"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))
07/10/2025
Bibliografia (1225)
Jurisprudência 2024 (241)
Questiona assim a bondade da decisão que remeteu as partes para os meios comuns somente no que se refere à questão da reclamada obrigação de relacionar o saldo bancário do Banco 1... e o valor das aplicações financeiras Banco 2... VIDA AFORRO, que identifica naquele ponto n.º 19 da sua reclamação contra a relação de bens.
Para o efeito, sustenta que, perante a factualidade que foi considerada como provada e não provada na anterior decisão de 23 de maio de 2023 e face às informações bancárias juntas ao processo na sequência de tal decisão, o Tribunal a quo dispunha de todas as condições para, deferindo parcialmente à reclamação contra a relação de bens, determinar o cabeça de casal, aqui apelado, a relacionar o valor correspondente aos dois mencionados produtos financeiros.
Conhecidos os fundamentos da decisão apelada e, bem assim, os razões da oposição/crítica que à mesma dirige a recorrente, vejamos de seguida se assiste razão a esta.
Antes, porém, cumpre fazer uma breve referência às disposições legais em que se fundou a decisão proferida pelo despacho em crise.
O artigo 1093.º do Código de Processo Civil (com e epígrafe outras questões prejudiciais) dispõe:
1 - Se a questão não respeitar à admissibilidade do processo ou à definição de direitos de interessados diretos na partilha, mas a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de a decidir e remeter os interessados para os meios comuns.
2 - A suspensão da instância no caso previsto no número anterior só ocorre se, a requerimento de qualquer interessado ou oficiosamente, o juiz entender que a questão a decidir afeta, de forma significativa, a utilidade prática da partilha».
Por seu turno, o art.º 1.105º do Código de Processo Civil (com a epígrafe tramitação subsequente) dispõe:
1 - Se for deduzida oposição, impugnação ou reclamação, nos termos do artigo anterior, são notificados os interessados, podendo responder, em 30 dias, aqueles que tenham legitimidade para se pronunciar sobre a questão suscitada.
2 - As provas são indicadas com os requerimentos e respostas.
3 - A questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092.º e 1093.º
4 - A alegação de sonegação de bens, nos termos da lei civil, é apreciada conjuntamente com a acusação da falta de bens relacionados, aplicando-se, quando julgada provada, a sanção estabelecida no artigo 2096.º do Código Civil.
5 - Se estiver em causa reclamação deduzida contra a relação de bens ou pretensão deduzida por terceiro que se arrogue titular dos bens relacionados e se os interessados tiverem sido remetidos para os meios comuns, o processo prossegue os seus termos quanto aos demais bens. (…)
Em anotação ao (novo) regime do processo de inventário, Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres escrevem o seguinte [O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020, pp. 10/11.]:
“O novo modelo do processo de inventário continua a prever a remessa das partes para os meios comuns quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão prejudicial não se compatibilize com a sua apreciação incidental (arts. 1092º,1,b, 1093º,1 e 1095º,1), nomeadamente porque as limitações decorrentes do disposto nos arts. 292º a 295º (aplicáveis ex vi do art. 1091º) afectariam as garantias das partes.
A necessidade desta remessa para os meios comuns é consequência, sob um ponto de vista formal, da estrutura do processo de inventário, e da resolução de inúmeras questões controvertidas em incidentes nominados ou inominados e, sob uma perspectiva substancial, do tipo de questões prejudiciais que podem surgir no processo de inventário (como as respeitantes à interpretação ou validade de um testamento ou à indignidade sucessória de um herdeiro). Estas questões podem ser complexas em matéria de facto, mas o que realmente justifica a remessa dos interessados para os meios comuns não é tanto esta complexidade, mas muito mais a garantia de um processo equitativo a esses interessados”.
