Inconstitucionalidade dos fundamentos da oposição
à execução baseada em injunção
1. O TC 28/10/2014 (714/2014)
julgou inconstitucional o art. 857.º, n.º 1, CPC, aprovado pela L 41/2013,
de 26/6, quando interpretado no sentido de limitar os fundamentos de oposição à
execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a
fórmula executória. Isto significa que, apesar da diferença entre os
preceitos, o TC continua a fazer o mesmo juízo de inconstitucionalidade que fez
quanto ao disposto no art. 814.º CPC/61 (cf. TC 9/7/2013 (388/2013)).
2. Antes de fazer uma breve apreciação do acórdão, convém recordar que, na ordem jurídica portuguesa, vigora, além do regime relativo à injunção "interna", o regime respeitante à injunção de pagamento europeia (instituída pelo Reg. 1896/2006). Tem interesse lembrar, em traços muito largos, o regime desta injunção:
-- Se estiverem preenchidos os requisitos legais, o tribunal emite uma injunção de pagamento europeia no prazo mais curto possível e, regra geral, no prazo de 30 dias a contar da apresentação do requerimento (art. 12.º, n.º 1, § 1.º, Reg. 1896/2006);
-- O requerido é avisado de que pode optar entre pagar ao requerente o montante indicado na injunção emitida ou deduzir oposição mediante a apresentação de uma declaração de oposição no prazo de 30 dias a contar da citação ou notificação da injunção (art. 12.º, n.º 3, Reg. 1896/2006);
-- O requerido pode apresentar uma declaração de oposição à injunção de pagamento europeia junto do tribunal de origem (art. 16.º, n.º 1, Reg. 1896/2006);
-- Se for apresentada declaração de oposição, a acção prossegue nos tribunais competentes do Estado de origem, de acordo com as normas do processo civil comum, a menos que o requerente tenha expressamente solicitado que, nesse caso, se ponha termo ao procedimento (art. 17.º, n.º 1, § 1.º, Reg. 1896/2006);
-- Se não for apresentada uma declaração de oposição do requerido, o tribunal de origem declara imediatamente executória a injunção de pagamento europeia (art. 18.º, n.º 1 1.ª parte, Reg. 1896/2006);
-- Após o termo do prazo fixado para a apresentação da oposição, o requerido revel tem o direito de pedir a reapreciação da injunção de pagamento europeia ao tribunal competente do Estado de origem (cf. art. 20.º Reg. 1896/2006); em concreto:
-- O requerido tem o direito de requerer ao tribunal competente a reapreciação da injunção de pagamento europeia se esta tiver sido citada ou notificada por um dos meios que não prove a sua recepção pelo requerido e se essa citação ou notificação não tiver sido feita a tempo de permitir a esse requerido preparar a sua defesa, sem que tal facto lhe possa ser imputável (art. 20.º, n.º 1, al. a), Reg. 1896/2006);
-- O requerido pode solicitar a reapreciação da injunção de pagamento europeia se, qualquer que tenha sido a modalidade da sua citação, tiver sido impedido de contestar o crédito por motivo de força maior ou devido a circunstâncias excepcionais, sem que tal facto lhe possa ser imputável (art. 20.º, n.º 1, al. b), Reg. 1896/2006).
A descrição sumária do regime da injunção de pagamento europeia é especialmente interessante, porque esse regime consagra apenas dois possíveis fundamentos de oposição à injunção por um requerido revel: a irregularidade e intempestividade da sua citação; a verificação de um caso de força maior ou de uma circunstância excepcional que tenha obstado à sua oposição.
3. Uma leitura possível do acórdão – e perfeitamente legítima em face da sua parte dispositiva – é a de que o TC entende que qualquer restrição aos fundamentos de oposição à execução baseada em injunção é, na ordem jurídica portuguesa, inconstitucional. Não é algo que o TC não possa entender. Só que então teria que concluir que o regime de oposição do requerido revel que consta do art. 20.º, n.º 1, Reg. 1856/2006 é igualmente inconstitucional. Também não é algo que o TC não possa entender. Mas há que convir que seria uma enorme surpresa se um regime que tem convivido sem problemas quer na ordem jurídica europeia, quer igualmente – ao que se julga – nas ordens internas de outros 27 Estados-membros fosse considerado inconstitucional em Portugal.
4. Atendendo à respectiva fundamentação e, em especial, ao que é afirmado no ponto 8.1., o acórdão permite, no entanto, uma outra interpretação: a de que, ao invés de considerar inconstitucional qualquer restrição aos fundamentos de oposição à execução baseada em injunção, o TC apenas considera inconstitucional essa restrição enquanto se mantiver a diferença entre a citação do réu no processo declarativo (cf. art. 219.º CPC) e a notificação do requerido no procedimento de injunção (cf. art. 12.º e 12.º-A RPOP).
Se o acórdão for entendido (ou se puder ser entendido) nesta perspectiva restritiva, então o mesmo nada tem de criticável. É compreensível que a formação de um título executivo com uma força executória semelhante à da sentença tenha que ter uma formação com idênticas garantias àquelas que são exigidas quanto a esta última.
5. Importa, por fim, dar a conhecer o seguinte: do pacote legislativo entregue em 15/12/2011 pela Comissão de Revisão do Processo Civil constava uma reformulação do regime da oposição à execução baseada em injunção (aliás, em termos ainda mais restritivos do que aqueles que se encontram no actual art. 857.º CPC), mas também constava uma proposta de reformulação do RPOP na qual se propunha uma aproximação da notificação do requerido ao regime da citação do réu e, à semelhança do disposto no art. 12.º, n.º 3, Reg. 1896/2006, se enumeravam as informações a transmitir ao requerido. Por razões que não são conhecidas, nos trabalhos posteriores não foi dado seguimento a esta última proposta.
MTS