"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



28/02/2014

Bibliografia (5)


-- Ferreira Palma, A., Embargos de Terceiro (Coimbra: Almedina 2014) (Ebook/EPub)
 
-- Fernandez, E., Um Novo Código de Processo Civil?/Em busca das diferenças (Porto: Vida Económica 2014)

Papers (5)

 
-- Shestowsky, D., The Psychology of Procedural Preference: How Litigants Evaluate Legal Procedures Ex Ante (01.2014)
 ( http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2378622 )

-- Ramos Muñoz, D., The Power of Arbitrators to Make Pro-Futuro Orders (02.2014)
( http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2397121 )

 

27/02/2014

Dupla conforme; condenação mais favorável do recorrente na 2.ª instância

 
1. Num acórdão de 13/2/2014 o STJ decidiu o seguinte:
 
Verifica-se a dupla conforme quando a decisão de 1.ª instância condena o réu em determinado montante [...] e, em recurso por este interposto, a Relação reduz tal condenação [...], caso em que o âmbito da decisão da Relação já se encontra compreendido na condenação prolatada em 1.ª instância. 
 
Esta decisão surge na sequência de outros arestos do STJ que decidiram no mesmo sentido. Por exemplo:

 

2. O que está em causa é a seguinte situação: numa acção em que o autor pede a condenação do réu na quantia x, em 1.ª instância a acção é considerada procedente na quantia x ou na quantia x-1; o réu recorre da decisão condenatória para a Relação; a Relação mantém a condenação do recorrente, mas reduz o montante da condenação para x-2; a decisão da Relação (x-2) não coincide com a decisão da 1.ª instância (x ou x-1), pelo que, aparentemente, essa circunstância obsta ao funcionamento da dupla conforme. Lembre-se que a proibição da reformatio in peius impede que se considere qualquer outra hipótese, nomeadamente a de a Relação condenar em x+1.

Uma análise mais cuidada do regime legal mostra, no entanto, que não pode deixar de se verificar a dupla conforme no caso em análise. O fundamento é o seguinte: se as decisões das instâncias forem totalmente idênticas -- isto é, se o réu for condenado na mesma quantia em ambas as instâncias --, o réu duplamente condenado não pode interpor recurso de revista para o STJ; logo, seria incoerente que, tendo o réu recorrente obtido na 2.ª instância uma decisão mais favorável do que na 1.ª instância, fosse admitida a interposição de revista para o STJ por essa parte. Se, voltando ao exemplo anterior, o réu que é condenado em x ou em x-1 não pode interpor revista para o STJ se a Relação o condenar no mesmo x ou x-1, então não se pode admitir que o réu que é condenado na 2.ª instância em x-2 possa recorrer para o STJ. O recorrente que é favorecido, em relação à decisão da 1.ª instância, pelo acórdão da Relação não pode interpor revista para o STJ, porque, de acordo com o regime da dupla conforme, também o não poderia fazer se o acórdão da Relação lhe tivesse sido tão desfavorável quanto o foi a decisão da 1.ª instância.

Esta solução é a única que se mostra compatível com a coerência do regime da dupla conforme. Outra coisa é a bondade deste regime, embora se deva acrescentar que a orientação defendida nos referidos acórdãos do STJ amplia o âmbito de aplicação do regime da dupla conforme e torna-o menos aleatório e mais justo.
 
3. No sentido da orientação defendida nos acórdãos acima citados, cf. M. Teixeira de Sousa, "Dupla conforme": critério e âmbito da conformidade, CDP 21 (2008), 21 ss.; A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil (2013), 289 e 289 n. 370.
 
MTS
  

26/02/2014

25/02/2014

Efeitos da insolvência; inutilidade superveniente da lide


O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2014, de 25/2, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido:
 
"Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C."
 
Este AcSTJ foi declarado não inconstitucional pelo Acórdão n.º 46/2014 do TC de 9/1/2014 -- também disponível aqui --, no qual se definiu o seguinte:

"Não julga inconstitucional a interpretação normativa de acordo com a qual, transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil."