“As questões prejudiciais abrangidas pelo nº 1 são, fundamentalmente, aquelas que, não dizendo respeito à definição dos direitos sucessórios das partes do processo, se repercutam na determinação quer dos bens que integram o acervo hereditário, quer do passivo pelo qual é responsável o património a partilhar. O nº 1 abrange, por exemplo, os casos em que certo bem foi relacionado pelo cabeça-de-casal como pertencendo à herança ou como tendo determinado conteúdo ou objecto material, mas contra essa relacionação foi deduzida reclamação ou impugnação por qualquer interessado (artº 1104º, nº 1, al. d)) (…)Sempre que a questão prejudicial respeite apenas a bens que integram o acervo hereditário ou o passivo que onera este acervo, a regra é a de que o juiz – como decorrência do principio segundo qual o Tribunal competente para a ação é também competente para conhecer os incidentes que nela se levantam (art. 91º, nº 1) – deve dirimir todas as questões suscitadas e convertidas que se revelem indispensáveis para alcançar o fim do processo, ou seja, uma partilha equitativa da comunhão hereditária.
No entanto, a apreciação incidental, no âmbito do processo de inventário, das questões atinentes à determinação dos bens que integram o património hereditário ou ao passivo deste património nem sempre será possível ou conveniente: a) O n.º 1 admite que o juiz se possa abster de decidir incidentalmente a questão litigiosa e remeter as partes para os meios comuns, quando a complexidade da matérias de facto subjacente à questão tornar inconveniente, na óptica das garantias de que as partes beneficiam no processo declarativo comum, a sua apreciação e decisão no processo de inventário, atendendo à tramitação simplificadas e às limitações probatórias (que quase só não existem para a prova documental) que caracterizam as decisões tomadas ao abrigo do disposto nos – arts. 1105º, n.º 3, e 1110º, n.º 1, al. a).
Apenas tem justificação a remessa dos interessados para os meios comuns quando, estando unicamente em causa a complexidade da matéria de facto, a tramitação do processo de inventário se revele inadequada. Para que isso suceda é necessário que a tramitação do processo implique uma efetiva diminuição das normais garantias que estão asseguradas às partes no processo declarativo comum (n.º 1). A diminuição destas garantias reflete-se na impossibilidade de se alcançar uma apreciação e decisão ponderadas em questões que envolvam larga indagação factual ou probatória”.
E, nas palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa anotação ao art.º 1093º do Código de Processo Civil [Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2020, Almedina, p. 547.]
“[q]ualquer questão relacionada com a admissibilidade do processo de inventário ou com a definição de direitos de interessados directos na partilha terá de ser decidida no próprio processo. Embora deva ou possa ser determinada a suspensão da instância, nos termos do art. 1092º, os interessados não podem ser remetidos para os meios comuns quanto a tais questões, que são imanentes ao próprio processo de inventário”.
(…) Todavia, podem suscitar-se no âmbito do processo de inventário questões de outra natureza, designadamente conexas com os bens relacionados e/ou com direitos de terceiros para cuja resolução se revelem inadequados os constrangimentos inerentes ao processo de inventário (cf. art. 1091º, n.º 1, quando remete para o regime dos incidentes da instância), cuja tramitação difere substancialmente da prevista para o processo comum ou para outros processos especiais. Nestas situações, embora a apreciação de tais questões não seja excluída em absoluto do processo de inventário, segundo a regra geral do art. 91º, n.º 1, o litígio pode envolver larga indagação fáctica ou a produção demorada de meios de prova, podendo justificar a remessa dos interessados para os meios comuns.
(…) Destacam-se os casos em que para a apreciação das questões se revele inadequada a tramitação do processo de inventário para assegurar as garantias dos interessados, tendo em conta designadamente as restrições probatórias ou a menor solenidade associada a uma tramitação de cariz incidental. Tal poderá ocorrer, por exemplo, quando esteja em discussão a área ou os limites de um imóvel envolvendo divergências com terceiros, a arguição da invalidade da venda de bens relacionados no processo de inventário, a invocação por parte de terceiro ou de um herdeiro, da aquisição por usucapião de um bem relacionado (cf. nº 5 do art. 1105º), a alegação da acessão industrial imobiliária sobre um imóvel relacionado (cf. art. 1339º CC) ou a dedução de um crédito ou de uma dívida da herança relacionada com a realização de benfeitorias”.
