"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



24/07/2025

Jurisprudência 2024 (216)


Rol de testemunhas; alteração;
prazo regressivo


I. O sumário de RG 22/11/2024 (776/21.1T8BGC-A.G1) é o seguinte:

1. O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias;

2. Essa antecedência de 20 dias refere-se à realização efetiva da audiência final e não à sua simples abertura, aplicando-se o preceito mesmo que haja adiamento ou continuação da audiência noutra sessão.


II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"C) Trata-se, nesta apelação, de saber se se deverá ser admitida a inquirição das testemunhas EE e FF.

Recorde-se que a ré EMP01... veio em 16/04/2024, requerer o aditamento de uma testemunha, que identifica, a apresentar para a audiência de julgamento que teria lugar em 15/05/2024, na medida em que na audiência de julgamento realizada em 21/03/2024 apenas foi possível proceder à tentativa de conciliação, com subsequente suspensão da instância e marcação de nova data, no intuito de as partes tentarem a autocomposição do litígio, o que não foi possível.

No despacho recorrido foi considerado que o limite temporal para a alteração do requerimento probatório, nos termos do preceituado no artigo 598º nº 2, do NCPC se deve reportar à data designada para a audiência final ou para a primeira sessão, independentemente de qualquer adiamento, para mais quando o adiamento seja causado pela própria parte que agora se pretende do mesmo aproveitar, pelo que indeferiu o aditamento requerido.

Vejamos.

Estabelece o artigo 598º nº 2 NCPC que “o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias.”

A este propósito, debatem-se duas correntes jurisprudenciais e doutrinais, considerando uma que o prazo referenciado no nº 2 do artigo 598º NCPC deverá  reportar-se à data designada pelo juiz para a audiência final ou para a primeira sessão, independentemente de qualquer adiamento, posição sustentada por Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª Edição, página 327, nota 750 e pelo acórdão da Relação do Porto de 12/05/2015, Processo nº 7724/10....

Existe, porém, outra posição que entende que a antecedência de 20 dias se refere à realização efetiva da audiência final e não à sua simples abertura, aplicando-se o preceito mesmo que haja adiamento ou continuação da audiência noutra sessão, como é o caso de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, Vol. II, 3ª Edição, páginas 675-676 e Acórdãos da Relação do Porto, de 21/02/2019, Processo nº 464/17.3T8ESP-A.P1, da Relação de Guimarães de 17/12/2015, Processo nº 3070/09.2TJVNF-B.G1, de 18/06/2020, Processo 934/19.9T8VCT.G1, de 09/02/2023, Processo nº 643/21.9T8EPS.G1-A e da Relação de Coimbra de 08/09/2015, Processo nº 2035/09.9TBPMS-A.C1 (cfr. a este propósito António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pereira de Sousa, no Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 2ª Edição, a páginas 730).

Conforme se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 09/02/2023, no Processo 643/21.9T8EPS.G1-A “a questão de saber se o limite temporal previsto no nº 2 do artigo 598º do CPC, para o aditamento ou alteração do rol de testemunhas, deve reportar-se à data designada pelo juiz para a audiência final ou para a primeira sessão, independentemente de qualquer adiamento, ou se os 20 dias a que se reporta o citado preceito devem contar-se com referência a qualquer uma das sessões em que a audiência final se pode repartir, ou ainda se tal prazo deve contar-se tomando como referência a sessão da audiência final que dá efetivamente início à discussão da causa e não a simples abertura desta, tem sido objeto de controvérsia.

Em defesa deste último entendimento, refere-se no Ac. do TRL de 15-11-2012, antes referenciado: o «alargamento do prazo para indicação de novos meios de prova, supostamente até vinte dias antes da última sessão da audiência de julgamento, seria um fator de perturbação do processo, numa fase muito sensível como se julga ser a do julgamento, designadamente no que respeita ao respetivo agendamento, numa única ou em várias sessões, separadas, ou não por mais de vinte dias, ou ainda ao agendamento da continuação não prevista de uma audiência que, com mais ou menos fundamento, não seja concluída na data prevista. Poderiam ser suscitadas muitas questões, tendo por referência o decurso do referido prazo de vinte dias, como condição da admissão de um novo meio de prova», pelo que «a possibilidade de o rol de testemunhas ser aditado até vinte dias antes de qualquer sessão da audiência de julgamento seria uma causa de instabilidade e de perturbação processual, que o interesse tutelado não justifica».

