"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))
05/02/2025
Jurisprudência 2024 (99)
"Concorda-se com a 2ª parte do acórdão e respectiva decisão, mas não com o decidido na 1ª parte, por se entender que o recurso deve ser admitido a subir imediatamente, tal como foi determinado na 1ª instância.
Ouvida a parte contrária, no suscitado incidente de intervenção principal provocada, proferiu-se despacho, à sombra do art. 318º, nº 2, do NCPC.
Com tal decisão terminou o referido incidente.
Assim, posto termo a tal incidente o recurso a interpor é o que está previsto no art. 644º, nº 1, a), in fine, do NCPC.
No acórdão cita-se posição doutrinal de Abrantes Geraldes, na sua obra Recursos …, no sentido do decidido, mas da consulta que efectuámos na referida obra (última edição, a 7ª), não conseguimos descortinar que assim seja. O mesmo autor no CPC Anotado dele (e mais dois outros autores), no 1º Vol. (última edição, a 3ª), consultado o mesmo, do que conseguimos descortinar, também não defende a posição que fez vencimento.
Também se citou Lebre de Freitas (no CPC Anotado, Vol. 1º, 4ª Ed.,) para defender a controversa questão, a propósito de despacho que admita a intervenção não ser autonomamente recorrível. Mas o nosso caso é exactamente o contrário.
Tal professor na referida obra, Vol. 3º (última edição, a 3ª), que cobre a análise do regime de recursos também não aponta para o decidido. Só no referido Vol. 1º (mencionada edição) o faz e defende exactamente o contrário da posição agora sentenciada. Diz tal autor que em caso de não admissão da intervenção - é o nosso caso - o recurso sobe imediatamente.
Também se diz no acórdão que estamos perante uma decisão de indeferimento/rejeição in limine do aludido incidente. Tratando-se de um indeferimento liminar, então menos se justifica o decidido, atento aquele art. 644º, nº 1, a), do NCPC.
04/02/2025
Jurisprudência 2024 (98)
interpretação da petição inicial
1. O sumário de STJ 8/5/2024 (616/22.4T8CLD.L1-2) é o seguinte:
A propósito da ineptidão da petição inicial, dispõe o artigo 186º do Código de Processo Civil:
“1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.2 - Diz-se inepta a petição:a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.3 - Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.4 - No caso da alínea c) do n.º 2, a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo”.
A nulidade do processo por ineptidão da petição inicial configura exceção dilatória nominada que determina a absolvição dos réus da instância – cfr.- artigos 576º, nºs 1 e 2, 577º, alínea b), 278º, nº 1, alínea b), CPC.
O pedido, que nos termos do disposto nos artigos 3º, nº 1 e 552º, nº 1, alínea e), CPC, deve ser formulado pelo autor na petição inicial, consiste na providência processual requerida ao tribunal para tutela da “(…) situação jurídica ou do interesse (…) materialmente protegido”- Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [Código de Processo Civil Anotado, Volume 2ª, 3ª edição], [...] pág. 352)]. Na definição destes autores, a causa de pedir consiste no facto constitutivo “da situação jurídica material que quer fazer valer” [Pág. 353.]. Assim, a causa de pedir será constituída “(…) pelo facto ou pelos factos concretos que preenchem a norma jurídica da qual o Autor faz derivar os direitos que, segundo ele, conduzirão à procedência do pedido” – Acórdão da Relação de Coimbra de 10-07-2019 [Proferido no processo nº 5149/19.3YIPRT.C1, disponível em www.dgsi.pt]. Nos termos do disposto nos artigos 5º, nº 1 e 552º, nº 1, alínea d), CPC, incumbe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir.
A contradição entre o pedido e a causa de pedir suscetível de gerar a ineptidão da petição inicial nos termos do artigo 186º , nº 2, alínea b), CPC, reporta-se a uma “(…) contradição lógica, distinta da inconcludência jurídica, isto é, da situação em que é alegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, constituindo causa de improcedência da ação (…)Em primeiro lugar, há que ter em conta que a ocorrência de factos impeditivos do efeito jurídico pretendido pelo autor , ainda que eles sejam alegados na petição inicial, é irrelevante para a configuração do vício (…) em segundo lugar (…) não basta que o efeito jurídico pretendido pelo autor não se retire da norma jurídica constitutiva por ele invocada: sempre haverá que ter em conta todas as outras normas constitutivas do sistema aplicáveis aos factos alegados, das quais o juiz o poderá oficiosamente retirar (…) em terceiro lugar, não basta ainda à contradição entre o pedido e a causa de pedir que nenhuma norma constitutiva estatua o efeito jurídico pretendido como consequência dos factos invocados como causa de pedir (…) é preciso que haja oposição entre o pedido e causa de pedir, que o pedido brigue com a causa de pedir” – José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, Vol 1º, pág. 354 e 355.].