A “resolução, no âmbito do processo de inventário, de questões de natureza incidental obedece a uma tramitação menos solene do que a consagrada para o processo comum e mesmo para certos processos especiais, designadamente no que concerne aos meios probatórios admissíveis (arts. 1091 e 1105º, n.º 3), o que poderá justificar que não sejam sacrificados os valores da segurança e da justiça em função da maior celeridade na conclusão do processo de inventário. Para o efeito, será importante apreciar as razões apresentadas, quer no sentido da resolução incidental das questões, quer dos benefícios da remessa para os meios comuns”.
E mais adiante: “a opção de remessa para os meios comuns não pode ser orientada por meras razões de comodidade ou de facilitismos, apenas se justifica quando, estando unicamente em causa a complexidade da matéria de facto, a tramitação do inventário se revele inadequada, por implicar, designadamente, uma efectiva redução das garantias dos interessados, por comparação com o que pode ser alcançado através dos meios comuns”.
A decisão incidental das reclamações em sede de inventário não pressupõe necessariamente que as questões suscitadas possam ser objeto, pela sua simplicidade, de uma indagação sumária, mediante apenas certos tipos de prova, maxime documental, seguida de decisão imediata: a regra é a de que o tribunal da causa tem competência para dirimir todas as questões que importem à exata definição do acervo hereditário a partilhar, podendo no entanto, excecionalmente, em caso de particular complexidade da matéria de facto a apreciar – e para evitar redução das garantias das partes – usar da possibilidade prevista no estatuído no n.º 1 do art.º 1093º do Código de Processo Civil [Carlos Lopes do Rego, Comentários ao CPC, vol. II, 2ª ed., Almedina, 2004, p. 268, em anotação ao art. 1350º do CPC de 1961.]
E faz sentido que assim seja, que seja destacada na lei a complexidade da matéria de facto a apreciar – e não a matéria jurídica – dado que é a prova da matéria de facto subjacente às questões suscitadas (que as partes têm o ónus de alegar e provar) que pode tornar-se mais difícil para as partes, com as necessárias limitações das provas a produzir no incidente do processo de inventário, questão também realçada no n.º 1 do art.º 1093º do CPC, de que a inconveniência da apreciação da matéria de facto implique a redução das garantias das partes [Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 2/02/2023, processo n.º 176/18.0T8VPC-D.G1 (relatora Maria Amália Santos), in www.dgsi.pt.]
Ora, no caso concreto, está em causa a reclamação contra a relação de bens, mais especificamente discutindo-se necessidade de relacionar o saldo bancário de uma conta do Banco 1... e os produtos financeiros Banco 2... VIDA AFORRO, cuja falta (de relacionação) foi acusada pela ora recorrente, na sua reclamação contra a relação de bens.
E o certo é que, na decisão de 25 de maio de 2023 (já transitada em julgado) que se pronunciou (parcialmente) sobre a decisão contra a relação de bens, provou-se que:
- No dia 23.03.2015 o cabeça de casal procedeu ao resgate de €3.498,65 da aplicação de prazo fixo – deposito especial Banco 1... 3 Anos, para a conta n.º ...01 e transferiu o montante de €3.518,09 para a conta de terceira pessoa, sem o conhecimento da interessada (facto n.º 4 da mesma decisão).
- A Conta ...33, no Banco 2..., SA, que em 30/09/2014 tinha um saldo de € 27.404,64 consignado em dois produtos designados por Banco 2... VIDA AFORRO com os números ...17, no montante de €5.480,93 e ...17, no montante de €21.923,71 (facto n.º 6 da dita decisão);
Por outro lado, na resposta à reclamação contra a relação de bens, o cabeça de casal, ora recorrido, não alegou quaisquer factos que permitissem concluir que o dinheiro depositado na mencionada conta Banco 1... e aplicado nos mencionados produtos financeiros Banco 2... estava excluído da comunhão conjugal, limitando-se a referir que “antes de ser decretado o divórcio existiram movimentos a débito em contas de depósitos bancários, para fazer face a despesas correntes que eram da responsabilidade de ambos os cônjuges, nomeadamente obras de reparação e conservação na casa sita em Portugal”, factualidade essa que, naquela mesma decisão, foi considerada como não provada.
