Pressupostos processuais;
"dogma da prioridade"*
1. O sumário de RG 6/6/2024 (264/23.1T8GMR.G1) é o seguinte:
I - Pretendendo lançar mão do mecanismo previsto no art. 278º, n.º 3, 2ª parte, do CPC, o juiz deverá consignar tal facto expressamente na sentença, pronunciando-se, em concreto, quanto à verificação dos requisitos exigidos pela norma em causa, designadamente mencionando que, não obstante verificar-se naquele caso determinada excepção dilatória, o tribunal não irá proferir decisão de absolvição da instância, mas sim conhecer do mérito da causa.
II - Tendo o tribunal reconhecido a verificação de uma excepção dilatória e expressamente declarado a absolvição do Réu da instância, mercê dessa extinção formal da instância está-lhe vedado conhecer do mérito da causa.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
Para que o tribunal possa lançar mão do mecanismo previsto no art. 278º, n.º 3, 2ª parte, do CPC, é, portanto, necessário que, para além da verificação de uma excepção dilatória, se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos [---] [---].
i) a absolvição da instância se destine tão só a tutelar o interesse de uma das partes (e não, também, a defesa do interesse público na boa administração da justiça [---] [---] ou a tutela de interesses que respeitem também à parte contrária);
ii) no momento da apreciação da excepção, nenhum outro motivo obste ao conhecimento do mérito da causa;
iii) a decisão de mérito a proferir deva ser integralmente favorável a essa parte (ou seja, à parte cujo interesse a absolvição da instância visa tutelar) [---]
Em virtude desta norma, se no momento em que se vai conhecer da excepção for possível conhecer do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável à parte a que respeita a excepção, o tribunal deve conhecer do mérito e absolver o réu do pedido independentemente de se verificar a excepção. Nessa circunstância o conhecimento da excepção fica prejudicado já que é totalmente inútil o tribunal pronunciar-se sobre um vício processual do qual acabará por não retirar consequências ao nível da lide [---] [---]
Pretendendo lançar mão do mecanismo previsto no art. 278º, n.º 3, 2ª parte, do CPC, o juiz deverá consignar tal facto expressamente na sentença, pronunciando-se quanto à verificação dos requisitos exigidos pela norma em causa, designadamente mencionando que, não obstante verificar-se naquele caso determinada exceção dilatória, o tribunal não irá proferir decisão de absolvição da instância, mas sim conhecer do mérito da causa, pronunciando-se, em concreto, quanto aos três mencionados requisitos supra enunciados [---]
No caso sub júdice, resulta da decisão recorrida que a Mm.ª Juíza a quo, no despacho saneador, conheceu e julgou verificada a excepção dilatória de falta de exemplar do contrato de arrendamento alegado pela Autora, tendo tirado a consequência jurídica dessa excepção dilatória, qual seja, a absolvição dos RR. da instância, nos termos dos arts. 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º e 578.º do CPC, tendo inclusivamente condenado a autora nas custas processuais devidas pela presente ação, atento o seu integral decaimento (art.º 527.º do CPC).
Como antecedente e com vista a fundamentar esse segmento decisório concluiu que:
(...) não tendo a Autora junto exemplar escrito do contrato, nem alegado, ao menos, que exigiu da Ré senhoria ou seus antecessores a sua redução a escrito e que aquela ou estes a recusaram, a correcta decisão a decretar será a da extinção da instância, por falta de condição essencial para prosseguir.Sucede que, sem prejuízo da decisão proferida -- que, como vimos, julgou verificada excepção dilatória de falta de exemplar do contrato de arrendamento alegado pela Autora e absolveu os RR. da instância --, dando nota que o objeto do litígio é saber se a Autora tem direito a preferir, com base em ser arrendatária rural do prédio alienado, atento o disposto no art.º 278.º n.º3 do CPC e por os autos reunirem os elementos necessários e suficientes, passou de imediato a conhecer da excepção peremptória arguida pelos RR, atinente a saber da inexistência do direito de preferir, devido à nulidade do contrato, por falta de forma escrita.