Ora, por forma a indagar da verificação do mencionado vício, haverá que ter presente que da alegação contida na petição inicial extrai-se, no essencial, o seguinte:
- A autora em janeiro de 2019 celebrou um contrato de locação financeira que teve por objeto um veículo de marca Tesla, Modelo S Long Range, tendo-se comprometido a pagar à locadora 48 rendas, no valor global de € 75.105, 69, ficando com a opção de aquisição do veículo no termo do contrato, pelo valor de € 1.502,11, acrescido de IVA;- Em cumprimento de tal contrato, a autora celebrou com a ré “Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA” “um seguro com cobertura de danos próprios decorrentes de choque, colisão e capotamento e privação de uso por sinistro” (artigo 10º da petição inicial);- No dia 03-04-2021, o gerente da autora, condutor habitual da referida viatura, sofreu um sinistro, que consistiu no despiste da viatura, o qual foi participado à ré “Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA”;- Com vista à sua reparação, o veículo foi enviado para uma oficina sita em Alfragide, pertencente à ré “C. Santos-Veículos e Peças, SA”.;- A autora solicitou às rés “Tesla Portugal-Sociedade Unipessoal, Ldª” e “C. Santos – Veículos e Peças, SA” um veículo de substituição mas o mesmo foi-lhe recusado;- A reparação do veículo arrastou-se ao longo de quase 8 meses, o que se deveu à atuação de todas as rés; [...]- Na perspetiva da autora, a atuação das rés não foi diligente, gerando a violação do seu direito de propriedade, imputando-lhes a prática de facto ilícito extracontratual, nos termos do disposto no artigo 483º, nº 1 do Código Civil, considerando ser solidária a responsabilidade de todas as demandadas nos termos do disposto nos artigos 490º e 497º do Código Civil;- A autora solicitou, a título principal, a condenação solidária das rés no pagamento do valor global de € 22.859,05 e subsidiariamente, pediu a condenação da ré “Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA” no pagamento daquele valor.
A interpretação de tal articulado deverá ser efetuada de harmonia com os cânones interpretativos vigentes para a declaração negocial, atribuindo-lhe o sentido que um declaratário normal atribuiria, nos termos do disposto no artigo 236º do Código Civil, ex vi artigo 295º do mesmo código.
Ora, da leitura e interpretação da petição inicial, de harmonia com o princípio interpretativo exposto, conclui-se que a autora atribui às rés a prática de factos ilícitos (que enquadra juridicamente no domínio da responsabilidade extracontratual prevista nos artigos 483º e ss do Código Civil), considerando que a atuação de todas as rés, em conjunto e no concreto facto histórico que descreve naquele articulado, gerou os danos de que pretende ser compensado por via da presente ação. Danos esses que, de harmonia com o enquadramento jurídico que conferiu à causa, responsabilizam solidariamente todas as rés, nos termos do disposto nos artigos 490º e 497º do Código Civil.
Ora, tal enquadramento jurídico não se afigura isento de dúvidas e até de imprecisões. Desde logo, no artigo 90º da petição inicial, invoca a autora um direito de propriedade sobre o veículo que foi objeto do contrato de locação financeira descrito, contrato esse que por não estar ainda cumprido integralmente, e por não ter sido exercida ainda a opção de compra, não lhe confere tal direito – cfr. artigo 1º Dl 149/95, de 24 de junho, na sua atual redação. Porém, julgamos que se trata de lapso colmatado pela leitura global do articulado, do qual resulta que no período em que o veículo esteve imobilizado aguardando reparação, a autora, embora tenha suportado os encargos inerentes à locação financeira, pagando as rendas devidas, não o pode afetar à sua atividade, o que gerou um dos danos que pretende ver ressarcidos por via da presente ação. Ou seja, mais do que a lesão do direito de propriedade (cuja aquisição naquele momento constituiria mera expetativa), a autora viu lesado, de forma prolongada, o direito ao uso da viatura, direito esse que lhe era conferido pelo contrato em questão.
Por outro lado, também o enquadramento do litígio efetuado pela autora no âmbito da responsabilidade extracontratual não se afigura isento de dúvidas, uma vez que os factos concretos que carreou para os autos poderão vir a merecer enquadramento diverso, quer no âmbito da responsabilidade do produtor, quer no domínio contratual.