Assim sendo, perante a matéria de facto alegada, restaria apenas apurar a natureza da aplicação financeira dos produtos designados Banco 2... Vida Aforro (o que, como melhor se verá adiante, será essencial para determinar de bem comum ou antes de bem próprio subscritor/beneficiário dos mesmos) e determinar se o cabeça de casal se apropriou ilegitimamente das correspondentes quantias, o que, em nosso entender.
Salvo melhor opinião, tal tarefa poderá bastar-se com a análise de prova documental. Seja através dos documentos bancários que já se encontram juntos ao autos de inventário (e cuja veracidade não foi colocada em causa por qualquer das partes) - mormente aqueles que permitirão aferir as datas dos levantamentos/resgates das quantias em causa e a titularidade das contas bancárias onde, posteriormente a isso, foram os correspondentes valores depositados – seja por meio de outros elementos documentais que poderão ainda ser solicitados ao Banco 3... e à Seguradora A..., tais como os contratos – e respetivas cláusulas – que titulam os produtos financeiros associados à identificada conta Banco 2..., de forma a permitir a qualificação jurídica dos mesmos.
Por conseguinte, não subscrevemos o entendimento seguido pela Sra. Juíza a quo de que as questões a apreciar, na parte que concerne ao aludido depósito Banco 1... e aos produtos financeiros Banco 2..., envolvam uma extensa e complexa indagação fáctica.
E, salvo o devido respeito, também não subscrevemos o seu entendimento de que a decisão dessas concretas questões no inventário pendente reduziria as garantias das partes.
Por isso, concluímos que a apreciação da sobredita questão da relacionação, ou não, dos valores atinentes ao identificado depósito no Banco 1... e aos seguros de Vida Banco 2... AFORRO não poderia ter merecido a mesma solução que a decisão recorrida deu às demais questões relacionadas com a alegada falta de relacionação de outras contas bancárias e aplicações financeiras (de cuja bondade não cabe aqui apreciar, por estar excluída do objeto do recurso), sendo, por isso, de revogar a decisão que relegou as partes para os meios processuais comuns, na parte concernente às questões que a recorrente colocou à apreciação deste Tribunal."
[MTS]
06/10/2025
Bibliografia (1224)
Jurisprudência 2025 (6)
I - Mesmo em caso de concordância das partes sobre o valor indicado para a acção, o Tribunal deve fixá-lo pela aplicação dos critérios legais enunciados para o efeito.II - Embora deva ocorrer normalmente no despacho saneador, nada obsta a que a fixação do valor da acção ocorra anteriormente a tal despacho.III - Na acção de anulação de deliberação social, onde se pretende anular uma deliberação sobre o relatório de gestão e as contas anuais do exercício de determinado ano, não é possível apurar os efeitos patrimoniais directos da mesma, nem a sua utilidade económica para os sócios, situando-se assim a acção no âmbito dos interesses imateriais.IV - Deste modo, o valor da acção deverá coincidir com o da alçada da relação, acrescida de um cêntimo (art.º 303º nº 1 do Código de Processo Civil), ou seja, será de fixar à acção o valor de 30.000,01 €.
“1 – Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes”.“2 – O valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se refere o nº 4 do artigo 299º e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença”.“3 – Se for interposto recurso antes da fixação do valor da causa pelo juiz, deve este fixá-lo no despacho referido no artigo 641º”.
“Certo é que, independentemente das posições assumidas pelas partes, o Juiz sempre terá de se debruçar sobre o assunto e fixar o valor da causa, sem estar vinculado a qualquer dos valores indicados ou aceites por aquelas (artigo 306º, nº 1)”. [...]