Perfilhando idêntico entendimento, a propósito da interpretação do disposto no artigo 598.º, n.º 2 do CPC, refere-se no citado Ac. do TRC de 12-07-2022: «[o] aludido preceito legal reproduz o anterior artigo 512.º-A do CPC de 1961, na versão do DL 180/96, de 25-09, decorrendo desta alteração um regime de prova mais permissivo que o regime de prova anterior que, conforme refere LOPES DO REGO, assentava numa “tendencial imutabilidade dos requerimentos probatórios, mesmo nos casos em que decorriam largos meses ou anos entre a indicação das testemunhas e a realização da audiência, considerava-se como excessivamente restritivo, “amarrando”, sem justificação plausível, a parte a provas indicadas com enorme antecedência”.

No entanto, este regime de prova mais permissivo exige, ainda assim, de molde a evitar constrangimentos e atrasos na produção de prova e realização do julgamento, uma antecedência de 20 dias antes da data em que se realize a audiência final. Assim, o que releva para a contagem deste prazo é a data em que efetivamente se realize ou inicie a audiência final. Uma vez iniciada, é irrelevante para o efeito que esta se prologue por várias sessões ainda que entre as mesmas decorram mais de 20 dias.

Por outro lado, a jurisprudência e doutrina maioritárias têm entendido que este prazo deve ser contado tendo como referência a realização efetiva da audiência final e não a sua simples abertura, seguida de adiamento ou suspensão».

Atento o exposto entendemos que o prazo de aditamento ou alteração do rol de testemunhas do artigo 598º nº 2 NCPC, onde se refere que o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, se refere à realização efetiva da audiência e, em caso de adiamento, será tempestivo tal aditamento se ocorrer até vinte dias antes da sua efetiva realização na nova data designada para o início do julgamento.
Com efeito, se atentarmos no seu significado, realizar significa tornar ou tornar-se real ou concreto, concretizar-se, materializar-se, pelo que se a audiência se inicia e conclui, esgotando o seu objeto, no mesmo dia, como é normal, ela conclui-se, termina nesse momento.

Pelo contrário, se se inicia, num determinado momento mas não se conclui na mesma data e tem de prosseguir em data posterior, ela perdura ou continua, mantendo a sua qualidade de audiência em qualquer momento, até que se conclua, esgotando o seu objeto, pelo que não poderá deixar de se entender que em qualquer uma das datas em que ocorreu a audiência, a mesma se realizou (hoc sensu).

Uma segunda questão tem a ver com o facto de a ré seguradora ter junto um documento aos autos em 12.04.2024, referente às condições particulares associadas à apólice nº ...77, cuja genuinidade veio a ser impugnada pela autora no seu requerimento de 15.04.2024, sendo neste contexto que a ré veio requerer a inquirição das testemunhas EE e FF, invocando para o efeito o facto de a sessão de julgamento se encontrar agendada para dia 15.05.2024 e, ainda, o disposto no artigo 445º do NCPC.

Estabelece este artigo que notificada a impugnação (da genuinidade do documento), a parte que produziu o documento pode requerer a produção de prova destinada a convencer da sua genuinidade, no prazo de 10 dias, limitado, porém, em 1ª instância, ao termo das alegações orais.

Ora seguindo a cronologia referida temos que a ré juntou o documento aos autos em  12/04/2024, que foi impugnado pela autora em 15/04/2024, tendo a ré requerido, em 16/04/2024, nos termos do artigo 445º NCPC, a inquirição de duas testemunhas, encontrando-se a data da audiência designada para o dia 15/05/2024, quase um mês depois, pelo que não existia fundamento para indeferimento do requerimento de 16/04/2024, que assim, deverá ser deferido.

Face ao exposto, resulta que a apelação terá de ser julgada procedente, revogando-se o douto despacho recorrido e, em consequência, por ser tempestivo, admitir-se o aditamento ao rol de testemunhas para a audiência de julgamento, bem como admitir-se a produção de prova, com inquirição das testemunhas, nos termos do disposto no artigo 445º nº 2 NCPC."

[MTS]