"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



08/12/2014

Adaptação do direito interno ao Reg. 1215/2012: o (bom) exemplo alemão



1. Ao contrário do que sucede em muitas ordens jurídicas, em Portugal nunca se realizou nenhuma adaptação do seu direito interno aos regulamentos europeus em vigor na área do processo civil europeu. Note-se que não se está a falar da adaptação que é necessária para assegurar que as ordens internas dos Estados-Membros estão em consonância com aqueles actos europeus, mas antes da adaptação que é preciso introduzir nas ordens internas para permitir a boa aplicação dos regulamentos europeus pelos Estados-Membros. Noutros termos: o que se está a referir é legislação destinada a implementar os regulamentos europeus nas ordens jurídicas dos Estados-Membros.

Nâo há conta de que algo de diferente vá suceder quanto ao Reg. 1215/2012, que, como se sabe, é aplicável a partir de 10/1/2015 (cf. art. 81.º Reg. 1215/2012). Também o Reg.1215/2015 vai tornar-se aplicável em Portugal sem nenhuma lei de implementação na ordem jurídica portuguesa.

2. Na Alemanha, as adaptações da legislação interna aos regulamentos europeus têm vindo a ser sucessivamente realizadas a propósito de cada novo regulamento relativo ao processo civil europeu. Para isso escolheu-se, como regra, uma solução interessante: foi acrecentado à ZPO o Livro 11, dedicado à cooperação judiciária na União Europeia (naturalmente, abrangendo apenas aquela que se verifica na área civil e comercial); para cada novo regulamento europeu acrescenta-se uma nova secção a esse Livro. Até agora, o Livro 11 comporta seis secções, sendo uma delas respeitante à Directiva 2003/8/CE relativa ao apoio judiciário em litígios transfronteiriços e as outras secções respeitantes a outros tantos regulamentos europeus em matéria de citação no estrangeiro, de obrenção de provas no estrangeiro, de título executivo europeu, de injunção para pagamento e de small claims.

O processo repete-se, agora, em relação ao Reg. 1215/2012, prevendo-se o acrescento de uma sétima secção ao Livro 11 da ZPO (a proposta de lei pode ser consultada em BT-Drucks. 18/823, de 17/3/2014; a Lei de 8/7/2014 encontra-se publicada no BGBl de 15/7/2014).

3. Em relação a cada regulamento europeu, as adaptações que são necessárias introduzir na legislação interna variam, naturalmente, de Estado-Membro para Estado-Membro. A Lei alemã que foi emitida para implementar o Reg. 1215/2012 contém, além de uma alteração à ZPO, inúmeras alterações em legislação avulsa, entre as quais avultam as modificações na Lei Introdutória ao BGB e nas leis processuais dos tribunais sociais, administrativos e fiscais. Acrescem ainda as alterações realizadas em legislação sobre a organização judiciária, a cooperação judiciária em matéria penal, o reconhecimento e execução de decisões, os procedimentos familiares internacionais, as custas processuais e notariais e, por fim, os honorários de advogados.

Por curiosidade, refere-se as matérias que o legislador alemão entendeu dever regular na alteração da ZPO, em ordem a implementar o Reg. 1215/2012 no ordenamento jurídico germânico:

--  § 1110 ZPO: regula a competência para a emissão da certidão referida nos art. 53.º e 60.º Reg. 1215/2012;

-- § 1111 ZPO: regula o procedimento da emissão da certidão prevista nos art. 53.º e 60.º Reg. 1215/2012, bem como o regime de impugnação dessa emissão;

-- § 1112 ZPO: determina a desnecessidade de aposição da cláusula de executoriedade a títulos que sejam executórios noutros Estados-membros;

-- § 1113 ZPO: regula a tradução ou transliteração prevista no art. 57.º Reg. 1215/2012;

-- § 1114 ZPO: regula a impugnação da adaptação da medida ou injunção que seja realizada nos termos do art. 54.º Reg. 1215/2012; o regime é distinto consoante a adaptação seja realizada pelo agente de execução, pelo tribunal de execução ou pelo registo predial;

-- § 1115 ZPO: regula a competência e o regime de impugnação do pedido de recusa de reconhecimento ou de execução (cf. art. 45.º, n.º 4, e 47.º, n.º 1, Reg. 1215/2012);

-- § 1116 ZPO: estende a suspensão determinada pelo art. 44.º, n.º 2, Reg. 1215/2012 aos casos em que o executado tenha obtido no tribunal de origem uma decisão de não executoriedade ou uma decisão de limitação da executoriedade;

-- § 1117 ZPO: regula alguns aspectos da oposição à execução baseada nos titulos executórios segundo o Reg. 1215/2012.

4. Perante isto, a pergunta que se impõe é a seguinte: será que nada há regular na ordem jurídica portuguesa para permitir a adequada aplicação do Reg. 1215/2012 a partir de 10/1/2015?


MTS