24/02/2014

Inadmissibilidade de recurso para o STJ; não inconstitucionalidade


1. O TC, no seu Acórdão n.º 657/2013, de 8/10/2013 -- também disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130657.html -- decidiu o seguinte:

"Não julga inconstitucionais as normas do artigo 763.º do Código de Processo Civil, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto."

É a seguinte a redacção deste preceito:




Artigo 763.º
(Fundamento do recurso)
 
1. As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça quando o Supremo proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
2. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito em julgado, presumindo-se o trânsito.
3. O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão recorrido estiver de acordo com jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.

2. Note-se que, apesar de o art. 763.º aCPC corresponder ao actual art. 688.º nCPC, a situação legal é agora algo distinta, embora para casos diferentes do decidido no acórdão do TC, ou seja, para casos em que a irrecorribilidade para o STJ não resulta da relação entre o valor da causa e a alçada da Relação.
Atendendo ao disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), nCPC -- que estabelece que é sempre admissível recurso para o STJ do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme -- é possível interpor, nas condições definidas, recurso para o STJ de um acórdão da Relação; se o STJ vier a proferir um acórdão que esteja em contradição com outro acórdão do mesmo tribunal, é admissível a interposição do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência (art. 688.º, n.º 1, nCPC).
 
MTS

21/02/2014

Interrupção da prescrição; não inconstitucionalidade


No seu Acórdão n.º 67/2014 de 21/1/2014 -- também disponível em
 
"Não julga inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, na interpretação segundo a qual, numa ação executiva, se a citação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao exequente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias, mesmo que a citação venha a ter lugar mais de vinte anos após a verificação dos factos." 

20/02/2014

Paper (3)


O seguinte artigo
comenta uma interessante decisão espanhola sobre a responsabilidade civil derivada de danos causados pela talidomida.

18/02/2014

Conflito de competência entre juízos de pequena instância cível e juízos cíveis

 
1. Entre os juízos de pequena instância cível e os juízos cíveis da Comarca de Lisboa surgiu um conflito quanto à competência para a tramitação e julgamento das acções cíveis, instauradas depois de 1/9/2013, com valor não superior a € 5000 e destinadas ao cumprimento de obrigações pecuniárias, à indemnização por dano e à entrega de coisa móvel. Como se sabe, a estas acções correspondia outrora, nos termos do art. 462.º aCPC, a forma de processo sumaríssimo.
O conflito decorre -- segundo se supõe -- das seguintes circunstâncias:
-- O art. 2.º, n.º 1, L 41/2013, de 26/6, estabelece que "as referências, constantes de qualquer diploma, ao processo declarativo ordinário, sumário ou sumaríssimo consideram-se feitas para o processo declarativo comum";
-- O art. 101.º L 3/99, de 13/1 (LOFTJ) dispõe, na parte que agora interessa, que "compete aos juízos de pequena instância cível preparar e julgar as causas cíveis a que corresponda a forma de processo sumaríssimo [...]"; 
-- O art. 130.º L 52/2008, de 28/8 (NLOFTJ) estabelece, também apenas na parte que agora releva, que "compete à pequena instância cível preparar e julgar as causas cíveis a que corresponda a forma de processo sumaríssimo [...]".
Como o art. 2.º, n.º 1, L 41/2013 impõe que as referências feitas ao processo sumaríssimo passem a ser consideradas como realizadas para o processo declarativo comum, pode perguntar-se se isso implica que os juízos de pequena instância cível (ou as pequenas instâncias cíveis) deixam de ser competentes para os processos que, antes de 1/9/2013 eram qualificados como sumaríssimos.
 
