domínio de vigência desse normativo - artigo 805.º, n.º 3, na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 08/03 -, no acórdão STJ, de 18/05/2006, proferido no processo n.º 06S384 [...], foi considerado o seguinte:

«Como flui do disposto no artigo 805.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a secretaria podia liquidar a final a sanção pecuniária compulsória que fosse devida (…), o que significa que, mesmo que o exequente não tivesse especificado esse valor no requerimento de execução, o tribunal poderia oficiosamente levá-lo em consideração com base na liquidação efectivada nos termos previstos naquele preceito.» 
 
Tal posição traduz, pois, uma inovação contrária à adotada no precedente acórdão do STJ, de 23/01/2003, proferido no processo n.º 02B4173, mas com arrimo na nova lei.

Posteriormente, o Dec.-Lei n.º 226/2008, de 20/11, veio alterar a redação do artigo 805.º do CPC, passando, no que aqui interessa, a constar o seguinte: 

2 – Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.

3 – Além do disposto no número anterior, o agente de execução liquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação.
 
 
Tais normativos foram inteiramente transpostos para o artigo 716.º, n.º 2 e 3, do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, como também se encontra transposto para o respetivo artigo 868.º, n.º 1, o dantes constante da parte final do artigo 933.º, n.º 1, acima transcrito.

Deste quadro normativo resulta assim, em primeira linha, uma regra geral sobre a sanção pecuniária compulsória a determinar a liquidação a final, pelo agente de execução, das importâncias devidas em consequência da sua imposição, a par da norma especial, em sede da execução para prestação de facto, a exigir o requerimento do exequente para o pagamento da sanção pecuniária compulsória relativa a prestação de facto infungível, ainda que constante de condenação prévia.

A este propósito, Lebre de Freitas [In A Ação Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, GESTLEGAL, 7.ª Edição, 2017, p. 117] considera que:

«A liquidação pelo agente de execução tem também lugar no caso de sanção pecuniária compulsória (…): executando-se obrigação pecuniária, a liquidação não depende de requerimento do executado [rectius, exequente], devendo ser feita a final (art. 716-3); executando-se obrigação de prestação de facto infungível, o exequente tem de a requerer, quer já tenha sido fixada na sentença declarativa, quer se pretenda que seja pelo juiz de execução (arts. 868-1 e 876-1-c)).»

Na mesma linha, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/06/2013, proferido no processo n.º 23387/10.2YYLSB-B.L1-2 [...], traçando uma panorâmica da evolução entretanto verificada, face à redação dada ao então artigo 805.º, n.º 3, do CPC pelo Dec.-Lei n.º 226/2008, de 20/11, considerou que, na execução de sentença de obrigação pecuniária, a liquidação da correspondente sanção pecuniária deveria ser feita, oficiosamente, a final, ainda que o exequente não tivesse especificado esse valor no requerimento executivo.

Em sentido divergente, aponta a posição de Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo [In A Ação Executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2.ª Edição, 2016, p. 141], entendendo que a solução deve ser dada em conjugação com o princípio do pedido em termos similares aos da liquidação dos juros moratórios.

Mais recentemente, no acórdão do STJ, de 08/11/2018, proferido no processo n.º 1772/14.0TBVCT-S.G1.S2 [...], na linha do doutrinado por Lebre de Freitas, a partir das alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 226/2008, de 20-11, ao artigo 805.º, n.º 3, atualmente constante do artigo 716.º, n.º 3, do CPC, foi considerado que era “de toda a razoabilidade sufragar o entendimento” de que “não faz sentido (…) que se exija requerimento do exequente a convocar o pagamento da sanção pecuniária compulsória, sendo esta de funcionamento automático (…)”. [...]

Com efeito, o n.º 3 do artigo 716.º do CPC parece inequívoco no sentido de consagrar, como regra geral relativa à sanção pecuniária compulsória, que esta seja liquidada a final pelo agente de execução pelas importâncias devidas em consequência da sua imposição.

Ora, tratando-se da sanção pecuniária compulsória prescrita no n.º 4 do artigo 829.º-A do CPC, tal imposição decorre da própria lei, sem necessidade de qualquer impulso processual por parte do credor, o que bem se compreende, como foi dito, atenta a sua finalidade meramente coercitiva, de reforço das decisões judiciais que condenem o devedor em prestação pecuniária determinada e, portanto, com relevo predominante do interesse público numa realização mais eficaz da justiça.