Ou seja, sendo manifesto que parte da factualidade alegada, ao contrário do que defende a recorrente, pode bem vir a ser subsumida à responsabilidade contratual, o certo é que a opção final de enquadramento jurídico apenas na decisão de mérito poderá vir a ser efetuada. No atual estado dos autos, tendo por base a alegação da autora, não pode deixar de ser configurada a eventual existência de um concurso entre a responsabilidade contratual e extracontratual que ocorre quando, como refere Fernando A. Ferreira Pinto [O concurso entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual, Revista de Direito Comercial, www.revistadedireitocomercial.com pág. 3 e 4] “um único facto danoso, praticado por uma só pessoa, integra simultaneamente os pressupostos de aplicação dos regimes da responsabilidade contratual e da responsabilidade extracontratual, representando, pois, concomitantemente, a inexecução de uma obrigação em sentido estrito e a violação do genérico dever de neminem laedere. São duas, por conseguinte, as suas caraterísticas essenciais: por um lado, do ponto de vista subjetivo, lesante e lesado correspondem, respetivamente, ao devedor e ao credor de uma relação obrigacional, por outro lado, do ponto de vista objetivo, o dano aquiliano é consequência direta do inadimplemento da obrigação”.
De todo o modo, interpretada a causa de pedir e os pedidos formulados, não pode concluir-se que se verifique, entre ambos, uma incompatibilidade formal, reveladora de falta de absoluto nexo lógico, ou sequer que ambos se excluam reciprocamente.
Ao invés, independentemente da procedência final da pretensão formulada, não pode deixar de considerar-se que o pedido formulado (indemnização) decorre da causa de pedir invocada (facto ilícito gerador de responsabilidade civil), não se verificando a apontada contradição, sem embargo de, no momento próprio, o tribunal a quo optar por diverso enquadramento jurídico para o litígio. Efetivamente, como já referido se no nosso regime processual civil, fortemente influenciado pelo princípio do dispositivo, cabe às partes carrear para o processo os factos (pelo menos os essenciais) que integrarão o objeto do processo, e ao tribunal incumbe a apreciação das questões que lhe incumbe conhecer com base nos fundamentos jurídicos que considere aplicáveis. Julgamos ser esta a posição que se revela mais conforme ao atual regime processual civil, relativamente ao qual se deve afirmar o “princípio da prevalência do fundo sobre a forma” com, se necessário, o convite à correção de imprecisões da matéria de facto ou à sua complementação, com base nos poderes de gestão inicial do processo conferidos ao juiz, e sempre com a perspetiva da justa composição do litígio e, consequentemente, da efetiva tutela jurisdicional– cfr. artigos 6º, 7º, e 590º CPC e artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
A este propósito, refere-se no acórdão da Relação de Évora de 17-06-2021 [Proferido no processo nº 112/20.4T8TBV-E1, disponível em www.dgsi.pt]:
“No novo regime processual civil foi reforçada a ideia que sustentava que a atividade processual desenvolvida pelas partes deve ser aproveitada até ao limite, de forma que todos os esforços deverão ser levados a cabo, quer pelo Juiz, ainda que ex officio, quer pelas partes, por sua iniciativa ou a convite daquele, sempre que seja possível corrigir as irregularidades ou suprir as omissões verificadas, de modo a viabilizar uma decisão de meritis (…) Efetivamente, a generalidade das exceções dilatórias são supríveis, quer por iniciativa do autor, quer por determinação oficiosa do Tribunal” e na mesma decisão, citando Abrantes Geraldes [Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. I, 2ª edição pág. 126, 132, 147 a 150 e 158] a propósito da falta de requisitos dos pedidos, refere-se que “(…) deve prevalecer o entendimento de «impor o aproveitamento da instância, em conjugação com todo um conjunto de princípios que sempre devem orientar o intérprete na busca das melhores soluções – (economia processual, prevalência da substância sobre a forma, eficiência do sistema, cooperação mútua) – exigem que a questão em análise seja resolvida de forma diversa daquela que deveria emergir do anterior CPC, ao nível do despacho saneador».
Importa, pois, determinar a revogação da decisão recorrida, substituindo-a por outra que, julgando improcedente a exceção de nulidade do processo por ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir, ordene a prossecução dos autos."
[MTS]
03/02/2025
Legislação (243)
Tabela de honorários
Prevê [sic] uma atualização da tabela de honorários, seja quanto aos atos descritos, seja quanto aos valores respetivos, e as suas regras de aplicação.