2. Em abstracto, a referência ao processo sumaríssimo (ou a qualquer outra forma de processo) constante de uma regra jurídica pode ser considerada como uma qualificação ou como uma remissão:
-- A referência à forma de processo deve ser vista como uma qualificação quando a regra qualifica determinado processo, atendendo ao seu valor e ao seu objecto, como um processo sumaríssimo;
-- A referência a essa forma de processo deve ser entendida como uma remissão quando a regra, em vez de aludir a um processo com determinadas características -- em concreto, a um processo cujo valor não excede a alçada da 1.ª instância e que tem por objecto o cumprimento de obrigações pecuniárias, a indemnização por dano ou a entrega de coisas móveis --, emprega apenas a expressão "processo sumaríssimo".
A distinção entre uma referência qualificatória e uma referência remissiva tem importância no actual contexto, porque o art. 2.º, n.º 1, L 41/2013 se aplica à primeira, mas não à segunda. Dito de outro modo: o art. 2.º, n.º 1, L 41/2013 requalifica os processos que antes eram qualificados como ordinários, sumários e sumaríssimos em processos declarativos comuns, mas não determina que as referências de carácter remissivo que são feitas para estas formas do processo declarativo passem a ser feitas para o processo declarativo comum.
O art. 2.º, n.º 1, L 41/2013 destina-se a acabar com a diferença na tramitação entre diversas formas do processo declarativo comum, mas não pode visar acabar com a aferição da competência em razão da forma do processo, desde logo porque isso retiraria qualquer sentido prático a essa aferição. No limite, se a referência a uma forma de processo ordinária, sumária ou sumaríssima passasse a ser entendida como feita ao processo declarativo comum, isso implicaria, por exemplo, que um tribunal que só tinha competência para o processo ordinário passaria a ser competente para um processo sumaríssimo, e vice-versa. É por isso que a referência a qualquer uma das antigas formas do processo declarativo comum nas leis de organização judiciária vigentes não pode ser abrangida pelo disposto no art. 2.º, n.º 1, L 41/2013.
Esta conclusão já é suficiente para que se deva entender que o art. 2.º, n.º 1, L 41/2013 não abrange nem o art. 101.º L 3/99, nem o art. 130.º L 52/008. Estes preceitos não qualificam um certa forma de processo como sumaríssima; o que eles fazem é delimitar a competência dos juízos ou dos tribunais de pequena instância cível em função de uma determinada forma de processo. Por isso, a remissão daqueles preceitos para o processo sumaríssimo deve ser entendida como uma remissão para um processo com um certo valor e com um determinado objecto.
Acresce, na sequência do acima referido, ainda um outro aspecto. Se se considerasse que a referência ao processo sumaríssimo que consta do art. 101.º L 3/99 e do do art. 130.º L 52/2008 se deveria entender como feita ao processo declarativo comum, então isso implicaria que estes preceitos deixariam de ter qualquer função delimitadora da competência dos juízos ou tribunais de pequena instância civil e atribuiriam competência a estes juízos ou tribunais para qualquer acção que seguisse a forma de processo declarativo comum. Isto é: a seguir-se a orientação que entende que a remissão para o processo sumaríssimo que consta daqueles preceitos deve ser considerada como feita para o processo declarativo comum, isso não teria como consequência retirar nenhuma competência aos juízos e aos tribunais de pequena instância, mas antes atribuir a esses juízos ou tribunais competência para qualquer processo declarativo comum. Se, com fundamento no disposto no art. 2.º, n.º 1, L 41/2013, se entendesse que onde está "processo sumaríssimo" deveria ler-se "processo declarativo comum", então a consequência não seria a de que os juízos e tribunais de pequena instância civil deixariam de ser competentes para a apreciação dos antigos processos sumaríssimos, mas antes a de que passariam a ser competentes para qualquer processo declarativo comum. Nesta óptica, o conflito que se originaria entre os juízos de pequena instância cível e os juízos cíveis não seria um conflito negativo (nenhum dos tribunais é competente para os processos a que corresponda a antiga forma sumaríssima), mas antes um conflito positivo (qualquer desses tribunais seria competente para qualquer acção que seguisse a forma declarativa comum, incluindo qualquer acção a que correspondesse a antiga forma sumaríssima).
 