“Primeiro – Deliberar sobre o relatório de gestão e as contas anuais do exercício de 2022, incluindo a aprovação do Balanço, Relatório de Gestão e restantes documentos de prestação de contas do referido exercício;Segundo – Deliberar sobre a proposta de aplicação do resultado líquido do exercício de 2022;Terceiro – Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade”.
MTS
03/10/2025
Periculum in mora -- o que é (e o que não pode ser)
-- "Na providência cautelar comum, o fundado receio de lesão grave e de difícil reparação implica que [o] dano tenha uma gravidade assinalável de tal forma que a sua reparação posterior seja inviável ou mesmo meramente difícil";-- "Relativamente aos interesses meramente pecuniários, a reparabilidade da lesão afere-se pela suficiência ou insuficiência do património do requerido ou pelo perigo do desaparecimento ou diminuição relevante dessa garantia patrimonial".
"[...] não basta, para o deferimento da providência [cautelar], que se conclua pela possibilidade de o requerente poder vir a sofrer um qualquer dano."
Procurando ser claro: o periculum in mora é apreciado pelo dano que o não decretamento da providência causa ao requerente, não pelo dano que a actuação ilícita do requerido inflige a esse requerente.
3. A afirmação da Relação sobre o dano a que se refere a providência cautelar e pela qual se afere o periculum in mora conduz a uma segunda afirmação, salvo melhor opinião, igualmente muito discutível:
"Tal dano tem de revestir uma gravidade assinalável, ser penoso e importante de tal forma que a sua reparação posterior seja inviável ou mesmo meramente difícil."
Repete-se: o periculum in mora é aferido pelo prejuízo que resulta para o requerente do não decretamento da providência cautelar. O que o tribunal tem de fazer é verificar qual o prejuízo que o requerente vai sofrer se a providência não for decretada, não fazer nenhuns prognósticos sobre a reparação dos prejuízos que o comportamento ilícito do requerido causa ao requerente. Suponha-se, por exemplo, que o requerente de uma providência cautelar pede a cessação de uma actividade de concorrência desleal; o que o tribunal tem de averiguar é qual o prejuízo que o requerente sofre se não ocorrer a cessação imediata da actividade concorrencial, não se a reparação do prejuízo decorrente da continuação dessa actividade pelo requerido é "inviável ou mesmo meramente difícil".
4. No caso concreto, a Relação limitou-se a decidir que "os autos [devem] prosseguir os seus regulares termos com a produção de prova pertinente que ao caso couber, decidindo-se depois em conformidade e em função do quadro factual que da produção dessa prova venha a resultar", ou seja, acabou por não tomar posição sobre o preenchimento do requisito do periculum in mora.
"Perante [...]a alegação factual [do requerente] torna-se evidente que, a provar-se, pode preencher o requisito do “periculum in mora”, na ponderação que se venha a fazer das condições económicas dos requeridos como acima se deu nota, razão pela qual o processo devia ter prosseguido os seus termos com a produção de prova e inerente fixação do quadro factual daí resultante."
Repete-se o que acima se referiu: o periculum in mora é apreciado pelo dano que resulta para o requerente do não decretamento da providência, não pelo dano que a actuação ilícita do requerido causa ao requerente (e menos ainda por prognósticos sobre a ressarcibilidade deste dano). Nesta óptica, as providências cautelares comuns destinar-se-iam a prevenir a eventual dificuldade da reparação devida pela prática de actos ilícitos, o que, manifestamente, não corresponde à sua finalidade.
Jurisprudência constitucional (244)
TC 9/6/2025 (485/2025) decidiu:
Não julgar inconstitucional o artigo 598.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual os vinte dias, em tal norma legal referidos, se reportam à primeira sessão da audiência e discussão de julgamento.
Jurisprudência 2025 (5)
A notificação avulsa é da competência dos tribunais administrativos, quando se destine a declarar a resolução do contrato de arrendamento, sempre que este tenha sido celebrado ao abrigo do “regime de renda acessível” (previsto no Regulamento Municipal do Direito à Habitação de Lisboa).
