Competência internacional;
Reg. 2201/2003
1. O sumário de RE 28/9/2023 (917/22.1T8TMR.E1) é o seguinte:
I. O Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, ainda em vigor à data da propositura da acção, uniformiza no território da União Europeia as regras de competência internacional e as normas sobre o reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, fazendo parte de um conjunto de instrumentos legislativos da União em matéria de relações privadas internacionais de natureza familiar e sucessória.
II. No que concerne à competência em “questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento” o nº1 do art.º 3º do dito Regulamento elenca sete critérios atributivos de competência internacional que são alternativos, i.e. vigora o princípio de tratamento paritário de todos estes critérios atributivos de competência internacional;
III. Tendo a Autora nacionalidade portuguesa e sendo a sua residência habitual em território nacional nos seis meses anteriores à data da sua propositura, poderia optar por interpor [sic] a acção de divórcio num Tribunal Português que assim era, e é, internacionalmente competente para conhecer do pedido pela mesma formulado.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"4. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença recorrida:
1- No dia 11 de outubro de 2018, na Dinamarca, AA e BB casaram um com o outro, mediante celebração de casamento civil sob o regime imperativo da separação de bens.2- Esse casamento está registado no assento de casamento n.º … do ano 2019 da Conservatória do Registo Civil de ….3- AA tem nacionalidade portuguesa.4- BB tem nacionalidade indiana.5- AA reside em Portugal.6- BB reside em Inglaterra, Reino Unido.7- Após a data referida em 1 Autora e Réu encontram-se várias vezes, mas não residiram juntos na mesma casa desde, pelo menos, final de janeiro de 2019.8- E não pernoitaram juntos desde essa data.9- Não tomaram refeições juntos desde essa data.10- Não mantêm relação de convívio desde essa data, embora tenham mantido várias comunicações entre si, à distância.11- Desde março de 2019 que Autora vive com CC, juntos na mesma casa, embora desde então tenham residido sucessivamente em várias casas.12- A Autora e CC partilham, desde o referido mês de março, refeições, cama, vida quotidiana e relação afetiva.13- A Autora e CC têm dois filhos comuns: DD, nascido em …/05/2020, e EE, nascido em …/11/2021.14- A Autora tem o propósito de não viver com o Réu e de viver com CC.15- O Réu reside e trabalha em Inglaterra, Reino Unido, desde data não apurada posterior a outubro de 2018.16- O Réu pretende manter-se casado com a Autora e quer viver quotidianamente com esta.17- A petição inicial foi apresentada em juízo em 1 de junho de 2022.
2. Do mérito do recurso
Inconformado com o desfecho da acção, enveredou o réu, ora apelante, por suscitar em sede de recurso [---] a incompetência internacional do Tribunal para conhecer do pedido de divórcio intentado pelo seu cônjuge.
Em vão, é certo, já que o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, ainda em vigor à data da propositura da acção [---], não dá qualquer acolhimento à sua pretensão.
Com efeito, apesar de o réu, ora apelante, ser de nacionalidade indiana e residir em Inglaterra, o certo é que a Autora é portuguesa e reside em Portugal desde, pelo menos, Março de 2019 (cfr. supra 4.3., 4.5.e 4.11).
O citado Regulamento (conhecido como Bruxelas II bis) uniformiza no território da União Europeia as regras de competência internacional e as normas sobre o reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, fazendo parte de um conjunto de instrumentos legislativos da União em matéria de relações privadas internacionais de natureza familiar e sucessória.
No que concerne à competência em “questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento” estabelece o nº1 do art.º 3º do dito Regulamento que a mesma se defere aos tribunais do Estado-Membro:
“a) Em cujo território se situe:- a residência habitual dos cônjuges, ou- a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida, ou- a residência habitual do requerido, ou- em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges, ou- a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, no ano imediatamente anterior à data do pedido, ou- a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, nos seis meses imediatamente anteriores à data do pedido, quer seja nacional do Estado-Membro em questão quer, no caso do Reino Unido e da Irlanda, aí tenha o seu 'domicílio';b) Da nacionalidade de ambos os cônjuges ou, no caso do Reino Unido e da Irlanda, do 'domicílio' comum.”.
Tem-se entendido que “nenhum dos sete critérios atributivos de competência internacional prevalece sobre os restantes, não havendo, portanto, uma hierarquização dos critérios. Todos os critérios são colocados a um nível paritário e a paridade entre eles permite qualificá-los como critérios alternativos, no sentido em que são de aplicação concorrente, isto é, um mesmo divórcio transnacional pode preencher dois ou mais dos critérios de competência internacional previstos no citado art. 3º , podendo, assim, os tribunais de dois ou mais Estados-Membros ser internacionalmente competentes para julgar o litígio”. [Cfr. Acórdão do STJ de 7.10.2020 (Rosa Tching).]
Ora, não existindo nenhuma hierarquia e, por conseguinte, nenhuma ordem de precedência entre os critérios atributivos de competência internacional em matéria matrimonial previstos no art. 3º, nº1, als. a) e b) do Regulamento nº 2201/2003, temos que no caso se mostra preenchido, pelo menos, um deles : o atinente à residência habitual da Autora em território nacional nos seis meses anteriores à data do pedido conjugado com a circunstância de a mesma ter nacionalidade Portuguesa.
De acordo com o princípio de tratamento paritário de todos estes critérios atributivos de competência internacional, estava, pois, deferido à autora optar por interpor a acção de divórcio num Tribunal Português que assim era, e é, como logo se antecipou, internacionalmente competente para conhecer do pedido pela mesma formulado."
[MTS]