3. Pelo exposto, há que concluir que a referência ao processo sumaríssimo que consta do art. 101.º L 3/99 e do art. 130.º L 52/2008 tem um sentido puramente remissivo: o legislador, em vez de aludir a um processo com determinadas características, utilizou a expressão "processo sumaríssimo" para descrever um certo tipo de processo quanto ao valor e ao objecto; apesar de o processo sumaríssimo ter desaparecido como forma do processo declarativo comum, não desapareceram os processos que apresentam as características dos antigos processos sumaríssimos quanto ao valor e ao objecto; logo, aqueles preceitos devem ser interpretados como se estabelecessem que "compete aos juízos de pequena instância cível/à pequena instância civil preparar e julgar as causas cíveis  cujo valor não exceda a alçada da 1.ª instância e que tenham por objecto o cumprimento de obrigações pecuniárias, a indemnização por dano e a entrega de coisas móveis". Neste sentido, não se verifica nenhuma alteração na competência dos juízos ou dos tribunais de pequena instância cível: estes continuam a ser competentes para os processos que apresentam as características dos antigos processos sumaríssimos, dado que estes desapareceram enquanto nomen iuris, mas não enquanto processos delimitados em função de certas características.
 
MTS
   
 

Paper (2)


-- Stein, A., Behavioral Probability, Cardozo Legal Studies Research Paper No 420 (28/1/2014)

Nota: Alex Stein é um dos nomes cimeiros da doutrina norte-americana e israelita em matéria de prova. Para outras informações e alguns downloads, cf. http://www.professoralexstein.com/ .
 

 

15/02/2014

Anulação da decisão recorrida, cumulação "oculta" de pedidos e poderes do juiz do tribunal a quo

 
1. O acórdão da RG de 14/11/2013 -- disponível no endereço
decidiu um caso que, no essencial e no que é agora relevante, se caracteriza pelo seguinte:
-- Uma empresa propôs uma acção contra uma companhia de seguros, pedindo a condenação desta no pagamento de uma quantia para ressarcimento dos danos provocados por dois furtos;
-- O tribunal de 1.ª instância proferiu uma decisão condenatória da companhia seguradora pelos danos sofridos pela demandante, em consequência dos dois furtos de que esta última foi vítima;
-- A companhia de seguros demandada (e condenada a indemnizar a demandante pelos dois furtos que esta sofreu) interpôs recurso de apelação;
-- A Relação deu provimento parcial a este recurso, ordenando que a 1.ª instância aditasse um artigo à base instrutória; este artigo respeitava apenas ao segundo dos referidos furtos;
-- Repetido o julgamento para a resposta a este artigo, o juiz de 1.ª instância proferiu uma nova decisão em que considerou a acção parcialmente procedente; nesta nova decisão, o juiz absolveu a demandada quanto à indemnização respeitante aos danos sofridos pela demandante em consequência o primeiro furto, mantendo a condenação quanto ao ressarcimento dos danos decorrentes do segundo furto;
-- Interposto novo recurso (agora -- também -- pela demandante), a RG entendeu (i) que o juiz de 1.ª instância, ao transformar uma decisão totalmente condenatória numa decisão parcialmente condenatória, violou a regra do esgotamento do poder jurisdicional, pois que, com base na mesma matéria de facto relativa ao primeiro furto, proferiu duas decisões distintas, e (ii) substituiu esta decisão parcialmente absolutória por uma decisão condenatória da companhia de seguros numa quantia destinada a ressarcir os danos sofridos pela demandante em ambos os furtos.
 