Jurisprudência 2024 (97)
Encontrando-se preenchidos os pressupostos gerais de admissibilidade de recurso e enquadrando-se o acórdão recorrido no n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, admite-se a revista, com efeito meramente devolutivo (n.º 1 do artigo 676.º do Código de Processo Civil), não sendo caso de “revista excepcional” e, portanto, de envio do processo à Formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.
Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que “a dupla conformidade de decisões da 1.ª Instância e da Relação, nos termos definidos pelo n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, não constitui obstáculo à apreciação da aplicação feita pela Relação, seja dos requisitos exigidos pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil para a impugnação da decisão de facto da 1ª Instância, seja dos poderes que são conferidos à 2ª Instância pelo artigo 662.º, no recurso de revista (“normal”, por oposição à “revista excepcional”, que tem requisitos específicos de admissibilidade – artigo 672.º do Código de Processo Civil e pressupõe a ocorrência de dupla conformidade das decisões das instâncias). Observa-se frequentemente que, quanto a uns e a outros, não existem duas decisões, o que, por si só seria suficiente para excluir a eventualidade de dupla conforme” (excerto retirado de Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Julgamento de facto em 1.ª e 2:ª Instâncias, Jurismat, n.º 12, 2020, pág. 203 e segs., pág. 216).
5. Como também se recordou em outro acórdãos – por tratar-se de questão repetidamente colocada ao Supremo Tribunal de Justiça –, seguindo-se aqui o acórdão de 11 de Julho de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 121/06.6TBOBR.P1.S1 «Como o Supremo Tribunal de Justiça já por diversas vezes observou (cfr. por exemplo o acórdão de 4 de Novembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 7006.05.1TBBRG.G1.S1 e jurisprudência nele citada, e ainda os acórdãos de 29 de Novembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 39/2002.E1.S1 ou de 30 de Junho de 2011, www.dgsi.pt, proc. 6450/05.9TBSXL.L1.S1), “a impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão. Como se diz no preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), ‘a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. (…) Nesse sentido, impôs-se ao recorrente um ‘especial ónus de alegação’, no que respeita ‘à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação’, em decorrência ‘dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta. Daí que se estabeleça’, continua o mesmo preâmbulo, ‘no [então] artigo 690º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, impunham diversa decisão sobre a matéria de facto. Tal ónus acrescido do recorrente justifica, por outro lado, o possível alargamento do prazo para elaboração e apresentação das alegações, consentido pelo nº 6 do [então] artigo 705’. O ónus especificamente criado foi, assim, justificado pela necessidade de impor ao recorrente uma ‘delimitação do objecto do recurso’ e uma ‘fundamentação’, repete-se, tendo em conta o âmbito possível do recurso da decisão de facto, tal como foi concebido (cfr. acórdãos de 9 de Outubro de 2008, www.dgsi.pt, proc. nº 07B3011, ou de 18 de Junho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 08B2998). O artigo 690º-A do Código de Processo Civil foi posteriormente alterado pelo Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto. Continuou a incumbir ao recorrente que pretenda impugnar a decisão de facto proferida em primeira instância, para o que agora releva, ‘especificar (…) os concretos pontos de facto que [o recorrente] considera incorrectamente julgado’ e ‘os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida’. Mas, se ‘os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas [tiverem] sido gravados’, passou a caber-lhe, ‘sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522ºC’.O artigo 690º-A veio a ser revogado pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, que em sua substituição acrescentou ao Código o artigo 685º-B, mantendo os ónus referidos (indicação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados e dos concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que implicassem decisão diversa da proferida), mas determinando que, sendo possível ‘a identificação precisa e separada dos depoimentos’, que cabe ao recorrente, ‘sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição’.
Como também se teve já a ocasião de observar (cfr. “Notas sobre o novo regime dos recursos no Código de Processo Civil”, in O Novo Processo Civil, Contributos da doutrina para a compreensão do novo Código de Processo Civil, caderno I, Centro de Estudos Judiciários, Dezembro de 2013, pág. 395 e segs)., a reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis, aliás modificado significativamente pouco tempo antes, pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto; mas teve a preocupação de ‘conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto’, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República, de cuja aprovação veio a resultar o actual Código de Processo Civil, disponível em www.parlamento.pt .
Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente:
– manteve a indicação obrigatória ‘dos concretos pontos de facto’ que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),
– manteve o ónus da especificação dos ‘concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida’ (al.b),
– exigiu ao recorrente que especificasse ‘a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas’ (al. c),
Cumpridos os requisitos assim definidos para a delimitação e fundamentação da impugnação da decisão de facto, então caberá à Relação julgar o recurso, nos termos amplos acima referidos.”