De resto, a referida sanção traduz-se num adicional taxativamente fixado pela lei que acresce à prestação pecuniária em dívida, a par dos juros moratórios ou de qualquer outra indemnização a que haja lugar, destinado, em partes iguais ao credor e ao Estado.

Nessa conformidade, é de presumir que o legislador, ao estabelecer, de forma tão lapidar, a liquidação a final em consequência da imposição da sanção pecuniária compulsória devida, caso pretendesse torná-la ainda dependente de petição do exequente, o tivesse ressalvado expressamente, tanto mais que se tratava de questão controvertida na jurisprudência.

Contudo, não só o não fez, como até determinou a notificação do executado em momento subsequente àquela liquidação para poder então exercer o respetivo contraditório.

Estamos em crer que as situações em que os exequentes omitem, no requerimento inicial, a referência à sobredita sanção compulsória se devem, porventura, a desatenção ou mesmo ao entendimento de que, nos termos da lei, tal não é necessário, que não propriamente a renúncia àquele benefício. Neste particular, deixar o funcionamento daquela sanção à sorte de tais eventualidades diluiria em muito o efeito com ela pretendido de reforçar as decisões judiciais e de otimizar a realização da justiça.

Da norma do artigo 829.º-A, n.º 1, do CC a exigir que o credor requeira a fixação da sanção pecuniária compulsória pelo incumprimento de obrigação de prestação de facto infungível, o que não é exigível para a fixação da sanção compulsória prevista no n.º 4 do mesmo artigo, não é lícito inferir que a mesma exigência se estende à cobrança executiva desta sanção, já que se trata de uma exigência respeitante à fixação daquela sanção compulsória, não alcançando, nessa medida, a respetiva cobrança executiva.

É certo que, no caso de sanção pecuniária compulsória relativa ao incumprimento de prestação de facto infungível, o artigo 868.º, n.º 1, parte final, do CPC impõe que a mesma seja requerida pelo exequente mesmo que tenha já sido objeto de condenação.

Mas, salvo o devido respeito, não se afigura que este normativo deva servir de argumento de ordem sistemática e a fortiori para se tornar extensível à sanção pecuniária compulsória legal prescrita no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC.

Bem pelo contrário. Se das regras gerais já resultasse a exigência de formulação do pedido da sanção pecuniária compulsória, dir-se-á que seria desnecessário repeti-la em relação à espécie em referência.

Por outro lado, a natureza específica da sanção pecuniária compulsória pelo incumprimento da prestação de facto infungível prescrita no n.º 1 do art.º 829.º, do CC, atentos o casuísmo e as razões de equidade com que é fixada, é de molde a gerar controvérsia em sede da sua própria execução, o que bem justifica sujeitá-la ao impulso processual do exequente, de modo a permitir o exercício inicial do contraditório por parte do executado. Tais razões não militam em sede de aplicação da sanção compulsória legal.

Em suma, a exigência de que o exequente requeira, em sede de execução, a aplicação da sanção pecuniária compulsória por incumprimento de prestação de facto infungível mesmo que esta já tenha sido objeto de condenação prévia, consagrada no artigo 868.º, n.º 1, do CPC, representa um desvio, como norma especial, da regra geral constante do artigo 716.º, n.º 3, segundo a qual, na linha do acima exposto, tal não é exigido.

Impõe-se assim concluir [...] que, no caso vertente, face ao teor e ao trânsito em julgado da sentença exequenda, se mostra lícita a liquidação a final, efetuada pela agente de execução, da sanção pecuniária compulsória, à taxa anual de 5%, no total de € 43.679,46, na proporção de 2,5% para o Estado e 2,5% para os exequentes, ainda que tal sanção não tenha sido especificada no requerimento executivo e, nessa base, conceder a revista." 
 
 *3. [Comentário] o STJ decidiu bem. A orientação do STJ é coerente com o lugar-paralelo do art. 703.º, n.º 2, CPC quanto aos juros de mora. 
 
O que talvez não seja coerente com tudo isto seja o Ac. STJ 9/2015, de 24/6, que exclui, de forma muito discutível, a aplicação do disposto no art. 703.º, n.º 2, CPC às sentenças condenatórias como título executivo. Quer dizer: os juros compulsórios impostos pelo art. 829.º-A, n.º 4, CC estão abrangidos pela sentença condenatória como título executivo, mas, segundo a jurisprudência uniformizada do STJ, os juros moratórios já não o estão quando o título for uma mesma sentença condenatória.
 
MTS