2. Não está em causa o poder de a RG considerar a acção totalmente procedente depois de a 1.ª instância ter julgado a acção apenas parcialmente procedente. O que pode estar em causa é o fundamento, utilizado pela RG no acórdão em análise, de que, mesmo após a anulação da primeira decisão, o juiz de 1.ª instância só tem poder jurisdicional para voltar pronunciar-se sobre matéria que se relacione com o fundamento da anulação.
Considerado sem mais, este argumento não pode ser  procedente. A anulação pela Relação da decisão recorrida, ainda que com um fundamento circunscrito a um aspecto ou um elemento dessa decisão, não é uma anulação parcial. O fundamento da anulação pode ser parcial, mas a anulação da decisão é total. Sendo assim, depois de a decisão recorrida ter sido anulada in toto, reabre-se, também in toto, o poder jurisdicional do juiz a quo.
O caso concreto comporta, porém, um elemento que não foi considerado nem no primeiro recurso, nem no acórdão em análise, mas que que teria sido muito relevante para a sua decisão. O problema é o seguinte: apesar de -- segundo parece -- a demandante ter formulado um pedido unitário, isto é, ter apresentado um pedido relativo ao ressarcimento conjunto dos danos decorrentes do primeiro e do segundo furto, será que não se verifica realmente uma cumulação de pedidos? A importância da resposta a esta questão é obvia: o que vale para a anulação de uma decisão sobre um único pedido não vale necessariamente para a anulação de uma decisão relativa a um dos pedidos cumulados.
Uma cumulação de pedidos ocorre, não quando a parte a apresenta como tal, mas quando estão preenchidos os requisitos que a caracterizam (dois ou mais pedidos com utilidade económica própria formulados em conjunto numa acção). Não pode deixar de ser assim, dado que a qualificação jurídica é matéria de direito de que as partes não podem dispor. É por isso que um pedido unitário pode "ocultar" uma cumulação de pedidos, mas esta, apesar de "oculta", deve ser tratada como tal pelo tribunal da causa e pelos tribunais superiores.
Há, aliás, um argumento substancial a favor deste entendimento: de outra forma, uma verdadeira cumulação de pedidos seria tratada diferentemente consoante a parte a apresentasse como tal ou a dissolvesse num pedido unitário. Basta pensar, por exemplo, nas consequências quanto à recorribilidade da decisão: a "ocultação" num pedido unitário cujo valor é maior que a alçada do tribunal de um pedido cujo valor não ultrapassa essa alçada não pode justificar a recorribilidade deste último pedido. De outra forma, permitir-se-ia que a parte contornasse a irrecorribilidade da decisão quanto a um pedido que realmente formula, pela circunstância de o "ocultar" num pedido unitário mais vasto.. 
Posto este enquadramento, é possível voltar a analisar o caso sub iudice. Apesar de a demandante -- segundo parece -- ter formulado um pedido unitário, este "esconde" realmente uma cumulação de pedidos. O que a demandante pretende é ser ressarcida dos danos sofridos com o primeiro furto e com o segundo furto; acresce que cada um destes furtos e respectivos prejuízos constitui um causa de pedir autónoma, pelo que a demandante pretende realmente obter a condenação da demandada em dois pedidos distintos fundados em duas causas de pedir igualmente distintas.
Sendo assim, há que concluir que, se, no primeiro recurso interposto, a Relação tivesse detectado a cumulação "oculta" e tivesse confirmado a decisão quanto a um dos pedidos (ou seja, quanto a um dos furtos) e tivesse anulado a decisão quanto ao outro pedido (isto é, quanto ao outro furto), o juiz de 1.ª instância não poderia pronunciar-se, de novo, sobre o que anteriormente decidira quanto ao pedido cuja decisão fora confirmada pela Relação. Quanto a esse pedido esgotara-se o seu poder jurisdicional, dado que a decisão confirmatória da Relação só poderia vir a ser alterada num eventual recurso interposto para o STJ.
Sucede, no entanto, que a Relação que apreciou o primeiro recurso não detectou a cumulação "oculta" e se limitou a anular a decisão da 1.ª instância (então, necessariamente, in toto). Neste condicionalismo, parece difícil entender que o juiz da 1.ª instância não poderia voltar a apreciar a causa igualmente in toto. É esta circunstância que torna duvidosa a orientação da RG no acórdão em análise. 

3. Numa nota final, talvez possa ser reforçada a chamada de atenção para a cumulação "oculta" de pedidos. Os tribunais devem estar atentos a essa cumulação, dado que ela tem de preencher os respectivos pressupostos processuais (cf. art. 553.º a 555.º nCPC) e deve ser tratada como uma verdadeira cumulação, nomeadamente quanto à apreciação autónoma de cada um dos pedidos cumulados tanto pela 1.ª instância, como pelos tribunais de recurso. 

MTS

 
 

13/02/2014

Dura lex sed lex?