Estes ónus, no entanto, têm que ser entendidos à luz da respectiva função, como se recorda no acórdão de 29 de Outubro de 2015 deste Supremo Tribunal, www.dsgi.pt, proc. nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, não devendo tornar-se em requisitos desproporcionadamente exigentes, tendo em conta o objectivo, em primeiro lugar, de delimitação e fundamentação do recurso e, em segundo lugar, de permitir ao tribunal de recurso encontrar sem dificuldade os pontos dos elementos de prova gravados que o recorrente tem por mal apreciados: “Percorrendo, deste modo, os regimes processuais que têm vigorado quanto a este tema, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação – que tem subsistido sem alterações relevantes; e um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes.(…) o incumprimento do referido ónus secundário, tendente apenas a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contem a gravação da audiência, deverá ser avaliado com muito maior cautela: é que, por um lado, o conceito usado pela lei de processo (exacta indicação das passagens da gravação) é, até certo ponto, equívoco, pressupondo a necessidade de distinguir entre a (insuficiente) mera indicação e a indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados; por outro lado, por força do princípio da proporcionalidade, não parece justificável a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa – não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado (como ocorrerá normalmente nos casos, como o dos autos, em que tal indicação do recorrente das passagens da gravação, é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso)».
Finalmente, importa também lembrar (cfr. acórdão de 8 de Março de 2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1 « (…) que se discutiu, ainda no domínio da lei anterior ao Código de Processo Civil de 2013 e após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 39/95, se, ao apreciar o recurso da decisão de facto sem imediação, mas com base no registo de prova que, em primeira Instância, havia sido produzida e apreciada de acordo com os princípios da oralidade e da imediação, a Relação se devia limitar a verificar a congruência entre o julgamento de facto impugnado e a respectiva fundamentação ou, diferentemente, se lhe cabia decidir de acordo com a convicção a que chegasse, nos termos do princípio da livre apreciação da prova. A jurisprudência que veio a formar-se no Supremo Tribunal de Justiça foi neste último sentido (…). Cfr. apenas como exemplo, os acórdãos de 15 de Maio de 2008, www.dgsi.pt, proc. n.º 08B1205, de 12 de Maio de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 13951/16.1T8LSB.L2.L1.S2, de 17 de Dezembro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 603/17.4T8LSB.L1.S1 ou de 16 de Dezembro de 2020, proc. n.º 4016/13.9TBVNG.P1.S3: “É hoje jurisprudência seguida por este Supremo que a reapreciação da decisão de facto impugnada, por parte do tribunal de 2.ª instância, não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa”.»
Na verdade, o objectivo do Código de Processo Civil de 2013 de “conferir maior eficácia à 2.ª Instância para o exame da matéria de facto”, a que se fez já referência, não se esgotou na ampliação dos seus poderes, “revelou-se igualmente na consagração expressa da regra da livre apreciação da prova pela Relação, quando julga o recurso sobre a matéria de facto – n.º 5 do artigo 607.º, aplicável à apelação por força do disposto no artigo 663.º, n.º 2 (cfr. por exemplo o acórdão n.º 588/12.3TBPVL.G2.S1).” – mesmo acórdão de 8 de Março de 2022."
[MTS]
31/01/2025
Legislação (242)
Centro de Estudos Judiciários
Procede à quinta alteração à Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, que regula o ingresso nas magistraturas, a formação de magistrados e a natureza, estrutura e funcionamento do Centro de Estudos Judiciários.
Breves notas sobre a impugnação de decisões de tribunais arbitrais nos tribunais judiciais
Jurisprudência 2024 (96)
1. O sumário de RC 9/4/2024 (84/12.9TBVZL-Z.C1) é o seguinte:
Para além do circunstancialismo fáctico que consta do relatório, teremos ainda os seguintes factos com interesse para a apreciação da decisão em apreço:
1. Na Ação de divórcio por mútuo consentimento nº 84/12...., respeitante ao casal BB e AA, estes apresentaram os acordos legais, entre os quais um acordo quanto ao destino da casa de morada de família, acordos estes que foram homologados por sentença de 16-11-2014, que decretou o divórcio de ambos por mutuo consentimento.
