Penhora de bens; bens relativamente impenhoráveis;
"instrumentos de trabalho"
1. O sumário de RC 12/11/2024 (3596/10.5TJVNF-B.C2) é o seguinte:
I - A impenhorabilidade relativa do artº 737º nº2 do CPC, que proíbe a penhora dos instrumentos de trabalhos e os objetos indispensáveis ao exercício da atividade ou formação profissional do executado – lato sensu, que podem incluir bens móveis ou imóveis -, emerge se se provar que o bem penhorado é estritamente indispensável ao exercício de tal atividade, em termos tais que a cessação desta implique intolerável efetação/prejuízo para os interesses vitais e de subsistência do executado, unicamente considerados, e ainda por reporte à afetação do status económico financeiro do exequente decorrente da pretendida impenhorabilidade.
II - Provado que o executado é agricultor e criador de gado, exercendo tais atividades no prédio misto penhorado, e que delas ele retira a esmagadora maioria – mais de 120 mil euros - dos seus proventos, sendo a exequente a CGD, emerge a impenhorabilidade relativa deste bem dado à penhora.
2. O acórdão tem o seguinte voto de vencido:
«Vencido. Revogaria a decisão, pelas seguintes razões:
1 - Quando no artigo no artigo 737.º, n.º 2 do CPC, se isentam de penhoras os "instrumentos" de trabalhos e os "objetos" indispensáveis ao exercício da atividade ou formação profissional do executado, têm-se em vista, em regra, bens móveis (instrumentos/objetos) cujo valor não é elevado, mas que permitem ao executado sobreviver profissionalmente.
Procura-se, pois, com esta isenção, proteger o executado, por razões humanitárias, transferindo para a esfera jurídica do exequente o custo desse benefício atribuído pela lei ao executado, mas sem que esse ónus colocado sobre o exequente seja desproporcionado, até porque, em abstrato, o exequente pode estar tão necessitado economicamente como o executado (em concreto, no caso dos autos, essa paridade não ocorre).
Deste modo, um imóvel composto por terra de semeadura e olival, na qual se encontra construída uma ordenha e um estábulo, com anexos e logradouro, não cabe no conceito de "instrumentos de trabalho", nem no de "objetos indispensáveis ao exercício da atividade profissional do executado".
2 – Em processo executivo, no contexto da penhora os conceitos de "instrumentos" e "objetos" referem-se a bens penhoráveis e estes estão distribuídos por três categorias, móveis, imóveis e direitos.
Deste modo, deve-se fazer uma interpretação dos conceitos "instrumentos" e "objetos" no âmbito destas categorias de bens e dentro destas categorias não é usual em sede de penhora o legislador deferir-se a imóveis como "instrumentos" ou "objetos".
O legislador pode referir-se a um imóvel como "objeto" afirmando que certo prédio é objeto do direito de propriedade, mas aqui o conceito "objeto" é utilizado num contexto filosófico, onde se alude a uma relação jurídica entre o sujeito dos direitos e o objeto dos direitos.
No caso da penhora tal não ocorre, objeto é algo móvel, não um imóvel e o mesmo vale para o conceito de instrumento.
3 – Se o bem penhorado fosse considerado impenhorável, então seriam impenhoráveis inúmeros estabelecimentos comerciais ou, como diz a recorrente, "imóveis nos quais fosse exercida qualquer atividade profissional, como lojas e escritórios, ou até as habitações nas quais exerçam as suas funções os trabalhadores em teletrabalho."
Julgaria, pois, procedente o recurso.»
[MTS]
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