“Primeiro, porque se afigura ser essa a interpretação mais compatível com uma organização assente num modelo de dualidade de jurisdições e mais conforme com o critério constitucional de delimitação do âmbito material da jurisdição administrativa. (…)“Segundo, porque o processo de notificação avulsa não é totalmente “neutro” ou indiferente à natureza da relação jurídica onde se pretende que venham a produzir-se os efeitos jurídicos decorrentes daquela notificação. (…)“Terceiro, porque essa é a interpretação que mais se adequa ao regime processual que faz depender a notificação avulsa de despacho prévio (cfr. artigo 256.º/1 CPC). A exigência de despacho prévio, que se tem mantido nas sucessivas versões do Código de Processo Civil, implica que o juiz aprecie liminarmente o requerimento (…), nomeadamente, para saber se ‘o direito invocado existe abstratamente na lei’ (…)”.
[MTS]
02/10/2025
Jurisprudência 2025 (4)
I - A consagração de um efeito cominatório semipleno na revelia operante não dispensa o juiz de elencar os factos alegados pelo autor que considera confessados (cf. artigo 607.º, nº 3 do CPCivil). II - Se o juiz não discriminou os factos provados por força da confissão tendo-se limitado a consignar: “consideram-se confessados os factos alegados pelo embargante”, a sentença é totalmente omissa quanto à fundamentação de facto e, consequentemente, é nula porque não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão [cf. artigo 615.º, nº 1 al. b) do CPCivil].III - O uso da factie sepcies do citado nº 3 do artigo 567.º do CPCivil (fundamentação sumária) não pode ser automática, a causa há de revestir-se de manifesta simplicidade.IV - Não cumpre a fundamentação, ainda que sumária, uma sentença (proferida nos termos do art.º 567.º, nº 3) que se limite a considerar confessados/provados os factos alegados pelo autor/requerente e que, de seguida, sem mais, passe à parte decisória.V - A revelia operante, não afasta o réu da lide, o qual, nos termos do n.º 2, do artigo 567.º do CPCivil, pode apresentar alegações escritas.VI - Se o tribunal recorrido omitiu, por completo, a observância da primeira parte do nº 2 do artigo já citado 567.º, não tendo facultado às partes o exame do processo pelo prazo de 10 dias para alegaram por escrito cometeu nulidade suscetível de influir objetivamente no exame e decisão da causa (art.º 195.º, n.º 1 do CPCivil).
“1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
[MTS]
01/10/2025
Competência para o processo de insolvência: um indesejável equívoco legislativo (2)
1. Para a abertura de um processo principal de insolvência é competente o tribunal do lugar do centro dos interesses principais do devedor. Na determinação do centro dos interesses principais do devedor aplica-se o estabelecido no art. 3.º do Regulamento (UE) n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015.
2. No caso de o centro dos interesses principais do devedor se situar fora no território português, é competente para a abertura de um processo territorial o lugar do estabelecimento do devedor. Os efeitos do processo territorial são limitados aos bens do devedor que se encontrem em Portugal.