2. Em tal acordo, declaram que “acordam, em conformidade com o estabelecido nos artigos 1775º, nº2, do Código Civil, e 1419º, nº1, al. f), do Código de Processo Civil, o destino da casa de morada de família, nos termos seguintes: Os Requerentes acordam que o direito de uso e habitação da casa de morada de família caberá ao requerente BB”.
3. Com base em tal acordo, o ex-cônjuge BB logrou registar a seu favor o direito de uso e habitação relativamente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...56º, que faz parte do património comum do casal;
4. Por escritura de doação celebrada no dia 15.12.2014, o BB declarou doar aos filhos CC, DD e EE, em comum e partes iguais, por conta da quota disponível, a sua meação no património comum do casal, mantendo para si o direito de uso e habitação sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...56 de ..., descrito na CRP ... sob o nº ...36, atribuindo à doação o valor de 20.000 €.
5. Por sentença de 09-06-2016, proferida na ação comum nº 3783/15...., transitada em julgado, foi declarada anulada a declaração, emitida pela autora aqui interessada AA, no acordo sobre o destino de morada de família constante do processo 84/12...., incidente sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...56 de ..., nos termos do qual “o direito de uso e habitação da casa de morada de família caberá ao requerente BB”. [...]
O tribunal a quo entendeu que declarado anulado, por sentença transitada em julgado, o acordo junto no processo de divórcio, pelo qual “o direito de uso e habitação da casa de morada de família caberá ao requerente BB”, e com base no qual este logrou o registo a seu favor de tal direito, o mesmo deixou [de] ser interessado no presente inventário:
“Daí decorre que, tendo sido anulada tal declaração, que motivou a “reserva” constante da primeira escritura de doação (“mantendo – o interessado BB – para si o direito de uso e habitação sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o art. ...56 de ..., descrito na CRP ... sob o nº ...36”), daí resulta que tal “reserva” deixou de ter objecto, implicando a exclusão do interessado BB dos presentes autos, por se encontrar processualmente substituído pelos donatários/cessionários, atrás identificados.
Insurge-se o Apelante contra o decidido, com os seguintes fundamentos:
- A sentença proferida no processo 3783/15.... apenas declarou a nulidade do acordo sobre o destino da casa de morada de família homologado na sentença de divórcio;
- Não tendo sido declarada a nulidade da escritura de doação da meação, pela qual [BB] reservou para si o direito ao uso e habitação sobre um prédio urbano que compõe a referida meação;
- Sendo o requerente titular do direito de uso e habitação, que reservou para si na escritura de doação da meação, tem legitimidade para intervir nos autos de inventário;
- Ao excluir o recorrente do inventário, sem ter apreciado a questão da reserva do uso e habitação constante da escritura de doação da meação, a sentença fez incorreta aplicação da lei e do direito violando as normas jurídicas previstas nos artigos 1688.º e 1689.º, ambos do C.C., no que se refere ao objeto das relações patrimoniais que cessaram após o divórcio e ainda as normas jurídicas previstas nos artigos 958.º e 959.º do mesmo C.C. nos que se refere à liberdade do doador reservar para si o uso e habitação e artigos 1484.º a 1490.º também do mesmo C.C. no que se refere aos limites e conteúdo do direito ao uso e habitação.
O Apelante distingue, assim, “o direito de uso e habitação” que lhe havia sido atribuído pelo acordo celebrado no âmbito do processo de divórcio e que veio a ser anulado por sentença, e “o direito de uso e habitação” de que, em seu entender, é titular, pelo simples facto de incidir sobre um imóvel que faz parte do património comum, direito que reservou para si aquando da doação da meação que doou a alguns dos seus filhos.
E sustenta que o tribunal não o podia excluir do inventário, julgando-o parte ilegítima sem apreciar a questão da reserva do uso e habitação constante da escritura de doação da meação.
E, nesta parte, temos de dar razão ao Apelante.
A declaração de anulabilidade, decretada por sentença proferida no processo 3783/15...., do acordo quanto à casa de morada de família homologado na sentença que decretou o divórcio entre ambos e pelo qual “o direito de uso e habitação da casa de morada de família caberá ao requerente BB” [...] não esgota, por si só, a questão de saber se o ex-cônjuge continua a ser interessado no presente inventário.
Com efeito, encontrando-nos perante um inventário para partilha do património comum após dissolução do casamento por divórcio e face à escritura de doação que o ex-cônjuge, BB, fez a três dos seus filhos – pela qual declarou doar a estes a sua meação nos bens comuns do casal, reservando para si o “direito de uso e habitação” sobre um imóvel que faz parte dos bens comuns do casal, o tribunal não poderia excluir o doador do inventário, sem apreciar a validade da doação e, em especial, a validade da “reserva” que para si fez do “direito de uso e habitação” de um dos imóveis que fazem parte do património comum do casal e, no caso de invalidade desta, se a mesma afetava a doação.