 
 
O acórdão do STJ de 23/1/2014 -- que se encontra disponível em
 
 
entendeu, de acordo com o seu sumário, o seguinte:
  
"I - O contrato-promessa caracteriza-se especificamente pelo seu objecto, uma obrigação de contratar, a qual pode ser relativa a qualquer outro contrato.
II - A regra da livre fixação do conteúdo dos contratos está sujeita a limitações em que aflora o princípio da boa - fé, quer na preparação ou formação dos contratos (artigo 227.º, n.º 1, do CC), quer na sua execução (artigo 762.º, n.º 2, do CC). [...]
V – O desequilíbrio no exercício do direito (desproporção inadmissível entre a vantagem própria e o sacrifício que impõe aos outros) constitui uma das modalidades em que se desdobra o abuso do direito.VI - Sendo diferentes a obrigação do promitente-vendedor, que é também construtor, e do promitente-comprador, a simples estipulação de prazos diferentes para a verificação da mora e do incumprimento (cujo regime aplicável é, parcialmente, o legal, supletivo) não permite concluir pelo desequilíbrio das prestações, em termos susceptíveis de ofender o princípio da boa-fé.
VII - O direito à resolução ou modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias pressupõe (i) que a alteração a ter por relevante diga respeito a circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar, (ii) que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal, (iii) que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes, (iv) que tal manutenção do contrato ou dos seus termos afecte gravemente os princípios da boa-fé, (v) que a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato, e, (vi) por último, a inexistência de mora do lesado.
VIII - Diferentemente do erro, em que a base do negócio é unilateral, respeitando exclusivamente ao errante, na alteração das circunstâncias a mesma é bilateral, respeitando simultaneamente aos dois contraentes (i.e., [é necessárioi] que se produza uma alteração anormal das circunstâncias em que ambas as partes fundaram a decisão de contratar).
IX - Nas situações de crise, a alteração relevante carece ainda de ser anormal, requisito ligado à imprevisibilidade, pois que, sendo a alteração normal, as partes poderiam tê-la previsto e acautelado, na conclusão do contrato, as suas consequências, pelo que as alterações da taxa de juro e de esforço na concessão de empréstimo bancário pagamento do preço do contrato prometido, o desemprego e a desvalorização da moeda são insusceptíveis de preencher tal requisito."
 

11/02/2014

Convenção sobre os Acordos de Eleição do Foro

 
A UE prepara a adesão à Convenção sobre os Acordos de Eleição do Foro (Haia, 30/6/2005), como decorre do COM(2014) 46 final, de 30/1/2014, acessível no endereço:
 

Efeitos da insolvência; não inconstitucionalidade



1. No seu Acórdão n.º 46/2014, de 9/1/2014 -- também disponível em 


"Não julga inconstitucional a interpretação normativa de acordo com a qual, transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil."

Este acórdão declara não inconstitucional o AU de 15/5/2013, no qual se tinha definido que:
 
"Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor [trabalhador] contra o devedor [entidade patronal], destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do C. P. C." (sumário disponível em 
 
2. Sobre a matéria tem também interesse conhecer a argumentação constante do acórdão do STJ de 11/12/2013, acessível em
 
MTS
 
 
 
 

10/02/2014

Proibição de reformatio in peius, caso julgado e admissibilidade da revista

 
1. O acórdão do STJ de 18/12/2013 -- relatado pelo Cons. Abrantes Geraldes e acessível em
 
 
trata uma matéria interessante e com grande relevância prática. O sumário do acórdão -- que mostra claramente o problema subjacente e a solução para ele encontrada -- é o seguinte:
 
"1. É de admitir a revista, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, se for invocada a ofensa de caso julgado (art. 629.º, n.º 2, al. a) in fine, nCPC);
2. Tal ocorre designadamente quando a Relação, no âmbito de recurso de apelação interposto pelo Autor, modifica ex officio o que foi decidido na sentença da 1.ª instância que é objecto de recurso, em termos que se revelam mais desfavoráveis para o próprio apelante, em desrespeito do que dispõe o n.º 5 do art. 635.º nCPC."
 
Em concreto, citando do acórdão:
"Com o presente recurso pretende a recorrente que se mantenha a sentença de 1.ª instância que considerou que a atribuição do legado dependia apenas do preenchimento de uma das duas condições alternativas [estabelecidas no testamento]. Para o efeito alegou que o acórdão da Relação não respeitou o caso julgado que se formara sobre a sentença de 1.ª instância, na parte em que reconheceu à A. o direito ao legado por qualquer das duas condições alternativas que ficaram previstas no testamento.
Ou seja, enquanto a 1.ª instância decidiu que o reconhecimento do direito ao legado dependia apenas do preenchimento de qualquer uma das duas condições (não atribuição da pensão ou para efeitos de sobrevivência), a Relação considerou que o reconhecimento do direito ao recebimento de pensão de sobrevivência prejudicava o direito ao recebimento do legado pelo outro motivo (sobrevivência)."
 