E, nessa decorrência, julgou verificada a nulidade do contrato de arrendamento alegado em 1 a 4 da p.i., por falta de forma, e, por via disso, declarou que a Autora não tem direito de preferência id em 31.º da p.i., absolvendo-se os RR do peticionado, sendo que também nesta parte condenou a Autora nas custas processuais que sejam devidas, atento o seu total perdimento de causa (art.º 527º do CPC.
Da enunciação que antecede resulta que a Mm.ª Julgadora não se limitou a dar como verificada a excepção dilatória supra identificada, pois que (também) extraiu como consequência da verificação dessa excepção a absolvição dos RR. da instância, o que não se afigura consentâneo com o regime plasmado no n.º 3, 2ª parte, do art. 278º do CPC.
Com efeito, a decisão recorrida não desconsiderou a absolvição da instância em favor do conhecimento do mérito da causa, posto que expressamente extraiu essa consequência da verificação da excepção dilatória, conforme resulta do primeiro segmento decisório.
Compreende-se que o propósito que presidiu à elaboração da decisão recorrida fosse o não limitar esta a uma mera absolvição (dos réus) da instância, mas sim ver reconhecida a absolvição dos RR. do pedido.
Porém, como vimos, o art. 278º, n.º 3, 2ª parte, do CPC é explícito ao prever que o julgador, quando confrontado com uma causa de absolvição da instância (obviamente procedente), deve abster-se de a declarar, quando e se, no momento em que a declararia, puder conhecer do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.
Em conformidade com o referido fica esclarecido que a decisão recorrida se pronunciou sobre “a excepção dilatória de falta de exemplar do contrato de arrendamento alegado pela Autoraâ€, julgando verificada a sua existência e tendo declarado a sua consequência (a absolvição dos réus da instância) o que inviabiliza o preenchimento dos pressupostos que autorizam a conhecer do mérito ao abrigo da parte final do n.º 3 do art. 278º do CPC.
Assim, ao ter julgado verificada a exceção dilatória e, consequentemente, ao declarar expressamente a absolvição dos RR. da instância, estava vedado à Mm.ª Juíza “a quo†pronunciar-se subsequentemente sobre o mérito a causa, dado que a instância havia sido prévia e formalmente declarada extinta.
Diverso seria se, não obstante a verificação da excepção dilatória, a Mm.ª Julgadora se tivesse abstido de declarar a consequência dessa excepção (a absolvição dos réus da instância), visto que nessa hipótese estaria (em princípio) legitimada a passar ao conhecimento do mérito da causa (da excepção perentória da nulidade do contrato de arrendamento alegado em 1 a 4 da p.i., por falta de forma), com a consequente exclusão do direito de preferência (da Autora) e a absolvição dos RR do pedido.
Nestes termos, impõe-se a procedência da apelação, com a consequente revogação da sentença recorrida no tocante ao segmento decisório em que, conhecendo do mérito da causa, julgou verificada a nulidade do contrato de arrendamento alegado em 1 a 4 da p.i., por falta de forma, e, por via disso, declarou que a Autora não tem direito de preferência id em 31.º da p.i., absolvendo-se os RR do peticionado, bem como do segmento final em que condenou a Autora nas custas processuais que sejam devidas, atento o seu total perdimento de causa (art.º 527º do CPC).»
*3. [Comentário] O art. 35.º, n.º 5, DL 355/88, de 25/10, estabelece o seguinte: "Nenhuma acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária".
Sobre o "dogma da prioridade" da apreciação dos pressupostos processuais clicar aqui.
MTS
*3. [Comentário] O art. 35.º, n.º 5, DL 355/88, de 25/10, estabelece o seguinte: "Nenhuma acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária".
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