A declaração de anulabilidade proferida na ação 3783/15, do acordo junto ao processo de divórcio, que atribuiu ao interessado BB o direito de uso e habitação da casa de morada de família, não esgota nem importa a resolução automática da questão da validade do negócio de doação da sua meação no património comum
Atentar-se-á em que, a ser válido o acordo homologado na ação de divórcio (e a entender-se que o direito atribuído era o direito real de uso e habitação e não um mero direito obrigacional a habitar a casa de morada de família), o direito de uso e habitação daquele imóvel passaria a integrar o património do ex-cônjuge enquanto bem próprio. Declarada a anulabilidade de tal acordo, e não tendo sido apreciada a validade da doação feita por si feita – pela qual doou a sua meação reservando para si o direito de uso e habitação de um prédio urbano que faz parte desse património comum – colocar-se-á a questão de saber se, ao doar a sua meação, o ex-cônjuge poderia dela excecionar o direito de uso e habitação sobre algum dos bens do património comum do casal.
Ou seja, apesar de a atribuição do direito ao uso e habitação contida naquele acordo ter sido declarada anulada, permanece de pé o negócio formalizado pela escritura de 15-12-2014, de doação da sua meação, reservando para si o “direito de uso e habitação” de um imóvel que faz parte do património comum.
Sendo, em princípio, válido o negócio que incida sobre a sua meação após a dissolução do casamento, e considerando-se que antes da partilha, nenhum dos ex-cônjuges possui qualquer direito próprio a qualquer dos bens que a integram, exercem em conjunto o direito inerente àquele património autónomo [---], haveria que apreciar previamente se o direito ao uso de determinado bem se pode considerar incluído na sua meação, enquanto direito autonomizável e que o ex-cônjuge pudesse reservar para si.
A decisão recorrida não podia excluir do inventário o interessado BB sem apreciar a questão da (in)validade da reserva do direito de uso e habitação de um determinado imóvel que faz parte do património comum e, no caso de se considerar a mesma inválida, se tal invalidade afeta, ou não, a própria doação da meação.
E, a solução a dar a tal questão afetará, não só, a definição da legitimidade processual para este inventário, mas igualmente quem são os titulares dessa meação no património comum que aqui se está a partilhar.
A apelação será de proceder, sem outras considerações."
[MTS]
30/01/2025
Jurisprudência 2024 (95)
1. O sumário de RC 23/4/2024 (3828/23.0T8CBR.C1) é o seguinte:
I – Não é a parte que envia uma carta para o domicílio da outra parte na relação contratual que tem o ónus de saber se a mesma chegou ou não ao conhecimento do destinatário, bastando que pratique todos os atos para que a mesma chegue ao seu destinatário, ou seja, os atos necessários e suficientes que coloquem o destinatário em condições de a receber e ter acesso ao respetivo conteúdo.
II – Se o fornecedor de energia elétrica (declarante) enviou para a morada constante do contrato uma carta, que não foi devolvida, praticou os aludidos atos necessários e suficientes, pelo que, se a contraparte (declaratário) não a leu, só disso se pode queixar e tal omissão só a si é imputável.
No que a esta questão respeita, alega a recorrente que não litigou de má fé, com o fundamento em que não actuou dolosamente nem com negligência grave, nem com o intuito de prejudicar a requerida, até porque não recebeu a comunicação de 23/8, informando da possibilidade do corte.
Na sentença recorrida, em resumo, concluiu-se pela existência de má fé por parte da requerente, com o fundamento em que a mesma alegou no requerimento inicial factos de que tinha conhecimento que não correspondiam à verdade e que tinham importância no desfecho da acção, designadamente que não lhe foi enviada qualquer comunicação escrita avisando da possibilidade de corte de electridade, vindo-se, ao invés, a apurar que lhe foram enviadas cartas e SMS, a disso avisar, bem como a indicar/agendar as datas de visita de um técnico para a mudança do contador, bem como contactos telefónicos, com vista à mudança do contador, o que tudo resultou infrutífero.
Para além de que negou a chamada telefónica referida no item 19.º, apenas vindo a admitir a sua veracidade após a junção aos autos da respectiva gravação, o que tudo constitui “comportamento processual reprovável”.
