Arresto;
perda da garantia patrimonial
1. O sumário de RP 10/7/2024 (595/24.3T8VNG-A.P1) é o seguinte:
I - O arresto preventivo, enquanto procedimento cautelar especificado, está dependente da verificação cumulativa de dois requisitos: a provável existência do crédito; e o justificado receio de perda da garantia patrimonial.
II - Quanto ao primeiro requisito, o mesmo basta-se com a “aparência do direito”; isto é, com a prova sumária de que esse direito existe.
III - Já em relação ao segundo, exige-se que o receio de perda da garantia patrimonial seja objetivamente justificado; ou seja, que esse sentimento seja provocado por factos que determinariam idêntica reação numa pessoa normal, colocada nas mesmas circunstâncias.
IV - No caso, este último pressuposto não está, mesmo que só indiciariamente, demonstrado.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"A primeira nota que importa realçar é que não vem impugnada a matéria de facto fixada na sentença recorrida.
Por outro lado, e na decorrência dessa falta de impugnação, pode considerar-se pacífico, porque indiciariamente demonstrado, que a Requerida não é proprietária do imóvel que foi arrestado, mas antes apenas sua locatária.
Ainda assim, a Requerente insiste na manutenção do arresto decretado, visto que a expetativa de aquisição, do seu ponto de vista, pode ser igualmente apreendida e, por outro lado, tanto o seu crédito como o justo receio de perder a correspondente garantia patrimonial estão indiciariamente demonstradas.
Na sentença recorrida, no entanto, não se considerou verificado este último pressuposto.
E é em razão disso que vem interposto o presente recurso.
Como resulta do disposto nos artigos 391.º, do CPC, só o “credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”.
Esse receio, portanto, a par da provável existência do crédito, é um pressuposto de cuja verificação depende o decretamento do arresto (cfr. ainda artigo 619.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 392.º, n.º 1, do CPC). Mas, enquanto para este último requisito, é entendimento generalizado na doutrina e jurisprudência que para o seu preenchimento basta a “aparência do direito”; isto é, a prova sumária de que esse direito existe [---], relativamente ao segundo, exige a lei que o receio do requerente seja passível de ser objetivado e justificado; ou seja, que esse sentimento de receio seja provocado por factos que determinariam idêntica reação numa pessoa normal colocada nas mesmas circunstâncias. “[P]ode tratar-se do receio de insolvência do devedor (a provar através do apuramento geral dos bens e das suas dívidas) ou do da ocultação, por parte deste, dos seus bens (se, por exemplo, ele tiver começado a diligenciar nesse sentido, ou ousar fazê-lo para escapar ao pagamento das suas dívidas); mas pode igualmente tratar-se do receio de que o devedor venda os seus bens (como quando se prove que está tentando fazê-lo) […] ou os transfira para o estrangeiro […], ou de qualquer outra actuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito […]. Não é o caso quando apenas se alegue que o devedor pretende ausentar-se para país estrangeiro […]; mas é-o quando o devedor emite cheques que não obtêm provisão e cessa a sua actividade comercial, só tendo como rendimentos os do seu trabalho […], ou quando a sociedade devedora se encontra em situação económica difícil e se prepara para encerrar a sua actividade, pretendendo os sócios constituir nova sociedade, não pagando aos credores, como já duas vezes fizeram anteriormente […]”[Neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3ª ed., Almedina.]/[No mesmo sentido se pronunciam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, Almedina, pág. 466.].
Em suma, o receio de perda da garantia patrimonial não pode traduzir-se numa mera suspeita do credor, mas, ao invés, para ser considerado justo, há-se assentar em factos concretos, que o revelem à luz de uma prudente apreciação (factos, atitudes ou, pelo menos, certa maneira de ser) que denunciem uma disposição do devedor de subtrair o património à ação dos credores [Cfr. por exemplo, Ac. STJ de 03/03/1998, C.J., STJ, Ano 6.º, Tomo I, pág. 116 e Ac RC de 06/03/2018, Processo n.º 1833/17.4T8FIG.C1, consultável em www.dgsi.pt].
Ora, aplicando estas noções ao caso em apreço, temos para nós que, como se decidiu na sentença recorrida, este pressuposto não está verificado.
Com efeito, se nos cingirmos, como devemos, à factualidade provada, facilmente verificamos que nela não há qualquer facto que aponte para a perda de garantia patrimonial de que a Requerente se queixa.
Não sabemos, desde logo, qual a situação financeira e patrimonial da Requerida, presentemente. A Requerente alega que a Requerida reconhece que está numa situação de insolvabilidade, mas os factos provados (que, repetimos, não foram impugnados) não nos dão conta dessa realidade.
Por outro lado, se é certo que a Requerente alegou que a Requerida se preparava para alienar o imóvel arrestado, a verdade é que, por um lado, só se veio a apurar que a mesma é apenas locatária desse imóvel e, por outro lado, a projetada venda não veio a ser realizada, nem sequer prometida. O que, de resto, a Requerente também aceitou nos autos principais.
Não há ainda nenhum negócio ou ato de gestão demonstrado que justifique o receio alegado.
E, se é certo que a Requerente se queixa do atraso no pagamento do crédito de que se arroga titular e de a Requerida se esquivar a realizá-lo, a verdade é que o arresto não é, em si mesmo, do ponto de vista jurídico [que não necessariamente ponto de vista prático], um meio de coação ao cumprimento. É antes um meio (cautelar) de garantia patrimonial para o credor que tem justificado receio de dissolução ou ocultação de bens por parte do devedor [Neste sentido, João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume I, AAFDL, pág. 598, e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, 2012, Almedina, pág.80.]. Atitudes que, no caso, como já dito, não se podem julgar ainda que indiciariamente demonstradas."
[MTS]
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