"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



28/07/2025

Jurisprudência 2024 (218)


Processos de jurisdição voluntária;
recurso de revista; critérios normativos


1. O sumário de STJ 27/11/2024 (1614/04.5TBESP-E.P1.S1) é o seguinte:

I - Nos processos de jurisdição voluntária, justifica-se a supressão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça estabelecida no art.º 988.º n.º2 do CPC, face ao facto de as decisões se nortearem por citérios de conveniência e oportunidade, sobrepondo-se aos critérios de legalidade estrita.

II - Porém, quando a impugnação da decisão tem em vista a interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baseou tal decisão, é admissível o recurso de revista.

III - Assim, haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito da revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respetivos fundamentos de impugnação.

IV - Sempre que os factos demonstrem a falta de capacidade dos progenitores para assumir plenamente as suas responsabilidades parentais, é de concluir que não existem ou que estão seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação em conformidade com o que dispõe o art.º 1978.º do Código Civil.

V - Para se aferir da existência ou do não comprometimento sério dos “vínculos afectivos próprios da filiação” para os efeitos da norma do artigo 1978.º do CC não basta ver se existe uma ligação afectiva entre os progenitores e a criança; é necessário ainda que essa ligação afectiva se concretize em actos que demonstrem aptidão dos progenitores para exercerem plenamente as suas responsabilidades parentais.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

1 - O MINISTÉRIO PÚBLICO invocou a inadmissibilidade do recurso com fundamento no disposto no art.º 988.º, nº 2 do CPC, sendo certo que, no seu entender, a decisão recorrida, no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, assentou em critérios de conveniência e de oportunidade.

Quid juris?

O presente recurso de revista vem interposto no âmbito de um processo de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo que efectivamente se integra na categoria dos processos de jurisdição voluntária, sujeitos à disciplina prevista nos artigos 986.º a 988.º do CPC.1

Dispõe o n.º 2 do art.º 988.º que “Das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”.

Na verdade, nos processos de jurisdição voluntária, “o predomínio da oficiosidade do juiz sobre a atividade dispositiva das partes, norteado por critérios de conveniência e oportunidade em função das especificidades de cada caso, sobrepondo-se aos critérios de legalidade estrita, justifica a supressão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça estabelecida no artigo 988.º, n.º 2, do CPC, vocacionado como está, essencialmente, para a sindicância da violação da lei substantiva ou processual, nos termos do artigo 674.º do CPC.”, como é dito no acórdão deste STJ de 30-05-2019 [Processo 5189/17.7T8GMR.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt]

No entanto, “na interpretação daquela restrição de recorribilidade, importa ter em linha de conta que, em muitos casos, a impugnação por via recursória não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adotados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza tal decisão." [Processo 5189/17.7T8GMR.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt]

Assim, conclui o citado acórdão que aqui subscrevemos “haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito da revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária de forma casuística, em função dos respetivos fundamentos de impugnação, [---] e não com base na mera qualificação abstrata de “resolução tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade”.

Ora, no presente caso, analisando as conclusões formuladas no presente recurso, verifica-se que a Recorrente aponta ao acórdão recorrido erros de interpretação e de aplicação de diversas normas legais constantes dos artigos 3º, 4º, al. a), e) e h) ,34º, 35º, nº 1 al. g), 35º, 38-Aº, 58.º, n.º1 a), d), i) todos da LPCJP, o artº1978º, nº1, do Código Civil, o art.º 36º nº 6º, 67º e 69º da CRP, bem como o art.º 3º nº 1 e o artº 9.º § 1 da Convenção sobre os Direitos das Crianças, da Organização das Nações Unidas de 20/11/89, publicada em D.R., Is., de 12/9/90.

Pode, assim, concluir-se que, neste caso, o recurso não tem como objectivo impugnar juízos de oportunidade ou de conveniência, mas sim questionar a interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se balizou a decisão recorrida.

Nesta conformidade, o recurso é admissível, nos termos do disposto no art.º 674.º n.º 1 a) e cabe na previsão do art.º 671.º n.º 1. [Assim entendido igualmente no Acórdão de 16-03-2017, proferido nesta secção, no âmbito do Processo n.º1203/12.0TMPRT-B.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt]

[MTS]