2. Deixam-se as seguintes notas sobre o articulado sugerido:
-- Pretende-se construir um regime universal, ou seja, um regime que seja aplicável quando o devedor tenha o centro dos interesses principais num EM (incluindo, naturalmente, Portugal) e quando isso não suceda;
-- Por uma questão de simplicidade, opta-se por regular num único preceito quer a competência internacional, quer a competência territorial; não se vislumbra nenhuma justificação para que o tribunal territorialmente competente não seja determinado em função do elemento de conexão que é relevante para a aferição da competência internacional dos tribunais portugueses; para reforçar que também se está a regular a competência territorial, optou-se por apresentar uma proposta construída na perspectiva desta competência, sendo, no entanto, claro que a competência territorial "arrasta" a competência internacional;
-- Sobre o n.º 1:
-- O proposto é totalmente compatível com o disposto no art. 3.º, n.º 1, Reg. 2015/848, dado que observa o princípio de que, quando o devedor tenha o centro dos interesses principais num EM (incluindo, naturalmente, Portugal), a competência para a abertura de um processo principal de insolvência pertence aos tribunais desse EM; é naturalmente irrelevante se o devedor tem sede ou domicílio em Espanha ou na Bélgica ou em Angola ou Singapura;
-- A referência ao Reg. 2015/848 pode ser eliminada, sem qualquer consequência para a aplicação do preceito, dado que, seja como for, a determinação do centro dos interesses principais do devedor em Portugal, é sempre realizada segundo o estabelecido naquele diploma europeu; no entanto, a referência parece ser útil para lembrar ao aplicador a necessária unidade entre o regime interno e o regime europeu;
-- Sobre o n.º 2:
-- Parte-se do princípio de que se considera desejável regular a competência para o processo territorial de insolvência;
-- O proposto destina-se a regular a situação na qual o centro dos interesses principais do devedor se situa fora do território português e em que, portanto, não pode ser aberto em Portugal um processo principal de insolvência;
-- Regula-se a competência para o processo territorial, independentemente de o centro dos interesses principais do devedor se situar num EM ou num Estado terceiro; assim, em comparação com o disposto no art. 3.º, n.º 2, Reg. 2015/848, o âmbito de aplicação do regime proposto é mais vasto, dado que também se aplica a devedores que tenham o centro dos interesses principais num Estado terceiro; na verdade, não se encontra nenhum motivo para regular a competência para o processo territorial de forma diferente quando o devedor tenha o centro dos interesses principais num EM ou num Estado terceiro; aliás, a identidade de regulação é mais favorável aos operadores forenses do que a construção de um regime diferenciado que não tem qualquer justificação evidente.
-- Optou-se por não propor nenhuma transposição para o direito interno do disposto no art. 3.º, n.º 4, Reg. 2015/848; o regime restritivo quanto à abertura de um processo territorial de insolvência que consta deste preceito faz sentido num espaço com legislação uniformizada e em que se pretende dar prioridade a um processo principal de insolvência que é aberto no centro dos interesses principais do devedor; pelo contrário, é discutível que esse regime de prioridade tenha justificação quando o processo principal de insolvência é aberto em qualquer outra geografia, eventualmente segundo critérios de competência completamente distintos daqueles que valem na UE; ainda assim, apesar de nenhuma regulação no plano interno, é evidente que o estabelecido no art. 3.º, n.º 4, Reg. 2015/848 deve ser aplicado pelos tribunais portugueses sempre que o processo de insolvência seja abrangido por aquele acto europeu;
-- Por uma questão de clareza, optou-se por utilizar a terminologia que é própria do Reg. 2015/848; não é conveniente utilizar no CIRE uma terminologia diferente daquela que é usada no Reg. 2015/848, dado que isso só ajuda a criar confusão no intérprete.
3. Como é claro, a alteração do disposto no art. 7.º CIRE não é tudo o que há a fazer para colocar o CIRE em consonância com o Reg. 2015/848.
4. A latere do que acima se disse, aproveita-se para esclarecer a razão pela qual o art. 3.º Reg. 2015/848, parecendo estar a regular a "competência internacional", está realmente a regular o âmbito de aplicação espacial daquele acto europeu. A razão é muito simples (e, no fundo, reconduzível à máxima de que a jurisdição determina a lei aplicável):
-- O art. 3.º, n.º 1, Reg. 2015/848 atribui competência (exclusiva) ao tribunal do lugar do centro dos interesses principais do devedor para a abertura do processo principal de insolvência;
-- Se o devedor não tiver o centro dos interesses principais num EM, não há nenhum tribunal de um EM que seja competente para a abertura do processo principal de insolvência;
-- Logo, se o devedor não tiver o centro dos interesses principais num EM, a abertura do processo principal de insolvência só pode ocorrer num Estado terceiro, que, naturalmente, não vai aplicar o Reg. 2015/848;
-- Portanto, a circunstância de o devedor ter o centro dos seus interesses principais num EM constitui uma condição da aplicação do Reg. 2015/848.
MTS