Posto isto, impõe-se começar por clarificar, antes de nos debruçarmos sobre o “mérito” de tal consideração/condenação, que, para tal juízo de censura processual, relevam apenas e só os factos dados como provados; ou seja, no raciocínio lógico (silogismo judiciário) que conduz à condenação de alguém como litigante de má-fé, a premissa menor só pode ser composta pelo cotejo entre o que a parte alegou e o que, em oposição ao alegado, consta dos factos dados como provados.
Dito doutra forma, o tribunal não pode alicerçar um juízo sobre a má-fé no que se fez constar na motivação da decisão de facto (e, muito menos, na de direito); assim como não pode extrair um juízo de má-fé dum facto não provado, uma vez que, todos o sabemos, num processo, um facto não provado não é sinónimo da prova positiva do facto contrário.
Tendo isto presente, importa salientar que, cotejando a alegação da requerente constante do requerimento inicial e os factos dados como provados verifica-se, efetivamente, que contrariamente ao alegado pela requerente, demonstrou-se a veracidade de todas as comunicações efectuadas entre as ora partes, melhor descritas nos itens 11.º a 14.º e 18.º e 19.º, com vista à substituição do contador e/ou corte/religação da electricidade no escritório da requerente.
Mais do que isso, a requerente só admitiu a existência do contacto telefónico mencionado no item 19.º, depois de ter sido junta a respectiva gravação.
Trata-se do núcleo dos factos essenciais em que a requerente baseia a sua pretensão.
Assim, em nossa opinião tem de se concluir que a requerente alterou a verdade de factos relevantes (essenciais, segundo o art. 5.º/1 do CPC) para a decisão de causa.
Pode/deve ser considerado litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver, designadamente, deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou quem tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa (cfr. art. 542.º/2/a) e b) do CPC).
Significa isto que a mera falta de razão – quer quando a parte não demonstra a sua versão factual quer ainda quando se demonstra a versão factual oposta – não é por si só suficiente para legitimar uma condenação como litigante de má-fé (em tal hipótese, a “sanção” está justamente na improcedência da sua pretensão ou oposição); sendo necessário, para poder ser proferida uma condenação como litigante de má-fé, que a oposição entre a versão alegada e a que resultou provada seja subjectivamente imputável ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração intencional ou, pelo menos, consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes exige a negligência grave, grosseira.
Trata-se de factos pessoais, relativamente à requerente, de que esta, necessariamente, tinha de ter conhecimento, de que apresentou uma versão completamente oposta do que se veio, efectivamente, a demonstrar, o que, face ao exposto, integra os fundamentos para que a requerente seja, como o foi, condenada como litigante de má fé.
Esta, apenas questionou a existência de tais fundamentos, não tendo suscitado a questão da fixação e/ou redução dos montantes da multa e/ou indemnização fixadas na decisão recorrida, pelo que, quanto a tal, nada há a referir."
29/01/2025
Jurisprudência 2024 (94)
I. O sumário de RL 18/4/2024 (422/23.9T8CSC-A.L1-6) é o seguinte:
1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.”,
I - o âmbito do seguro de responsabilidade civil facultativo, a intervenção provocada da seguradora, suscitada pela ré, demandada como lesante, só pode ocorrer acessoriamente e não a título de intervenção principal;II- Só assim não será, podendo ser demandada diretamente a seguradora, ou ser deduzida a sua intervenção principal, quando tal se encontre expressamente previsto no contrato de seguro ou quando o segurado tenha informado o lesado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações diretas entre o lesado e o segurado”.
I- São pressupostos de admissibilidade da demanda comum que haja um estado de comunidade jurídica a respeito do objecto litigioso, ou que os litisconsortes sejam titulares de um direito ou obrigação pela mesma causa de facto e jurídica, ou que as pretensões dos litisconsortes sejam da espécie e se baseiem em causas de facto e de direito equivalentes.II- Tendo-se transferido através da celebração do contrato de seguro, assumidamente concebido como um contrato a favor de terceiro, o pagamento do quantum indemnizatório para a seguradora, perante o lesado, segurado e seguradora são solidariamente responsáveis.III- Por essa razão, obrigando-se a seguradora para com o lesado a satisfazer a indemnização devida, fica aquele com o direito de demandar directamente a seguradora, ou o segurado, ou ambos, em litisconsórcio voluntário, razão pela qual, não sendo o segurado ou a seguradora, respectivamente, parte originária na demanda, nada impede que se suscite o incidente de intervenção provocada do segurado ou da seguradora, respectivamente, promovendo a apreciação da sua situação jurídica e constituindo a sentença caso julgado quanto a eles.
MTS