O que se entendeu no acórdão foi, em suma, que o que não é objecto do recurso de apelação transita em julgado e não pode ser modificado pela Relação em sentido desfavorável ao recorrente; logo, qualquer reformatio in peius decidida oficiosamente pela Relação viola aquele caso julgado e permite a interposição de revista para o STJ, qualquer que seja o valor da causa e o montante da sucumbência, nos termos do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. a) in fine, nCPC.
Atendendo à factualidade descrita e ao estabelecido no art. 635.º, n.º 5, nCPC, parece impor-se concluir que o STJ decidiu bem.
 
MTS

09/02/2014

Bibliografia (4)



-- Lupoi, M. A., Regolamento (EU) n. 1215/2012 del Parlamento Europeo e del Consiglio del 12 dicembre 2012 concernente la competenza giurisdizionale, il riconoscimento e l’esecuzione delle decisioni in materia civile e commerciale, in Carpi, F./Taruffo, M. (Eds.), Commentario breve al codice di procedura civile/Ultimissime sul processo civile (Padova: CEDAM 2013), 139-176

-- Lupoi, M. A., L'attuazione begli altri Stati membri dei provvedimenti provvisori e cautelari nel regolamento Ue n. 1215 del 2012 (Bruxelles I bis)

-- Lupoi, M. A, La nuova disciplina della litispendenza e della connessione tra cause nel regolamento UE n. 1215 del 1212, RTDPC 67 (2013), 1425

 

06/02/2014

Bibliografia (3)


-- Lebre de Freitas, J., A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª ed. (Coimbra: Coimbra Editora 2014)

Papers (1)


-- Abrantes Geraldes, A., Sentença cível (01.2014

-- Abrantes Geraldes, A., Nótula sobre a jurisdição cível (01.2014

Bibliografia (2)


-- Carvalho Gonçalves, M., Notas sobre o regime transitório de aplicação do novo Código de Processo Civil, CDP 44 (2013), 23

-- Menezes Cordeiro, A., Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Ação e culpa in agendo, 3.ª ed. (Coimbra: Almedina 2014)

04/02/2014

Aplicação da lei no tempo do regime dos recursos



interpretou o regime de aplicação no tempo dos recursos (art. 7.º L 41/2013, de 26/6) nos seguintes termos:

"Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil é o seguinte o regime dos recursos:
- Se a decisão for proferida após 1 de Setembro de 2013, aplica-se o CPC anterior, com as alterações do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, "corrigidas" pelo diploma de 2013, independentemente da propositura da acção ser anterior a 1 de Janeiro de 2008;
- Há, porém, uma única excepção: o n.º 3 do artigo 671.º [nCPC] (correspondente ao n.º 3 do art. 721.º [aCPC]) que não se aplica aos novos recursos na parte em que exclui a dupla conformidade no caso de uma "uma fundamentação essencialmente diferente"."

Importa notar o seguinte:
-- Nos termos do art. 7.º, n.º 1, L 41/2013, a excepção relativa ao art, 671.º, n.º 3, nCPC só vale para as decisões proferidas em acções instauradas antes de 1/1/2008;
-- A aplicação desta excepção é irrestrita, isto é, vale independentemente de a fundamentação das decisões das instâncias ser essencialmente idêntica ou diferente.
Em suma, o regime é o seguinte:
-- Decisões proferidas depois de 1/9/2013 em acções instauradas depois de 1/1/2008: aplica-se o regime que consta do nCPC (o "depois-depois" implica aplicação sem excepção do nCPC);
-- Decisões proferidas depois de 1/9/2013 em acções instauradas antes de 1/1/2008: aplica-se o regime introduzido pelo nCPC, com excepção do disposto no art. 671.º, n.º 3, nCPC (o "depois-antes" implica aplicação do nCPC com excepção do art. 671.º, n.º 3). 

MTS